Os Regimes Próprios de Previdência Social-RPPS estão cada vez mais presentes na vida dos servidores públicos. Eles não param de ser criados. Municípios, país a fora, criam seus RPPS, substituindo o RGPS por regras de inativação específicas para servidores públicos.
Segundo estatísticas do Ministério da Previdência Social, o Brasil possui 5.593 municípios, dos quais, 3.412 encontram-se no RGPS, e 2.181 já possuem RPPS, sendo que, destes, 130 estão em fase de extinção. Fonte: CGEEI/DRPSP/SPS/MPS - CADPREV, em 11-Novembro-2014 às 07:00h. Embora de 2014, estes são os dados que o MPS oferece no momento.
Diante de uma iminente mudança de regime previdenciário, muitas preocupações e indagações surgem, angustiando o servidor público, principal interessando no assunto.
Para bem ilustramos o tema aqui proposto, vejamos a seguinte situação:
“No meu município, o prefeito acaba de enviar para a Câmara projeto de lei visando a criação de um Regime Próprio de Previdência social – RPPS. Ele promete que a alteração de regime será melhor para o servidor, pois o RPPS oferece condições mais favoráveis do que o RGPS.
Estamos desconfiados, pois conhecemos muito pouco acerca das regras deste novo regime. Afinal de contas, o RPPS é mesmo melhor? O que pode dar errado? O que é preciso fazer para que ele, de fato, vingue?”.
As dúvidas e questionamentos acima esposados são muito comuns entre os servidores de municípios que estão na iminência de criar o seu RPPS. De fato, sair do RGPS, um regime já conhecido e administrado por uma autarquia federal, o INSS, gera uma relativa insegurança no servidor, mesmo com as eventuais vantagens que o RPPS promete oferecer.
Então, do que o servidor precisa ter medo? Com o que ele, efetivamente, precisa se preocupar?
Existem várias respostas para as indagações acima apresentadas. Várias explicações. Mas tudo que for dito, tudo que for justificado, desemboca em uma única ideia, em uma única palavra. A palavra mágica: “GESTÃO”. Sem gestão, sem sucesso. Sem gestão, bancarrota.
E quais são as condutas e atitudes, na gestão de um RPPS, que podem levar à uma situação de desequilíbrio financeiro e atuarial e, consequentemente, à uma eventual quebra do regime?
Ora, inobstante existirem realidades financeiras e atuariais distintas em cada RPPS, podemos elencar algumas práticas e situações que, historicamente, sempre colaboraram com resultados desastrosos na gestão destes regimes. Desta forma, no que pese a legislação ter se modernizado ao longo dos anos e termos notícia de muitas gestões exitosas, não podemos deixar de apresentar algumas situações e condutas pouco recomendáveis na gestão dos RPPS.
Eis, então, abaixo, o verdadeiro manual da má gestão nos RPPS. Tudo aquilo que precisa ser evitado pelos gestores, para que o regime de previdência próprio tenha chances de se manter e prosperar.
Vamos a elas:
a) Cálculos atuariais, inicial e anual, que se baseiam em premissas e informações precárias (cadastro desatualizado de servidores, ausência de informações sobre idade, tempo de contribuição, remuneração, dependentes). Neste caso, o resultado apontará números e valores equivocados, dissociados da realidade, o que, seguramente, não representará a correta situação funcional do município, colaborando com o início do desequilíbrio financeiro e atuarial do regime;
b) É comum alguns gestores municipais, com o objetivo de economizar e evitar a alíquota patronal de 20%, até então vertida ao RGPS, optarem, mesmo que o cálculo atuarial não recomende, por iniciar o RPPS com uma alíquota patronal igual ou pouco superior aos 11% da alíquota praticada para os servidores. Esta prática, evidentemente, promove o ingresso de menos recursos nos cofres do novel regime de previdência, o que também contribui com o seu desequilíbrio;
c) É muito comum o não repasse das contribuições previdenciárias aos cofres do RPPS. E eis aqui uma das práticas mais reprováveis e maléficas aos RPPS. Por vezes, repassam-se as contribuições dos servidores, mas não a patronal. Por vezes, ambas não são repassadas. Sem o regular repasse dos recursos, não há como dar certo. O regime quebra. E, pela lei, o orçamento municipal terá que arcar com o pagamento das aposentadorias que foram concedidas pelo RPPS antes deste se extinguir. Trata-se de um grande prejuízo ao município que já se esforça para pagar em dia a remuneração dos servidores em atividade;
d) Há casos de repasse das contribuições em atraso, isto é, fora do prazo estabelecido em lei, sem que os encargos legalmente previstos sejam acrescidos ao débito principal. Quem paga em atraso, deve pagar com juros e correção. Se não o faz, traz prejuízos ao regime. E mais, mesmo que pague os encargos, em regra, retira esses recursos do orçamento municipal, o que gera prejuízos ao município;
e) É muito comum o excesso de parcelamentos de débitos. O parcelamento do parcelamento. Uma bola de neve. O gestor, por ser inadimplente no repasse das contribuições, parcela o débito, ficando com duas obrigações: o parcelamento das contribuições vencidas e o repasse das contribuições vincendas. A fórmula certa para o desastre;
f) Conselho Administrativo e fiscal pouco operantes. É muito comum os conselhos serem pouco acionados, com poucas reuniões, além de um baixo conhecimento técnico sobre gestão de RPPS por parte dos conselheiros. Há municípios em que o nível é muito baixo;
g) O cargo de diretor do RPPS, em boa parte dos casos, é de livre nomeação e exoneração por parte do prefeito, o que pode inibir a tomada de providências que determinadas situações exigem, sobretudo, aquelas que visam impor ao Executivo o cumprimento das obrigações de repassar as contribuições previdenciárias, além de outras como a formalização de representações e denúncias junto aos órgãos de controle;
h) Pouca efetividade na fiscalização e punição dos maus gestores. Incipiente atuação dos TCEs e do MPS na fiscalização da gestão, ocorrendo, inclusive, aprovação de contas municipais, mesmo com um RPPS desequilibrado;
i) Embora configurando crime de apropriação indébita previdenciária, tipificado no art. 168-A do CPB, vê-se poucos gestores respondendo criminalmente por esta delituosa e absurda prática. Esta situação é desalentadora para os servidores, pois há desvio e não há punição.
j) Notória ausência de conhecimentos atuariais, jurídicos, contábeis e de investimento, ausência de certificação por parte do diretor do fundo e demais membros dos conselhos, o que provoca a necessidade da contratação de empresas especializadas nas matérias;
l) Prejuízos na compensação previdenciária, sobretudo, se o próprio município, ao tempo em que vinculava seus servidores ao RGPS, repassava contribuições ao INSS sobre valores inferiores aos que efetivamente pagava;
m) Aposentadorias concedidas com base em regras erradas, dando aos servidores mais direitos do que efetivamente possuem, além de cálculos de proventos elaborados em desacordo com a norma em vigor, com inclusão de parcelas não inerentes à remuneração do servidor no seu cargo efetivo. Tais equívocos, sem sombra de dúvidas, provocam gastos desnecessários e despesas ilegais, contribuindo com o desequilíbrio financeiro e atuarial do regime;
n) Má-fé. Este item não será objeto de comentários.
Em linhas gerais e longe de querermos esgotá-lo, o elenco acima perfilhado representa os principais fatores e comportamentos que depõem contra a boa gestão em um RPPS.
É preciso, então, que se tenha gestão. Sem gestão profissional, comprometida e honesta, o RPPS não terá como se manter, desenvolver-se, equilibrar-se.
E, por fim, concluímos o presente texto com uma inusitada frase dita por um servidor, no interior do Estado do Piauí, que, ao opinar sobre a proposta de criação de um RPPS em seu município e conhecendo bem o histórico do gestor municipal, disse: “Eu prefiro pouco com Deus, do que muito com o diabo!”. A frase é simples e emblemática. O que é melhor? O RGPS que paga pouco, mas paga, ou o RPPS que paga mais, mas pode um dia deixar de pagar? Eis aqui uma humilde assertiva que bem resume a realidade na gestão dos RPPS em muitos municípios brasileiros.