Artigo Destaque dos editores

As alterações da Emenda Constitucional nº 35/2001 e os seus efeitos na imunidade parlamentar

Exibindo página 2 de 4
29/09/2016 às 14:24
Leia nesta página:

4. HISTÓRICO DA IMUNIDADE PARLAMENTAR NO BRASIL

No Brasil, a presença da imunidade parlamentar acompanha a evolução histórica de todas as constituições, de forma a restringir ou ampliar a compreensão do conceito, mas sempre frisando garantir a independência e a liberdade do Poder Legislativo. Desde 1824, existia, na Constituição imperialista, a garantia acerca das imunidades parlamentares. No percurso de evolução do documento, houve alterações até a atual redação da CF. A criação dessas prerrogativas não foi para benefício pessoal do parlamentar e sim da instituição a qual ele representa.

Existem vários posicionamentos sobre a imunidade parlamentar e por isso os registros históricos denotam características da sua origem em períodos diferentes. Portanto, não se pode afirmar, de maneira indiscutível, quando surgiu. Em 1824, foi outorgada a primeira Constituição do Império e a sua redação trazia características liberais, introduzindo o Poder Moderador, bem como o princípio da dissolução da Câmara dos Deputados, pelo imperador, tratando da inviolabilidade e da não processabilidade dos parlamentares.

À época, a Constituição já continha em seu texto a previsão legal da imunidade material, referente às opiniões, palavras e votos, assim como a imunidade formal. Através dos textos constitucionais, percebe-se que os parlamentares eram cobertos de ampla imunidade.

Em 1891, a Constituição Republicana brasileira também abarcava a previsão da imunidade material e formal. Os parlamentares continuavam invioláveis por suas opiniões, palavras e votos. Também havia a garantia de que não poderiam ser presos nem processados criminalmente sem a prévia licença da Casa de origem, salvo em flagrantes de crime inafiançável. Tinha como novidade a possibilidade do parlamentar acusado poder renunciar à imunidade processual, caso escolhesse pelo julgamento imediato.

Em 1934, a Carta Magna estabelecia a imunidade material e as garantias formais da não processabilidade e da não prisão. Recepcionou texto das constituições anteriores, pois as prerrogativas foram mantidas, resguardando o exercício das funções do mandato, com a ressalva de que a imunidade se estenderia ao suplente imediato do parlamentar. Entretanto, havia como exceção o fato de que, em tempo de guerra, os deputados, civis ou militares, incorporados às Forças Armadas ficariam sujeitos às leis e obrigações militares.

Os benefícios atingiam também os senadores. O Brasil passava por um período conturbado em sua história. A revolução comunista fez com que a Carta Magna de 1934 durasse pouco tempo. Os representantes dos partidos de esquerda no Congresso Nacional foram perseguidos e muitos chegaram a ser presos e submetidos à violência física quando se opunham às ideias então pregadas pelo governo. A maioria das prisões ocorria por motivos políticos, ou seja, havia uma quebra da própria inviolabilidade parlamentar.

Na Constituição de 1937, poucas garantias eram oferecidas aos parlamentares, que nesse período não possuíam liberdade e eram submissos. No que tratava de opiniões, palavras e votos, o entendimento era de que os parlamentares deveriam ser responsabilizados por tais atos.

Em 1946, a Constituição superou o período dogmático, buscando a instauração do Estado Democrático e a proteção dos direitos individuais. Mostrou forte tendência ao liberalismo. Voltou a consagrar regras democráticas com relação às imunidades, retomando as prerrogativas dos parlamentares. Previa, ainda, que em caso de prisão em flagrante por crime inafiançável, os autos seriam remetidos à Casa respectiva, para que, em 48 horas, pelo voto da maioria dos seus membros, fosse decidido sobre a prisão e autorizasse, ou não, a formação de culpa. As imunidades eram pessoais e não se estendiam aos familiares.

Nessa época, iniciou-se a perda de forças até o golpe de 1964, quando, aos poucos, o Poder Legislativo foi colocado à parte do Poder Executivo. Em 1967, foi destacada na Constituição a imunidade material. Modernizou-se ao autorizar o privilégio tácito de licença para o processo de parlamentar. Por ser maior que a anterior, era considerada uma nova Constituição, por parte dos doutrinadores.

A imunidade parlamentar teve sua primeira alteração com a EC N° 01/69. Em seguida, aconteceu a EC N° 11/78, também editada no regime militar, com escopo de limitar a esfera das imunidades. Tais Emendas modificaram o regime das imunidades parlamentares, profetizando que deputados e senadores, em regra, eram invioláveis no exercício da função, por suas opiniões, palavras e votos. Entretanto, notadamente, poderiam ser responsabilizados em caso de crime contra a segurança nacional.

Em 1988, a CF buscou fortalecer a garantia formal aos legisladores. Em decorrência, muitos parlamentares tiravam como vantagens as prerrogativas e as usavam para cometer atos ilícitos, mesmo com o alto número de corrupções expostas pelos meios de comunicação, à época.

Fica evidente que a imunidade referente ao exercício do mandato foi expressamente prevista em todas as constituições brasileiras. Nos termos do art. 53. da CF, reza a seguinte redação: “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Não existe a expressão da palavra “imunidade”, mas há a referência à inviolabilidade, o que traz a necessidade de alguns comentários.

Silva (2007, p. 535) apresenta a distinção entre imunidade parlamentar e inviolabilidade:

A imunidade (propriamente dita), ao contrário da inviolabilidade, não exclui o crime, antes o pressupõe, mas impede o processo. Trata-se de prerrogativa processual. É esta a verdadeira imunidade, dita formal, para diferenciar da material. Ela envolve a disciplina da prisão e do processo do congressista.

Noutro giro, De Plácido e Silva (2005, p.776) entende que a inviolabilidade tem clara distinção das imunidades parlamentares:

A inviolabilidade parlamentar é atribuída à prerrogativa outorgada aos representantes do povo ou congressistas como garantia das opiniões, palavras e votos que manifestarem no exercício de sua delegação, seja durante as reuniões ou fora delas. É assim a segurança à liberdade de manifestação de seus pensamentos. A imunidade, de conceito mais amplo, abrange a inviolabilidade, como garantia da liberdade de pensar, bem assim assegura ao parlamentar outras regalias a respeito de atos delituosos que venha a praticar, pois que salvo o caso de prisão em flagrância em crime inafiançável, não poderá ser preso e processado criminalmente, sem a licença do órgão a que pertence.

Podemos compreender que a inviolabilidade é mais estrita, pois garante a liberdade de expressão dos parlamentares, excluindo o crime por suas palavras, opiniões e votos. Trata-se, nesse caso, da chamada imunidade material. A imunidade parlamentar traz uma ideia mais ampla, abarcando a liberdade de expressão, a prerrogativa processual, além de suas opiniões, palavras e votos; a chamada imunidade formal.

O Estatuto dos Congressistas afirma que na Roma Antiga havia o pensamento de imunidade para os tribunos e os edis, seus auxiliares (intangíveis, invioláveis). Roma originou a lei da inviolabilidade irrevogável, tornada lex sacrata e decretada a pena de morte aos que atentassem contra tal preceito.

As imunidades parlamentares foram consolidadas no direito europeu e o sistema constitucional inglês, o Bill of Rigths, de 1688, proclamou o duplo princípio da liberdade de palavra e da imunidade à prisão arbitrária. Havia a liberdade de expressão e de discussões acerca das opiniões, no parlamento, bem como as liberdades não podiam ser impedidas ou questionadas fora dele.

Souza (2003) destaca que as imunidades parlamentares foram inscritas na Constituição dos Estados Unidos de 1787. Dois anos depois, em 1789, na França, houve nova proclamação das imunidades, em detrimento da ameaça de dissolução do Terceiro Estado. No Brasil, os membros do parlamento eram invioláveis por suas opiniões, palavras e votos, proferidos no exercício das suas funções, direito garantido pela Constituição imperialista de 1824.

As imunidades material e formal eram previstas na Constituição da República de 1891. Em 1934, a Constituição previa, em seu art. 31, a inviolabilidade do parlamentar por suas opiniões, palavras e votos, enquanto no exercício do mandato, e no art. 32, as imunidades relativas à prisão e ao processo criminal.

A responsabilização do parlamentar por difamação, calúnia, injúria, ultraje à moral pública ou provocação ao crime, veio com a Carta de 1937. As prerrogativas parlamentares clássicas foram previstas na Constituição de 1946, na qual foram adotadas regras mais democráticas.

A Constituição de 1967 inovou ao permitir, para o processo do parlamentar, concessão tácita de licença da Casa Legislativa respectiva. A partir do advento da EC Nº 1, de 17 de outubro de 1969, e da EC Nº 11, de 13 de outubro de 1978, os parlamentares poderiam ser responsabilizados por crimes contra a segurança nacional. Foi prevista também a impossibilidade de prisão em flagrante, salvo nos casos de crime inafiançável, e nem poderiam ser processados criminalmente, sem prévia autorização da sua Câmara, como bem explanado por Souza (2003).

A Constituição de 1988 prevê imunidades material e formal no art. 53, com novo texto instituído pela EC Nº 35, de 20 de dezembro de 2001. Nesse contexto, Souza (2003) mostra como funcionam as imunidades em alguns países, conforme Quadro 1 (p.18).

Quadro 1 – Imunidades do parlamento em outros países.

Alemanha

Portugal

Espanha

França

EUA

Argentina

Chile

Imunidade material com relação a votos e pronuncia-mentos;.

imunidade processual.

Imunidade material com relação a votos e pronuncia-mentos;.

imunidade processual, salvo para crimes cuja pena é superior a três anos de prisão.

Imunidade material com relação a votos e pronuncia-mentos; imunidade processual.

Imunidade material com relação a votos e pronuncia-mentos;.

imunidade processual.

Imunidade material com relação a votos e pronuncia-mentos;.

vedação de prisão quando no trajeto de ida e volta ao Congresso.

Imunidade material com relação a votos e pronuncia-mentos;.

imunidade processual, salvo nos crimes punidos com pena de morte.

Imunidade material com relação a votos e pronuncia-mentos;

necessidade de autorização do Tribunal de Alçada Regional para continuidade de processo.

Fonte: Souza (2003)

4.1. ESPÉCIES DE IMUNIDADES PARLAMENTARES

As imunidades parlamentares dividem-se em duas espécies, sendo a primeira a inviolabilidade, que garante liberdade de expressão por palavras, opiniões e votos; e a segunda, a imunidade formal ou processual. Imunidades são garantias funcionais, normalmente divididas em material e formal, previstas na Constituição para o livre exercício do ofício do membro do Poder Legislativo.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Na redação original do art. 53. da CF, “os Deputados e Senadores são invioláveis por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. É a chamada imunidade parlamentar. A imunidade material assegura ao parlamentar a não imputabilidade penal e civil, política, por suas opiniões, votos e palavras.

Entretanto, a EC Nº 35/2001, alterou esse artigo, que passou a ter nova redação em seu caput: “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Alteração esta que “não acabou, e nem deveria mesmo acabar, com a imunidade parlamentar. Pelo contrário, manteve-a e explicitou que se estende até mesmo ao campo da responsabilidade civil.” (QUEIROZ, 2002)

Notadamente, a EC trouxe interesse e divergência entre muitos estudiosos sobre o assunto, pois o Poder Legislativo e as prerrogativas são alvo de notícias frequentes, quando se trata do envolvimento de parlamentares em escândalos, deixando a sociedade insegura e a instituição com descrédito político diante da sociedade.

Segundo Kuranaka (2002, p.116), a imunidade material ou a inviolabilidade tem natureza jurídica, “em uma isenção de responsabilidade de índole jurídico-constitucional, servindo a razões político-constitucionais de liberdade e representação da sociedade”. Nesse sentido, Mello Filho (2007, p.420) diz:

A imunidade material ou real, de causa justificativa (excludente da antijuridicidade da conduta típica), ou de causa excludente da própria criminalidade, ou, ainda, de mera causa de isenção de pena, o fato é que, nos delitos contra a honra objetiva (calunia e difamação) ou contra a honra subjetiva (injúria), praticados em razão do mandato parlamentar, tais condutas não são mais puníveis.

Embora represente uma garantia, da mesma espécie que a imunidade formal, fica claro que a inviolabilidade confere ao parlamentar uma proteção material. Para conceituar a imunidade formal ou imunidade processual, é necessário que se possa entender o emprego desse instituto, que passaremos a estudar, com o intuito de focar na redação trazida pela EC Nº 35/2001.

Para Almeida (1982, p.74), a imunidade formal é aquela que “respeita a intangibilidade pessoal do congressista, que não poderá ser processado ou preso, sem prévia licença da Câmara a que pertence”. Aleixo (1961, p.67) afirma que “a imunidade formal ou processual é a exigência de licença prévia da Câmara a que pertence o congressista para a prisão ou processo do mesmo”.

A imunidade formal sofreu alteração com o advento da EC Nº 35/2001 que, na redação original do art. 53. da CF, manteve a imunidade formal em relação à prisão e alterou significativamente a imunidade formal processual, que passou a ter o seguinte conceito: “é o instituto que garante ao parlamentar a impossibilidade de ser ou permanecer preso ou, ainda, a possibilidade de sustação do andamento da ação penal por crimes praticados após a diplomação”.

A redação original do art. 53, parágrafos 1º, 2º e 3º, da CF contemplava o instituto da imunidade formal e dispunha que:

Art. 53. (...)

§ 1º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante delito de crime inafiançável, nem processados criminalmente, sem prévia licença de sua Casa.

§ 2º O indeferimento do pedido de licença ou ausência de deliberação suspende a prescrição enquanto durar o mandato.

§ 3º No caso de flagrante delito de crime inafiançável, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas, à Casa respectiva, para que, pelo voto secreto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão e autorize, ou não, a formação de culpa.

Kuranaka (2002, p.176) apresenta o novo conceito da imunidade formal, após a publicação da EC Nº. 35/2001:

Diante do novo texto que recebe a vigente Constituição Federal, é possível definir-se a imunidade formal como sendo prerrogativa concedida aos Deputados Federais, Senadores, Deputados Estaduais e Deputados Distritais, visando o pleno exercício do mandato, consistente em não poderem ser presos, desde a expedição do diploma, salvo em flagrante de crime inafiançável, bem como, em se tratando de crime ocorrido após a diplomação, na possibilidade de sustação do andamento da ação, até a decisão final, por iniciativa de partido político nele representado e pelo voto da maioria de seus membros.

A imunidade formal ou processual é aquela que garante ao parlamentar a proteção contra prisão, exceto no caso de cometimento de crime inafiançável, e também possibilita a sustação do processo em crimes praticados após a diplomação, pela Casa a que pertença o parlamentar.

4.2. OBJETIVO

O objeto da imunidade parlamentar é, em regra, contra a prisão, bem como a oportunidade de sustação do processo, disciplinando, assim, a prisão e os processos. Segundo Kuranaka (2002, p.176), em relação ao objeto da imunidade formal:

Enquanto a imunidade material se relaciona com atos funcionais do parlamentar (por opiniões, palavras e votos do parlamentar no exercício do mandato), a imunidade formal situa-se no campo de atos estranhos ao exercício do mandato parlamentar.

A Emenda Constitucional mantém ainda a proteção de duas ordens. Garante, com efeito, ao parlamentar, a proibição de sua prisão, salvo em flagrante delito de crime inafiançável (art. 53, § 2º), bem como a possibilidade de sustar-se o andamento da ação, se recebida a denúncia contra o parlamentar, por crime ocorrido após a diplomação (art.53, § 3º). A imunidade formal ou processual é aquela que protege o parlamentar contra prisão, exceto no caso de cometimento de crime inafiançável, e também possibilita a sustação do processo em crimes praticados após a diplomação.

Moraes (2007, p.425) examina o objeto da imunidade formal, no art. 53. da CF, em seu texto original e após a EC Nº 35/2001, e conclui:

Não seguindo a tendência anterior, a redação do art. 53. da Constituição Federal de 1988 consagrou a dupla imunidade formal, uma em relação à possibilidade de prisão, outra em relação à instauração do processo. A EC Nº 35/01, alterando a redação do art. 53. da Constituição Federal, manteve a imunidade formal em relação à prisão e alterou significativamente a imunidade processual.

A despeito de que a EC Nº 35/2001 tenha alterado o instituto da imunidade formal ou processual, o seu objeto continua sendo a disciplina da prisão e do processo, referente aos parlamentares.

4.3 NATUREZA JURÍDICA

Alguns doutrinadores entendem que a imunidade formal, ao contrário da imunidade material, não exclui o crime, antes o disciplina, mas interrompe o processo. Nesse sentido, projeta-se como uma garantia formal, de tendência processual, no tempo em que provoca a Casa respectiva para a sustação do andamento da ação penal pendente, contra os seus parlamentares, submetendo-os à iniciativa de partido político nela representados e ao voto da maioria dos membros.

Alcança-se, com isso, paralisar, retardar e congelar no tempo o processo criminal do parlamentar. Na visão de Garcia (2002, p.178), a imunidade baseia-se em uma espécie de cláusula de tempo.

Apesar de não suspender a eficácia da norma pertinente que esteja a impor ao legislador o dever de responder juridicamente por suas condutas privadas, a faz parar no tempo, postergando-a para após o término do mandato a responsabilização judicial cabível.

Nota-se, com isso, que a imunidade parlamentar formal tem uma natureza processual formal que não afasta a prática de crime cometido por parlamentar, porém, viabiliza a interrupção da ação contra ele proposta.

4.4.CARACTERÍSTICAS DA IMUNIDADE FORMAL

No entendimento de Kuranaka (2002, p.179), em desconformidade com a imunidade material, a imunidade formal não é absoluta nem eterna, e sim temporária e relativa. É de ordem publica e irrenunciável, características peculiares e inerentes à imunidade processual.

Era dito, antes da reforma do art. 53. da Constituição Federal, serem ambas as espécies de ordem pública e irrenunciável. (...) Também diferentemente da imunidade material, a formal não é proteção absoluta nem perpétua, mas, sim relativa e temporária.

autor ainda discorre sobre a característica da imunidade formal outorgada ao parlamentar ser de ordem pública e irrenunciável.

Quantos às características, diz-se que a imunidade formal é também de ordem pública e irrenunciável, no que seriam válidas as ponderações lançadas no estudo pertinente à imunidade material. Em síntese, o argumento é o de que essa espécie de franquia é destinada não à proteção exclusiva à pessoa do parlamentar, mas sim, enquanto condição essencial à existência do próprio Poder Legislativo. (KURANAKA, 2002, p.179)

Assim, a imunidade formal confere aos parlamentares no exercício da função a característica de ordem pública, de modo que não pertence ao parlamentar, mas sim ao Poder Legislativo. Em conseqüência disso, é irrenunciável, na medida em que o parlamentar não pode dispor da referida prerrogativa.

4.4.1. Relativa

Kuranaka (2002) afirma que a imunidade formal ou processual é relativa, de maneira que não tira a responsabilidade do parlamentar totalmente por seus atos, porém, protege, em regra, apenas contra a prisão, salvo em caso de flagrante de crime inafiançável, e a sustação da ação penal, para que tenha liberdade de exercer a função de parlamentar com tranquilidade:

De outro ângulo, diferentemente da imunidade material, a formal não é absoluta, mas sim relativa. Pela prática de crime comum, se recebida a denúncia contra o parlamentar, será ele então processado, independentemente de concessão de licença para tanto, pela Casa a que pertença. Ainda que obtida a sustação do feito, isso representará óbice ao seu processamento, é verdade, mas somente pelo tempo da duração do mandato. Findo este, como adiante se pormenorizará será ele processado.

Ficou claro que a imunidade formal protege o parlamentar no período do mandato, porém, sem a segurança de sofrer outras ações. Isso comprova o seu caráter relativo, de modo que limita as condutas que podem levar o parlamentar à prisão, não obsta as outras ações que não tenham relação com o instituto da prisão.

4.4.2. Temporária

Diferente da imunidade material, a imunidade formal possui caráter temporal e limitada, tendo a finalidade de apenas imunizar o individuo que preenche o cargo de parlamentar. Nesse sentido, Kuranaka (2002, p.180) assevera que:

Também não é perpétua essa franquia, mas temporária, tendo seu início a partir da expedição do diploma – e não da posse –, e perdurando até o final do mandato, quer quanto à garantia de não prisão, quer quanto à possibilidade de sustação do andamento da ação penal. Juntamente com ela se finda, extinguindo a incolumidade parlamentar.

A imunidade formal possui vigência temporal limitada, protegendo os parlamentares apenas durante o exercício da função, findo o mandato.

4.4.3. Licença Prévia

A CF, art. 53, parágrafo 1º, previa a obrigação da Casa a que o parlamentar pertence para com o processamento criminal: “§1º. Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante delito de crime inafiançável, nem processados criminalmente, sem prévia licença de sua Casa”.

Kuranaka (2002, p.177) destaca, com o surgimento da EC Nº 35/2001, a extinção da licença:

Suprimiu-se, com a Emenda Constitucional, a exigência de prévia licença, pela Casa respectiva, para o processo do Parlamentar, por crimes comuns, quer cometidos antes ou após a diplomação, não mais sendo contemplada no texto atual.

Ainda nessa linha, o então ministro Sepúlveda Pertence destacou a extinção da necessidade de licença prévia para instauração ou continuidade do processo penal contra o parlamentar, no julgamento do Inquérito 1344/DF (2002):

I. Imunidade parlamentar formal: EC 35/01: abolição da exigência de licença prévia para a instauração ou continuidade da persecução penal: aplicabilidade imediata. 1. Ao contrário da inviolabilidade ou imunidade material que elide a criminalidade do fato ou pelo menos, a responsabilidade do agente - e, substantiva por isso, instituto de Direito Penal -, a “licença prévia” antes exigida caracterizava mera condição de procedibilidade, a qual – até que deferida ou enquanto durasse a temporária ao exercício da jurisdição, impedindo a instauração ou o curso do processo. (…)

A EC Nº 35/2001 extinguiu a licença prévia para o processo criminal do parlamentar, que era a primordial prerrogativa da imunidade formal. Queiroz (2002, p.332) considera que “a principal vantagem da imunidade formal era a proibição de instauração de processo criminal contra o parlamentar sem prévia licença da Casa a que pertence”.

Antes de instaurar o processo criminal contra o parlamentar, o Supremo Tribunal Federal (STF) deveria pedir autorização à Casa Legislativa e esperar a resposta. Era uma regra de observância necessária para qualquer crime, até os cometidos antes da diplomação ou da posse e relacionados, ou não, ao exercício do mandato.

Com o início da aludida EC, a imunidade formal limita-se aos crimes cometidos após a diplomação e, ainda assim, muito reduzida, pois o STF pode implantar processo independente de licença prévia. Deve, apenas, dar ciência à Casa Legislativa, para que, se for o caso, determine a suspensão do parlamentar, por iniciativa de partido político que nela tenha representação, nos termos do art. 53, parágrafo 3º, da CF.

Com a extinção da licença prévia, o parlamentar processado passou a contribuir para que haja uma reforma da imagem do Poder Legislativo perante a opinião pública, na medida em que acaba com uma injustificável proteção e privilégio dos parlamentares.

4.4.4. Imunidade Formal e a Prisão

O art. 53, parágrafo 2º, da CF garante ao parlamentar, com a imunidade formal, proteção contra a prisão, com exceção de flagrante de crime inafiançável:

§2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.

Nesse sentido, Silva (2007, p.535) afirma:

Quanto à prisão, estatui-se que, salvo flagrante delito de crime inafiançável, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos dentro do período que vai desde a sua diplomação até o encerramento definitivo de seu mandato por qualquer motivo, incluindo a não reeleição.

Podem, pois, ser presos nos casos de flagrante de crime inafiançável, mas, nesse caso, os autos serão remetidos, dentro de 24 horas, à Câmara respectiva, para que, pelo voto da maioria (absoluta) de seus membros, resolva sobre a prisão (art. 53, § 2º, EC-35/2001).

Convém ponderar a respeito da questão da afiançabilidade do crime, hoje importante, diante do disposto no art. 5º, LXVI, segundo a qual ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança. Se o crime for daqueles que admitem liberdade provisória, o tratamento a ser dado ao congressista há de ser idêntico ao dos crimes afiançáveis, ou seja: vedada a prisão.

Nesse contexto, Moraes (2007, p.535) diz que a imunidade formal impede a prisão penal, bem como a prisão civil, seja de natureza provisória ou definitiva, do congressista.

(...) a imunidade formal abrange a prisão penal e a civil, impedindo a sua decretação e execução em relação ao parlamentar, que não pode sofrer nenhum ato de privação de liberdade, exceto o flagrante de crime inafiançável. Assim, mesmo a prisão civil do parlamentar, nas hipóteses constitucionalmente permitidas do devedor de alimentos e do depositário infiel, para compeli-lo à restituição dos objetos ou à satisfação dos alimentos, não poderá ser decretada.

Em regra, portanto, o congressista não poderá sofrer qualquer tipo de prisão de natureza penal ou processual, seja provisória (prisão temporária, prisão em flagrante por crime inafiançável, prisão preventiva, prisão por pronúncia, prisão por sentença condenatória recorrível), seja definitiva (prisão por sentença condenatória transitado em julgado), ou ainda a prisão de natureza civil.

A EC Nº 35/2001 não alterou a proteção do parlamentar contra a prisão, porém alterou o voto que decidia sobre a prisão, que deixou de ser secreto, como afirma Moraes (2007, p. 426).

A garantia de não prisão (art. 53, § 2º) não se modificou com a reforma, exceto por um aspecto: através da Emenda Constitucional, deixa de ser secreto o voto através do qual a maioria dos membros da Casa haverá de resolver quanto à prisão do parlamentar, em caso de flagrante de crime inafiançável.

Com a alteração, obtém-se maior transparência do processo de votação, redundando em maior responsabilização do congressista por seus atos, pelo eleitorado e pela opinião pública, evitando-se a prática do corporativismo, tão contrário à finalidade do instituto.

Vale ressaltar que a proteção contra a prisão, penal e civil, outorgada por meio do instituto da imunidade formal, colabora significativamente para que o parlamentar exerça as suas funções com tranqüilidade e segurança.

4.4.5. Imunidade Formal e o Processo

Diante do surgimento da EC Nº 35/2001, a imunidade formal traz “a possibilidade da Casa Legislativa respectiva sustar, a qualquer momento antes da decisão final do Poder Judiciário, o andamento da ação penal proposta contra parlamentar por crimes praticados após a diplomação”. (MORAES, 2007)

Afirma Moraes (2007, p.427) que “a persecução penal dos parlamentares sofre tratamento diferenciado, dependendo do momento da prática do ato delituoso”. Quando os crimes forem praticados antes da diplomação, não haverá incidência de qualquer imunidade formal em relação ao processo, podendo o parlamentar ser normalmente processado e julgado pelo STF enquanto durar o mandato.

Já nos crimes praticados após a diplomação, o parlamentar poderá ser processado e julgado pelo STF durante o mandato, sem necessidade de qualquer autorização. Porém, a pedido de partido político com representação na Casa Legislativa respectiva, esta poderá sustar o andamento da ação penal pelo voto ostensivo e nominal da maioria absoluta dos seus membros. A suspensão da ação penal persistirá enquanto durar o mandato e acarretará, igualmente, a suspensão da prescrição.

O art. 53, parágrafo 3º, da CF permitirá a sustação do andamento da ação penal:

§ 3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.

Acerca da sustação do andamento da ação e seus efeitos, Moraes (2007, p.424) discorre:

Sustar significa impedir, continuar, fazer parar, interromper, sobrestar (Aulete e Pedro Orlando). Não criou o legislador constitucional uma causa de extinção, mas de sua suspensão (...).

Assim, iniciado o procedimento criminal, poderá a Câmara ou Senado impedir seu prosseguimento. Essa causa de sobrestamento da ação penal tem o mesmo efeito da antiga negativa de licença.

A deliberação da Casa do Congresso Nacional impede que o processo tenha seguimento. Entretanto, cessada, por qualquer motivo, a investidura do mandato, com seu término ou eventual cassação, o parlamentar perde a prerrogativa processual, de modo que a ação penal, desde que ainda não alcançada a pretensão punitiva pela prescrição, pode prosseguir. (…)

Entretanto, o autor afirma que a sustação do andamento da ação penal dependerá de alguns requisitos:

Momento da prática do crime: independentemente da natureza da infração penal, somente haverá incidência da imunidade formal em relação ao processo quando tiver sido praticado pelos congressistas após a diplomação;

Termos para a sustação do processo criminal: somente poderá ser iniciado o procedimento pela Casa Legislativa respectiva se houver a ação penal em andamento, ou seja, após o recebimento da denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal; persistindo essa possibilidade até decisão final ou até o término do mandato, quando, então, cessarão todas as imunidades;

Provocações de partido político com representação da própria Casa Legislativa: importante ressaltar que não será da ciência do STF à Casa Legislativa respectiva, informando o início de ação penal contra o parlamentar por crime praticado após a diplomação, que iniciará o procedimento para análise da sustação do processo criminal;

Haverá necessidade de provocação de partido político com representação na respectiva Casa. A Casa parlamentar não poderá, portanto, agir de ofício ou mesmo por provocação de qualquer de seus membros. A EC Nº 35/01 somente concedeu legitimidade aos partidos políticos para a deflagração desse procedimentos, por seus órgãos dirigentes nos termos de seus próprios estatutos;

Prazos para análise do pedido de sustação: a Casa Legislativa terá 45 (quarenta e cinco) dias do recebimento do pedido de sustação pela Mesa Diretora, para votar o assunto, sendo improrrogável esse prazo;

Quórum qualificado para a sustação do processo: o § 3º, do art. 53, exige “voto da maioria de seus membros”, ou seja, para que a Casa Legislativa suspenda o andamento da ação penal contra o parlamentar por crime praticado após a diplomação; deverá obter maioria absoluta dos votos, que deverão ser ostensivos e nominais. (MORAES, 2007, p.429)

Noutro giro, Kuranaka entende que o cometimento de crime após a diplomação, a iniciativa de partido político para o procedimento sustatório e o voto da maioria dos membros da Casa a que pertença o parlamentar processado são os requisitos necessários para a sustação do andamento da ação penal.

A Emenda n. 35, ao abolir a figura da licença prévia da Casa para o processamento do parlamentar, manteve, ainda assim, ao Legislativo, um minus da garantia, representado pela possibilidade de a Casa respectiva sustar o andamento da ação penal promovida contra seu parlamentar. Para tanto, é necessário que estejam presentes três condições essenciais: a) trate-se de crimes que tenham ocorrido após a diplomação; b) conte o procedimento sustatório com a iniciativa de partido político nela representado e, c) tenha o voto da maioria dos membros da Casa a que pertença o parlamentar processado. (KURANAKA, 2002, p. 184)

Nota-se, portanto, que a imunidade formal garante proteção ao parlamentar ante o processo, pois a Casa Legislativa respectiva viabiliza a suspensão do andamento da ação penal proposta por crimes praticados após a diplomação. Porém, a suspensão precisa ser iniciada pelo partido político e deve ser obtida por maioria dos votos dos membros da Casa a que pertença o congressista.

4.4.6. Estado de Sítio

A CF, em seu art. 53, parágrafo 8º, traduz que as imunidades sobreviverão ao estado de sítio, mas poderão ser suspensas nos atos praticados fora do Congresso Nacional, contanto que incompatíveis com a execução da medida:

§ 8º As imunidades de Deputados ou Senadores subsistirão durante o estado de sítio, só podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços dos membros da Casa respectiva, nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional, que sejam incompatíveis com a execução da medida

Noutra volta, Silva (2007, p.537) ressalta:

Vale dizer, se os atos forem praticados no recinto do Congresso Nacional, a imunidade é absoluta, não comportando a suspensão pela Casa respectiva. É uma garantia importante, porque se harmoniza com o disposto no parágrafo único do art. 139. e porque afasta qualquer pretensão de aplicar a parlamentares as restrições previstas nos incisos desse artigo.

Nesse sentido, a imunidade parlamentar permanecerá, no período do estado de sítio, sem que seja abalada ou alterada. Entretanto, poderá ser suspensa especificamente em relação a atos praticados fora do Congresso Nacional e que sejam incompatíveis com as medidas decretadas pelo chefe do Poder Executivo.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Gabriella Rolemberg Alves

Se graduou pelo Centro Universitário Jorge Amado em 2010. Cursou o curso de especialização da Fundação Escola Superior do Ministério Publico do Estado do Rio Grande do Sul em 2012 obtendo, ao final, aprovação mediante provas. Especialista em Direito do Estado pela CICLO -pos graduação lato sensu em Direito do Estado 2013/2014-.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Gabriella Rolemberg. As alterações da Emenda Constitucional nº 35/2001 e os seus efeitos na imunidade parlamentar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4838, 29 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47377. Acesso em: 25 abr. 2024.

Mais informações

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade Guanambi, como requisito parcial para a obtenção do título de pós-graduação lato sensu em Direito do Estado.Orientador: Prof. Dirley da Cunha Jr..ARACAJU – SE

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos