Capa da publicação Iter criminis: fim dos atos preparatórios x início dos atos executórios
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A emblemática distinção entre o término dos atos preparatórios e o início dos atos executórios no iter criminis

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O presente trabalho visa analisar as teorias que distinguem os atos preparatórios dos executórios, visando identificar quando se dará a atuação do Direito Penal, bem como qual é a posição jurisprudencial prevalente.

Resumo: O Direito Penal tem a função precípua de proteger bens jurídicos de relevância importância social. Ao fazê-lo, a ciência penal cumpre suas duas funções principais: incutir nos cidadãos o respeito e obediência aos valores ético-sociais relevantes (função ético-social) e prevenir quanto à prática de novos crimes (função preventiva). Neste afã, o Direito Penal em muito se transformou e adquiriu diferentes concepções, evoluindo-se da natureza causal do delito para a concepção finalista welzeliana. Considerando-se tal vertente finalista, têm-se que, no intento de praticar determinado delito, o agente percorre uma percurso para o alcance do seu intento, denominado iter criminis, formado pela cogitação, preparação, execução e consumação. Neste intercurso, somente se pune a partir do início da execução, restando as fases anteriores impuníveis. Grande polêmica reside na delimitação deste início e do fim dos atos preparatórios. Diversas teorias explicam o motivo de se punir a execução, sendo a primeira delas a teoria objetiva alegando é o perigo gerado que motiva a punição. Em contrapartida, a teoria subjetiva opta por fundamentar-se na vontade criminosa do autor, passível de reprovação. Por fim, a teoria da impressão fundamenta-se na impressão que a prática delituosa gera na sociedade. Após tal fundamentação, parte-se para a distinção entre os atos preparatórios e executórios, sendo que a teoria objetiva-formal alega ser a prática do verbo tipificado em lei o início da execução, enquanto a teoria objetiva-material funda-se na interpretação ampliada do verbo típico utilizando-se dos “usos de linguagem” e a imediatidade para tanto. Por fim, Welzel desenvolve a teoria objetiva-individual, dizendo que os atos executórios iniciam-se quando, segundo o intelecto do autor, ele pratica o ato imediatamente anterior ao verbo descrito no tipo. A jurisprudência brasileira tem adotado em larga escala a teoria objetiva-formal e começado a assumir a teoria objetiva-individual, tanto que o Projeto do Novo Código Penal já a aceita como teoria delimitadora.

Palavras-chave: Iter criminis. Atos preparatórios. Atos executórios. Distinção.


1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho ora desenvolvido objetiva uma análise na persecução do iter criminis, demonstrando e delimitando suas fases, mas, preferindo-se à polêmica distinção entre os atos preparatórios e os atos executórios, especificamente no que tange à precisão entre o término da ocorrência dos primeiros e o início da vigência dos segundos.

Com isso, à luz da ideologia penal adotada hodiernamente – a adoção do finalismo apregoado pelo cânone penalista Hans Welzel, que revolucionou a estrutura criminal transportando o elemento subjetivo do delito (dolo e culpa) da culpabilidade à conduta analisada no fato típico – dos conceitos e teorias doutrinárias que distinguem aqueles atos em estudo e à análise crítica sobre a jurisprudência brasileira, intenciona-se analisar qual método merece maior devoção.

O finalismo do referido doutrinador alemão, inicialmente, ocupa importância primordial no desenvolvimento deste trabalho por enunciar que somente relevaria ao Direto Penal a conduta finalisticamente dirigida a um resultado, contraditando o mero causalismo antigo, embasado somente nas forças da física, que não mais encontrava lugar na seara jurídica.1

Deste modo, não somente o desvalor do resultado era suficiente, mas também o desvalor da conduta, que se configura em dolosa ou culposa para a qualificação do delito.2 Necessário é o conhecimento do intento do agente – vontade – quanto da prática de determinado ato para se averiguar a tipificação legal.3

Por consequência à esta definição típica, a mesma se mostra necessária para traçar o percurso percorrido por um agente quando da prática de um delito, transcorrendo o seu iter criminis e realizando todas as suas fases, sendo-as, de modo geral, a cogitação, a preparação, a execução e a consumação do delito almejado.

Ademais, para identificar a ocorrência do término da primeira e o início dos atos executórios, a doutrina, de forma geral, tem construído algumas teorias das quais se destacam a de cunho formal objetivo, a subjetiva e a objetiva-individual ou mista. Para a primeira – que para muitos doutrinadores é adotada pelo Código Penal Brasileiro – em superficiais palavras, somente se inicia a execução quando o agente inicia a prática dos verbos elementares do tipo, sendo criticada por tardar por demais a culpabilidade do agente e desprezar atos de relevante importância. Por outro lado, a segunda visa determinar tais atos executórios a partir da finalidade do agente, arriscando-se em antecipar a culpabilidade. Por fim, a teoria mista4 ou objetiva-individual5, mescla as outras duas concepções, somando o elemento objetivo (consideração ao verbo elementar), somado ao elemento subjetivo e à imediatidade da conduta considerando executórios os atos que para o autor são necessários e imediatos à consumação do crime.6

No entanto, como se mostrará no presente trabalho, a jurisprudência brasileira tem adotado critérios diversos para identificar o início dos atos preparatórios, gerando resultados diversos para situações idênticas, gerando séria instabilidade jurídica.

Sendo assim, com o presente estudo, objetiva-se alcançar um resultado distintivo, que mostrará, ou ao menos tentará mostrar, ante a atual sistemática penal, qual o critério de diferenciação se mostra mais eficaz e menos suscetíveis a cometer disparates jurídicos.

A importância de tal intento abriga-se na ausência da previsão de qualquer distinção entre atos preparatórios e os executórios na legislação hodierna, limitando-se esta a mencionar que considera-se crime “tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente”(grifou-se), não oferecendo nenhum outro elemento para averiguar o início da execução, delegando esta árdua tarefa à doutrina e à jurisprudência. Por isso, justifica-se a escolha do tema para o presente estudo pelo fato de que os próprios doutrinadores que comentam sobre o mesmo em suas obras, assumem a dificuldade de se estabelecer uma concreta distinção do momento em que um agente qualquer deixa de praticar atos meramente preparatórios, em regra não puníveis pelo ordenamento jurídico brasileiro e inicia a execução do delito, sendo a partir deste que incide a repressão penal.

Vários critérios e teorias são apresentados doutrinariamente, e, no que pese alguns doutrinadores dizerem que o atual Código Penal tenha adotado a teoria formal-objetiva de distinção – conforme já mencionado, tal teoria diz que atos executórios são aqueles que se iniciam com a prática do verbo prescrito no tipo penal – tal posicionamento recebe várias críticas e se mostra insuficiente para determinar precisamente o início dos atos executórios.

A importância em se desenvolver sobre o tema e realizar um estudo aprofundado sobre a referida distinção é perceptível pela definição do momento em que aplicar-se-á ou não a legislação penalista. Visto a essa imprecisão distintiva, dando ases a adoção de teorias distintas, para um mesmo fato – conjunto de atos – pode-se atingir tanto a condenação quanto a absolvição do agente que o praticara, fadando-se à ocorrência de injustos penais, que, nesta seara, são demasiadamente destrutivos. Sendo assim, necessário é clarear a situação para conferir à situação maior justeza e precisão em sua atuação.


2. CONCEPÇÕES PRIMÁRIAS E NECESSÁRIAS AO ESTUDO

Para o ingresso no estudo da distinção tema do presente trabalho, mister se faz vislumbrar determinados conceitos e concepções que contribuirão com o completo entendimento do raciocínio teórico aqui proposto, cuja relevância transcende a abstrata discussão acadêmica para ingressar no campo real e prático, provocando consequências relevantes quanto à sua aplicação.

É completamente equivocado o pensamento conclusivo da desnecessidade da menção prévia a tais assuntos, visto a característica basilar dos conceitos a seguir, que justificam o ingresso e apresentação dos mesmos no presente trabalho. Somente a leitura poderá – e o fará – comprovar a pertinência de tais matérias prévias, ressaltando a sua importância tanto para a aplicação do raciocínio, tema do trabalho, como para sua própria construção.

Conforme dito, o objetivo da apresentação de tais conceitos se deve ao amparo do raciocínio aqui proposto, motivo pelo qual estes tópicos complementares apresentados não serão exaustivamente desenvolvidos, sendo-o apenas o suficiente para a construção de uma base conceitual para uma melhor compreensão do que virá.

2.1. Direito Penal: conceito, função e princípios

O Direito Penal é conceituado pela doutrina7 como “parte do ordenamento jurídico que estabelece e define o fato-crime, dispõe sobre quem deva por ele responder e, por fim, fixa as penas e medidas de segurança a serem aplicadas.”8 Conforme Welzel, em sucinta definição, “o direito penal é a parte do ordenamento jurídico que determina as ações de natureza criminal e as vincula com uma pena ou medida de segurança.”9 Tais definições, no entanto, expressam apenas um sentido objetivo do direito penal, conceituando-o apenas como tipificador de condutas e aplicador de sanções, motivo pelo qual orientou o doutrinador Luiz Régis Prado a acrescentar ao mencionado conceito um sentido subjetivo, ao dizer:

Do ponto de vista objetivo, o Direito Penal (jus poenale) significa não mais que um conjunto de normas que definem os delitos e as sanções que lhes correspondem, orientando, também, sua aplicação. Já em sentido subjetivo (jus puniendi), diz respeito ao direito de punir do Estado (princípio da soberania), correspondente à sua exclusiva faculdade de impor sanção criminal diante da prática do delito.10

Sendo assim, o direito penal é a ciência que tipifica determinadas condutas que se consideram reprováveis e comina-lhes sanções como forma vinculante à sua obediência. Partindo-se daquela tipificação de condutas, efetiva-se o caráter finalista11 do direito penal ao proteger os “bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens e que não podem ser eficazmente protegidos de forma menos gravosa”12, o que define claramente o princípio da intervenção mínima do direito penal. Em complementação, após a escolha desses bens jurídicos essenciais, “só devam eles ser defendidos penalmente ante certas formas de agressão, consideradas socialmente intoleráveis. Isto quer dizer que apenas as ações ou omissões mais graves endereçadas contra bens valiosos podem ser objeto de criminalização”13, evidenciando-se, por consequente, o caráter fragmentário do direito penal. Desta feita, este atua somente em proteção aos bens jurídicos mais valiosos e essenciais à convivência social e sobre aquelas condutas que realmente lhes causem dano ou “a exposição a perigo de um bem jurídico.14(grifo do texto). Como dizia o grandioso Hans Welzel, “o direito penal há de limitar-se na sanção dos fatos que lesionam os deveres ético-sociais elementares, [...].”15

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Outra questão interessante, ainda sobre a tipificação penal, é que a constituição dos “[...] tipos legais de crime constituem verdadeira autorização primária para que o Estado possa intervir em certas áreas reservadas, na esfera da liberdade individual”16, que, no presente Estado Democrático de Direito, possui ampla proteção constitucional, somada à atuação imperiosa do princípio da legalidade ou da reserva legal, constituindo-se “uma efetiva limitação ao poder punitivo estatal.”17 Neste sentido, Bitencourt faz anotação importante ao dizer que “a formalização do Direito Penal tem lugar por meio da vinculação com as normas e objetiva limitar a intervenção jurídico-penal do Estado em atenção aos direitos individuais do cidadão.”18

Por outro lado, a cominação de sanções tendentes à vincular obediência às normas tipificadas, é o instrumento pelo qual o direito penal exerce suas principais funções, sendo-as preventiva e ético-social. Tal divisão, idealizada por Welzel19, conduz à consideração de dois aspectos valorativos diferentes quando se considera a defesa dos bens jurídicos, quais sejam, o desvalor do resultado provocado por uma ação e pelo desvalor desta, independentemente daquele. Com isso, tem-se que a “tutela dos bens jurídicos consegue-se proibindo e castigando as ações que visem a lesioná-los, isto é, evitando ou tratando de evitar o descrédito do resultado com a punição do desvalor do ato.”20 Objetiva-se, desta feita, proteger os valores ético-sociais, que representam o respeito pela vida, saúde e liberdade, dentre outros, que constituem o “substrato ético-social das normas do direito penal.”21 Sendo assim, há de se falar que a função principal do direito penal é a proteção dos bens jurídicos através da imposição de valores ético-sociais nos indivíduos, como bem leciona Hans Welzel:

Sem embargo, a missão primária do direito penal não é o amparo presente dos bens jurídicos; isto é, o amparo da pessoa individual, da propriedade e outros, pois é ali, precisamente, aonde, por regra geral, chega sua ação tarde demais. Principalmente do amparo dos bens jurídicos individuais concretos está a missão de assegurar a real validade (a observância) dos valores do atuar ou agir segundo o pensamento jurídico. Eles constituem o mais sólido fundamento sobre os quais apóia (sic) o Estado e a sociedade.”22 (grifou-se)

Tendo em vista o alegado, Welzel também menciona que “o simples amparo de bens jurídicos somente tem uma finalidade negativo-preventiva, poilicial-preventiva.”23 O temor da atuação sancionadora do direito penal, cria, na sociedade – em conjunto com a função ético-social –, uma intimidação a fim de impedir que os indivíduos se corrompam delituosamente. Caso haja falhas nesta função preventiva geral, e algum indivíduo incorra na prática delituosa, o direito penal repousará sobre ele a aplicação de uma sanção, que, além de seu caráter retributivo24, exerce a prevenção especial sobre aquele indivíduo, almejando impedir novas práticas delitivas.25

Visando finalizar a presente exposição, necessário se faz realizar uma definição de bem jurídico, para a promoção de uma real compreensão das funções do direito penal. O bem jurídico é visto “como todo o valor da vida humana protegido pelo Direito”26, ou, como bem elucida Welzel, novamente, “bem jurídico é um bem vital do grupo ou do indivíduo, que, em razão de sua significação social, é amparado juridicamente.”27 Acrescenta o autor que o bem jurídico pode se apresentar de diversas formas, tais

como objeto psicofísico, (relativo ao espírito e à matéria), ou como objeto ideal-psíquico (assim a vida, por um lado, e a honra pelo outro); como estado real (a paz do lar); como relações da vida (matrimônio, parentesco); como relação jurídica (propriedade, direito de caça); e até como conduta de um terceiro (dever de fidelidade do empregado público, protegido diante do suborno).28

Após esta enumeração, Welzel ainda arremata dizendo que “bem jurídico é, portanto, todo o estado social pretendido que o direito deseja assegurar contra lesões.”29 Com isso, tem-se que bem jurídico é o valor no qual o direito penal almeja proteger, seja pela sua importância social ou individual, rodeando-lhe de normas sancionadoras como forma de repelir qualquer agressão ou ameaça ao mesmo. Esta, conforme argumentado alhures, é a principal função do direito penal, motivo pelo qual se constrói todo o seu arsenal jurídico e os utiliza de forma impositiva.

2.2. Direito Penal: teorias e concepções quanto à prática delitiva

Certo é que o Direito Penal acompanhou toda a ciência jurídica em seu desenvolvimento, que se deu – e ainda dá – a partir da evolução da própria sociedade, que o molda com suas novas e ocorrentes transformações. Assim o foi no final do século XIX, com o fortalecimento do positivismo no setor jurídico, acompanhando, paralelamente, o desenvolvimento do iluminismo e dos estudos das ciências naturais30, apresentando-se o direito penal como instrumento político de defesa à opressividade estatal outrora experimentada.31 Com forte apego à letra normativa, versando apenas “sobre a relação de contrariedade entre o fato e a lei penal”32, o direito penal positivista, concebido por Von Liszt sob um enfoque cientificista33, “deu um tratamento exageradamente formal ao comportamento humano que seria definido como delituoso. Assim, a ação, concebida de forma puramente naturalística, estruturava-se com um tipo objetivo-descritivo; [...]”34, atendo-se á mera descrição dos fatos e a sua responsabilização simplesmente causal, sem se preocupar com o conteúdo criminoso: “crime é tudo aquilo que o legislador diz sê-lo e ponto final.”35 Insta ressaltar, que o elemento subjetivo era analisado somente na culpabilidade, que assumia um conteúdo puramente psicológico. Sobre a concepção formal, Jorge de Figueiredo Dias oferece um conceito esclarecedor e completo ao mencionar:

De acordo com o que fica dito, esta concepção via na acção o movimento corporal determinante de uma modificação do mundo exterior, ligada causalmente à vontade do agente. Acção que se tornaria em acção típica sempre que fosse lógico-formalmente subsumível num tipo legal de crime, isto é, numa descrição puramente externo-objectiva da realização da acção, completamente estranha a valores e a sentidos.36(grifo do texto)

No entanto, apesar do rigoroso respeito ao princípio da legalidade, esse conceito naturalístico e causal do Direito Penal, logo se mostrou insuficiente para atender as exigências sociais. Deve-se esta insuficiência à desconsideração do caráter circunstancial da norma jurídica37, à ausência de um critério satisfatório que explique a causalidade dos delitos38 – lembra-se da citação que dizia ser crime aquilo que o legislador diz sê-lo – e a desconsideração ao conteúdo material do delito.39

Consequentemente à estas críticas e acompanhando o desenvolvimento jusfilosófico no início do século XX40 – principalmente a partir dos estudos dos filósofos Radbruch e Sauer41, acompanhados por Mezger42 – surgia o pensamento neokantista, que não mais se atinha à uma mera subsunção legal, mas discutia o caráter material do delito, analisando a conduta criminosa quanto à sua aptidão de lesionar determinados valores sócio-culturais, tendo em vista que o “direito é uma realidade cultural, ou seja, uma realidade referida a valores.43(grifo do texto)

Sendo assim, o direito deixava de ser meramente descritivo e classificatório para se tornar um direito que visava efetivar a proteção de valores essenciais à convivência social. Desta feita, abandonou-se o caráter descritivo formal – mero “ser” – para revestir-se de um caráter teleológico normativo – “dever ser”44. Neste sentido, o pensamento neokantista dizia “respeito ao conteúdo do ilícito penal – caráter danoso da ação ou seu desvalor social – quer dizer, o que determinada sociedade, em dado momento histórico, considera que deve ser proibido pela lei penal.”45

Enuncia Bitencourt que esse novo pensamento “substituiu a coerência formal de um pensamento jurídico circunscrito em si mesmo por um conceito de delito voltado para os fins pretendidos pelo Direito Penal e pelas perspectivas valorativas que o embasam (teoria teleológica do delito).”46 Com isso, tem-se a inserção de elementos normativos na análise típica, no sentido de efetivar a proteção valorativa. Neste sentido, o alemão Frank, em 1907, descobriu a presença dos elementos normativos também na culpabilidade, originando seu caráter psicológico-normativo com a inserção da exigibilidade da conduta diversa.47

Com tal pensamento teleológico, vislumbrou-se a presença de elementos subjetivos necessários para o alcance de tal objetivo48. Determinados delitos, necessitavam de uma análise subjetiva para sua ocorrência, tal como o é, p.ex., na situação descrita no artigo 158 do atual Código Penal Brasileiro, que possui o elemento subjetivo “[...], e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa: [...].”

Apesar de representar um forte avanço quanto aos ideais causalistas, à teoria neokantista ainda se mantinha, na base de sua definição, o conceito causal da conduta49, independente de qualquer elemento volitivo, que por sua vez era analisado no elemento culpabilidade.

Em contrapartida, o doutrinador Hans Welzel, em meados de 1931, publicou um trabalho apresentando os primeiros ideais de um pensamento que, desenvolvido e reestruturado nos anos seguintes, foi conhecido como finalismo.50 Welzel mencionava que a conduta humana não era meramente causal, mas sim dominada por uma vontade interna do agente, direcionada a determinado objetivo.51 Nas palavras do próprio mestre:

A finalidade ou atividade finalista da ação se baseia em que o homem, sobre a base de seu conhecimento causal, pode prever em determinada escala as consequências possíveis de uma atividade com vistas ao futuro, propor-se a objetivos de índole diversa e dirigir sua atividade segundo um plano tendente à obtenção desses objetivos.52

Welzel apresentava a finalidade da conduta como anterior à ela mesma, que por si só não significa a intenção de atingir determinado resultado, capaz de simplesmente provocar o resultado de maneira causal e indefinida. A finalidade poderia direcionar esta conduta causal à obtenção de determinado resultado almejado, tornando perfeitamente previsível o resultado da conduta humana.53 Baseado nisso, Welzel firmou o brocardo, “[...] a finalidade é ‘vidente’; a causalidade é ‘cega’.”54

Consequência marcante desta concepção finalista foi o deslocamento do elemento psicológico da culpabilidade para se alojar na conduta, reservando àquela apenas os elementos puramente normativos.55 Ora, como fator anterior e determinante da conduta, o elemento volitivo só poderia se situar na mesma, de forma a conduzi-la em direção à um objetivo almejado pelo agente. Desta feita, “o delito não mais poderia ser qualificado apenas como um simples desvalor do resultado, passando antes a configurar um desvalor da própria conduta.”56

Seguindo tal entendimento, o atual Código Peal Brasileiro dispôs, em seu art. 18, parágrafo único, sobre a indispensabilidade do elemento volitivo para a configuração do delito, alegando que “salvo nos casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.”

Desta feita, apresentada, de forma ligeira a evolução dos ideais da prática delitiva e enfatizada a importância da conduta finalista para a configuração do delito, encerra-se a presente exposição com o teor necessário para a inteligência dos próximos tópicos, onde se iniciará a discussão do tema principal aqui proposto.

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Sobre o autor
Marco Aurélio da Silva Oliveira

Advogado Criminalista. Graduado na Unipac Bom Despacho. Pós-graduando em Direito Penal pelo Damásio Educacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Marco Aurélio Silva. A emblemática distinção entre o término dos atos preparatórios e o início dos atos executórios no iter criminis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7709, 9 ago. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47052. Acesso em: 23 dez. 2024.

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