As marchinhas carnavalescas e a liberdade de expressão

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A liberdade de expressão, para a maioria dos brasileiros, não é absoluta. Há limites claros sobre a liberdade.

O Carnaval brasileiro começou. Blocos nas ruas, sambódromos cheios. Corpos trabalhados por meses em academias, alguns com uso de anabolizantes, e todo procedimento que possa tornar a aparência corporal atrativa aos olhos. Se antes era uma expressão cultural do ‘baderneiros’ negros, contemporaneamente é um dos espetáculos mais famosos do planeta, assim dizem. Carnaval, em si, é para poucos brasileiros; refiro-me aos clubes, aos camarotes nos sambódromos. Dizem, também, que as cidades brasileiras lucram com o turismo. Bom, se é verdade, como explicar o que escreverei abaixo:

  • A maioria das cidades brasileiras não possuem redes de tratamento de esgoto sanitário;
  • Há intermináveis ‘crateras’ nas pistas de rolamento e calçadas;
  • Cada vez mais os serviços públicos são terceirizados;
  • Faltam medicamentos, macas, luvas cirúrgicas, pagamentos aos servidores públicos nos hospitais da rede pública;
  • Os estado e municípios sempre sem dinheiro;
  • Os servidores militares [policiais e bombeiros] possuem péssimos equipamentos para trabalhar;
  • O sistema de informação é do tempo do ‘onça’.
  • E a tal da liberdade de expressão. Será que não há limites? Vejo muito na Rede Mundial de Computadores que a liberdade de expressão e de pensamento parece um verdadeiro divã, cujos consulentes, já deitados, podem desabafar suas angústias, racismos, preconceitos. Alguns dizem que podem até criar páginas para angariar pessoas que queiram a anarquia.

Sobre a liberdade de expressão e de pensamento

Primeiramente, a liberdade não é absoluta, não é um ‘divã’. Há limite solar. Vale para todos: jornalistas [diplomados ou não], imprensa em geral, agentes públicos etc. Há uma panaceia quanto aos direitos humanos, isto é, a liberdade de expressão e de pensamento. A princípio, tudo é permitido? Antes de me aprofundar no assunto, falarei sobre a titularidade do direito à liberdade de expressão. A titularidade está normatizada no artigo 13 da Convenção Americana:

“Artigo 13. Liberdade de pensamento e de expressão

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.

2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar:

a. O respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou

b. A proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões.”.

A liberdade de expressão não se limita a um grupo de pessoas [sexualidade, etnia, morfologia, credo, homem ou mulher, adulto ou criança, idoso ou não], a determinada profissão [jornalistas, diplomados ou não, garimpeiros, garis, trabalhadores doméstico, engenheiros, médicos etc.], à capacidade eleitoral [ativa ou passiva], ao nível de graduação escolar [universitário, fundamental ou médio]. Em poucas palavras, se um marciano aterrissar em solo terráqueo, e começar a reclamar das violações dos direitos humanos, o ‘homenzinho verde’ terá todo o direito de se expressar. Até aqui, pelo vislumbre, pode se cogitar a ação de bradar, acusar, repudiar, incitar ‘direitos’, sem que nenhuma força humana se imponha para impedir.

Contudo, o art. 13 da Convenção Americana não termina no item ‘3’. É comum, dos que querem defender o indefensável, ouvirmos que a liberdade de expressão garante a plena liberdade, sem limites. Isso serve muito bem para grupos humanos unilaterais. Ou seja, defender o próprio ponto de vista sem ser universalista, como são os direitos humanos. Transcreverei a continuação, os demais itens, do artigo em comento:

“Art. 13 (...):

4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2.

5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência”.

É fácil inferir: a liberdade de expressão não é absoluta!

A censura prévia é possível, quanto aos espetáculos públicos, “para proteção moral da infância e da adolescência”. Isto quer dizer que, por exemplo, em nenhuma manifestação popular se pode cometer ato obsceno quando há crianças. Em certa manifestação do grupo LGBT, um jovem introduziu crucifixo em seu ânus. Isso é crime! E há norma jurídica brasileira criminalizando o ato:

“Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940 — Código Penal

Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.”.

Outra censura prévia é quanto à “propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência”, do item ‘5’. A língua vernácula:

1) Propaganda

[Do lat. Propaganda, do gerundivo de propagare, 'coisas que devem ser propagadas'.]

S. F.

1. Propagação de princípios, ideias, conhecimentos ou teorias.

2. Sociedade vulgarizadora de certas doutrinas.

3. Prop. Arte e técnica de planejar, conceber, criar, executar e veicular mensagens de propaganda.

 4. Prop. Difusão de mensagem, ger. De caráter informativo e persuasivo, por parte de anunciante identificado, mediante compra de espaço em TV, jornal, revista, etc.; publicidade.

2) Apologia

[Do gr. Apología, pelo lat. Tard. Apologia.]

S. F.

 1. Discurso para justificar, defender ou louvar.

 2. Encômio, louvor, elogio.

[Sin. Ger.: apologismo.]

3) Incitar

[Do lat. Incitare.]

V. T. D.

 1. Instigar, impelir, mover: 2

 2. Estimular, instigar, excitar: 2

 3. Provocar, suscitar, ocasionar: 2

 4. Açular, instigar (um animal): &

V. T. D. E i.

 5. Instigar, mover, compelir: & 2

V. P.

 6. Estimular-se, excitar-se.

 7. Irritar-se, encolerizar-se, enfurecer-se.".

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Exemplo sobre ‘propaganda’, ‘apologia’ e ‘incitação’: o nazismo, exemplo de barbarismo.

Pois bem, o Brasil é um caldeirão infernal de pessoas defensoras da xenofobia, do ‘anti’ — pouparei a repetição do prefixo ‘anti’ — religião afrodescendente, homoafetividade, poliafetividade, socialismo, comunismo, liberdade de expressão (quando vai de encontro aos interesses aristocráticos, políticos [corrupção] etc.), pessoas com necessidades especiais (física: tetraplégicos, hemiplégicos, paraplégicos; mental: Síndrome de Down; outros casos: TDAH - Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, TDA - Transtorno de Déficit de Atenção, Dislexia e disgrafia, gagueira, distúrbio de aprendizagem - lentidão na aprendizagem).

Outrora a religião oficial do Estado, na Constituição Imperial [1824], era a Católica, na Carta Política 'tapeação’ de 1988 — lei de papel — a religião é evangélica, que digam os parlamentares. Se o Manicômio de Barbacena servia como centro de excelência de exclusão social, com a sua derrocada, a internet passou a ser a possibilidade de se construir um ‘muro’ de proteção dos ‘bons costumes’, da ‘família de Deus’:

  • Afrodescendentes são atacados;
  • Ideias libertadoras da sexualidade reprimida — principalmente a feminina — são atacadas como sendo ‘obras do demônio’, ‘pouca vergonha na cara’;
  • A religião afrodescendente é perseguida pela Santa Inquisição moderna;
  • Os inimputáveis [negros] devem morrer, sem julgamento, pelo simples fato de terem a pele escura;
  • As ações afirmativas — Lei Maria da Penha, cota racial, proteção às crianças e aos adolescentes [ECA] etc. — são ‘obras de comunistas’ para dominar o mundo;
  • As ‘vadias’ que andam de shortinhos devem ser estupradas, pois ‘incitam’ os ‘machos alfas’;
  • Conselho Tutelar é centro de defesa dos marginais mirins;
  • Movimentos sociais — os quais exigem os direitos sociais — são grupos subversivos à ‘ordem e segurança nacional’.
  • Nos discursos neuróticos, em defesa da ‘família de Deus’, a liberdade de expressão [neurótica] é defendida com correntes, facas, tiros, ameaças verbais, adesivos em carros — Dilma Rousseff de pernas aberta.

Para a ‘família de Deus’, os novos movimentos — a começar pelo movimento estudantil de 2013 — são articulações, comunistas, para tomar o poder do Estado, e não movimentos sociais legítimos exigindo o Estado Democrático de Direito, no dia a dia.


As marchinhas de carnavais

As antigas marchinhas foram criadas em épocas negras da política brasileira. Mesmo nas Constituições promulgadas [1891, 1934, 1946 e a atual, a de 1988], os direitos eram para poucos. Numa sociedade veementemente darwinista social e eugênica, como ainda é, certas marchinhas ferem os direitos humanos. É preciso, antes de mais nada, analisar o contexto social brasileiro vigente neste início de século [XXI]. Como já exposto, o Brasil é um país edificado sobre a filosofia do ‘sangue azul’ — preconceito étnico, religioso e cultural. Qualquer cidadão que acessar a Rede Mundial de Computadores poderá ter notícias sobre discriminações e preconceitos aos nordestinos, aos negros, às mulheres que se vestem com roupas decotadas, às pessoas com necessidades especiais, aos indivíduos que trabalham em subempregos — gari, faxineira, empregada doméstica, copeiro etc.

  • Se o cabelo não é liso, bom sujeito não é;
  • Se a mulher fala de sua sexualidade, ou se ‘atreve’ a contra-argumentar com o dono de sua alma e de seu corpo [marido, namorado, ficante], não passa de uma ‘mulher da vida’;
  • Se a autoridade escutar alguma reclamação do administrado, o qual reclama da demora do serviço público, algema e condenação por crime de ‘desacato’.

 Algumas marchinhas

Cabeleira do Zezé

"Olha a cabeleira do Zezé Será que ele é? / Será que ele é? - Olha a cabeleira do Zezé Será que ele é? / Será que ele é? / Será que ele é bossa nova? / Será que ele é Maomé? / Parece que é transviado / Mas isso eu não sei se ele é / Corta o cabelo dele! / Corta o cabelo dele! / Corta o cabelo dele! / Corta o cabelo dele!

O Teu Cabelo Não Nega

O teu cabelo não nega, mulata / Porque és mulata na cor / Mas como a cor não pega, mulata Mulata, eu quero o teu amor /O teu cabelo não nega, mulata / Porque és mulata na cor / Mas como a cor não pega, mulata / Mulata, eu quero o teu amor /Tens um sabor bem do Brasil.

Maria Sapatão

Maria Sapatão / Sapatão, Sapatão / De dia é Maria / De noite é João / Maria Sapatão / Sapatão, Sapatão /De dia é Maria / De noite é João.

Dá Nela

Esta mulher / Há muito tempo me provoca / Dá nela! Dá nela! / É perigosa / Fala mais que pata choca / Dá nela! Dá nela! / Fala, língua de trapo / Pois da tua boca / Eu não escapo /Agora deu para falar abertamente / Dá nela! Dá nela! / É intrigante / Tem veneno e mata a gente / Dá nela! Dá nela!

Não se trata de ser 'politicamente correto', mas é preciso, como disse alhures, analisar o contexto sociopolítico brasileiro. Por exemplo, campanhas sobre Lei Maria da Penha. A Lei é importantíssima, assim como a sua divulgação constante, para que não ocorram mais as violações seculares às mulheres brasileiras.

Cansei!

É muita neurose.

Afinal, é Carnaval!

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Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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