1)INTRODUÇÃO
O articulista, em qualquer campo do conhecimento humano, tem uma grande responsabilidade sobre aquilo que divulga, pois sua opinião certamente pesará na tomada de importantes decisões. É com muita preocupação que vejo profissionais sem nenhuma responsabilidade, escudados nos pomposos nomes de suas empresas, emitirem opiniões sobre importantes assuntos, que à primeira leitura, evidenciam um conhecimento extremamente superficial sobre a matéria.
É com a consciência de estar prestando um serviço com a máxima responsabilidade possível, que desenvolvo e divulgo este trabalho.
2) AS SOCIEDADES MERCANTIS E CIVIS NA ANTIGA LEGISLAÇÃO
Até o advento do novo Código Civil, as sociedades eram divididas em mercantis e civis. Segundo a teoria dos atos de comércio, teoria adotada pelo Código Comercial de 1850, eram mercantis as sociedades que exerciam a mercancia, assim como, diversos outros ramos de negócios que gravitavam ao redor delas, como bancos, seguradoras, transportadoras e que foram devidamente listadas no Regulamento 737 de 1850. Com a promulgação do Código Civil em 1916, surgiu a sociedade civil, que seria aquela voltada para os serviços de profissões regulamentadas e as atividades agro-pastoris. Também se classificava como civil qualquer outra atividade que não pudesse ser enquadrada como mercantil.
Logo, as sociedades de advogados, seriam classificadas como sociedades civis, bem como, dos engenheiros, arquitetos, contabilistas, médicos, dentistas, e outras atividades semelhantes.
3) AS SOCIEDADES NO VELHO CÓDIGO CIVIL
No Código Civil de 1916, as sociedades civis, segundo a melhor doutrina, tomavam duas formas diferentes: sociedade de forma empresarial e sociedade de forma pessoal.
A primeira tinha como exemplo ideal, o hospital que se organizava como empresa e buscava o lucro, como qualquer outra empresa mercantil.
A segunda, uma entidade sem características empresariais, constituindo-se apenas em um agrupamento de pessoas, exercendo uma atividade civil em conjunto, através de uma sociedade uniprofissional ou pluriprofissional, assumindo cada um dos sócios, responsabilidade pessoal pelos serviços prestados.
O objetivo não era o lucro, característica maior das sociedades mercantis, mas o atendimento de outras demandas, como a exigência de seus clientes, pessoas jurídicas, para evitar o recolhimento da cota empresarial de 20% à previdência social referente a serviços realizados por pessoas físicas, opção de planejamento tributário para pagar menos tributos federais, ou ainda, uma forma de trabalhar em conjunto com outras pessoas de igual ou semelhante profissão, de forma mais organizada e produtiva. O melhor exemplo seria a clínica médica onde trabalhavam três ou quatro médicos, uma telefonista e alguns auxiliares técnicos.
A propósito, não existe vedação na lei civil para a constituição de sociedades simples pluriprofissionais, isto é, profissionais de áreas diferentes que se unem para oferecer serviços variados. O impedimento, quando existe, é da própria corporação a que pertence o profissional. Um escritório de contabilidade só pode ter sócios contabilistas, uma sociedade advocatícia só pode ter sócios advogados.
Outro impedimento que havia, era de natureza essencialmente tributária. A grande maioria dos municípios, antes do advento da Lei Complementar 116/03, exigia que as sociedades de profissionais tivessem caráter pessoal, fossem uniprofissionais, isto é, formada por sócios de uma mesma profissão, para se beneficiarem de um tratamento tributário (ISS) mais favorável, a alíquota fixa, bem como, ainda limitava a dois a quantidade de funcionários nestas empresas.
Como as novas leis municipais tratando do imposto sobre serviços, fundamentados na Lei Complementar 116/03, ainda não foram aprovadas na maioria dos municípios, não sabemos como a questão acima vai ser tratada no futuro.
Evidentemente que as sociedades de advogados aqui se enquadravam, tanto pelas características eminentemente civis de suas atividades, bem como, por que a Lei 8.906, Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, assim o determinava.
Importante frisar que, ao lado das exigências das normas estabelecidas no Código Civil de 1916, o Estatuto estabeleceu algumas regras especiais suplementares, como a proibição da comercialidade do objeto, o que na prática impedia o uso de quaisquer das formas estabelecidas nas sociedades mercantis, como sociedades limitadas ou anônimas, que são os tipos mais utilizados no Brasil.
Também proíbe que as sociedades de advogados tenham sócios de outras profissões, que um sócio faça parte de mais do que uma sociedade de advogados, com sede ou filial na mesma área territorial do respectivo Conselho Seccional, proíbe o uso de denominação social e exige que o registro da razão social seja feito na própria Ordem, entre outras coisas.
Não tem, a meu ver, o menor cabimento a teoria divulgada por alguns doutrinadores de que a sociedade civil de advogados, por ter características especialíssimas, exigidas pelo seu Estatuto tenha se constituído numa espécie sui generis de sociedade civil e agora seria também uma espécie sui generis de sociedade simples. O que se exige no Estatuto não contraria, em nenhum ponto, o estabelecido na lei civil, o que significa que poderia ser imitado por qualquer outra categoria profissional. É apenas um diferencial, um plus, exigido em lei especial e que deve ser obedecido pelas sociedades advocatícias.
Também é bom que se esclareça, que não existem no nosso ordenamento jurídico, as "sociedades civis sem fins lucrativos e as sociedades civis de fins lucrativos", sendo tais expressões, criações engenhosas de advogados e contabilistas, que sempre encontraram guarida nos Cartórios do Registro Civil das Pessoas Jurídicas, que aceitavam registrá-las.
Nossa literatura jurídica, somente tratou da SOCIEDADE CIVIL, de caráter empresarial ou pessoal, no campo da atuação privada e cujos resultados serão sempre tributados pelo poder público.
Por outro lado, temos a ASSOCIAÇÃO, sempre com função social e, portanto, sem fins lucrativos, e, conseqüentemente não tributada pelo poder público. É o que se costumava chamar de "sociedade civil sem fins lucrativos".
Temos em nosso escritório uma destas tais "sociedades civis sem fins lucrativos", que não é outra coisa senão uma ASSOCIAÇÃO e foi com esta denominação que a adaptamos às novas normas estabelecidas pelo novel Código Civil.
4.AS SOCIEDADES NO NOVO CÓDIGO CIVIL
O novo Código Civil, Lei 10.406 de 10.01.2002, adotou a teoria da empresa, consubstanciada no seu Artigo 966. Pela nova teoria, são empresárias as sociedades que exercem atividades econômicas de produção, circulação e serviços, de forma habitual e organizada e com o objetivo de lucro. Em outras palavras, as sociedades que têm a forma e objetivos empresariais. Cabem aqui todas as antigas sociedades mercantis e as antigas civis que tinham caráter empresarial, como por exemplo, os hospitais.
As antigas sociedades civis podiam ser definidas como entidades que exerciam atividades, econômicas ou não, de produção, circulação e serviços, de forma habitual, de forma organizada, não tendo, porém, por objetivo o lucro.
São, portanto, atividades econômicas as cooperativas e não econômicas as sociedades de profissionais de profissões regulamentadas, como as sociedades de advogados, engenheiros, contadores, médicos e outros.
Vemos, no entanto, que nenhuma destas sociedades simples tem o objetivo de lucro, entendido aqui no sentido econômico e não contábil.
Em outras palavras, as sociedades agora, podem ser empresárias e simples.
5) SOCIEDADES "PURAS" E "IMPURAS"
Por dever de ofício sou obrigado a abordar este assunto, mas confesso que não me sinto nada à vontade ao fazê-lo.
Esta teoria esdrúxula que tem se difundido de forma estranha nos meios de comunicação, quer dizer que uma sociedade simples que não adota nenhum dos tipos societários próprios das sociedades empresárias, como as sociedades limitadas, por exemplo, seria "pura". A sociedade de advogados seria sempre uma simples "pura", até mesmo por exigência de seu Estatuto.
Sociedade simples "impura", seria aquela que tem natureza simples, como uma clínica médica, mas que adota um dos tipos societários das sociedades empresárias, como as sociedades limitadas. É o que se chamaria uma sociedade simples limitada.(que horror!) Exemplo: Clínica São Camilo S/S Ltda.
Se esta teoria tivesse algum fundamento, a rigor, também deveriam existir as sociedades civis puras e impuras e disto nunca se ouviu falar em quase um século de existência do Código Civil de 1916. A situação é idêntica a das atuais sociedades simples.
O que está acontecendo é fruto de má interpretação do artigo 983, do novo Código Civil, caput, que diz textualmente "...a sociedade simples pode constituir-se de conformidade com um destes tipos, e, não o fazendo, subordina-se às normas que lhe são próprias".
Os tipos a que se refere são aqueles regulados entre os artigos 1039 e 1092, tais como, as sociedades em nome coletivo, as sociedades em comandita simples, as sociedades limitadas, as sociedades anônimas e as sociedades em comandita por ações, todas elas próprias das sociedades empresárias.
A norma jurídica que se extrai deste mandamento legal é que a sociedade de natureza simples, pode se assim o desejar, optar por ser uma sociedade empresarial, bastando para isto, adotar um de seus tipos societários.
Uma pequena clínica médica, com ambições de se tornar um pequeno hospital decide se constituir numa sociedade empresária. Se optar, como é costume de mais de 99% das empresas brasileiras, se tornar uma limitada, acrescentará o termo "Ltda", à sua razão ou denominação social, registrará o contrato social na junta comercial de seu estado, terá responsabilidade limitada ao montante de seu capital social e seguirá todas as demais regras jurídicas próprias das sociedades limitadas que vão do artigo 1052 ao 1087 do novo Código Civil.
Só para reforçar, na omissão da lei, reger-se-á supletivamente pelas regras das sociedades simples, conforme determina o artigo 1052, a não ser que opte explicitamente pelas normas das sociedades anônimas. E, por exemplo, poderia se chamar, Clínica São Camilo Ltda.
Temos, portanto, uma sociedade de natureza simples, que por decisão de seus sócios e possibilidade legal, agora é uma sociedade empresária e desta forma deve ser tratada, inclusive em relação à Lei de Falências, a qual passa a se sujeitar. (Art.2037-NCC)
No caso específico da sociedade de médicos deve-se acrescentar que, como sociedade simples, os médicos têm uma responsabilidade pessoal e subjetiva em relação aos seus clientes. No caso de erro médico, caberá ao cliente prejudicado o ônus da prova.
Ao se transformar numa sociedade empresária, a responsabilidade recai diretamente sobre a empresa e é objetiva, isto é, basta que um cliente prejudicado prove o dano e que este trabalho foi executado por aquela determinada clínica! O ônus da prova se desloca para a empresa, que agora tem que provar a inocência de seu sócio, o que se torna um grande transtorno cumulado com uma enorme desvantagem processual.
A doutrina já havia se pacificado no sentido de que as antigas sociedades civis não poderiam assumir os tipos das sociedades mercantis, por que se assim os fizessem, deixariam de ser sociedades civis e se tornariam mercantis, por que a natureza jurídica dos tipos societários anunciados era mercantil. Isto, apesar do permissivo nos artigos 1364 e 1365 de nosso velho Código Civil.
Mesmo assim, os cartórios não se cansavam de registrar sociedades equivocadas do tipo Clinica Médica São Matheus S/C Ltda, Hospital da Boa Paz S/C Ltda, Silva e Santos Consultores Associados S/C Ltda.
Entretanto, o argumento mais forte em relação a esta incompatibilidade jurídica que impede que uma sociedade simples possa ser limitada é a questão da responsabilidade dos sócios perante terceiros.
Na sociedade simples a responsabilidade dos sócios é ilimitada e na sociedade limitada, como o próprio nome já diz, é limitada. Como poderiam os sócios de uma sociedade, terem uma responsabilidade ilimitada e limitada ao mesmo tempo? É como admitir que uma pessoa possa ser alta e baixa, branca e negra, gorda e magra ao mesmo tempo. Seria um absurdo e só não vê isto quem não quer.
Fora isto, grande parte da legislação das sociedades limitadas é incompatível com a das sociedades simples, como a forma de deliberação dos sócios, formação de capital social, registro público e uma dezena mais.
Esperamos que no futuro não apareçam mais nomes de entidades como "Clínica Médica São Matheus S/S Ltda" ou "Escritório de Contabilidade São Lucas S/S Ltda" ou "Silva e Santos Consultores Associados S/S Ltda", por que o tempo destas bobagens já se esgotou.
6) CONCLUSÕES
6.1 - Até 10.01.2002, as sociedades eram classificadas em mercantis e civis.
6.2 - Após 10.01.2003, com o advento do novo Código Civil, as sociedades passaram a ser classificadas em empresárias e simples.
6.3 - As sociedades mercantis de nosso antigo Código Comercial, hoje são sociedades empresárias.
6.4 - As sociedades civis de nosso antigo Código Civil tinham caráter pessoal ou empresarial.
6.5 - As sociedades civis de nosso antigo Código Civil que tinham caráter pessoal, isto é, os sócios assumiam a responsabilidade pessoal pelo trabalho realizado, são hoje sociedades simples.
6.6 - As sociedades civis de nosso antigo Código Civil que tinham caráter empresarial, são hoje sociedades empresárias.
6.7 - As cooperativas que não têm o objetivo de lucro, na legislação antiga eram sociedades civis. Hoje, são sociedades simples.(Art.982,§ único,NCC)
6.8 - As sociedades de advogados são sociedades simples mas obedecem supletivamente às regras estabelecidas em lei especial, O Estatuto do Advogado. Não é um tipo diferente de sociedade como pretendem alguns, até por que não existe antinomia entre a lei geral e a lei especial. Esta antinomia não ocorre nem mesmo quando a lei geral, o novo Código Civil, determina que as sociedades simples devem ser registradas no Cartório do Registro Civil das Pessoas Jurídicas (regra geral) e o Estatuto dos Advogados (regra especial) determina que deve ser na seção ou subseção onde a sociedade terá sua sede.
6.9-As chamadas sociedades civis com fins lucrativos, tão comuns no nosso dia-a-dia, não têm fundamento em nosso ordenamento jurídico. Legalmente, são apenas as antigas sociedades civis, sociedades privadas, de caráter empresarial ou não, passíveis de tributação, pelo poder público.
6.10 -As chamadas sociedades civis sem fins lucrativos, também não passam de invenção de nossos advogados e contabilistas mas que sempre conseguiram seu registro em cartório, por razões que desconhecemos. São na verdade, as chamadas ASSOCIAÇÕES de nosso antigo Código e que continuam existindo no novo Código Civil.
6.11- Não existe a sociedade simples pura e sociedade simples impura, denominação equivocada e muito divulgada pela mídia.
6.12- Uma sociedade simples pode simplesmente seguir as regras estabelecidas na legislação civil. Será simples por natureza jurídica, permanecerá simples, por opção pessoal, salvo as sociedades de advogados que não têm esta opção.
6.13 - Uma sociedade simples, que tem natureza de simples, pode optar por ser uma sociedade empresarial, bastando para isto, optar por um tipo societário, seguir as regras jurídicas do tipo escolhido, registrar a sociedade na Junta Comercial e sujeitar-se a todas as regras das sociedades empresárias, como à Lei de Falências.
6.14 - A sigla S/S é de sociedade simples. A sigla Ltda é de sociedade limitada, sociedade empresária. Uma sigla exclui a outra, juntas são incompatíveis.