Capa da publicação Interceptações telefônicas: legislação e jurisprudência
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Interceptações telefônicas: uma análise à luz da legislação e jurisprudência

21/03/2016 às 11:23
Leia nesta página:

Muito se tem falado nos últimos dias acerca da ilegalidade da conduta do juiz Sérgio Fernando Moro. O presente artigo explica de forma detalhada como se dá a interceptação telefônica para fins de investigação criminal.

1. INTRODUÇÃO

A Constituição Federal prega que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Ainda, é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (Art. 5º, X, XII).

Em 24/07/1996 foi promulgada a Lei nº 9.296/96 para disciplinar a interceptação das comunicações telefônicas.


2. ABRANGÊNCIA DA LEI N.º 9.296/96:

Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.

Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.

Na lição do festejado professor Guilherme de Souza Nucci “Interceptar algo significaria interromper, cortar ou impedir. Logo, interceptação de comunicações telefônicas fornece a impressão equívoca de constituir a interrupção da conversa mantida entre duas ou mais pessoas. Na realidade, o que se quer dizer com o referido termo, em sentido amplo, é imiscuir-se ou intrometer-se em comunicação alheia. Portanto, interceptação tem o significado de interferência, com o fito de colheita de informes. (Nucci, Guilherme de Souza - Leis Penais Comentadas, 8ª Edição, p. 493, Editora Forense)

Ainda, segundo o mestre, a interceptação pode se dar da seguinte forma:

 a) Interceptação Telefônica: Alguém invade, por aparelhos próprios, a conversação mantida, via telefone, entre duas ou mais pessoas, captando dados, que podem ser gravados ou simplesmente ouvidos;

b) Interceptação Ambiental: Alguém capta a conversa mantida entre duas ou mais pessoas, fora do telefone, em qualquer recinto, privado ou público. A primeira delas é regulada por esta Lei e pode configurar crime, se não for observada a forma legal para ser realizada. A segunda não encontra previsão legal, portanto, delito não é. Pode-se discutir se constitui ou não um meio de prova – caso seja gravada para fim de utilização em processo – lícito ou ilícito.

Nesta esteira, é importante salientar que a “quebra de sigilo telefônico” é diferente da interceptação vez que esta última é realizada no exato momento em que as partes estão conversando (comunicação presente). A quebra do sigilo (não abrangida pela lei) dá-se em momento posterior à conversa, de modo a identificar, v.g. se “A” ligou para “B” em certa data. Para a interceptação, a autorização para a gravação das conversas se dá após despacho judicial.

Outro ponto interessante que vale a pena lembrar é que o Supremo Tribunal Federal admite a gravação ambiental desde que a gravação seja feita por um dos interlocutores e vise resguardar interesses e direitos da vítima, como por exemplo o sujeito que é vítima de crime de extorsão. Desta forma, é fato atípico a gravação feita por um dos interlocutores, ainda que a outra parte desconheça que esteja sendo gravado.

Neste sentido:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. PENAL. GRAVAÇAO DE CONVERSA FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES: LICITUDE. PREQUESTIONAMENTO. Súmula 282-STF. PROVA: REEXAME EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO: IMPOSSIBILIDADE. Súmula 279-STF. I. - A gravação de conversa entre dois interlocutores, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defesa. II. - Existência, nos autos, de provas outras não obtidas mediante gravação de conversa ou quebra de sigilo bancário. III. - A questão relativa às provas ilícitas por derivação "the fruits of the poisonous tree" não foi objeto de debate e decisão, assim não prequestionada. Incidência da Súmula 282-STF. IV. - A apreciação do RE, no caso, não prescindiria do reexame do conjunto fático-probatório, o que não é possível em recurso extraordinário. Súmula 279-STF. V. - Agravo não provido. (AI 503617 AgR / PR - Relator: Min. CARLOS VELLOSO - Julgamento: 01/02/2005) (grifos nossos)

EMENTA: Captação, por meio de fita magnética, de conversa entre presentes, ou seja, a chamada gravação ambiental, autorizada por um dos interlocutores, vítima de concussão, sem o conhecimento dos demais. Ilicitude da prova excluída por caracterizar-se o exercício de legítima defesa de quem a produziu. Precedentes do Supremo Tribunal HC 74.678 , DJ de 15-8- 97 e HC 75.261 , sessão de 24-6-97, ambos da Primeira Turma. (RE 212081 / RO - Relator: Min. OCTAVIO GALLOTTI - Julgamento: 05/12/1997) (grifos nossos)

Conforme ensina Luiz Flávio Gomes, "a tendência lógica seria o STF admitir a gravação ambiental clandestina com as mesmas restrições e cautelas. Admitir a gravação ambiental clandestina (gravação de sons que são emitidos num determinado ambiente) como meio lícito de prova, de maneira ampla, significa eliminar nossa privacidade (ou seja, proscrever um dos mais importantes direitos fundamentais). Mas nenhuma restrição a direito fundamental pode afetar o seu núcleo essencial. A gravação ambiental  sem autorização judicial prévia, só pode valer como prova em casos excepcionalíssimos e desde que envolva interesses e direitos de quem fez a gravação. Fora disso, é manifesta a inconstitucionalidade da prova."


3. REQUISITOS (ART. 2º)

Para que seja conferida legalidade às interceptações, faz-se necessário a presença de indícios razoáveis de autoria o de participação em crime apenado com reclusão (Art. 2º, I). Assim, é preciso demonstrar a presença de fortes indícios de que aquela pessoa provavelmente esteja envolvida com alguma atividade criminosa apenada com reclusão. Não se admite a interceptação em Contravenções Penais e crimes apenados com detenção. Por óbvio não será possível a interceptação telefônica em procedimentos administrativos ou em relações familiares.

Ocorre que mesmo em casos de crimes apenados com detenção  será possível a gravação ambiental das conversas pois esta não é tecnicamente uma interceptação, ficando fora do campo de atuação da Lei 9.296/96. Na mesma esteira, é válida a interceptação telefônica para crimes de detenção conexos com crimes de reclusão.

O segundo requisito é a impossibilidade de a prova ser colhida por outros meios disponíveis (Art. 2º, II),ou seja, a interceptação telefônica deve ser a ultima ratio, a única saída.


4. MOMENTO DA DECRETAÇÃO

No curso da investigação criminal, a interceptação pode ser autorizada Ex officio pelo Juiz, à requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público. Já o no curso da instrução processual caberá apenas ao magistrado ex officio ou a requerimento do Parquet (art. 3º, I, II)

Importante mencionar que a interceptação só se dará por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente sob pena de nulidade (Cláusula de Reserva Jurisdicional), devendo ser dada em 24 horas, devendo, outrossim, indicar a forma de execução da diligência (Art. 4º e 5º).


5. EXECUÇÃO DA DILIGÊNCIA

Uma vez deferido o pedido, a autoridade policial  conduzirá os procedimentos de interceptação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização. No caso de a diligência possibilitar a gravação da comunicação interceptada, será determinada a sua transcrição (Art. 6º e §1º)

O STF já decidiu que a transcrição da gravação é formalidade essencial para que os dados colhidos sejam considerados como prova (Ação Penal 508  Relator: Min. Marco Aurélio, 07/02/13, Tribunal Pleno, DJe 19.08.2013). Em que pese este entendimento, a jurisprudência do STF e STJ tem entendido que não é necessária a  degravação da totalidade da interceptação e sim apenas das partes que de forma direta ou indireta interessem à Ação Penal.

A duração da interceptação terá prazo de 15 (quinze) dias, admitindo sucessivas prorrogações fundamentadas (art. 5º, caput); Embora a lei implicitamente mencione que a interceptação deva ser renovada somente uma única vez, os Tribunais Superiores  entendem que podem ser renovadas tantas vezes quantas sejam necessárias, não necessariamente pelo prazo de 15 dias. Assim, pode ser prorrogada por 20, 30 dias, p.ex., a depender da complexidade do caso concreto.

A autoridade policial  poderá requisitar Serviços e Técnicos Especializados às Concessionárias de Serviço Público (art. 7º). A jurisprudência entende que é possível até mesmo a interceptação por servidores do Ministério Público, que poderá ou não acompanhar a interceptação, não sendo obrigatória sua participação na diligência.

Após cumprida a interceptação, a autoridade policial encaminhará o resultado desta ao juiz o Auto Circunstanciado, que deverá conter o Resumo das Operações Realizadas (art. 6º, § 2º). A não lavratura do auto circunstanciado não invalida a diligência de Interceptação (Conforme Jurisprudência STF e STJ).

A interceptação correrá em autos apartados, apensados ao Inquérito Policial ou ao Processo, preservando-se o sigilo das diligencias e transcrições. Neste sentido, recente julgado do STF:

 “Segundo o art. 8º da Lei 9.296/96, o procedimento de interceptação telefônica (requerimento, decisão, transcrição dos diálogos etc.) deverá ser instrumentalizado em autos apartados.” STF. 1ª Turma. HC 128102/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 9/12/2015)

No entanto, a ausência de formalização em autos apartados não acarreta nulidade da diligência, e sim mera irregularidade que não viola os elementos essenciais à validade da interceptação.


6. DOS CRIMES

A lei tipifica como crime a interceptação clandestina ou a violação do sigilo, nos seguintes termos:

“Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.

Pena — reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.”

Guilherme de Souza Nucci ensina que há duas condutas criminosas:

  • Realizar (efetuar, concretizar) interceptação (intromissão em comunicação alheia, com o fito de colheita de informes, registrados ou não). Os objetos da interceptação são a comunicação telefônica (conversação mantida por telefone), comunicação telemática (conversação mantida pelo computador, fazendo uso de outros meios, formando um conjunto, como ocorre com o modem) e comunicação de informática (conversação mantida por meio de computador, como ocorre em sites específicos para a comunicação, desvinculando-se o mecanismo de transmissão de dados da linha telefônica);
  • Quebrar (violar, romper) é a segunda conduta, cujo objeto é o segredo da Justiça (situação sigilosa concernente à Justiça, entendido o termo no sentido amplo, ou seja, investigação ou processo). As duas partes ligam-se à inexistência de autorização judicial ou a propósitos não permitidos por lei. Torna-se, pois, atípica a conduta daquele que realiza a interceptação telefônica em decorrência de ordem da autoridade judiciária competente e a concretiza com o objetivo de investigar um crime ou instruir um processo penal. Lembremos que, com relação à parte final do artigo, uma interceptação pode ser efetivada com ordem judicial, mas para fins civis, por exemplo. Constitui crime do mesmo modo, devendo por ele responder tanto quem a realizou efetivamente (autor), como o magistrado incompetente, que a autorizou, pois ligado à área cível (partícipe). (Op. Cit. p. 516)

Como a pena é aquém de 04 anos, permite vários benefícios penais, evitando a prisão. Caso aplicada no mínimo legal será cabível o sursis (art. 77 CP). Ainda, caberá a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Por fim, caberá regime aberto para início de cumprimento de pena.


7. PONTOS IMPORTANTES

Há um vasto repertório jurisprudencial acerca desta importantíssima lei, dentre os quais podemos destacar alguns pontos que valem a pena a análise:

  • Interceptação versus quebra do Sigilo Telefônico

Em julgamento proferido pela Turma Especial do TRF da 4º Região, decidiu-se sobre o SIGILO  bancário que :

“Inexiste ofensa ao art. 5º, inciso X, da CF/88 porquanto o patrimônio não se confunde com a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem das pessoas” ( AGA 1912, Relator Juiz Tadaaqui Hirosi, Julgamento em 11/07/2001, DJU 18/07/2001). Admite-se o risco de uma ingerência indireta da “quebra” do sigilo bancário no âmbito da vida privada, em situações excepcionalíssimas, podendo ser citada a transferência de numerário de uma pessoa a um filho havido fora do matrimônio, o que acabaria sendo do conhecimento da Receita que, entretanto, tem o dever legal de guardar sigilo acerca da informação. [6]Mandado de Segurança nº 21.729-4,-DF, Relator para o acórdão: Min. Francisco Rezek, Julgamento: 5.10.1995 - Tribunal Pleno, publicação: DJ 19.10.01, p. 33, Ement. vol. 02048-01, p. 67. RTJ VOL-00172-01 PP-00302

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“A quebra do sigilo dos DADOS telefônicos contendo os dias, os horários, a duração e o números das linha chamadas e recebidas, não se submete à disciplina das interceptações telefônicas regidas pel Lei 9.296/96 (que regulamentou o inciso XII do art. 5º da Constituição Federal) e ressalvadas constitucionalmente tão somente na investigação criminal ou instrução processual penal. EDcl no RMS 17732 / MT EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2003/0238137-5

Pelo menos em tese é possível a quebra do sigilo telefônico sem ordem judicial pelo MP eis que não submetida a clausula de reserva jurisdicional. A interceptação é que está submetida à cláusula de reserva.

  • Interceptação versus Gravação Ambiental

A gravação ambiental não se confunde com interceptação. Gravar  conversa alheia não configura crime, eis que ausente previsão legal ou constitucional (Princípio da Legalidade). Segundo o STJ e STF se a gravação ambiental se dá em local público a prova é LÍCITA. Na contramão, se gravado em local privado,  EM TESE é considerado prova ILÍCITA  eis que violaria o art. 5º, XI, CF (Inviolabilidade de domicílio).

  • Gravação Telefônica x Interceptação Telefônica

As interceptações telefônicas, telemáticas e de informática estão previstas na Lei n. 9.296/96, e não se confundem com as gravações telefônicas. Logo, estas últimas podem ser realizadas por qualquer dos interlocutores sem ordem judicial (STF, RE-AgR n. 453.562/SP)

  • Interceptação Telefônica sem ordem judicial com autorização de apenas um dos interlocutores.

 Em caso de interceptação telefônica com autorização de apenas um dos interlocutores, a prova somente será ilícita com relação ao outro interlocutor que desconhecia a gravação.

Neste sentido:

A interceptação sem ordem judicial com a aquiescência de apenas um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro interlocutor, torna a prova lícita para quem anuiu e ilícita a quem desconhecia a interceptação (STF: HC n.º 80.949/RJ, em 30/10/2001)

A prova obtida mediante a escuta gravada por terceiro de conversa telefônica alheia é patentemente ilícita em relação ao interlocutor insciente da intromissão indevida, não importando o conteúdo do diálogo assim captado. 7. A ilicitude da escuta e gravação não autorizadas de conversa alheia não aproveita, em princípio, ao interlocutor que, ciente, haja aquiescido na operação; aproveita-lhe, no entanto, se, ilegalmente preso na ocasião, o seu aparente assentimento na empreitada policial, ainda que existente, não seria válido. 8. A extensão ao interlocutor ciente da exclusão processual do registro da escuta telefônica clandestina - ainda quando livre o seu assentimento nela - em princípio, parece inevitável, se a participação de ambos os interlocutores no fato probando for incindível ou mesmo necessária à composição do tipo criminal cogitado, qual, na espécie, o de quadrilha. V. Prova ilícita e contaminação de provas derivadas (fruits of the poisonous tree). 9. A imprecisão do pe dido genérico de exclusão de provas derivadas daquelas cuja ilicitude se declara e o estágio do procedimento (ainda em curso o inquérito policial) levam, no ponto, ao indeferimento do pedido. (STF - HC: 80949 RJ , Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Data de Julgamento: 30/10/2001, Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 14-12-2001 PP-00026 EMENT VOL-02053-06 PP-01145 RTJ VOL-00180-03 PP-01001)

  • Prorrogação da Diligência de Interceptação

É permitida a prorrogação das interceptações, desde que haja motivo plausível:

“É cediço na Corte que as interceptações telefônicas podem ser prorrogadas por mais de uma vez, desde que comprovada sua necessidade mediante decisão motivada do Juízo competente, como ocorrido no caso sub judice. Precedentes : RHC 85575/SP , rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ªTurma, DJ de 16/3/2007; RHC 88371/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 2ªTurma, DJ de 2/2/2007; HC 83515, rel. Min. Nelson Jobim, Pleno, DJ de 4/3/2005;

  •  Desnecessidade da Transcrição Integral das Gravações Telefônicas.

Não é necessária a transcrição integraldas gravações telefônicas, mas apenas das partes que interessem à Ação Penal

“No julgamento do HC 91.207- MC/RJ, Rel. para o acórdão Ministra Cármen Lúcia, esta Corte assentou ser desnecessária a juntada do conteúdo integral das degravações das escutas telefônicas, sendo bastante que se tenham degravados os excertos necessários ao embasamento da denúncia oferecida.”

  • “Serendipidade”

Por serendipidade entende-se o encontro fortuito de provas de crimes punidos com detenção conexos aos apenados com reclusão.  

No STF:

 1. O Supremo Tribunal Federal, como intérprete maior da Constituição da República, considerou compatível com o art. 5º, XII e LVI, o uso de prova obtida fortuitamente através de interceptação telefônica licitamente conduzida, ainda que o crime descoberto, conexo ao que foi objeto da interceptação, seja punido com detenção. (...). (STF - RHC: 116179 DF , Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 09/04/2013, Data de Publicação: DJe-067 DIVULG 11/04/2013 PUBLIC 12/04/2013)

No STJ:

A descoberta de fatos novos advindos do monitoramento judicialmente autorizado pode resultar na identificação de pessoas inicialmente não relacionadas no pedido da medida probatória, masque possuem estreita ligação com o objeto da investigação. Tal circunstância não invalida a utilização das provas colhidas contraesses terceiros (Fenômeno da Serendipidade). Precedentes. (STJ   , Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 06/12/2012, T5 - QUINTA TURMA)

  •  Utilização do conteúdo das interceptações em Procedimento Administrativo Disciplinar

É possível que o conteúdo das interceptações seja emprestado ao Procedimento Administrativo Disciplinar contra agente público

Neste sentido:

“O STF já entendeu que quando a interceptação foi judicialmente decretada regularmente para subsidiar investigação criminal ou instrução processual penal, a prova ali colhida pode ser EMPRESTADA em procedimento administrativo disciplinar (PAD) contra agentes públicos criminosos.” (STF: Inq-QO-QO n.º 2.424/RJ, em 20/06/2007). No mesmo sentido o STJ  (RMS n.º 24.956/DF, em 09/08/2005)

  •  Interceptação Telefônica para instruir PAD

Embora seja permitida a prova emprestada de uma Ação Penal para instruir o PAD, a interceptação não pode se dar única e exclusivamente para instruir o Procedimento Administrativo:

 “ A prova criminal pode ser emprestada ao PAD. O que não pode é o presidente do PAD peticione ao juiz requerendo a interceptação para instruir o PAD diretamente.” (STJ RMS 16.429 SC)

  • Interceptação Telefônica em Investigação Criminal Anterior à Instauração do Inquérito Policial: Admissibilidade

CRIMINAL. HC. EXTORSÃO MEDIDANTE SEQÜESTRO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. IRREGULARIDADES. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. LEGALIDADE DA PROVA. CONDENAÇÃO BASEADA EM OUTROS ELEMENTOS DO CONJUNTO PROBATÓRIO. BUSCA E APREENSÃO. MANDADO. EXISTÊNCIA. EXISTÊNCIA DE OUTROS DELITOS DE CARÁTER PERMANENTE. FLAGRANTE. ORDEM DENEGADA. I. A interceptação telefônica para fins de investigação criminal pode se efetivar antes mesmo da instauração do inquérito policial, pois nada impede que as investigações precedam esse procedimento. ?A providência pode ser determinada para a investigação criminal (até antes, portanto, de formalmente instaurado o inquérito) e para a instrução criminal, depois de instaurada a ação penal.?   dessa irregularidade. V. Tratando-se de nulidade no Processo Penal, é imprescindível, para o seu reconhecimento, que se faça a indicação do prejuízo causado ao réu, o qual não restou evidenciado no presente caso. VI. Se a sentença se fundou em outros elementos do conjunto probatório, independentes e lícitos, não se reconhece a apontada imprestabilidade da interceptação telefônica para embasar a condenação, em especial quando tal prova não se mostra ilícita. VII. A busca domiciliar não pode vir desamparada de mandado judicial, do qual só se prescinde quando a diligência for realizada pessoalmente pela autoridade judicial. VIII. Hipótese em que o mandado judicial foi expedido, tendo sido constatado que as investigações não se limitavam ao crime de extorsão mediante seqüestro, mas a outros delitos de caráter permanente ? dentre os quais o de formação de quadrilha -, cujos produtos de crime foram apreendidos na mesma oportunidade, ocasião em que o paciente acabou sendo preso em flagrante. IX. Ordem denegada. (STJ   , Relator: Ministro GILSON DIPP, Data de Julgamento: 03/11/2005, T5 - QUINTA TURMA)

  • Interceptação Telefônica para embasar investigação do Ministério Público

É possível:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ABUSO DE AUTORIDADE. CORRUPÇÃO PASSIVA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. DILIGÊNCIAS INVESTIGATÓRIAS. LEGITIMIDADE. ESCUTA TELEFÔNICA. INEXISTÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. LICITUDE. 1. O trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade. 2. A legitimidade do Ministério Público para conduzir diligências investigatórias decorre de expressa previsão constitucional, oportunamente regulamentada pela Lei Complementar n.º 75/93. É consectário lógico da própria função do órgão ministerial - titular exclusivo da ação penal pública -, proceder a coleta de elementos de convicção, a fim de elucidar a materialidade do crime e os indícios de autoria. 3. Se o procedimento de interceptação da comunicação telefônica está, nos exatos termos da Lei n.º 9.296/96, em apenso ao processo criminal e a disposição das partes que poderão, sob o crivo do contraditório, levantar todas as questões relativas à validade dessa prova, não existe qualquer cerceamento de defesa. 4. É lícita a prova de crime diverso, obtida por meio de interceptação de ligações telefônicas de terceiro não mencionado na autorização judicial de escuta, desde que relacionada com o fato criminoso objeto da investigação. Precedentes. 5. Writ denegado. (STJ   , Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 27/09/2005, T5 - QUINTA TURMA));

  • Interceptação Telefônica Decretada, NO CURSO DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL, por juízo que, posteriormente, verificou-se ser incompetente para a Ação Penal (Teoria do Juízo Aparente) - Conservação da Licitude da Prova:

I. PRISÃO PREVENTIVA: ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DO JUIZ: SUPERAÇÃO. A questão de competência do Juiz que decretou a prisão preventiva ficou superada com nova decisão que a manteve, proferida pelo mesmo Juiz, quando já investido de jurisdição sobre o caso, por ato cuja validade não se discute. II. Quadrilha: denúncia idônea. 1. O crime de quadrilha se consuma, em relação aos fundadores, no momento em que aperfeiçoada a convergência de vontades entre mais de três pessoas, e, quanto àqueles que venham posteriormente a integrar-se ao bando já formado, no adesão de cada qual; crime formal, nem depende , a formação consumada de quadrilha, da realização ulterior de qualquer delito compreendido no âmbito de suas projetadas atividades criminosas , nem, conseqüentemente, a imputação do crime coletivo a cada um dos partícipes da organização reclama que se lhe possa atribuir participação concreta na comissão de algum dos crimes-fim da associação. 2. Segue-se que à aptidão da denúncia por quadrilha bastará, a rigor, a afirmativa de o denunciado se ter associado à organização formada de mais de três elementos e destinada à prática ulterior de crimes; para que se repute idônea a imputação a alguém da participação no bando não é necessário, pois, que se lhe irrogue a cooperação na prática dos delitos a que se destine a associação, aos quais se refira a denúncia, a título de evidências da sua formação anteriormente consumada. III. Denúncia: inépcia: imputação dos crimes de roubo e receptação, despida de qualquer elemento concreto de individuação dos fatos que os constituiriam. IV. Interceptação telefônica: exigência de autorização do "juiz competente da ação principal" (L. 9296/96, art. 1º): inteligência. 1. Se se cuida de obter a autorização para a interceptação telefônica no curso de processo penal, não suscita dúvidas a regra de competência do art. 1º da L. 9296/96: só ao juiz da ação penal condenatória - e que dirige toda a instrução -, caberá deferir a medida cautelar incidente. 2. Quando, no entanto, a interceptação telefônica constituir medida cautelar preventiva, ainda no curso das investigações criminais , a mesma norma de competência há de ser entendida e aplicada com temperamentos, para não resultar em absurdos patentes: aí, o ponto de partida à determinação da competência para a ordem judicial de interceptação - não podendo ser o fato imputado, que só a denúncia, eventual e futura, precisará -, haverá de ser o fato suspeitado, objeto dos procedimentos investigatórios em curso. 3. Não induz à ilicitude da prova resultante da interceptação telefônica que a autorização provenha de Juiz Federal - aparentemente competente, à vista do objeto das investigações policiais em curso, ao tempo da decisão - que, posteriormente, se haja declarado incompetente , à vista do andamento delas. (STF - HC: 81260 ES , Relator: SEPÚLVEDA PERTENCE, Data de Julgamento: 14/11/2001, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 19-04-2002 PP-00048 EMENT VOL-02065-03 PP-00570)

Em igual sentido:  STJ: HC n.º 56.222/SP, em 11/12/2007; HC n.º 27.119/RS, em 24/06/2003; RHC n.º 15.128/PR, em 03/02/2005);

  • Interceptação Telefônica Decretada, NO CURSO DA AÇÃO PENAL, por Juízo que, Posteriormente, Verificou-se ser Incompetente para a Ação Penal: Ilicitude da Prova & Nulidade Ab Initio do Processo:

 Quando a interceptação é decretada judicialmente NO CURSO DA AÇÃO PENAL e posteriormente é declarada a incompetência absoluta do Juízo que a decretou, OCORRE NULIDADE das provas, pois elas são ILÍCITAS (STF, HC n. 80.197/GO).

No mesmo sentido: HC n.º 43.741/PR, em 23/08/2005; HC n.º 10.243/RJ, em 18/12/2000).

  • Interceptação Telefônica de uma Persecução Criminal Emprestada a uma Outra Persecução Criminal - Possibilidade

HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. SUBSTITUTIVO DO RECURSO CONSTITUCIONAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA PROVA EMPRESTADA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/06. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. IMPOSSIBILIDADE. 1. O habeas corpus tem uma rica história, constituindo garantia fundamental do cidadão. Ação constitucional que é, não pode ser o writ amesquinhado, mas também não é passível de vulgarização, sob pena de restar descaracterizado como remédio heroico. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário. Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da República, a impetração de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal próprio, em manifesta burla ao preceito constitucional. Precedentes da Primeira Turma desta Suprema Corte. 2. Não há, em princípio, óbice à utilização de prova emprestada de interceptação telefônica realizada no bojo de outra investigação, desde que franqueado à Defesa o acesso a essa prova, garantindo-se o contraditório, como no caso dos autos. 3. Consoante o art. 563 do Código de Processo Penal, não se decreta nulidade sem prejuízo, prejuízo este não demonstrado na hipótese. 4. A dosimetria da pena é matéria sujeita a certa discricionariedade judicial. O Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras absolutamente objetivas para a fixação da pena. Cabe às instâncias ordinárias, mais próximas dos fatos e das provas, fixar as penas. Às Cortes Superiores, no exame da dosimetria das penas em grau recursal, compete apenas o controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, com a correção de eventuais discrepâncias, se gritantes e arbitrárias, nas frações de aumento ou diminuição adotadas pelas instâncias anteriores. Pertinente à dosimetria da pena, encontra-se a aplicação da causa de diminuição da pena objeto do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006. Cabe às instâncias inferiores decidir sobre a aplicação ou não do benefício e, se aplicável, a fração pertinente, não se mostrando hábil o habeas corpus para revisão, salvo se presente manifesta ilegalidade ou arbitrariedade. 5. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no HC 111.840/ES, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 27.6.2012, reputou inválida, por inconstitucionalidade, a imposição compulsória do regime inicial fechado para crimes de tráfico de drogas. Não reconhecido, contudo, direito automático ao regime menos gravoso, ponto a ser apreciado pelo juiz do processo à luz das regras gerais do arts. 33 do Código Penal, não limitada a fixação ao quantum da reprimenda, mas também ao exame das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, conforme remissão do § 3º do mencionado art. 33. 6. Habeas corpus extinto sem resolução do mérito, mas com concessão de ofício da ordem para determinar, afastada a vedação legal do § 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90, ao Juízo da execução que avalie a possibilidade de fixação de regime mais brando de cumprimento da pena para o paciente. (STF - HC: 114074 SC, Relator: Min. ROSA WEBER, Data de Julgamento: 07/05/2013,  Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-099 DIVULG 24-05-2013 PUBLIC 27-05-2013)

  • Interceptação Telefônica em Crime Material contra a ordem tributaria antes do lançamento definitivo do tributo. É PERMITIDO.

HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA, PENDÊNCIA DELANÇAMENTO DEFINITIVO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO QUANDO DA AUTORIZAÇÃO DEMEDIDAS INVESTIGATÓRIAS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. BUSCA APREENSÃO.QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO E FISCAL. NULIDADE. INOCORRÊNCIA.EXISTÊNCIA DE OUTROS DELITOS AUTÔNOMOS QUE AS AUTORIZARAM. FALSIDADEIDEOLÓGICA E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. Não há ilegalidade na autorização de interceptação telefônica, busca e apreensão e quebra de sigilo bancário e fiscal, antes do lançamento do crédito tributário, quando as medidas investigatórias são autorizadas para apuração dos crimes de quadrilha e falsidade ideológica, também imputados ao Paciente, que supostamente se utilizava de intrincado esquema criminoso, com o claro e primordial intento de lesar o Fisco. 2. Inexiste a aventada nulidade processual, tampouco a alegada ausência de elementos indiciários para fundamentar a acusação. As medidas investigatórias atenderam aos pressupostos e fundamentos de cautelaridade e, quando do oferecimento da denúncia, os créditos tributários já tinham sido definitivamente lançados. 3. Habeas Corpus denegado. (STJ  148829   , Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 21/08/2012, T5 - QUINTA TURMA)

  • Interceptação Telefônica Emprestada a Outro Processo

O fato de a interceptação telefônica ter visado elucidar outra prática delituosa não impede a sua utilização em persecução criminal diversa por meio do compartilhamento da prova. (STF. 1ª Turma. HC 128102/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 9/12/2015 (Info 811).


CONCLUSÃO

Nesta singela explanação vimos que para a validade da interceptação telefônica há de ser cumprida uma série de requisitos. Buscamos de forma didática explicar ao leitor todas as nuances que envolvem a diligência sem contudo esgotar o tema.

Muito se discutiu nos últimos dias a validade das interceptações realizadas pelo magistrado Sérgio Fernando Moro, titular da 13º Vara Federal de Curitiba. Ao nosso sentir, as decisões do Juiz Moro, pelo menos em tese, encontram respaldo na citada legislação e na jurisprudência. Há fortes indícios da participação de Luiz Inácio Lula da Silva em crimes punidos com pena de reclusão. Da mesma forma, a divulgação do conteúdo gravações acarreta, em tese, o crime previsto no artigo 10 da Lei, restando saber quem foi o responsável pela propagação das mesmas.

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Sobre o autor
Heitor Carvalho Silva

Advogado Criminalista em Sumaré/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Heitor Carvalho. Interceptações telefônicas: uma análise à luz da legislação e jurisprudência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4646, 21 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47452. Acesso em: 19 abr. 2024.

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