A interferência do empregador nos relacionamentos afetivos entre seus empregados no ambiente de trabalho

18/03/2016 às 17:41
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O presente artigo visa apresentar aspectos atinentes à possível interferência do empregador nas relações interpessoais dos seus empregados, mais especificamente no que tange às relações sentimentais, à luz dos preceitos constitucionais.

1. INTRODUÇÃO

Evidencia-se da definição de empregador trazida pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que dentre as atribuições deste está o comando ou coordenação do ambiente de trabalho, o que imprime a ideia de controle, direção, ou simplesmente o exercício do poder diretivo. Com ênfase neste poder, que é fundamentado na propriedade do capital e dos meios de produção, orienta as atividades exercidas por seu quadro de funcionários em busca do elevado desempenho profissional, que deve se refletir em bons resultados financeiros, indispensáveis à sobrevivência da empresa no mercado. Indo além da busca do retorno econômico dos investimentos realizados, este papel de comando – próprio da figura do dirigente – também o permite estabelecer normas de conduta condizentes com o meio profissional e que evidentemente devem ser acatadas pelos empregados, em razão da subordinação a que estão vinculados contratualmente pela relação de emprego.

Como já sublinhamos, a CLT confere ao empregador o poder de comando (diretivo, hierárquico e disciplinar) que lhe permite adotar um ordenamento relativo à atividade econômica que organiza e cujos riscos assume: normas de natureza técnica inerentes à organização produtiva e à execução do trabalho. Em face da legislação brasileira, essas normas, que visam à organização e ao funcionamento da empresa, podem ser, sempre, unilateralmente modificadas pelo empregador, sem qualquer reflexo jurídico nos contratos de trabalho dos empregados. (SÜSSEKIND, 2002, p. 206).

No entanto, faz-se necessária moderação na aplicação deste poder, evitando-se desse modo abusos, maus tratos e constrangimentos. É imperativo haver bom senso e equilíbrio na relação entre patrão e empregado, visando antes de qualquer outra coisa a harmonia, o respeito e a dignidade no ambiente laboral.

A dignidade, em si, não é um direito, mas uma qualidade intrínseca a todo ser humano, independentemente de sua origem, sexo, idade, condição social ou qualquer outro requisito. Nesse sentido, não pode ser considerada como algo relativo. (NOVELINO, 2013, p. 362).

O dever de respeitar a dignidade do outro reside na abstenção de ações ou omissões que exponham o indivíduo a condição degradante ou vexatória. Traduz-se, então, em não reduzir o ser humano à categoria de coisa despida de sensibilidade e sentimentos, voltada única e exclusivamente à obtenção de lucros e resultados econômicos. Destarte, esse dever se consubstancia em acatar os direitos e garantias fundamentais do trabalhador.

No âmbito das relações de trabalho, os direitos fundamentais decorrem dos valores liberdade e igualdade e são voltados à proteção da integridade física, psicológica e moral do trabalhador, a fim de lhes assegurar uma existência digna. (NOVELINO, 2013, p. 628).

De tal modo, passaremos a analisar até onde é permitido ao empregador no uso das suas atribuições intervir na esfera pessoal do empregado, impedindo ou permitindo relacionamentos amorosos entre funcionários a ele subordinados.

2. DO DIREITO À PRIVACIDADE E À INTIMIDADE DO TRABALHADOR

Aduz a Constituição Federal que a vida privada e a intimidade das pessoas não podem ser violadas, sendo inclusive assegurado o direito à reparação por danos causados pelo desrespeito destes direitos, conforme o art. 5º, X, in verbis: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurados o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.   

Ademais, os direitos da personalidade, elencados no Capítulo II do nosso Código Civil, estão resguardados contra ameaças ou lesões. Assim, não podem sofrer limitações voluntárias, permitindo inclusive à vítima de atos lesivos à sua individualidade, exigir o fim do abuso aos seus direitos e reclamar as devidas perdas e danos provenientes da conduta desrespeitosa. Assevera o art. 21 que é inviolável a vida privada da pessoa natural, podendo a parte atingida pela ofensa à sua privacidade exigir do Estado-juiz as medidas cabíveis para fazer cessar ou impedir prejuízos aos seus direitos personalíssimos.    

Os direitos da personalidade emanam diretamente da dignidade da pessoa humana. Como decorrência da autonomia da vontade e do respeito ao livre arbítrio, o direito à privacidade confere ao indivíduo a possibilidade de conduzir sua própria vida da maneira que julgar mais conveniente, sem intromissão da curiosidade alheia.  (NOVELINO, 2013, p. 489).

   Por tal motivo não se pode invadir a esfera íntima do trabalhador, impondo-lhe limites à sua liberdade de expressão, de pensamento, de escolhas ou de pleno gozo dos seus direitos, no que diz respeito à vida particular.

Porém, para enxergarmos de forma clara os direitos trabalhistas e individuais do trabalhador no atual momento, assim como as conquistas atinentes à proteção do ser humano e de direitos como liberdade, privacidade e dignidade, é imprescindível compreendermos o passado e como se desenvolveram estes direitos ao longo do tempo.

Sabe-se que nos primórdios da humanidade a principal representação do trabalho era a escravidão, que posteriormente foi substituída pela servidão durante o feudalismo. Aos escravos não eram destinados nenhuma espécie de direito, existindo apenas a obrigação de trabalhar exaustivamente, diariamente, enquanto houvesse vida. Na antiga Roma, citando-se apenas um exemplo entre muitos, o trabalho era realizado por mão-de-obra escrava, sendo tal fato disciplinado pela Lei Aquilia de 284 a.C. que qualificava o escravo como res pertencente ao dominus. Aos servos, durante o feudalismo – surgido com o declínio do Império Romano – também não eram reservadas condições de tratamento muito diferentes, bastando lembrar que naquele momento histórico o trabalho era considerado um castigo, portanto algo indigno de ser realizado pela nobreza. Nem mesmo com o surgimento das corporações de ofício no Século XII as condições dos trabalhadores se tornaram melhores, uma vez que estas visavam regulamentar o processo produtivo artesanal em cidades com mais de dez mil habitantes e não as condições de trabalho ou remuneração. O foco era o binômio produto-lucro e não os companheiros e aprendizes.

As primeiras mudanças só começaram a surgir efetivamente a partir da Revolução Industrial, na Inglaterra, muito embora em 1789 durante a Revolução Francesa as corporações de ofício houvessem sido suprimidas por incompatibilidade com os ideais de liberdade, inclusive a liberdade de trabalho.

A expressão direitos fundamentais (droits fondamentaux) surgiu na França, em 1770, no movimento político e cultural que deu origem à Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.  (NOVELINO, 2013, p. 377).

Foi na Inglaterra, todavia, que o trabalho passou a ser emprego, em razão da necessidade de mão-de-obra preparada para operar as novas máquinas utilizadas na indústria. Surge daí a figura do trabalhador assalariado e organizado em associações que buscavam reivindicar melhores condições de trabalho, salários mais justos e jornadas menos extensas e exaustivas. Era o início das mudanças que trariam a vida digna do proletariado dos dias de hoje.

Contudo, somente muitos anos depois, em 1919, com o Tratado de Versailles e com o surgimento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Direito do Trabalho passou a ser considerado um novo ramo das ciências jurídicas.

Quando, a 25 de janeiro de 1919, instalou-se a Conferência da Paz no Palácio de Versailles, a opinião pública já estava conscientizada de que o tratado a ser firmado pelos países vitoriosos deveria: a) conter os princípios fundamentais de proteção ao trabalho humano; b) criar um organismo internacional com atribuições de promover a internacionalização das normas sociais-trabalhistas e controlar sua aplicação. (SÜSSEKIND, 2002, p. 25/26).

Nascia, então, uma legislação social-trabalhista de natureza intervencionista, visando impor limites à autonomia da vontade nas relações trabalhistas, além de criar sistemas previdenciários obrigatórios. Os princípios e normas orientadores desse novo Direito foram enunciados no art. 427 do Tratado de Versailles, que trazia em seu corpo as diretrizes elementares a serem seguidas: o não tratamento do trabalho como mercadoria; direito de associação para patrões e empregados; salários dignos, igualitários a ambos os sexos e compatíveis com a realidade histórica e econômica de cada país; jornada de oito horas diárias ou quarenta e oito horas semanais; descanso semanal aos domingos, sempre que possível; supressões ao trabalho infantil; e finalmente a criação de órgãos de fiscalização do cumprimento das leis trabalhistas.

Em outras palavras, era a intervenção direta do Estado nas relações de trabalho antes regulamentada unicamente pela vontade unilateral dos empregadores, buscando estabelecer um mínimo de garantias de igualdade de tratamento e direitos sociais aos operários através da criação de normas cogentes, de caráter “forçoso”. Formava-se a partir daí o Direito Internacional do Trabalho com a finalidade de universalizar princípios de justiça social e incrementar a cooperação internacional, no sentido de melhorar as condições de vida do trabalhador, viabilizando o equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e os direitos sociais.

Desde então o Direito Internacional não mais se limitou a dispor sobre as relações exteriores dos Estados. As normas adotadas pela assembleia geral da OIT (Conferência) sempre tiveram por destino sua incorporação ao direito interno dos Estados que a elas aderiram.  (SÜSSEKIND, 2002, p. 59).

            A Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, trouxe ao mundo abalado com a barbárie da Segunda Guerra Mundial, a relevância imperativa de intermediação e negociação de conflitos entre as Nações, a promoção da democracia e o fortalecimento dos direitos humanos. Apesar de não ter caráter obrigatório, sob o ponto de vista legal, a Declaração serviu e serve até hoje como influência a diversas Constituições Nacionais desde 1948, servindo ainda como alicerce para tratados internacionais e leis nacionais na promoção e proteção dos direitos humanos.

            Ressalte-se que os arts. XXII, XXIII, XIV e XV da Declaração, foram dedicados aos direitos sociais trabalhistas.

Essas normas revelam os direitos humanos fundamentais dos trabalhadores, que devem ser observados pela comunidade mundial como direitos supra estatais, independentemente de figurarem em tratados ratificados pelos países. (SÜSSEKIND, 2002, p. 62).

            Buscava-se então, o tratamento do homem como criatura digna de respeito, titular de direitos e sujeito ao cumprimento de deveres impostos pelo Estado e pelo convívio social. Logicamente, o binômio direito-deveres se estenderia também às relações trabalhistas, tendo como escopo o respeito ao operário como pessoa e não só como um elemento voltado à produção e à obtenção de lucro. Começam a ser desenhados nas comunidades humanas consideradas civilizadas, os primeiros traços da cidadania.   

Modernamente, a cidadania pode ser definida como o exercício pleno dos direitos e deveres civis, políticos e sociais. Contudo, convém lembrar que seu conceito surgiu na Grécia Clássica, designando os direitos dos cidadãos, i.e., dos indivíduos que viviam nas cidades e tinham participação ativa na realização de negócios ou decisões políticas. Era um reflexo ou consequência decorrente de uma vida em sociedade. Este conceito, frise-se, foi ampliado ao longo da história englobando o conjunto de valores sociais que originam os direitos do cidadão, principalmente o direito a ter direitos.

O tradicional conceito de cidadania vem sendo gradativamente ampliado, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial. Ao lado dos direitos políticos, compreendem-se em seu conteúdo os direitos e garantias fundamentais referentes à atuação do indivíduo em sua condição de cidadão. (NOVELINO, 2013, p. 361).

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A partir do momento em que um cidadão exerce seus direitos e cumpre regiamente com as suas obrigações, está oportunizando aos seus semelhantes a participação em uma sociedade pautada pela liberdade e igualdade, que são os alicerces da justiça e da dignidade.

Logo, a dignidade do trabalhador não pode ser dilapidada nem sofrer restrições em face de interesses particulares, pois está convencionada como um direito inerente ao ser humano em diversas constituições nacionais.

A consagração da dignidade humana no texto constitucional reforça, ainda, o reconhecimento de que a pessoa não é simplesmente um reflexo da ordem jurídica, mas, ao contrário, deve constituir o seu objeto supremo, sendo que na relação entre o indivíduo e o Estado deve haver sempre uma presunção a favor do ser humano e de sua personalidade. O indivíduo deve servir de “limite e fundamento do domínio político da República”, pois o Estado existe para o homem e não o homem para o Estado. (NOVELINO, 2013, p. 362).

Destarte, se nem ao Estado, ente político dotado de poder soberano para governar um povo dentro dos seus limites territoriais, é dada a prerrogativa de interferir sem justificativas na esfera de vida íntima de seus cidadãos, impondo-lhes limites à dignidade, à igualdade e à liberdade, não se apresenta razoabilidade em permitir que entes coorporativos de direito privado ou público desfrutem de tais poderes.

3. RELAÇÕES TRABALHISTAS VERSUS RELAÇÕES AMOROSAS

 

            “O amor aparece quando menos se espera e de onde menos se imagina. O amor é que nem tesourinha de unhas, nunca está onde a gente pensa”.

A frase acime é da escritora e jornalista Martha Medeiros e reflete perfeitamente a imprevisibilidade do amor. Este sentimento, tão complexo quanto natural ao ser humano, impulsiona e influencia nossas vidas mais do que imaginamos. E por ser tão imprevisível quanto peculiar ao homem, o amor surge nos lugares mais improváveis e inesperados. Assim, não seria de admirar que surgisse entre colegas no ambiente corporativo. Nada obstante, não se pode deixar de avaliar que antes de qualquer outra coisa, os trabalhadores são seres dotados de sensibilidade, desejos, sonhos e sentimentos próprios, o que justifica a especial proteção da ordem jurídica, bastando lembrar que no campo do direito trabalhista, observa-se grande aplicação dos direitos fundamentais, sobretudo no ânimo de combater e coibir abusos como assédio moral, revista íntima e outras situações ultrajantes.

Claramente, esta é uma questão por demais delicada e por tal motivo está no centro de ponderações e debates na seara jurídica, visto que envolve direitos fundamentais contrapostos. Note-se que estamos diante do choque entre dois valores constitucionalmente tutelados: de um lado, direitos fundamentais como a privacidade e a intimidade do empregado e do outro o direito à livre iniciativa e à propriedade privada do empregador.

Fazendo breve ressalva à livre iniciativa, esta está intrinsecamente ligada à liberdade de escolha de profissões ou das atividades econômicas que as pessoas desejam desenvolver ao longo de suas vidas, bem como à escolha dos meios adequados à obtenção dos resultados econômicos almejados. A Carta Magna aduz no art. 170, que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, tendo como bases a propriedade privada e sua função social. A livre iniciativa, portanto, traz em si a consignação de valores sociais como desenvolvimento econômico, existência digna, geração de empregos, renda e consequentemente, desenvolvimento social e humano. Decorrentes desta realidade, surgem os poderes diretivo e disciplinar do empregador, por ser ele o detentor dos meios de produção, do capital e da iniciativa empreendedora. Assim, tem o poder de organizar, coordenar e fiscalizar o andamento das funções laborativas realizadas na empresa, bem como disciplinar as relações interpessoais e sociais entre seus assalariados, o que pode ser feito por meio de um regimento interno.

O empregador, por assumir os riscos da atividade empreendida, exerce o comando (diretivo, hierárquico e disciplinar) em relação aos serviços prestados pelo empregado. (SÜSSEKIND, 2002, p.210)

                       

Todavia, existem limitações a estes poderes que devem ser consideradas, em obediência a princípios como o da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade e da proporcionalidade, sobretudo no tocante à aplicação de penalidades decorrentes do descumprimento de normas internas, sob as penas da lei.

Transcorre da contratualidade típica da relação de emprego, a subordinação jurídica a que o empregado está obrigado perante o empregador. Contudo, cabe lembrar que essa relação jurídica não transforma o trabalhador em servo, sujeito a um senhor, cujas vontades existem ilimitadas.

Nesse sentido, o TST tem atuado efetivamente na proteção dos direitos dos trabalhadores. A Segunda Turma do TST condenou a rede de supermercados Walmart – WWS Supermercados do Brasil Ltda. – por danos morais a um empregado demitido por violação de norma interna que proibia os relacionamentos amorosos entre seus empregados e colaboradores.

O Redator do Acórdão, Ministro José Roberto Freire Pimenta, considerou que houve no caso em tela “invasão da intimidade e do patrimônio moral de cada empregado e da liberdade de cada pessoa, que por ser empregada, não deixa de ser pessoa e não pode ser proibida de se relacionar amorosamente com seus colegas de trabalho”.

No julgamento do recurso movido pela rede de supermercados contra a sentença prolatada pelo juízo da 5ª Vara do Trabalho de Porto Alegre/RS, o Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul (4ª Região) entendeu que a norma interna do Walmart não era discriminatória, absolvendo-o do pagamento indenizatório estabelecido em R$ 30.000,00 (Trinta Mil Reais) por dano moral, determinado pelo juiz de primeiro grau. Segundo o TRT, a proibição do relacionamento entre empregados e colaboradores era fundamentada na prevenção de condutas impróprias ou que pudessem causar favorecimentos e constrangimentos, principalmente nos setores ligados à segurança patrimonial do estabelecimento.

Para que se entenda melhor a situação: um funcionário da área operacional se apaixonou por uma funcionária do setor de segurança e depois de certo tempo de namoro passaram a conviver em união estável. Quando a união foi descoberta, os dois responderam a processo administrativo, sendo demitidos no mesmo dia, fato que ensejou a reclamação trabalhista.

A despeito da decisão do TRT 4ª Região/RS, o Ministro Freire Pimenta asseverou ser “indiscutível que preceitos constitucionais foram e ainda estão sendo gravemente atingidos de forma generalizada por essa conduta empresarial”. Desse modo, concluiu que a demissão foi motivada unicamente pelo relacionamento amoroso entre os dois empregados, não existindo qualquer registro de má procedência deles no ambiente laboral.

Evidencie-se, que a Terceira Turma do TST julgou o recurso movido pela companheira do ex-empregado do Walmart, demitida no mesmo dia, mantendo a decisão favorável à empregada. 

Por maioria a Turma acolheu o recurso do ex-empregado, por violação ao patrimônio moral, consoante art. 5º, X, da Constituição Federal e art. 927 do Código Civil Brasileiro, restabelecendo a condenação por danos morais e o pagamento da indenização. Determinou ainda, o envio da decisão para o Ministério Público do Trabalho, para as demais providências que órgão ministerial considerar necessárias.

RECURSO DE REVISTA.

DANO MORAL. NORMA REGULAMENTAR QUE PROÍBE O RELACIONAMENTO AMOROSO ENTRE EMPREGADOS. ABUSO DO PODER DIRETIVO DA RECLAMADA. INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO DIREITO À LIBERDADE. VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 5º, INCISO X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E 927 DO CÓDIGO CIVIL CARACTERIZADA. Decisão: por maioria, conhecer o recurso de revista quanto ao tema dano moral, por violação aos artigos 5º, X, da Constituição Federal e 927 do Código Civil e, no mérito, dar-lhe provimento para julgar procedente o pedido de indenização por danos morais, restabelecendo-se a sentença, no importe de R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Custas pela reclamada em R$ 600,00 (seiscentos reais). Oficie-se ao Ministério Público do Trabalho, com cópias do acórdão desta decisão, do acórdão regional, sentença e demais elementos dos autos, para que tome as providências cabíveis. Vencido o Exmo. Ministro Renato de Lacerda Paiva, Relator. OBS.: Redigirá o acórdão o Exmo. Ministro José Roberto Freire Pimenta. (TST, RR 122600-60.2009.5.04.00050; j. 11/06/2014, publicado em 08/08/2014; Red. Min. José Roberto Freire Pimenta, 2ª T.) 

 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Logicamente, ao empregador assiste a prerrogativa de normatizar o ambiente interno de trabalho, determinando o que pode e o que não pode ser feito no horário de expediente e nas dependências da empresa. Tal regulamentação é perfeitamente possível e está em harmonia com as linhas de ação traçadas pelo poder diretivo, desde que as normas de conduta impostas não sejam constrangedoras, não interfiram na esfera íntima, nem na liberdade dos funcionários, considerando que não existe razão para a empresa intervir e ditar regras pertinentes às suas vidas pessoais.

Da mesma forma, o trabalhador, enquanto pessoa, goza do pleno direito de conduzir sua vida particular da forma que melhor lhe pareça e isso inclui se relacionar com quem quer que seja, colega de trabalho ou não. Como dito anteriormente, a relação de emprego o obriga à subordinação ao empregador, não ao servilismo e à submissão.

Tratando-se, portanto, da busca pelo equilíbrio no binômio constituído pelo poder de direção do empregador e pela subordinação do empregado, forçoso se faz imperar o bom senso na relação profissional em nome da harmonia e da paz no ambiente de corporativo.

É lícito ao empregador não permitir nas dependências da empresa e em suas extensões, atitudes imoderadas e incompatíveis com o ambiente laboral. Atitudes exageradas como beijos e abraços lascivos, ou até mesmo relações sexuais, demonstram desrespeito ao ambiente de trabalho, aos colegas e aos superiores. Estas condutas imorais, saliente-se, podem ocasionar despedida por justa causa, fundamentada na incontinência de conduta[1] prevista no art. 482, b, da CLT. Fora do local de emprego, porém, essas situações são de foro íntimo do trabalhador e em nada dizem respeito à empresa.  

Por outro lado, cabe ao funcionário manter uma postura profissional, condizente com sua posição e suas funções acatando as normas do bom convívio profissional e pessoal.

Concluindo, lembremos que em um estado democrático de direito, o respeito mútuo é condição imprescindível que se expressa através da reciprocidade, ou seja, da qualidade daquilo que é recíproco, mútuo e que só pode existir se for correspondido. Assim, respeito mútuo é dever, é obrigação, é pressuposto que se impõe a todos e em todos os tipos de convivência, inclusive nas relações de trabalho devendo permear as ações de empregadores e empregados no desempenho de suas respectivas atribuições.   

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.

BRASIL. Código Civil. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

BRASIL. Consolidação das Leis Trabalhistas. Decreto-lei 5.452 de 1º de maio de 1943.

MARTINS, Sérgio Pinto – Direito do Trabalho – 25ª ed. – São Paulo: Atlas, 2009.

NOVELINO, Marcelo – Manual de Direito Constitucional, Volume Único – 8ª ed., revisada e atualizada – São Paulo: Método, 2013.

SÜSSEKIND, Arnaldo – Curso de Direito do Trabalho – Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

PESSOA, Flávia Maria Guimarães; CARDOSO, Aline Almeida – Ponderação de Direitos Fundamentais e Proteção à Intimidade, Privacidade e Honra do Empregado: Revista Magister de Direito Trabalhista e Previdenciário, n.º 28 – Jan-Fev/2009.

Walmart é condenado por proibir relacionamento amoroso entre empregados. Disponível em: http://www.tst.jus.br/de/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/id/9582962. Acesso em: 02 de dezembro de 2014.


[1] A incontinência de conduta consiste nos excessos ou imoderações, entendendo-se a inconveniência de hábitos e costumes, imoderação de linguagem ou de gestos, ou ainda quando o empregado comete ofensa ao pudor, pornografia ou obscenidade, desrespeito aos colegas de trabalho e à empresa. 

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Sobre o autor
Robson Souto

Servidor do TJSE, autor de obras jurídicas.

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