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Do penhor

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O penhor é direito real de garantia que se constitui pela transferência efetiva da posse de uma coisa móvel, suscetível de alienação em garantia do débito ao credor ou a quem o represente.

Sumário: 1. Conceito e características do penhor. 2. Devedor pignoratício. 3. Tradição do bem empenhado. 4. Existência de débito garantido pelo penhor e sua natureza de direito acessório. 5. Credor pignoratício. 6. Bem empenhado. 7. Extinção do penhor.   


1. Conceito e características do penhor.

O penhor é direito real de garantia (CC, art. 1.225, inciso VIII), que se constitui pela transferência efetiva da posse (tradição efetiva) que, em garantia do débito ao credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa móvel, suscetível de alienação (CC, art. 1.431, caput). A individualização da coisa dada em garantia atende ao princípio da especialização. Esses são elementos do penhor comum, também conhecido como “penhor tradicional”, “penhor típico”, ou, ainda, “penhor simples”.

Há, ainda, a nomenclatura do “penhor convencional”. Não parece adequada tal nomenclatura, para designar o penhor simples, em que ocorre a tradição do bem empenhado, porque “convencional”, além de significar “comum”, pode também significar “que foi acordado entre partes contratantes”, isto é, “que é convencionado”, em oposição a “penhor legal” e, neste sentido, o adjetivo “convencional” também explicaria o penhor onde ocorre tradição simbólica do bem, ou constituto possessório, como, por exemplo, no “penhor agrícola”, que, todavia, não é “penhor simples”, mas “penhor especial”. Por tais razões, é preferível que “penhor convencional” seja expressão utilizada não para significar o “penhor simples”, “penhor tradicional” ou “penhor típico”, em que ocorre a tradição do bem empenhado, mas que seja utilizada para significar o penhor contratado entre as partes (seja com tradição efetiva do bem empenhado, penhor simples, ou com tradição simbólica do mesmo, ou constituto possessório, em alguns casos do penhor especial) porque, em sendo contratual, “penhor convencional” é nomenclatura que melhor serve à distinção que deve ser feita em relação ao “penhor legal”, pois, este sim, se constitui por ato unilateral do credor, embora sujeito à homologação judicial.

Diz-se tratar-se de direito real de garantia porque o bem empenhado vincula-se ao pagamento do débito por ele garantido (CC, art. 1.419). 

Como se vê, ao atrelar-se à “coisa móvel”, o Código Civil brasileiro, na ideia geral exposta no caput do art. 1.431, não conseguiu dar uma ideia exata do instituto jurídico do penhor, já que o próprio CC/2002 também dispõe sobre penhor de direitos, que são incorpóreos. Melhor fez o Código Civil argentino, Lei n. 340, de setembro de 1869 (Código de Vélez Sarsfield), em cujo artigo 3.204 lê-se que:

“Habrá constitución de prenda cuando el deudor, por una obligación cierta o condicional, presente o futura, entregue al acreedor una cosa mueble o un crédito en seguridad de la deuda”.[1]

O Código de Vélez Sarsfield vigorou na Argentina de 01º de janeiro de 1871 até final de julho do ano de 2015. O dia 01º de agosto de 2015, por força da Ley n.° 27 077, publicada em 19.12.2014, marcou a entrada em vigor do novo “Código Civil y Comercial de la Nación”, cujo artigo 2.219 também traz o crédito no conceito de penhor, além das coisas móveis, in verbis:

“ARTICULO 2219.- Concepto. La prenda es el derecho real de garantía sobre cosas muebles no registrables o créditos instrumentados. (…)”.[2] 

De todo modo, partiremos do Código Civil brasileiro, com os aprofundamentos necessários mais adiante, para dizermos que o penhor simples tem, portanto, as seguintes partes e características:

  1. devedor pignoratício: é o devedor da obrigação principal, que dá a coisa em penhor, embora seja possível, ainda, que o penhor (coisa com ônus real, por isso “onerada”) seja dado por terceiro garantidor;
  2. tradição: o penhor é um contrato real, ou seja, não se finaliza pela mera manifestação de vontade das partes, de modo que é necessária a entrega, ao credor, da coisa empenhada, porque seu perfazimento dá-se com a posse direta (em regra) do objeto da garantia, pelo credor;
  3. existência de débito: o instituto do penhor presta-se à garantia de um crédito, garantia esta prestada ao credor, em seu favor, de modo que só pode haver penhor em havendo débito a ser garantido (“Jus et obligatio sunt correlata”) ou, em outras palavras, o penhor é direito real de garantia que necessariamente dirige-se ao direito de crédito de outrem;
  4. natureza de direito acessório: o penhor, como direito real de garantia, é meramente acessório da obrigação principal (onde encontra-se o débito garantido);
  5. credor pignoratício: é o credor do débito garantido pelo penhor;
  6. bem empenhado: coisa dada em garantia, sem a qual não há penhor.           

O vocábulo “penhor” pode referir-se, veja-se bem, tanto ao direito real de garantia, como ao contrato que serve para constituí-lo, como também à própria coisa empenhado. 

Além do penhor simples, a legislação traz as espécies de penhor.

O penhor rural pode ser penhor agrícola ou penhor pecuário. No penhor agrícola, podem ser objeto de penhor (CC, art. 1.442): I - máquinas e instrumentos de agricultura; II - colheitas pendentes, ou em via de formação; III - frutos acondicionados ou armazenados; IV - lenha cortada e carvão vegetal; V - animais do serviço ordinário de estabelecimento agrícola. No penhor pecuário, podem ser objeto de penhor os animais que integram a atividade pastoril, agrícola ou de lacticínios (CC, art. 1.444). Prometendo pagar em dinheiro a dívida, que garante com penhor rural, o devedor poderá emitir, em favor do credor, cédula rural pignoratícia, na forma determinada em lei especial (CC, art. 1.438, parágrafo único).

No penhor mercantil, podem ser objeto de penhor máquinas, aparelhos, materiais, instrumentos, instalados e em funcionamento, com os acessórios ou sem eles; animais, utilizados na indústria; sal e bens destinados à exploração das salinas; produtos de suinocultura, animais destinados à industrialização de carnes e derivados; matérias-primas e produtos industrializados (CC, art. 1.447, caput). Prometendo pagar em dinheiro a dívida, que garante com penhor industrial ou mercantil, o devedor poderá emitir, em favor do credor, cédula do respectivo crédito, na forma e para os fins que a lei especial determinar (CC, art. 1.448, parágrafo único).

Há também previsão legal do Penhor de Direitos e Títulos de Crédito. Com efeito, podem ser objeto de penhor direitos, suscetíveis de cessão, sobre coisas móveis (CC, art. 1.451). Giovanna Luz Podcameni faz a necessária distinção, de que,

“... o objeto do penhor do título de crédito é o documento representativo do crédito (coisa corpórea) e não os respectivos direitos (coisas incorpóreas), caso em que se tem o penhor de direitos”.[3] 

O penhor de veículos aplica-se aos que sejam empregados em qualquer espécie de transporte ou condução (CC, art. 1.461).

Regra geral, os contratos de penhor (art. 1.424), declararão, sob pena de não terem eficácia: I - o valor do crédito, sua estimação, ou valor máximo; II - o prazo fixado para pagamento; III - a taxa dos juros, se houver; IV - o bem dado em garantia com as suas especificações. São as cláusulas mínimas, obrigatórias para a eficácia do penhor, principalmente em relação a terceiros, mormente no que toca aos direitos do credor, de sequela e preferência, aliando-se o preenchimento de tais requisitos, para tanto, ao necessário registro em cartório, mas as partes não só podem como devem estipular outras cláusulas contratuais que melhor caracterizem a avença.[4] 

O penhor de crédito não tem eficácia senão quando notificado ao devedor; por notificado tem-se o devedor que, em instrumento público ou particular, declarar-se ciente da existência do penhor (CC, art. 1.453).

Não exige o atual Código Civil que o instrumento do penhor simples seja lavrado em duas vias, como fazia o art. 771 do CC/1916.

O instrumento do penhor deverá ser levado a registro, por qualquer dos contratantes; o do penhor comum será registrado no Cartório de Títulos e Documentos (CC, art. 1.432). Tal se dá para obter eficácia contra terceiros, do contrário só valerá entre credor e devedor/terceiro garantidor, sem eficácia erga omnes, de modo que, sem formalidade tal, não se terá direito real, mas apenas obrigacional.[5] 

Constitui-se o penhor de direito mediante instrumento público ou particular, registrado no Registro de Títulos e Documentos (CC, art. 1.452). Já o penhor que recai sobre título de crédito constitui-se mediante instrumento público ou particular ou endosso pignoratício, com a tradição do título ao credor. Como o art. 1.458 dispõe que o penhor de título de crédito se rege pelas Disposições Gerais do Título X do Código Civil, aplica-se a regra geral do art. 1.432. Assim, tanto o penhor de direito como o penhor de título de crédito são levados a registro no Cartório de Títulos e Documentos.

Por outro lado, são registrados no Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição em que estiverem situadas as coisas empenhadas, o penhor rural (CC, art. 1.438), o penhor industrial, ou o mercantil (CC, art. 1.448), independentemente de que tenham sido constituídos por instrumento público ou particular.

O penhor de veículos, por sua vez, é registrado no Cartório de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, com a peculiaridade, adicional, de também ser anotado no certificado de propriedade do bem, também não importando que tenha sido constituído, o penhor, mediante instrumento público ou particular (CC, art. 1.462). 

Na prática jurídica, ocorre ainda o penhor incidente sobre os direitos minerários, emergentes da “Portaria de Lavra” que autoriza que se lavre minério. O Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967 (Código de Mineração) dispõe:

Art. 55. Subsistirá a Concessão, quanto aos direitos, obrigações, limitações e efeitos dela decorrentes, quando o concessionário a alienar ou gravar, na forma da lei.

§ 1º. Os atos de alienação ou oneração só terão validade depois de averbados no DNPM.      (Redação dada pela Lei nº 9.314, de 1996)”

  As referências a atos de gravame e oneração, respectivamente no caput e no § 1º do art. 55, acima transcritos, permitem concluir que é legalmente previsto o penhor incidente sobre os direitos minerários ou, melhor dizendo, sobre os direitos minerários decorrentes da concessão de lavra, desde que conte com averbação junto ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), autarquia federal vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME). Por outro lado, o Código de Mineração dispõe:

Art. 22. A autorização de pesquisa será conferida nas seguintes condições, além das demais constantes deste Código: (Redação dada pela Lei nº 9.314, de 1996)

I - o título poderá ser objeto de cessão ou transferência, desde que o cessionário satisfaça os requisitos legais exigidos. Os atos de cessão e transferência só terão validade depois de devidamente averbados no DNPM;(Redação dada pela Lei nº 9.314, de 1996)”   

Como o Código de Mineração não prevê expressamente a oneração da Autorização de Pesquisa, não é possível o penhor sobre os direitos referentes à mesma, já que não se pode confundir cessão ou transferência (atos obrigacionais) do título pertinente à Autorização de Pesquisa, com o penhor (ônus real) sobre o mesmo.

Tramita, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 3403/2012, da Deputada Federal Sandra Rosado, que dispõe  sobre  a  oneração  de  direitos minerários, e dá outras providências, estando atualmente apensado ao PL 37/2011, do Deputado Federal Welinton Prado.

Também tramita na Câmara dos Deputados o PL 723/2015, do Deputado Federal Giacobo, que pretende inserir o inciso VI no art. 1.442 do CC/2002, para expressa previsão do cabimento do penhor de madeira, produtos madeireiros e demais produtos   da floresta plantada. Anteriormente, pelo PL 83/2011 (arquivado), de autoria do Deputado Federal Bernardo Santana de Vasconcellos, já se havia tentado algo semelhante.[6] 

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O penhor legal dá-se, como o nome já diz, por força de lei, isto é, independentemente de convenção (CC, art. 1.467, caput),[7] em favor dos hospedeiros ou fornecedores de pousada ou alimento, sobre as bagagens, móveis, joias ou dinheiro que os seus consumidores ou fregueses tiverem consigo nas respectivas casas ou estabelecimentos, pelas despesas ou consumo que aí tiverem feito (CC, art. 1.467, inciso I) ou, ainda, em favor do dono do prédio rústico ou urbano, sobre os bens móveis que o rendeiro ou inquilino tiver guarnecendo o mesmo prédio, pelos aluguéis ou rendas (CC, art. 1.467, inciso II). [8] 

Em cada um desses casos, o credor poderá tomar em garantia um ou mais objetos até o valor da dívida (CC, art. 1.469), devendo o credor requerer, ato contínuo, a homologação judicial do penhor (CC, art. 1.471).[9] 

De todo modo, é expressa a letra da lei ao permitir, no penhor legal, que os credores compreendidos no art. 1.467 do Código Civil possam fazer efetivo o penhor, antes de recorrerem à autoridade judiciária, sempre que haja perigo na demora, dando aos devedores comprovante dos bens de que se apossarem (CC, art. 1.470). 

Especificamente no caso do locatário, o CC/2002 dispõe ainda que este pode impedir a constituição do penhor, oferecendo caução idônea ao credor (CC, art. 1.472).[10] 

O “penhor” é instituto do Direito Civil, não se confunde com “penhora”, instituto do Direito Processual Civil. Ambos garantem o crédito, mas é necessário fazer distinções propedêuticas, pois o penhor decorre do negócio jurídico pelo qual se constitui, sendo prática extrajudicial,[11] incidindo (geralmente) sobre coisa móvel, enquanto a penhora é ato judicial que pode recair sobre quaisquer bens do executado, móvel ou imóvel, inclusive, em havendo o ônus real, sobre o próprio bem oferecido em penhor e excutido pelo credor.[12] 

Entretanto, como dito, tais são distinções propedêuticas, que facilitam o uso das regras jurídicas em situações do cotidiano, mormente no direito brasileiro. Numa visão mais aprofundada, não se deve olvidar que a penhora é, em essência, penhor. É que, além do “penhor convencional”, pactuado entre as partes, e o “penhor legal”, que se opera ex vi legis, como vimos acima, aceitos no direito brasileiro, existe ainda, no direito comparado, o instituto do “penhor judicial”, traduzido na penhora. Com efeito, no direito romano o penhor judicial era a penhora, e o mesmo se dá no atual direito alemão, onde, pela penhora, o credor adquire um direito de garantia pignoratícia sobre as coisas penhoradas, caracterizando-se uma terceira forma do direito do penhor, ao lado da convencional e legal.[13] Tal é estipulado no Código de Processo Civil alemão (Zivilprozessordnung, ZPO, Seção 804, I), in verbis:

“Durch die Pfändung erwirbt der Gläubiger ein Pfandrecht an dem gepfändeten Gegenstande.”[14]

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Sobre o autor
Thiago Cássio D'Ávila Araújo

Procurador Federal da Advocacia-Geral da União (PGF/AGU) em Brasília/DF. Foi o Subprocurador Regional Federal da Primeira Região (PRF1). Ex-Diretor Substituto e Ex-Diretor Interino do Departamento de Contencioso da Procuradoria-Geral Federal (DEPCONT/PGF), com atuação no STF e Tribunais Superiores; Ex-Coordenador do Núcleo de Assuntos Estratégicos do Departamento de Contencioso da Procuradoria-Geral Federal (NAEst/DEPCONT/PGF); Ex-Coordenador-Geral de Matéria Finalística (Direito Ambiental) e Ex-Consultor Jurídico Substituto da Consultoria Jurídica do Ministério do Meio Ambiente (CONJUR/MMA); Ex-Consultor Jurídico Adjunto da Matéria Administrativa do Ministério da Educação (MEC); Ex-Assessor do Gabinete da Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça. Desempenhou atividades de Procurador Federal junto ao Instituto Brasileiro de Turismo (EMBRATUR), junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), dentre outras funções públicas. Foi também Conselheiro Titular do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN/2001) e Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB/2010). Em 2007, aos 29 anos, proferiu uma Aula Magna no Supremo Tribunal Federal (STF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Thiago Cássio D'Ávila. Do penhor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4653, 28 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47617. Acesso em: 19 abr. 2024.

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