O serviço público de coleta seletiva de lixo doméstico:uma brasileira na Alemanha e na Inglaterra

01/03/2016 às 07:53
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O texto faz uma comparação, baseada em experiência pessoal da autora, sobre o serviço público de coleta seletiva de lixo doméstico no Brasil, na Alemanha e na Inglaterra.

SUMÁRIO: Introdução. 1. Serviço público no Direito brasileiro - a coleta de lixo. 2. Coleta seletiva de lixo doméstico no Brasil – uma experiência pessoal. 3. Coleta seletiva de lixo doméstico na Alemanha. 3.1. Como funciona. 3.2. Como separei meu lixo no primeiro mês no exterior. 3.3. E depois. 4. Coleta seletiva de lixo doméstico na Inglaterra. 5. Experiências positivas no Brasil. 6. Conclusão. Notas. Referência.

PALAVRAS-CHAVES: Lixo; Coleta Seletiva; Lixo Doméstico; Lixo Domiciliar; Lixo Residencial; Serviço Público; Meio Ambiente.

Introdução

Coleta seletiva de lixo significa recolher o lixo previamente selecionado com vistas a sua compostagem, a seu reuso ou a sua reciclagem para uma posterior reutilização. A compostagem consiste em um processo biológico de decomposição e de reciclagem da matéria orgânica contida em restos de origem animal ou vegetal, formando um composto que propicia um destino útil para os resíduos orgânicos, como restos de comidas e resíduos do jardim e tendo como resultado final um produto - o composto orgânico - que pode ser aplicado ao solo para melhorar suas características sem acarretar riscos ao meio ambiente; o reuso, como o nome sugere, consiste no aproveitamento do lixo sem que este sofra alteração, apenas passando por uma limpeza ou modificando sua aparência e/ou sua finalidade; já o termo reciclagem pode abranger tanto a compostagem como o reuso, e ainda algo mais, consistindo, diretamente, em transformar materiais usados em novos com vistas a seu reaproveitamento.
 

Nesse processo de coleta seletiva deve-se separar o lixo desde sua fonte para que se possibilite, ou se facilite, seu reaproveitamento, o que vai gerar resultados positivos não apenas para o ambiente e para a saúde da população local como, tratando-se da reciclagem, irá beneficiar também o reciclador que, com materiais supostamente considerados imprestáveis, poderá gerar novos recursos, inclusive econômicos. No mundo de hoje pode-se afirmar que poucos lixos urbanos seriam 'não-reaproveitáveis' e também, em paralelo, que a tecnologia utilizada para esse reaproveitamento está cada vez mais sofisticada. Em verdade, a coleta seletiva é a etapa inicial e fundamental para a reciclagem de lixo.

Contudo, apesar de ser de amplo conhecimento os benefícios resultantes dessa coleta seletiva de lixo – e o presente ensaio versará especificamente sobre o trato do lixo doméstico (ou lixo domiciliar, ou lixo residencial) -, tal coleta, para alcançar êxito, deve contar necessariamente com o esforço dos órgãos públicos competentes, envolvendo desde o processo de educar cidadãos a promoverem essa seleção dentro de cada lar como, de igual importância, efetuando a coleta desse lixo também de maneira seletiva, posto que não adiantaria o cidadão separar o lixo que produz em casa se, ao final do processo, houver um único e igual destino físico dos diversos lixos nos famosos 'aterros sanitários', os quais consistem no local de depósito final desses diversos resíduos sólidos produzidos nas cidades.

Não se pretende aqui fazer um estudo aprofundado sobre o assunto mas, e tão somente, partilhar de uma experiência pessoal enquanto cidadã que saindo do Brasil foi residir em terras de antepassados germânicos e, paralelamente, tecer alguns comentários comparativos entre os dois países – Brasil e Alemanha -, à luz de dados vivenciados e pesquisados, que envolvem a prestação desse relevante serviço público, infortunadamente nem sempre levado a sério por muitos governantes, mas que vem ganhando, paulatinamente, especial atenção, sobremodo em decorrência da constante pressão de alguns setores da sociedade e de grupos ambientalistas no mundo inteiro. No ensejo, serão ainda feitas breves considerações, também fruto de experiência pessoal, a respeito dessa coleta seletiva de lixo doméstico na Inglaterra, aonde residi por três anos.

1. Serviço público no Direito brasileiro - a coleta de lixo

Para iniciar este ensaio entendemos importante trazer algumas informações básicas a respeito do significado de serviço público no Brasil, enquanto atividade própria estatal, e esclarecer onde se situa a coleta de lixo nesse contexto.

Primeiramente há de se considerar que o Estado, enquanto sociedade politicamente organizada, compreende três Poderes distintos e harmônicos entre si, conforme preconizava o Barão de Montesquieu em sua famosa teoria da 'Tripartição de Poderes' (“O espírito das Leis”, 1748): 1. o Poder Executivo, com função predominantemente administrativa (art. 76 da Constituição Federal de 1988 – CF/88), correspondendo à Administração Pública; 2. o Poder Legislativo, com função predominantemente normativa, estabelecendo as leis (art. 44 da CF/88); e, 3. o Poder Judiciário, com função predominantemente jurisdicional (art. 92 da CF/88).

Merece aqui realce o ensinamento de Odete Medauar[01] quando trata sobre a aplicação da clássica Teoria da Separação de Poderes na CF/88:

Há muito tempo a doutrina publicista vem se dedicando à identificação da função administrativa ou administração, em si e por contraste com outras funções estatais, em especial as funções de legislação e jurisdição. Na concepção clássica da separação de poderes, essas três funções são atribuídas a conjuntos orgânicos independentes entre si, chamados de Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário. Hoje, no funcionamento de tais conjuntos orgânicos, inexiste uma separação absoluta de funções. A Constituição Federal brasileira de 1988 bem reflete essa ausência de rigidez. Assim, prevê a atividade legislativa para o Executivo (por exemplo, no art. 62); confere também ao Judiciário atribuições legislativas (por exemplo: iniciativa de leis de organização judiciária, art. 93); o Legislativo exerce função jurisdicional, por exemplo, ao julgar Presidente e Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade (art. 86); Legislativo e Judiciário realizam atividades administrativas, sem repercussão imediata na coletividade, na condição de atividades de apoio às suas funções primordiais, como já se disse. No entanto, permanece em cada conjunto orgânico um núcleo de atividades típicas que possibilita caracterizá-lo e diferenciá-lo dos demais conjuntos, sob o aspecto da atividade em si e do modo como é realizada.

Embora não haja um quarto Poder, importa mencionar uma quarta função estatal, que é a função política, ou função de governo, e que compreende atividades de direção suprema do Estado, chefiado pelo Presidente da República, que é o chefe do Poder Executivo. Assim, o Poder Executivo exerce a função de governo (auxiliado pelo Legislativo) e a função administrativa, valendo pontuar que os outros dois Poderes também exercitam, interna e atipicamente, algumas funções administrativas.

Após essas rápidas considerações iniciais pode-se agora ressaltar que a função administrativa exercida pelo Estado, tipicamente através do Poder Executivo, enquanto Administração Pública, compreende, classicamente, três atividades distintas: 1. a prestação de serviço público, 2. o exercício do poder de polícia e 3. a atividade de fomento.

Nessa senha, Maria Sylvia Zanella de Pietro[02] aduz:

Em sentido objetivo, a Administração Pública abrange as atividades exercidas pelas pessoas jurídicas, órgãos e agentes incumbidos de atender concretamente às necessidades coletivas; corresponde à função administrativa, atribuída preferencialmente aos órgãos do Poder Executivo.

Nesse sentido, a Administração Pública abrange o fomento, a polícia administrativa e o serviço público. Alguns autores falam em intervenção como quarta modalidade, enquanto outros a consideram como espécie de fomento. Há quem inclua a regulação como outro tipo de função administrativa. É o caso de Marçal Justen Filho (2005:447), para quem a regulação econômico-social “consiste na atividade estatal de intervenção indireta sobre a conduta dos sujeitos públicos e privados, de modo permanente e sistemático, para implementar as funções de governo”.

Assim, considera-se serviço público como uma das atividades do Estado no exercício de sua função administrativa, tipicamente pelo, ou através do, Poder Executivo, e que compreende o oferecimento de utilidades, de comodidades ou de necessidades, essenciais ou secundárias, de interesse da coletividade. No dizer preciso de Marçal Justen Filho[03], serviço público é uma “atividade pública administrativa de satisfação concreta de necessidades individuais ou transindividuais, materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um direito fundamental, destinada a pessoas indeterminadas e executada sob regime de direito público”.

Prescreve o art. 37, § 3º, em seu inciso I, da CF/88, in verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]. § 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; […]. (grifamos)

Por sua vez, a Lei nº 8.078, de 11.09.1990 (Código de Defesa do Consumidor - CDC) estabelece no inciso X do art. 6º que:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[…];

X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.

E na forma do art. 10, inciso VI, e art. 11, Parágrado único, da Lei nº 7.783, de 28.06.1989 (que trata sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências), o serviço de captação e tratamento de lixo é considerado serviço público essencial e necessidade inadiável da comunidade, diretamente ligada à sobrevivência, saúde e segurança da população. In verbis:

Art. 10 - São considerados serviços ou atividades essenciais: […]; VI - captação e tratamento de esgoto e lixo; […].

Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população. (grifamos)

Fato é que não faltam leis no Brasil a respeito do lixo, em seus diversos tipos e aspectos, tanto em âmbito federal, como no estadual e no municipal, podendo-se citar a Lei nº 9.605, de 12.02.1998 (Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências), a Lei nº 11.445, de 05.01.2007 (Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico; altera as Leis nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.036, de 11 de maio de 1990, nº 8.666, de 21 de junho de 1993, 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; revoga a Lei nº 6.528, de 11 de maio de 1978; e dá outras providências), a Lei nº 12.305, de 02.08.2010, conhecida como Lei do Lixo (Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências), dentre tantas outras disposições.

Quanto à coleta seletiva, merece realce o seguinte trecho de Ana Carolina Peterman Marega, no artigo intitulado “Lixo urbano, um problema social e responsabilidade de todos”[04]:

A coleta seletiva do lixo urbano tem se apresentado como uma alternativa na solução dos problemas sócio-ambientais locais, reduzindo o volume de resíduos sólidos depositados nos aterros sanitários ou em lixões a céu aberto e consequentemente no meio ambiente, minimizando a extração de recursos naturais para fabricação de produtos diversos, além de atribuir maior tempo de vida útil aos aterros (COELHO, 2009).

Para tentar minorar o problema ambiental causado pelo descarte impróprio do lixo, o governo federal sancionou a Lei nº 11.445/07, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a Política Nacional de Saneamento Básico.

Assim, amparada na Lei Maior e disciplinada em leis ordinárias, decretos, portarias e resoluções, constitui-se a coleta de lixo um serviço público essencial à saúde da população que, junto ao meio ambiente, são seus principais beneficiários.

2. Coleta seletiva de lixo doméstico no Brasil – uma experiência pessoal

Como experiência vivenciada no Brasil, lembro de que já no início dos anos noventa selecionava-se o lixo doméstico em Salvador, capital do Estado da Bahia, uma cidade hoje beirando a três milhões de habitantes; essa seleção, entretanto, ocorreu em um número bastante reduzido de bairros e, afortunadamente para mim, contemplou aquele onde eu morava, a Pituba. De fato, na grande maioria dos bairros soteropolitanos o lixo doméstico continuava então sendo recolhido como um 'único e multi-facetário lixo'.

Enquanto cidadã, naquela oportunidade, sentia-me participante ao separar 'meu lixo doméstico' em três coletores distintos: um para papéis, palelões e seus derivados, outro para vidros e latas e, no terceiro, coletávamos o 'resto', que correspondia a tudo o mais que não se encaixasse nas duas primeiras opções, incluindo-se aí plásticos, lixo biológico, e etc. Isso durou cerca de dois anos consecutivos, durante os quais a quase totalidade dos outros bairros, mormente os de periferia, infelizmente não chegaram a ser 'contemplados' com o projeto. Mesmo assim, eu pude nesse pouco tempo passar a minha filha, na época ainda cursando os primeiros anos do ensino fundamental, a importância prática da coleta seletiva do lixo doméstico, tanto para as pessoas, diretamente, como para o ambiente.

Depois, assim como houvera começado, de repente, deixaram (a Prefeitura) de recolher o lixo selecionado e voltou tudo ao que era antes; ao invés do projeto alcançar toda a cidade, como era o esperado, a cidade 'engoliu' o projeto, diluindo-o. Esse retrocesso coincidia com mudanças na gestão municipal, pós-eleições, quando novos projetos são criados e deixa-se os antigos, principalmente se de iniciativa de outro partido político, de lado. Lastimavelmente, é essa a cara do Brasil.

Mas algo de bom ficou, sobremodo nas crianças e adolescentes dos poucos bairros 'premiados' com essa experiência de coleta seletiva de lixo doméstico: um senso prático de defesa do meio-ambiente através do simples ato de cada cidadão separar seu próprio lixo residencial e esse hábito eu mantive enquanto vivi no Brasil, mesmo já sabendo, pesarosamente, que o destino final muito possivelmente não seria uma usina de reciclagem.

De fato, ainda morando em Salvador, soube posteriormente que na maioria das vezes, durante aqueles dois anos, o zelador do condomínio, ao recolher o lixo devidamente separado que colocávamos na porta do apartamento, normalmente juntava tudo em um mesmo container para o 'caminhão do lixo' recolher. Ou seja, procedia-se a uma seleção com todo o critério (ou o que então se entendia como o correto, já que não houvera uma orientação adequada nesse sentido) dentro de cada apartamento, ou da maioria dos apartamentos (triste dizer mas sempre há aqueles vizinhos que 'não dão bolas' para a mãe natureza), e ao sair de nossa porta ia tudo 'misturado' para ser recolhido na frente do prédio, o que também nos levou a concluir que a Prefeitura não fiscalizava a execução do projeto que ela própria procurara implantar ou, conforme dissera o zelador, os prepostos da Prefeitura ao recolherem o lixo já colocavam tudo junto em um mesmo caminhão coletor.

De outra feita, na década seguinte, já início deste século XXI, a Prefeitura colocou dois enormes containers de plástico numa pequena praça pública situada perto de nosso prédio (eles gostavam de começar projetos lá pelas bandas da Pituba). Um container era destinado a latinhas de cerveja e de refrigerante e o outro destinava-se a garrafas PET. A exemplo do projeto anterior, não houve divulgação e quase ninguém sabia a respeito desses containers. Um belo dia, tendo eu tomado conhecimento do assunto (fiquei feliz supondo que voltaríamos a ter o apoio governamental para modestamente ajudar a preservar o meio ambiente), verifiquei que o 'novo projeto' morria no nascedouro, pois certos tipos de cidadãos (não vou ingressar agora nessa seara) literalmente derrubavam os containers durante a noite espalhando seu conteúdo, o que fez com que os mesmo, já quebrados e quase, eles próprios, inutilizados, fossem retirados da praça antes mesmo de todos os moradores do bairro terem conhecimento de sua existência.

A tristeza sentida nessas fracassadas tentativas de exercer a cidadania em prol de um futuro “limpo” para as próximas gerações cresceu ao constatarmos que não estava a Administração pública efetivamente buscando prestar um serviço público, um serviço em prol da coletividade para atender ao interesse público, neste caso correspondente a um interesse difuso (direito que ultrapassa a esfera do individual atingindo a uma coletividade indeterminada ligada por uma circunstância de fato) na defesa do meio ambiente. A coleta seletiva de lixo doméstico mostrou-se como um projeto para se ter o que falar nos palanques, para exibir algumas fotos do que estaria sendo executado, para justificar gastos, para angariar votos e depois, bem, depois é depois, o povo vai esquecer ou, mesmo que não esqueça, não vai reclamar e tudo, desculpe o mesmismo, 'acaba em pizza' em nosso Brasil, até mesmo o lixo, e neste caso não inversamente (não foi a pizza que acabou no lixo, mas o lixo que 'acabou em pizza').

Deve-se registrar, contudo, e a bem da verdade, algumas iniciativas em escolas (sobremodo as particulares) e shopings centers que ainda hoje mantêm containers para recolhimento de 'lixo separado', bem como, e com louvor, que em algumas outras poucas cidades brasileiras foram implantadas essa coleta seletiva de lixo doméstico. Programas como a 'Coleta de Porta em Porta', a de 'Troca do Lixo por algum benefício', e de 'Pontos de Entrega Voluntária de Lixo', dentre outros, foram disseminados com relativo sucesso. Mas, infelizmente na maioria esmagadora dos Municípios brasileiros, esses não passaram de projetos, no mais das vezes, eleitoreiros. Faltou-lhes justamente a já antes mencionada promoção de esclarecimento sobre o assunto, faltou aquele processo de 'informação e educação ambiental' para que o cidadão assimilasse a importância da separação dos resíduos que ele produz dentro do lar no seu dia a dia e, sobretudo, faltou a perseverança e fiscalização por parte dos órgãos públicos responsáveis. E aí o 'futuro limpo' foi ficando sempre para depois e continuando a ser um 'presente sujo'.

Em início do ano de 2008 mudei-me para a Alemanha. Claro que, com tantas coisas na cabeça para enfrentar o novo desafio, em uma mudança meio radical de vida, eu nem pensava sobre 'questões de lixo'. Havia muitas outras coisas a resolver! Mas fui logo nos primeiros dias na Alemanha premida a dar atenção aos 'despojos' que produzíamos em nossa nova morada, na época um pequenino apart alugado provisoriamente. Como todo e qualquer cidadão, produzíamos lixo e tínhamos que observar as regras de como proceder para descartá-lo. Antes de continuar, de já confesso que demorei mais de um mês para efetivamente começar a compreender o sistema de lixo alemão. Não porque fosse difícil, mas porque eu tinha noção relativamente equivocada de como proceder e fiz algumas 'seleções' baseadas apenas em meus então parcos conhecimentos sobre o assunto e naquela minha experiência de anos atrás na terra mãe. Vou contar para vocês.

3. Coleta seletiva de lixo doméstico na Alemanha

Eu já tinha escutado e também tinha lido alguma coisa sobre o processo de coleta seletiva de lixo urbano na Alemanha, sobre os containers coloridos em uso há décadas nos lados germânicos. Ao aqui chegar, pensei que iria “tirar de letra” essa coleta doméstica e me sentia motivada a dar continuidade a minha contribuição em prol do Planeta Terra. E eu separava o lixo como fizera antes no Brasil, sabendo que desta feita era para valer, não uma passageira experiência. Papéis de um lado, vidros de outro e o lixo biológico e etecetara (aquele do 'resto'), em outro. Passei o primeiro mês inteirinho assim, acreditando 'cá com meus botões' que estava demonstrando que quem vem lá do Brasil também sabe como manejar essa coisa de 'lixo seletivo'.

3.1. Como funciona

Antes de continuar a narrativa entendo necessário dar uma noção geral a respeito de como funciona o recolhimento de lixo (Müll) doméstico na Alemanha, que também é de responsabilidade (em concorrência legislativa) de cada Município (Art. 74 Abs. 1 Nr. 24, Grundgesetz-GG)[05], que por seu turno pode adotar, cada um desses Municípios, seu próprio sistema de gerenciamento desse lixo, embora todos esses sistemas acabem sendo mais ou menos similares. Mister de logo registrar que os alemães tem excelente consciência ecológica e que a seleção de resíduos doméstico é feita naturalmente, como parte de seu cotidiano, conforme vim a aprender mais tarde. Tomando como exemplo, vamos ver como funciona esse processo no Município de Osnabrück, no nórdico estado da Baixa Saxônia (Niedersachsen), onde residi por cerca de cinco anos.

Em Osnabrück os caminhões de coleta passam uma única vez em cada rua a cada sete dias, mas cada tipo de lixo doméstico só é recolhido de quinze em quinze dias. Explico: digamos que em sua rua o dia de recolhimento do lixo seja na quinta-feira; então, em toda e cada quinta-feira passa nessa rua um caminhão para cada tipo de lixo doméstico. Entretanto, existem quatro tipos desse lixo para serem recolhidos em separado: a) o Altpapier, com papéis velhos, incluindo jornais, revistas, caixas de papelão, embalagens de papel, e derivados, b) o Restmüll, que é o lixo que se varre em casa, aquele do banheiro, e assemelhados; é o 'resto', c) o Biomüll, correspondendo ao lixo biológico, basicamente resto de comida, mas inclue também filtro de café, embalagem de chá, guardanapo de papel, folhas e flores, entre outros, que não deve ser acondicionado em saco plástico (salvo se biodegradáveis), mas em saco de papel (pode-se comprar o pacote de sacos de papel para descarte de biomüll nas diversas redes de supermercados) ou até em jornais velhos e, d) o Gelber Sack, para plásticos, latas, embalagens tetra-pak e quase tudo que não se encaixar nos outros tipos, exceto vidros, pilhas, baterias, eletrônicos, o guarda-chuva quebrado, os móveis velhos, roupas e sapatos velhos, e outros lixos especiais, sobre os quais falaremos depois. Então, eis os quatro (a, b, c e d) tipos de lixo recolhidos, de dois em dois, alternada e sistematicamente pela Prefeitura de Osnabrück, uma vez por semana, na porta das casas, sendo que o Altpapier e o Restmüll recolhe-se numa quinta, por exemplo, e na quinta-feira seguinte é dia do Biomüll e do Gelber Sack, e assim sucessivamente: dois caminhões de lixo toda semana no mesmo dia e quase no mesmo horário. Na prática, guarda-se cada tipo de lixo em casa durante quinze dias para então ele ser recolhido. E como fazer com todo esse lixo 'dentro de casa'? Ocorre que todas as moradas possuem containers próprios que ficam em área comum, geralmente no fundo da casa (ou do prédio) e onde cada unidade residencial coloca seu(s) saco(s) de lixo(s). É aí que aparecem os tais dos containers coloridos de que falei antes: o azul para o Altpapier, o cinza para o Restmüll e o marron para o Biomüll; já o Gelber Sack (o saco plástico, amarelogelb -, cerca de 70 litros, doado pela Prefeitura para tal fim) cada morador guarda geralmente no porão (Keller) para, de quinze em quinze dias, colocá-lo no passeio para a respectiva coleta, ao lado do container marron onde está o Biomüll (de todos os moradores do prédio). Então, resumindo, de sete em sete dias passam dois caminhões recolhendo o lixo: intercaladamente, numa semana Altpapier e Restmüll (acondicionados nos respectivos containers) e na semana seguinte é a vez do Biomüll (no container marrom) e do Gelber Sack (o saco amarelo dado pela Prefeitura, através da Gestão de Resíduos - Abfallwirtschaft), e assim sucessivamente.

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Faço um aparte quanto ao Gelber Sack. Quando chegamos à Alemanha, em início de 2008, podia-se pedir o 'rolo' de Gelber Sack em qualquer supermercado ou outras lojas do gênero. Só se pedia o necessário, assim todos podiam sempre ter seu Gelber Sack em casa. A partir de 2010 o sistema mudou em alguns Municípios, como em Osnabrück, creio que por mau uso desses sacos, e aí vem a 'participação' de estrangeiros nesse uso indevido: pegava-se os sacos para outros fins, que não o de recolhimento do lixo. Passou-se então a receber em casa, pelo Correio, um livreto com toda a explicação do processo de separação e coleta do lixo doméstico e, com o livreto, recebe-se cerca de oito tickets para pegar oito rolos desses 'sacos amarelos' (cada rolo com cerca de doze sacos); caso o cidadão precise de mais sacos poderá solicitar discando um certo número telefônico e justificando seu pedido. No meu caso, com duas pessoas em casa, normalmente usava um Gelber Sack por semana, o que implica que colocava dois sacos amarelos no passeio no dia da coleta quinzenal. Confesso que não imaginava que produzia tanto lixo desse 'tipo' e, juntando os demais tipos de lixo, pude ver quanto lixo eu produzo em casa. Em uma coleta diária – e com 'tudo misturado' - dificilmente se tem essa percepção.

Quanto a vidros (e a esta categoria não pertencem cerâmica, espelho ou porcelana, por exemplo), o próprio cidadão deve levá-los a containers especiais espalhados pelos diversos bairros para a respectiva coleta. Neste caso existe sempre três cores de containers: o marrom para vidros marron, o verde para vidros verde e o branco para os vidros brancos (ou transparentes). Não me perguntem sobre outras cores de vidro, usem o bom-senso: sendo um vidro azul, coloca-se junto ao verde, por exemplo. Geralmente junto a esses containers para vidro encontra-se um container maior especialmente para coleta de doação de roupas e sapatos usados. Pode ser que em outros Municípios seja adotado maior número de containers para vidro de diferentes cores; como dito anteriormente, cada Munícipio tem autonomia para decidir sobre o serviço de coleta de lixo, mas, repito, todos adotam sistemas bastante parecidos.

Já quanto a pilhas e baterias usadas, você mesmo deverá levá-las a pontos onde elas serão coletadas, como em supermercados e certas lojas comerciais, dentre outros.

Móveis e utensílios domésticos, inclusive eletrônicos, que você não queira mais podem ser recolhidos gratuitamente pela Prefeitura, bastando você telefonar para determinado número e solicitar o serviço de coleta; tais objetos não podem ser colocados nos demais containers citados. Não é tão incomum você ver camas, mesas, cadeiras, estantes, armários, colchões e etc, às vezes em bom estado de conservação, colocados no passeio da rua esperando o caminhão da Prefeitura recolher. Algumas vezes transeuntes recolhem algum item desses 'lixos', antes mesmo da Prefeitura passar, tal o bom estado de conservação em que são descartados (não se costuma vender móveis usados na Alemanha, sendo comum doações ou descarte). Mas, atenção, você só pode colocá-los no passeio de casa no dia e horário prévia e especialmente estabelecido pela Prefeitura, sob risco da sanção cabível. Até lá você deve conservá-los fora das vias públicas. Caso você queira, poderá escolher e agendar com a Prefeitura dia e hora mais apropriado a seus interesses, devendo então pagar uma taxa.

Com essas considerações e tomando como exemplo o Município de Osnabrück, creio que já se tenha agora uma idéia de que há vários tipos de lixo doméstico na Alemanha: 1. aqueles quatro citados, que a Prefeitura recolhe na porta de casa toda semana, intercaladamente, de dois em dois tipos; 2. os vidros, separados em 3 cores que você mesmo deve levar ao container mais próximo; 3. as pilhas e baterias; 4. os móveis e utensílios domésticos; 5. os eletro-eletrônicos; 6. ainda, as lâmpadas, que também devem ser levadas para as lojas recolherem. É possível que eu esteja esquecendo algum outro lixo doméstico, mas a idéia geral é essa. Assim, tem-se em casa seis (06) recipientes para separar o lixo produzido: o Altpapier, o Restmüll, o Biomüll, o Gelber Sack, uma sacola onde vai-se acondicionando os vidros não recicláveis e, finalmente, as sacolas para as garrafas PET (de refrigerante) e vidros recicláveis (de cerveja) que usualmente se troca (variando o preço entre de 0,08 a 0,25 euro cada, a depender da garrafa) em algum supermercado; panelas velhas, eletro domésticos inutilizados, etecetera, vai-se guardando para descartar posteriormente em lixo apropriado; roupas e sapatos que não mais se queira, coloca-se em algum dos containers de doação espalhados pela cidade.

Com efeito, na totalidade das cidades alemães o lixo doméstico é devidamente separado para coleta, quer seja em embalagens e derivados (Verpackungen/Gelbe Säcke), em materiais orgânicos (Bioabfall ou Biomüll), em materiais químicos ou derivados, como pilhas, baterias, etc (Schadstoffe), em lixo de grande porte, como móveis estragados (Sperrmüll), em papel, papelão e derivados (Altpapier), em vidros (Altglas) e outros tipos (Restmüll), e etecetara.

Por último, mas não menos importante, há aquela citada separação de garrafas plásticas (de refrigerante, de água, etc) que em sua esmagadora maioria, na Alemanha, são recicláveis. O consumidor já paga pela garrafa quando compra o produto. Explico: quando compro um refrigerante, o líquido (1,25 litro, por exemplo) custa, digamos, 0.90 euros acrescidos de 0.25 euros pela garrafa, logo, no total eu pago 1.15 euros. Após consumir o produto eu posso, de imediato, dirigir-me a qualquer local (não precisa ser o mesmo onde o comprei) que venda o mesmo produto e devolver a garrafa recebendo os 0.25 euros de volta ou, se preferir, posso juntar um número razoável de garrafas e levar para trocar em qualquer super-mercado que venda o produto. Interessante é que existem redes de supermercado que só vendem a garrafa de 1,5 litro, por exemplo, então não recebem as garrafas de 1,25 litro, e vice-versa. Mas é facílima essa troca. Registre-se, entretanto, que na maioria dos países do continente europeu, e mesmo no Reino Unido (Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte) e na Irlanda, as garrafas de refrigerante ainda são one way, como no Brasil, significando que poderão somar-se às montanhas de lixo-plástico que serão, ou não, reciclados posteriormente. Essa cultura de 'troca da garrafa' conscientiza o cidadão sobre a importância de proteger o meio ambiente, e o mesmo ocorre com latinhas de cerveja ou de refrigerante. Interessante é que até em festas de largo, como no Carnaval, no Natal, em shows, etc, os copos (ou taças, ou canecas) de vidro ou de cerâmica em que se consome cerveja, refrigerante, vinho e etc, custam determinado valor (já embutido no valor total da compra) que lhe será ressarcido quando você devolver o copo; e, se quiser levar como lembrança, já estará pago. Assim, no final da festa poucas garrafas plásticas ou copos de vidro serão encontrados pelo chão; mas também existe na Alemanha catadores que recolhem o pouco que encontram em fim de festas em locais públicos e depois vão diretamente no mercado mais próximo entregar os vasilhames e receber de imediato o respectivo pagamento por unidade catada, ressaltando-se que não há 'cooperativas' de catadores ou similares, o que facilita a coleta individual, sem intermediários. Na prática qualquer cidadão pode catar garrafas largadas em lixeiras nas ruas, praças públicas ou jardins, para devolver em supermercados ou similares e receber o pagamento de imediato.

Outro relevante aspecto do lixo doméstico é a questão dos 'sacos e sacolas plásticos'. Sobre isso creio que a maioria da população, inclusive no Brasil, já ouviu falar. É uma das grandes vilãs contra a mãe natureza, essa simples sacolinha. Às vezes transparentes, que são as piores, sobremodo no ambiente aquático (oceanos, lagos e rios), e outras vezes nas mais diferentes cores para encantar o consumidor. Em cada compra, tome lá um saquinho plástico para levar o produto para casa. Depois, junta-se pilhas desses saquinhos para jogar fora, mas ninguém se pergunta aonde é esse 'fora'!

Nos supermercados e em muitas lojas da Alemanha, o consumidor paga por cada embalagem plástica que utilizar, podendo o preço variar, em média, de 0.05 cents a até 1.00 euro, a depender da embalagem, daí costumar-se utilizar sacolas de papel já reciclado. O melhor é que a população se habituou a levar suas sacolas quando sai à compra, sejam elas sacolas de plástico, de papel ou, preferentemente, sacolas de tecido, fáceis de transportar nas bolsas e que, além do enorme benefício de não aumentar a poluição ao ambiente economizam bons cents em cada compra.

E quem disse que eu tinha real consciência de toda essa engrenagem ambiental destinada ao lixo doméstico? Eu tinha vindo do Brasil, e lá minha experiência houvera sido, infelizmente, bastante superficial. Lá eu separava lixo biodegradável (de cozinha, por exemplo) dentro de sacos plásticos (não degradáveis) e misturava com outros resíduos não biodegradáveis; vidros iam junto de latas. Eu efetivamente não sabia como de fato deveria proceder e olhem que eu devo estar numa camada da população brasileira tida como de 'pessoas bem esclarecidas'. Mas eu queria aprender, eu precisava aprender e, eu aprendi, com alguns tropeços, mas acabei aprendendo e melhorando minha autoestima enquanto cidadã do 'mundo'.

3.2. Como separei meu lixo no primeiro mês no exterior

Talvez fosse o caso de 'corar de vergonha', mas confesso é que eu hoje dou muitas risadas quando lembro de meu primeiro mês como dona-de-casa na Alemanha e de como eu procedia a separação de meu lixo doméstico. Só vim realmente a compreender a sistemática alemã algum tempo depois que mudei para meu endereço 'definitivo' e fico ainda imaginando o que meu primeiro senhorio pensara sobre minha 'seleção de lixo'.

Foi assim: eu utilizava, como disse antes, o sistema que conhecia no Brasil, vale dizer, um lixo destinado a latas e vidros, juntos, um outro com restos de comida e de limpeza e um terceiro com papéis e papelões. Percebi que o caminhão de lixo passava uma vez por semana e nesse dia eu levava 'todo meu lixo devidamente separado' para o passeio, defronte de casa, onde seria recolhido; apenas quando eu já estava para me mudar é que observei que quase todo 'meu' lixo era deixado sem recolher pelo caminhão; então, certo dia vi o senhorio (que morava no primeiro andar) retirar minhas 'sacolas de lixo' do passeio e colocá-las no fundo da casa; fiquei intrigada, mas à época imaginei que era porque eu tivesse colocado o lixo fora da hora, que o caminhão já houvera passado. Apenas meses depois, quando 'aprendi' como separar o lixo, foi que liguei as coisas e entendi o motivo pelo qual, na maioria das vezes naquelas cinco primeiras semanas na Alemanha, 'meu lixo' era 'deixado' no passeio pelo caminhão: dia errado, acondicionamento errado e, sobretudo, seleção errada!

3.3. E depois

Quando finalmente alugamos um apartamento em caráter mais definitivo, começou nossa pequena odisséia para adquirir alguns móveis e, paralelamente, para nos habituarmos à separação e coleta de nosso lixo doméstico.

Embora aqui não tratemos do assunto creio ser de valia mencionar, de passagem, a interessante sistemática na compra de móveis na Alemanha, o que nos deu alguma dor de cabeça, além de proporcionar muitas risadas mais tarde. Como não possuíamos móvel algum (não trouxemos móveis do Brasil, por razões lógicas), e não estávamos acostumadas à prática de compra de móveis usados, partimos para adquirir móveis novos para o novo lar. Ressalte-se que o primeiro apartamento, alugado por temporada, era já mobiliado e infortunadamente não tínhamos então a menor idéia do que viria a seguir.

De início, e muito importante para o novo lar, era montar a cozinha, pois quando se aluga um imóvel na Alemanha ele normalmente costuma vir literalmente 'vazio', sem nem mesmo a pia da cozinha; apenas o banheiro vem completo (com chuveiro, algumas vezes com banheira, vaso sanitário e pia), felizmente. Então, partimos logo para comprar uma cozinha completa e tivemos a primeira surpresa ao tomarmos conhecimento de que demoraria cerca de seis semanas para ser entregue, incluindo o fogão e a geladeira. E não parou por aí, pois os demais móveis também, um a um, tiveram prazos de entrega que variavam de alguns dias a oito semanas (neste caso, o sofá). Aliás, vale registrar, até automóvel, incluindo da Volkswagen (isso mesmo, da VW, alemã), mesmo na Alemanha, geralmente demora de um a três meses para entrega pois apenas após fechada a compra e venda é que o produto vai para a linha de montagem. Bem, resumindo, pois este não é o tema deste ensaio, demoramos quase dois meses para vermos montado nosso pequenino apartamento, suportando seis semanas de espera para a cozinha, aí incluindo-se armários, fogão e geladeira. O jeito foi 'comer fora', ou de delivery, ou ir 'quebrando o galho' com um forninho elétrico que acabamos comprando e alimentos que não precisassem ser mantidos em geladeira. E tudo – pratos, copos e talheres - era lavado na pia do banheiro. Felizmente a máquina de lavar roupas foi entregue em poucos dias. Enfim, foi uma experiência 'fascinante', agora que passou (na época foi complicado). Por sorte tínhamos colchão inflável e dormimos as primeiras noites com ele no chão; quando os móveis do quarto chegaram (em poucos dias, felizmente), a cama veio sem o estrado, que deveria ter sido comprado em separado (no Brasil quando se compra uma cama ela vem 'completa', com estrado e tudo), e lá fomos nós às carreiras comprar o estrado; um verdadeiro 'pagode', como diria minha avó. Quando nos mudamos para a Inglaterra, em final de 2012, vendemos a cozinha ao proprietário do apartamento; caso este não a tivesse comprado iríamos ter de pagar a alguém para desmontá-la completamente e tentar vendê-la a outrem, sendo que o novo locatário do apartamento, neste caso, teria de adquirir outra cozinha (para o proprietário foi um bom negócio comprar a nossa). Efetivamente, não estávamos acostumados a essas peculiaridades que só o passar de meses ou anos em outra cultura pode ensinar. E íamos amontoando caixas e mais caixas de papelão dos novos móveis e utensílios que nos deram um certo trabalhinho para serem posteriormente descartadas.

Nesse ínterim, sem dúvidas, mesmo não estando o apartamento totalmente 'montado', nós produzíamos lixo diariamente. E aos poucos começamos a aprender, finalmente, a sistemática de como funciona a coleta de lixo doméstico na Alemanha.

Nosso vizinho de porta, que veio a calhar era o 'síndico' (Hausmeister), de logo mostrou-nos os containers situados na área comum do porão (Keller) do prédio e falou-nos sobre o Gelber Sack, presenteando-nos com um rolo do, até então para nós desconhecido, famoso 'saco amarelo'. Mas a princípio continuávamos pensando que podíamos utilizar 'qualquer saco plástico de cor amarela', como aliás fizéramos durante mais de um mês no endereço anterior. Lauto engano, pois só poderíamos utilizar 'aquele específico' tipo de saco amarelo dado pela Prefeitura para esse fim: o Gelber Sack. Como tínhamos muitas caixas de papelão (dos novos móveis e da mudança vinda do Brasil), usamos muitos desses sacos amarelos para colocar parte desse papelão, gastando o rolo todo em menos de duas semanas e contentes por estarmos fazendo 'tudo certinho', achando que depois poderíamos 'comprar' mais sacos amarelos no supermercado. E também não tínhamos entendido direito a ligeira explicação dada sobre o container azul, para o Altpapier. Foi-nos deixado claro, de início, que o lixo biológico não deveria ser acondicionado em sacos plásticos, mas sim colocados diretamente nos containers marrons, de Biomüll. E que o vidro não poderia ser colocado em qualquer desses tipos de lixo. E que o 'lixo de varreduras e do banheiro' deveria ir para o Restmüll. Uau, quanta coisa nova, quanto tipo de lixo (e eu ainda nem sabia dos demais), quanto coisa para assimilar. E foi aí que compreendemos o porque de 'meu' lixo, no endereço anterior, não ter sido normalmente recolhido (como todos os demais da rua) pelo caminhão de lixo, e o senhoria ter tido sempre que (re)separá-lo. E foi apenas aí que soubemos que tem dia marcado para cada tipo de lixo e que deveríamos ser responsáveis pelo mesmo durante quinze dias para então ele ser recolhido. Ora, fizéramos quase tudo errado até então, achando que fazíamos tudo na maior perfeição, como cidadãs participativas pró meio ambiente. Até hoje não sei direito o porquê do proprietário do primeiro Apart que alugamos, o senhorio, não ter nos explicado isso direitinho e ter evitado que recolhéssemos o lixo de maneira errada, colocado em dia errado, e etecetara. Talvez porque ele supusesse que nós devéssemos saber tudo aquilo que para ele era tão óbvio. Bem, mas acabamos aprendendo.

Vou enumerar nossas falhas e, claro, nossos aprendizados:

I - Primeiro aprendemos que papelão não se coloca no Gelber Sack, mas que constitue Alt Papier (papel velho) e, portanto, deve ser acondicionado diretamente no respectivo container azul.

II - Segundo, após as primeiras semanas uma vizinha de 84 anos de idade, moradora do prédio há mais de cinquenta anos, amavelmente me aconselhou a acondicionar o lixo biológico em sacos de papel (que poderiam ser adquiridos em mercados) ou em jornais velhos, antes de serem despojados no container marrom do Biomüll. Nossa, que vergonha! Mas quando o síndico nos disse que não deveríamos usar sacos plásticos e que deveríamos levar diretamente para o container do lixo biológico, e que tinha outro container para papéis, entendi que não poderia colocar papel no Biomüll. Olhem que confusão, talvez decorrente da dificuldade de entender o novo idioma com mais perfeição. Mas, lição de casa feita, aprendemos como 'usar' o Biomüll.

III - Depois de termos gasto o rolo do Gelber Sack cedido pelo vizinho, comprei um novo rolo de saco amarelo no mercado, mas não era igual ao anterior (claro que não, pois o 'verdadeiro' Gelber Sack não é vendido, mas dado gratuitamente pela Prefeitura, só que à época eu não sabia). O síndico disse que não era para usar esse novo saco amarelo, mas um igual ao que ele tinha gentilmente me oferecido. Perguntei a minha filha, mas ela não sabia onde obter o tal do Gelber Sack. Então perguntei na Volkshochschule (escola onde eu estudava alemão) e a professora disse que poderia encontrá-lo em qualquer supermercado. Eu procurava, procurava, e nada! Ia em um, dois, três supermercados, e nada! Disse à professora que tinha ido a várias redes de supermercados e não tinha conseguido encontrar e, só então é que ela entendeu que eu não sabia que o Gelber Sack era dado gratuitamente no caixa do supermercado. Simples, você pede ao empregado do caixa, em qualquer mercado, um rolo de Gelber Sack e ele prontamente lhe entrega, gratuitamente. Tanto tempo desperdiçado procurando nas prateleiras para comprar, e era assim, simples! Por que ninguém disse antes? Eu acabei entendendo: eles partem do pressuposto de que “todo mundo sabe disso”. Bem, outra lição de casa cumprida.

IV - Voltando ao Altpapier, tínhamos tantas caixas de papelão para descartar, tanto da mudança quanto das compras para a casa nova, que o pequeno container do prédio não coube quase nada. E o caminhão só passava de 15 em 15. dias. Que sufoco, onde colocar tanto palelão? Passei a cortar as caixas em pedaços pequenos para acondicionar no container, mas não dava vazão, tinha que encontrar outra maneira de me livrar de tantas caixas. Encontrei perto da Universidade, que ficava perto de nossa casa, um container azul enorme (da Universidade) e durante três domingos seguidos levávamos (minha filha e eu) as caixas de papelão (cortadas) para jogar lá. Não levamos tudo de vez para não encher todo o container, mas foi assim que consegui me ver livre desse monte de papelão. Depois de regularizada a quantidade desse lixo não tive mais problemas; ia enchendo em casa uma sacola de plástico só com lixo de papel e regularmente colocava (apenas o papel, sem o saco plástico) no container azul de nosso próprio prédio, para o recolhimento quinzenal.

V - A surpresa maior, para mim, ficou por conta do Restmüll, que é a menor quantidade de lixo que produzo (e limpo a casa todo dia, sim). Este lixo fica numa lixeira dessas que usamos no Brasil, de pedal, com um saco plástico comum (pode até ser de supermercado) e recolho 1 a 2 vezes por semana para jogar no respectivo container cinza, com saco e tudo. No Brasil, em regra, pode-se dizer que tudo vai para o Restmüll.

VI - Na cozinha eu também utilizava um saco plástico aonde ia acondicionando todo o vidro não 'trocável' e, em regra, uma vez por mês recolhia em containers para vidros colocados perto de casa. No início esses vidros me deram alguma dor-de-cabeça porque não sabia onde se localizavam esses containers, e em dia de domingo saíamos procurando, de bicicleta, para encontrarmos algum; durantes muitos meses utilizamos uns constainers que ficavam a quase 1 quilometro de casa; depois encontrei um mais perto e, finalmente, nem sei como não tinha visto antes, um bem perto, a uns 200 metros de casa, a caminho do mercado. Pronto, problema resolvido! Se juntasse muito vidro (alguma reunião em casa regada a vinho, por exemplo), colocava no Keller (porão) até que me dispusesse a levar para o container adequado. É um trabalhinho ao qual me acostumei sem dificuldades e faz a gente se sentir bem por estar fazendo algo em prol de futuras gerações.

Toda essa 'experiência' é impagável e apenas se adquire quando se passa mais que alguns pares de meses, ou até alguns anos, em outro país. Enquanto turista, não se pensa em questão de lixo e dificilmente se pode imaginar como esse processo funciona.

4. Coleta seletiva de lixo na Inglaterra

Tendo residido pelos últimos três anos na Inglaterra, não poderia deixar de aproveitar para também aqui trazer minha experiência de coleta seletiva de lixo doméstico no solo de Sua Majestade.

Ir para a Inglaterra foi uma decisão tomada quase de última hora; na realidade, 'de últimos meses', em decorrência de um PhD que minha filha foi fazer em Bristol. Acarretou no tomada de uma série de orçamentos para a mudança, quando levamos todos nossos bens, aí incluídos móveis e eletro-eletrônicos que houvéramos adquirido na Alemanha. Assim, em 'volume' foi uma mudança maior do que a que fizemos vindo do Brasil para Osnabruck mas, pelo menos, já tínhamos uma certa experiência em mudanças internacionais. Inicialmente fomos em agosto de 2012 passar oito dias em Bristol para procurar uma casa para alugar, após termos feito um levantamento prévio, pela internet, de imobiliárias e de possíveis imóveis, antes de nos mudarmos em definitivo. Felizmente fomos alertadas, por uma das firmas de mudança consultadas, de que o 'pé direito' (altura do chão ao teto) das casas na Inglaterra era menor (cerca de 25 centímetros) do que o modelo europeu continental, mas mesmo assim isso nos rendeu uns probleminhas, dentre os quais o de deixarmos meu funcional guarda-roupa, totalmente desmontado, na garagem da casa, pois a altura não era compatível; também não houve espaço suficiente para o móvel de televisão (que ficou parte na garage) e nem para minha escrivaninha (também deixada na garagem), o que me obrigou a adquirir uma nova e minúscula escrivaninha. Aliás, nem a altura e nem o tamanho dos nossos móveis era compatível, pois as casas na Inglaterra são efetivamente pequenas se comparadas com os padrões continentais (nem vou comparar com os padrões norte-americanos ou mesmo os brasileiros). A casa que alugamos - considerada lá como de bom tamanho, de dois andares, três quartos, duas salas, um banheiro completo e um sanitário para visitas - é diminuta para o que se esperaria de uma casa de três quartos, ficando tudo meio que 'atravancado', e olhe que na Alemanha tínhamos morado quase cinco anos em um apartamento de dois quartos, uma sala, cozinha, corredor e um sanitário onde cabia toda minha mobília e ainda podiamos 'transitar' dentro de casa com mais facilidade. Vale registrar que na Inglaterra as casas não possuem porão (o precioso 'Keller'), apesar de em algumas ser possível utilizar o sotão para guardar objetos ou, muito eventualmente, como um outro cômodo; é também normal na Inglaterra utilizar-se a garagem como 'depósito' eis que não há perigo em deixar o carro 'dormir na rua' (e alguns chegam mesmo a transformá-la em um 'quarto extra'). Acrescente-se ainda que o valor do aluguel residencial é normalmente mais que o dobro do que na Alemanha, sendo que em Londres é ainda bem mais caro, isso sem falar no Council Tax (corresponderia, em termos, ao IPTU brasileiro); uma casa de três quartos (o terceiro geralmente minúsculo), por exemplo, paga em média uma taxa de 150.00£ (cento e cinquenta libras esterlinas, equivalente hoje a cerca de setecentos reais) por mês, durante dez meses por ano (janeiro e fevereiro estão isentos). As paredes das casas são 'ocas' (de madeira conglomerada), de modo que não se pode colocar pregos comuns para pendurar quadro (tivemos que contratar uma pessoa para colocar os quadros nas paredes); isso implica em pouco isolamente acústico entre os cômodos. Talvez o espaço em metros quadrados fosse maior do que nosso antigo apartamento na Alemanha, mas o aproveitamento arquitetônico certamente deixa a desejar. Ajunte-se a isso, todas as casas na Inglaterra são 'padronizadas', quase iguais, o que de início nos chocou um pouco; bairros inteiros com casas idênticas, interna e externamente, é a regra (diferenciando-se entre modelos parecidíssimos de 1, 2, 3 ou mais quartos). Fato interessante é o costume de a casa vir toda acarpetada, incluindo o banheiro; felizmente antes de alugarmos a casa o proprietário (Landlord) decidiu remover o carpet dos banheiros e do andar térreo, mantendo-o apenas na escada, nos quartos e no hall de circulação do primeiro andar. Trouxe aqui essas informações como um adendo, alertando de que em cada país, mesmo de cultura ocidental, várias são as diferenças no seu dia a dia e o 'visitante' overseas deve estar precavido para essas peculiaridades. De qualquer maneira, achei a Inglaterra um país fascinante, belíssimo; os ingleses são alegres e de um senso de humor positivamente peculiar, e a experiência de viver em solo inglês por três anos foi excelente.

Mas, voltando à questão do lixo doméstico, de fato, também na Inglaterra a coleta seletiva encontra-se em melhor posição do que no Brasil, havendo a seleção, em cada casa, do lixo doméstico produzido e a correspondente regular captação pelas vias competentes. O custo está incluso naquela taxa antes mencionada, a Council Tax.

Os caminhões passam uma vez por semana para recolher o lixo (Waste and Recycling Collection), que deverá ter sido previamente depositado por cada unidade residencial em seus containers ou sacolões, algo parecido com o sistema alemão. Na rua onde morávamos em Bristol (uma das cinco maiores cidades da Inglaterra), a coleta dava-se às quartas-feiras, sendo que em uma semana (Box and Bags Week) recolhe-se: a) um pequeno container de lixo biológico (Food Waste, correspondente ao Biomüll alemão), b) um outro pequeno container para latas, vidros, baterias, etc (Recycling), c) um sacolão verde para papelão (Card Board) e d) outro sacolão verde para papel (Paper - jornais, revistas, catálogos, etc); na semana seguinte (Bins and Bags Week) repete-se a coleta do: a) lixo biológico (portanto, este é semanal), e) um container com os 'restos' (o Non Recyclable Waste Only, que equivale, em parte, ao Restmüll da Alemanha) e f) um sacolão branco para plásticos (Plastic – garrafas PET, de shampoo, etc); g) há ainda um container especial destinado especificamente a plantas (Garden Waste - folhas, galhos, grama cortada, etc), que recentemente passou a ser pago em separado (não está incluído no IPTU – o Council Tax inglês) para quem utiliza esse container. Assim, também em solo inglês, como na Alemanha, cada residência fica responsável por seu lixo durante quinze dias até ele ser coletado, afora o lixo biológico que é coletado semanalmente.

Para roupas, sapatos, eletro-domésticos, móveis e etcetera que não estejam entre os relacionados para recolhimento na porta de casa e que se pretenda descartar, há os lixões (Sort It!* Centres) para onde o próprio cidadão pode, ou deve, levá-los.

Ambos os sistemas, alemão e inglês, funcionam bem, mas acredito que o sistema alemão seja mais ecológico. Por exemplo, na Alemanha sacos plásticos, entre outros itens que vão para o Gelbe Sack, são recicláveis, enquanto na Inglaterra eles ainda vão, em regra, para o Non Recyclable Waste, apesar de que nas redes de supermercado, por exemplo, hajam locais apropriados aonde se pode recolhê-los; também, as garrafas PET são, conforme antes mencionado, one way.

As sacolas plásticas nos supermercados são gratuitas (salvo os da rede alemã, como o Lidl, que mesmo em solo inglês mantém o espírito ecológico alemão), registrando-se, entretanto, que em algumas redes, como a do Saynsbury, há o estímulo de 'pontos' para quem leva suas próprias sacolas (para quem tem o cartão daquela rede, ganha-se 1 ponto por sacola trazida de casa).

Os caminhões de lixo levam impresso em suas laterais o sloganReduce, Reuse, Recycle your Rubbish” (reduza, reuse, recicle seu lixo – tradução nossa).

5. Experiências positivas no Brasil

No Brasil certamente não se está imune a essas preocupações quanto a um 'futuro limpo'. Na verdade esse assunto é alvo de inúmeros trabalhos acadêmicos de imenso valor científico e publicações de alto nível. Cita-se como exemplo de iniciativa privada o CEMPRE – Compromisso Empresarial para Reciclagem[06], que é uma “associação sem fins lucrativos, fundada em 1992, e dedicada à promoção da reciclagem dentro do conceito de gerenciamento integrado do lixo, sendo mantida por empresas privadas de diversos setores” e com várias publicações sobre o assunto, dentre as quais Lixo Municipal: Manual de Gerenciamento Integrado, considerada sua principal obra e destinada a informar sobre como os dirigentes municipais devem cuidar bem do lixo de sua cidade. Outra publicação sua é o Guia da Coleta Seletiva de Lixo, que tem por objetivo “esclarecer dúvidas básicas e propor soluções práticas e viáveis para a implantação e gerenciamento de programas de coleta seletiva nas Prefeituras em todo o território brasileiro” e que salienta que “as informações disponíveis podem ser transpostas para sistemas de coleta seletiva de menor escala, gerenciados por ONG's, condomínios, escolas, associações de moradores, entre outros, desde que executadas as devidas adaptações relativas à dimensão e aos objetivos do projeto”.

Em pesquisa que fiz utilizando a rede social do Facebook, entre amigos de várias cidades em alguns estados brasileiros (Bahia, Sergipe, Pernambuco, Ceará, Maranhão, Pará, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Brasília), a maioria respondeu que não havia coleta seletiva de lixo doméstico em sua cidade, tendo alguns poucos informado que havia 'alguma' coleta em 'alguns' bairros. O estado do Paraná distinguiu-se entre um dos que mais a sério trata do assunto, mas ainda assim não atinge, mesmo em sua capital, Curitiba, a totalidade da população; de fato, em Curitiba existe, entre outros, o conhecido projeto Lixo que não é lixo, fruto de um trabalho de educação ecológica nas escolas. Também Aracajú, capital do nordestino estado de Sergipe, revelou que coloca em prática o recolhimento de lixo doméstico selecionado. Minha Bahia, em Salvador, não levou adiante a coleta seletiva, ficando mais em projetos esparsos, conforme antes dito, com algumas tênues inciativas em shoppings centers e escolas; também no interior do estado a situação de coleta de lixo residencial é inexistente ou precária. Mesmo Brasília, capital do país, conforme informações recebidas, apesar de projetos interessantes, não conseguiu tirar do papel um efetivo recolhimento seletivo do lixo residencial. Outros estados manifestaram a mesma situação de precariedade no recolhimento do lixo domiciliar, levando-nos a concluir que todo esse processo ainda é bastante efêmero e dependente da boa vontade dos cidadãos e de efetivo interesse e comprometimento dos Poderes públicos.

Com efeito, apesar da edição de inúmeras leis federais, estaduais e municipais, apesar dos vários projetos e de outras tantas iniciativas, dados[07] indicam que apenas cerca de 2% do lixo produzido no Brasil é reciclado e que apenas 327, dos 5.565 Municípios brasileiros, dispõem de algum sistema público de coleta seletiva de lixo urbano, salientando-se, dentre eles, Curitiba (PR), Itabira (MG), Londrina (PR), Santo André (SP) e Santos (SP) que são considerados os únicos Municípios onde a Prefeitura faz chegar o serviço de coleta seletiva a quase 100% das residências.

Por outro lado, tem-se em conta de que em torno de 95% das latinhas de alumínio e 50% das garrafas PET são recicladas, sobremodo com a participação dos 'catadores' individuais.

A essas considerações e fortalecendo exatamente o quanto retro comentado acerca de nossa experiência em Salvador nos anos noventa, ajunte-se o disposto em publicação no site especializado do Planeta Sustentável[08] acerca da situação do lixo doméstico, ainda hoje, no Brasil:

"Do total produzido nas casas, apenas 2% é destinado à coleta seletiva", afirma a bióloga Elen Aquino, pesquisadora do Centro de Capacitação e Pesquisa em Meio Ambiente (Cepema), da Universidade de São Paulo. O restante vai parar em lixões a céu aberto ou, na melhor das hipóteses, em aterros sanitários cuja capacidade máxima já está próxima do limite. Para piorar o quadro, muitas vezes o cidadão toma o cuidado de separar metais, vidros, plásticos e papéis acreditando que esses materiais serão reciclados, mas as empresas de limpeza contratadas pela prefeitura acabam por misturá-los num mesmo caminhão.

Devo reafirmar, pois, que não se pode continuar atrelado aos aterros sanitários, em detrimento das usinas de reciclagem, como destino último dos resíduos residenciais. A seleção do lixo na fonte é talvez mais que metade do caminho andado para sua reciclagem restando, antes, durante e depois, ao Estado, sua parte em fazer cumprir o quanto preconizado no artigo 225, parágrafo 1., inciso VI, da Lei Maior, in verbis:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

[…];

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

[…].


 

Assim, importa dar ênfase aos projetos de saneamento básico para solução ecologicamente correta no trato do lixo como um todo e, neste caso, no trato do lixo doméstico. Nessa senda, resta deduzir que o que falta no Brasil, sobretudo, é implementar o sistema e perseverar nas campanhas de coleta seletiva de lixo doméstico, informando e conscientizando a população sobre uma postura responsável para preservação do meio ambiente e de sua responsabilidade nessa administração participativa, fazendo-se cumprir aquilo que, com sede constitucional, já se encontra fartamente normatizado.


 

5. Conclusão

Parece-nos razoável afirmar que considerável parte da população brasileira tem, no mínimo, uma idéia básica dos problemas ambientais que hoje assolam o país (e o mundo), portanto, também razoável presumir que essa parte da população possui uma 'certa' consciência dos problemas advindos do (mau) trato com o lixo em geral e com o lixo doméstico em especial; entretanto, muitas vezes por não saber o que fazer ou como fazer para promover a coleta seletiva do lixo que produz em sua própria casa acaba por somar-se aquela maioria dos que sequer tiveram, ou sequer assimilaram, qualquer informação sobre o assunto. Falta-lhe a informação, e/ou a educação, e/ou a conscientização ambiental, e/ou o suporte governamental minimamente necessáros para que projetos de coleta seletiva venham a ser vitoriosos.

Parece-nos inconteste que não basta editar leis, decretos, regulamentos, cartilhas e manuais, pois disso o Brasil já está bem servido; o que é preciso é dar os meios para que a população como um todo possa cumprir a farta legislação que trata do assunto. Hoje a questão da reciclagem de lixo doméstico está diretamente ligada à própria evolução da sociedade, essa mesma sociedade que, cada vez mais, produz mais lixo. Ao Estado caberá cumprir, de fato, o tanto quanto lhe manda a letra da lei.

Sinto certo desconforto em reconhecer que foi preciso eu sair do Brasil para efetivamente saber quanto lixo produzo dentro de minha própria casa, para entender como se processa uma coleta seletiva com vistas a reduzir, reaproveitar e reciclar os resíduos produzidos no cotidiano dos lares, que foi preciso eu sair do Brasil para compreender que eu devo ser responsável por esse 'meu lixo' e que o governo tem o dever de oferecer as informações e os meios para que se possa tratar esse lixo de maneira a permitir que haja um futuro limpo a ser herdado.

E não basta falar, não basta escrever, não basta protestar. É preciso que cada um faça sua parte nessa coleta, é preciso que essa consciência de responsabilidade sobre o meio ambiente, sobre o futuro do país, o futuro do planeta, esteja presente no dia-a-dia de todos e de cada um de nós. Sobretudo, vale repetir, sendo a coleta seletiva de lixo doméstico um serviço público, cabe ao governo implementá-la, inclusive através de melhores campanhas educativas, as quais certamente não devem se perder nas mudanças periódicas dos mandantes.

Não sou apenas eu quem traz esse assunto à baila, não sou eu quem aponta soluções. Tudo isso já foi feito e continua sendo feito por profissionais da área, altamente qualificados. Eu sou apenas uma cidadã brasileira que precisou morar fora do Brasil para descobrir o quanto de lixo vem produzindo ao longo da vida e que, finalmente, aprendeu novos hábitos e a ser efetivamente responsável por todo o lixo que ainda venha a produzir. Eu levo sacola de pano na bolsa, eu digo 'não, obrigado' a sacolas de plástico, eu separo criteriosamente meu lixo cotidiano, entre outras coisas que aprendi a fazer, hoje automaticamente, por nosso Planeta e, sobretudo, eu me sinto bem por estar fazendo minha parte.

Este ensaio, trazendo uma história de experiência pessoal vivenciada em três países, conforme dito anteriormente, pretende apenas colaborar para uma compreensão mais ampla sobre o nível de participação do governo e da população de cada um dos países mencionados - Brasil, Alemanha e Inglaterra - no cuidar do amanhã de nosso planeta. Não se pode mais ter o luxo de deixar a questão da coleta seletiva de nosso lixo doméstico para depois; o momento é agora e o lugar é onde a gente mora, aonde quer que seja, começando por nossa própria casa. Como se diz por aí, não existe isso de jogar o lixo lá fora, porque esse lá fora simplesmente não existe ...

Notas

Referências

  • DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella - Direito Administrativo Brasileiro, 22ª ed, São Paulo: Atlas, 2009.

  • JUSTEN FILHO, Marçal - Curso de Direito Administrativo, 14ª ed, São Paulo: Saraiva, 2005.

  • MAREGA, Ana Carolina Peterman - Lixo urbano, um problema social e responsabilidade de todos, 08.04.2011, Disponível em < http://www.cenedcursos.com.br/lixo-urbano-problema-social.html >. Acesso em 24.01.2015.

  • MEDAUAR, Odete - Direito Administrativo Moderno, 11ª ed, revista e atualizada, São Paulo: Revista dos Tribunais, 04.2007.

  • ALEMANHA – Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland (Constituição da Alemanha)

< https://www.bundestag.de/bundestag/aufgaben/rechtsgrundlagen/grundgesetz/gg/245216 > Acesso em 2015

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Sobre a autora
Lúcia Luz Meyer

Advogada, Procuradora Autárquica aposentada. Especialista em Direito Econômico e em Direito Administrativo. Ex-Professora de Direito Administrativo e Eleitoral da UFBA, UNIFACS e UNIJORGEAMADO e de Direito Constitucional e Administrativo do IBES. Professora convidada da Fundação UFBA, UCSAL, FABAC, FEMISP e IPRAJ. Palestrante junto ao TRE/BA. Ex-Coordenadora e Membro da Associação MENSA/Brasil na Bahia. Ex-membro efetivo da Comissão de Advocacia Pública da OAB/Ba. Ex-Conselheira do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/Ba. Membro da Deutsch-Lusitanischen Juristenvereinigung.* <br>Atualmente residindo na Alemanha<br>http://sites.google.com/site/meyerlucia/

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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