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Dispensa coletiva e limites ao poder de demitir

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17/03/2016 às 10:13
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03. A CONVENÇÃO 158 DA OIT

Nesse ponto, inclusive, vale uma breve menção ao histórico e à situação atual da Convenção 158 da OIT, umbilicalmente relacionada com as dispensas trabalhistas de uma forma geral. A Convenção 158 da OIT foi aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 68, de 16/09/1992, do Congresso Nacional; ratificada em 05/01/1995; promulgada pelo Decreto nº 1855, de 10/04/1996; e denunciada pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, através do Decreto nº 2100, de 20/12/1996. A constitucionalidade do ato de denúncia, que não foi precedido de autorização do Congresso Nacional, é questionada na ADI nº 1625, ajuizada em 17/06/1997, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e pela Central Única dos Trabalhadores (CUT).

Embora a ação ainda se encontre pendente de julgamento, alguns Ministros do STF já proferiram os seus respectivos votos. O Ministro Nelson Jobim manifestou-se pela improcedência da ação. Os Ministros Maurício Corrêa (Relator) e Carlos Brito decidiram pela procedência em parte para condicionar a denúncia da Convenção ao referendo do Congresso Nacional. O Ministro Joaquim Barbosa julgou totalmente procedente a ação. Em recente voto (11/11/2015), a Ministra Rosa Weber manifestou-se pela inconstitucionalidade formal do decreto por meio do qual foi dada ciência da denúncia da convenção. Destacou que a discussão não reside na validade da denúncia em si, mas sim do decreto, que implica a revogação de um tratado incorporado ao ordenamento jurídico como lei ordinária. Seu voto partiu da premissa de que, nos termos da Constituição Federal, leis ordinárias não podem ser revogadas pelo Presidente da República, e o decreto que formaliza a adesão do Brasil a um tratado internacional, aprovado e ratificado pelo Congresso, equivale a lei ordinária.


04. MEDIDAS PROCESSUAIS DE IMPUGNAÇÃO À DISPENSA COLETIVA

Finalmente, outro aspecto polêmico sobre o tema é aquele acerca da medida processual que melhor se amolda à solução dos conflitos dos trabalhadores atingidos pela despedida coletiva, o que se revela de crucial importância, eis que o processo é a forma idônea de instrumentalização do direito material infringido. Logo, a eleição de via processual inadequada implica na extinção do processo sem resolução do mérito por carência da ação, ante a falta de interesse de agir (inadequação da via eleita), nos termos do art. 267, VI do CPC/73. Nessa linha, inexiste óbice à postulação individual, pelo trabalhador, de nulidade da sua dispensa, através da reclamação trabalhista, ainda quando procedida no âmbito de dispensa coletiva pelo empregador; a sentença, todavia, produzirá efeito somente para ao autor da ação.

Há quem aponte a reclamação trabalhista – plúrima ou do sindicato, na condição de substituto processual – como a via mais adequada a se combater judicialmente o ato patronal da dispensa coletiva de trabalhadores. Argmenta-se que a dispensa coletiva se equipara ao somatório de rescisões contratuais individuais (feixe de extinções contratuais aglomeradas), competindo ao magistrado de primeiro grau o julgamento da causa, por envolver conflito de interesses individualizados e concretos dos trabalhadores. Logo, nesse raciocínio, admitir um dissídio coletivo para o litígio corresponderia à supressão de um grau de jurisdição na Justiça do Trabalho, o que não se revela legítimo. Nesse sentido, decisão do Min. João Oreste Dalazen em outubro/2009.

Sob outro ângulo, a jurisprudência trabalhista proclama, agora de forma majoritária, o dissídio coletivo como o instrumento processual mais apropriado para dirimir a questão concernente à ruptura coletiva de contratos de trabalho. Conforme antevisto, o rompimento coletivo não pode obedecer à mesma lógica do individual e, tampouco, merece o mesmo tratamento jurídico. A despedida coletiva de trabalhadores redunda em malefícios/consequências/prejuízos muito superiores àqueles acarretados pelas dispensas individuais, já que não apenas os trabalhadores, individualmente considerados, mas todos aqueles que dependem, direta ou indiretamente, dos frutos de seus trabalhos são afetados (forte impacto social). Várias são as famílias que perdem sua fonte de subsistência, o que leva ao aumento da população que vive à margem do emprego com queda do padrão de vida e elevação da miserabilidade do país.

Corrente contrária a essa tese afirma que não se admite, em sede de ação declaratória, como são classificados os dissídios coletivos, pretensão condenatória, a exemplo da reintegração de trabalhador ou da condenação em pecúnia. Ressalta-se, porém, a excepcionalidade do caso, o qual não se enquadra, de fato, na figura clássica do dissídio coletivo de natureza jurídica. Contudo, a matéria central enfocada é eminentemente jurídica, envolvendo a interpretação quanto a aspecto fundamental da ordem jurídica: se as dispensas massivas são, ou não, regidas do mesmo modo normativo do que as dispensas meramente individuais e, não o sendo, quais as consequências jurídicas de sua regência normativa específica.

Nesse sentido, o presente dissídio é fundamental e preponderantemente jurídico, embora se reconheça na sua natureza algo misto, quer dizer, é dissídio coletivo preponderantemente jurídico, mas também com dimensões econômicas. Ademais, não há regramento específico na ordem jurídica prevendo de que maneira o conflito deverá ser decidido, não podendo, portanto, o julgador se furtar da obrigação de dirimir a ação, a despeito da nomenclatura a ela conferida, devendo encontrar soluções adequadas que possibilitem a devida prestação jurisdicional. Trata-se de conflito social de máxima relevância, que não pode ser desprezado por mera formalidade processual, podendo ser genericamente considerado. Nesse sentido, acórdão da SDC, de relatoria do Min. Maurício Godinho Delgado, que julgou o caso da Embraer, rejeitando expressamente a preliminar arguida pelo Suscitado de inadequação da via eleita.

Por fim, há uma última corrente que aponta a ação civil pública como a via processual mais adequada para a salvaguarda de direitos sociais daqueles afetados pelas despedidas coletivas, por se inserir no rol dos chamados direitos metaindividuais dos trabalhadores. A competência funcional, nesse caso, caberia ao primeiro grau de jurisdição. Alternativa cada vez mais utilizada em âmbito do MPT, que postula, em regra, a declaração de nulidade das dispensas, pedido coletivo de reintegração dos trabalhadores e dano moral coletivo. Embora venha prevalecendo o ajuizamento de dissídios coletivos nas hipóteses de dispensa em massa, também se admite que a ação civil pública se coaduna com a pretensão de nulidade da dispensa coletiva, por integrar o sistema processual coletivo de modo geral.


05. CONCLUSÃO

É certo que ao empregador cabe o poder de livremente gerir o seu negócio, inclusive no que atine à resilição imotivada dos contratos de trabalho que mantém. Ocorre que, no exercício do poder de demitir, a tutela estatal pode ser invocada quando transcendidos interesses meramente individuais para se atingir o bem estar de toda uma coletividade. É o caso das dispensas coletivas, nas quais ocorre uma rescisão simultânea, por um único e mesmo motivo, de uma pluralidade de contratos de trabalho, sem a substituição dos empregados dispensados. Diante da potencialidade lesiva que este ato potestativo do empregador possui sobre sociedade, o Poder Judiciário fixou-lhe limites ao exercício, exigindo, necessariamente, prévia negociação coletiva, a fim de que se discutam os critérios e as formas de como se dará a dispensa. Nessa negociação, buscar-se-ão, preliminarmente, medidas para preservar os contratos de trabalho ameaçados, como a redução temporária de salários e jornada de trabalho ou a concessão de férias coletivas. Sendo impossível a manutenção dos empregos, serão devidas medidas de compensação, como abono pecuniário; manutenção provisória de benefícios; fornecimento de cestas-básicas; compromisso de preferência para recontratação, entre outras.

Desobedecidos, pelo empregador, os parâmetros acima, a dispensa coletiva configurará ato arbitrário e ilícito, sendo nula de pleno direito. O consectário prático, a princípio, é a reintegração dos trabalhadores dispensados, porém, com vistas a conferir efetividade à decisão judicial e em homenagem ao princípio da instrumentalidade do processo, autoriza-se que se converta o direito à reintegração no pagamento de indenização substitutiva a cada trabalhador lesado, com base no art. 496 da CLT. Ratifica esse entendimento as regras de Direito Internacional do Trabalho, em especial a Convenção 158 da OIT, que tende a voltar a produzir efeitos jurídicos vinculantes no Brasil (status de lei ordinária) com a consolidação do entendimento do STF na ADI 1.625, na qual começa a prevalecer a inconstitucionalidade do decreto presidencial que denunciou a adesão do país ao tratado correspondente.

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Por fim, restou a indagação derredor da medida judicial adequada à tutela dos interesses dos trabalhadores atingidos pela dispensa coletiva. Uma primeira corrente defende a reclamação trabalhista – plúrima ou do sindicato, na condição de substituto processual – uma ves que a dispensa coletiva equipara-se ao somatório de rescisões contratuais individuais (feixe de extinções contratuais aglomeradas), competindo, portanto, ao magistrado de primeiro grau, o julgamento da causa, diante do conflito de interesses individualizados e concretos dos trabalhadores. Nada obstante, a doutrina e jurisprudência majoritárias filiam-se à segunda corrente: a do dissídio coletivo como o instrumento processual mais apropriado, considerando a supremacia do interesse da coletividade sobre as particularidades individuais, a qual é atingida como um todo, tanto o conjunto de trabalhadores demitidos, como as suas famílias e o comércio que depende de sua fonte de renda. Enfim, a terceira e última corrente aponta a ação civil pública como via idônea, por se abordar direitos metaindividuais dos trabalhadores. A competência funcional, nesse caso, caberá ao primeiro grau de jurisdição, sendo legitimado ativo o MPT, que postula, em regra, a declaração de nulidade das dispensas, e pedido coletivo de reintegração dos trabalhadores e a indenização pelo dano moral coletivo.


06. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 14ª ed. São Paulo: LTR, 2015.

GOMES, Orlando. Dispensa coletiva na reestruturação da empresa - Aspectos jurídicos do desemprego tecnológico. São Paulo: LTr, 1974.

MANNRICH, Nelson. Dispensa coletiva: da liberdade contratual à responsabilidade social. São Paulo: LTr, 2000.

TEODORO, Maria Cecília Máximo. O princípio da adequação setorial negociada no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2007.


Notas

[1]  GOMES, Orlando. Dispensa coletiva na reestruturação da empresa - Aspectos jurídicos do desemprego tecnológico. São Paulo: LTr, 1974, pág. 575.

[2] TST-RO-147-67.2012.5.15.0000, SDC, rel. Min. Maria de Assis Calsing. Julgamento: 15.4.2013.

[3] MANNRICH, Nelson. Dispensa coletiva: da liberdade contratual à responsabilidade social. São Paulo: LTr, 2000, pág. 14.

[4] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 14ª Ed. São Paulo: LTR, 2015, pág. 1.214.

[5] TEODORO, Maria Cecília Máximo. O princípio da adequação setorial negociada no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2007, pág. 71.

[6] TST, súmula nº 396. Conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 106 e 116 da SBDI-1 - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005.

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Sobre o autor
André Vieira Freire

Advogado. Graduado pela Universidade Federal de Sergipe. Especialista em Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREIRE, André Vieira. Dispensa coletiva e limites ao poder de demitir. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4642, 17 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47317. Acesso em: 22 nov. 2024.

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