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A consolidação como técnica de simplificação e organização da legislação municipal

31/03/2016 às 10:13
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O fenômeno do crescimento vegetativo de leis é uma realidade nacional. É imprescindível que as câmaras municipais se dediquem a simplificar e organizar a legislação vigente.

SUMÁRIO: Introdução – 1 O fenômeno do crescimento vegetativo de leis - 2 As consequências negativas do crescimento vegetativo de leis - 3 O dever de avaliação periódica do ordenamento jurídico municipal – 4 A necessidade de criação de estrutura permanente - 5 A técnica de consolidação das leis – 6 O fundamento jurídico da técnica de consolidação – 7 Os objetivos de consolidar as leis - 8 A tarefa de consolidação – 9 As técnicas e os métodos de consolidação – 10 O procedimento sugerido para consolidação das leis – 11 A competência para propor o projeto de lei de consolidação - 12 Espécies de projeto de lei de consolidação – 13 O processo legislativo de consolidação de leis – 14 As alterações promovidas pelo projeto de consolidação - 15 A necessidade de atuação das Câmaras Municipais – 15 Considerações finais.


INTRODUÇÃO

Há no Brasil um fenômeno legislativo bastante preocupante e negativo: o crescimento vegetativo de leis. O nascimento de leis é infinitamente superior a sua revogação. Trata-se da multiplicação de normas jurídicas. O legislador brasileiro intromete-se na regulação de tudo. Qualquer tema é objeto de produção de norma jurídica. 

Isso transforma o nosso ordenamento jurídico federal, estadual e municipal num verdadeiro “entulho” legislativo. É necessário enfrentar esse dilema nacional mediante a utilização da técnica da consolidação de leis. Assim, em função da importância do tema, bem como da sua evidente atualidade, foi empreendido o presente estudo, visando estabelecer as diretrizes gerais acerca da referida técnica.

1. O FENÔMENO DO CRESCIMENTO VEGETATIVO DE LEIS

No Brasil, temos um fenômeno que afeta diretamente o ordenamento jurídico nacional, que é o crescimento vegetativo de leis. Isto implica a multiplicação de normas jurídicas. Há uma produção excessiva de leis no País . O legislador, independente da esfera federativa, procura legislar sobre tudo. Buscam-se disciplinar, por meio de leis, todos os fenômenos da vida. Muitas normas jurídicas são motivadas por comoções passageiras ou destinam-se a regular situações circunstanciais.

Em função desse fenômeno legislativo, há um sério risco de o ordenamento jurídico ser transformado num verdadeiro entulho legislativo. Por isso, é fundamental adotar a prática de mecanismos permanentes de revisão legislativa, visando combater o crescimento vegetativo de leis. 


2. AS CONSEQUÊNCIAS NEGATIVAS DO CRESCIMENTO VEGETATIVO DE LEIS 

O excesso de leis cria uma série de consequências negativas para os destinatários das normas jurídicas, além de um ambiente de grave insegurança jurídica. O destinatário da norma jurídica tem dificuldade em saber o que está ou não em vigor. Também afeta diretamente a competitividade do País, pois para o cumprimento da legislação, há um elevado custo financeiro decorrente do esforço para saber o que a lei considera regular ou irregular. 

A enorme quantidade de leis existentes no ordenamento jurídico nacional causa um enorme desprestígio da lei. Como não se sabe, na maioria das vezes, qual a norma em vigor, isto afeta seu prestígio. 

A enorme quantidade de leis existentes acaba também prejudicando a qualidade da legislação como um todo. Verificam-se, no ordenamento jurídico nacional, muitos problemas, tais como o conflito de normas jurídicas que tratam do mesmo assunto; revogações implícitas; leis inconstitucionais. Tudo isso afeta diretamente a qualidade da legislação existente no ordenamento jurídico.

O crescimento vegetativo de leis transforma em lenda a presunção de que “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece” (art. 3º, do Decreto-Lei n. 4657, de 4 de setembro de 1942). É impossível o destinatário das normas jurídicas conhecê-las na sua integralidade, pois a quantidade de normas jurídicas existentes inviabiliza seu conhecimento.


3. O DEVER DE AVALIAÇÃO PERIÓDICA DO ORDENAMENTO JURÍDICO MUNICIPAL

O legislador municipal possui o dever constitucional de realizar avaliação periódica do ordenamento legal. O propósito desse trabalho legislativo é identificar normas jurídicas que podem ser extraídas do conjunto normativo vigente. Nessa avaliação, que deve ser feita de forma periódica e permanente, o legislador deverá eliminar do ordenamento jurídico normas legais desnecessárias e conflitantes, mediante revogação. 


4. A NECESSIDADE DE CRIAÇÃO DE ESTRUTURA PERMANENTE 

Para efetivação da avaliação periódica do ordenamento jurídico municipal, é fundamental a criação de uma estrutura exclusivamente dedicada a simplifica-lo e organizá-lo. O ideal é a criação de uma comissão técnica permanente para exercer essa elevada missão institucional. Essa estrutura deve ser autônoma e eminentemente técnica. 

O Poder Legislativo Municipal precisa adotar essa política de simplificação legislativa de forma contínua. Deve adotá-la como uma política institucional, que será executada independentemente de quem esteja na presidência do Poder Legislativo Municipal. 


5. A TÉCNICA DE CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS

É dever do legislador, conforme dito nos tópicos anteriores, simplificar e organizar o ordenamento jurídico municipal. Para tanto, poderá utilizar-se da técnica de consolidação de leis. Esta técnica visa a coleta, conjugação e sistematização formal das leis em vigor, sem alterações substanciais (de conteúdo). 

A consolidação consistirá na integração de todas as leis pertinentes a determinada matéria num único diploma legal, revogando-se formalmente as leis incorporadas à consolidação, sem modificação do alcance nem interrupção da força normativa dos dispositivos consolidados (artigo 13, § 1º, da Lei Complementar n. 95/1995). 

Pela técnica da consolidação, será possível extinguir dispositivos repetitivos, contraditórios, sobrepostos e desatualizados, dessa forma dirimindo dúvidas sem a alteração do conteúdo das leis consolidadas .


6. O FUNDAMENTO JURÍDICO DA TÉCNICA DE CONSOLIDAÇÃO

A técnica de consolidação das leis possui previsão constitucional. A Constituição Federal previu, em seu artigo 59, parágrafo único, a iniciativa de lei complementar sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis. Cumprindo a exigência constitucional, o Congresso Nacional editou a Lei Complementar n. 95/1998, estabelecendo normas gerais e definindo padrões para o atendimento daquele comando constitucional. Os artigos 13 e seguintes da referida Lei Complementar tratam especificamente da técnica de consolidação . 


7. OS OBJETIVOS DE CONSOLIDAR AS LEIS

Os objetivos da consolidação de leis são:

a) evitar problemas causados por textos dispersos e contraditórios; 

b) eliminar conceitos ultrapassados; 

c) revisar e organizar as normas sobre uma mesma matéria, condensando-a em uma só lei; 

d) garantir ao cidadão maior compreensão das leis. 

A consolidação confere unidade, simplicidade e coerência ao conjunto da legislação. Por isso, é fundamental que o legislador implemente, no âmbito do Poder Legislativo, a referida política pública.


8. A TAREFA DE CONSOLIDAÇÃO 

É tarefa permanente do legislador municipal a ordenação, depuração e incorporação, num ato legislativo unitário, das normas jurídicas preexistentes aprovadas pelo Poder Legislativo sobre dada matéria em épocas diversas.


9. AS TÉCNICAS E OS MÉTODOS DE CONSOLIDAÇÃO 

O legislador municipal terá que adotar técnicas e métodos de consolidação. Devem ser definidos alguns critérios mínimos que embasarão a tarefa de elaboração do texto de consolidação. Terá que utilizar as ferramentas da legística para construir o texto consolidado, além de preparar e avaliar o impacto dos projetos de revogação. O trabalho do legislador atingirá a sua finalidade caso sejam utilizados de forma adequada as técnicas e os métodos de consolidação.


10. O PROCEDIMENTO SUGERIDO PARA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS

O Poder Legislativo precisa adotar um procedimento eficaz para a consolidação das leis. Sugerem-se algumas etapas que, caso adotadas, implicarão a produção dos projetos de leis consolidadoras. 

São as seguintes etapas: 

a) levantamento e identificação física das leis; 

b) informatização de todas as leis; 

c) mapeamento da legislação; 

d) identificação das leis (caráter pessoal, vigência esgotada, impessoais, e de caráter geral); 

e) definição dos eixos temáticos estruturadores; 

f) sistematização (aplicação do filtro temático); 

g) identificação da lei matriz por eixos temáticos; 

h) montagem dos quadros analíticos; 

i) estudos e comparação de dispositivos legais vigentes; 

j) recepção, na lei matriz, de dispositivos legais periféricos; 

k) elaboração dos projetos de leis consolidadoras; e

l) abertura do processo legislativo das leis consolidadoras.


11. A COMPETÊNCIA PARA PROPOR O PROJETO DE LEI DE CONSOLIDAÇÃO 

A iniciativa para a propositura do projeto de lei de consolidação é comum. Não há vício de iniciativa. A Mesa Diretora, um Vereador ou o Chefe do Poder Executivo pode propor o referido projeto, cabendo sempre à Câmara Municipal a análise e, se for o caso, aprovação.


12. ESPÉCIES DE PROJETO DE LEI DE CONSOLIDAÇÃO 

Pode ser admitido projeto de lei de consolidação destinado exclusivamente a:

a) declaração de revogação de leis e dispositivos implicitamente revogados ou cuja eficácia ou validade encontre-se completamente revogada; e

b) inclusão de dispositivos ou diplomas esparsos em leis preexistentes, revogando-se as disposições assim consolidadas.  


13. PROCESSO LEGISLATIVO DE CONSOLIDAÇÃO DE LEIS

É fundamental que o legislador municipal trate, no Regimento Interno, o tema da consolidação de leis. Deve existir disposição normativa regimental regulando a temática. No texto regimental, deverão ser regradas as seguintes etapas do processo legislativo de consolidação: 

a) fixação de iniciativa comum (Mesa Diretora, Vereador ou Chefe do Poder Executivo Municipal); 

b) início do processo legislativo (protocolo e publicidade); 

c) inclusão no expediente e pauta; 

d) submissão à Comissão de Constituição e Justiça , à qual poderão ser apresentadas, pelos Vereadores, emendas aditivas ou supressivas; 

e) encaminhamento à Comissão de Mérito, para análise e parecer; 

f) publicidade do Parecer e da Ordem do Dia; 

g) Ordem do Dia (discussão e votação); 

h) Parecer de redação final pela CCJ; 

i) Sanção ou veto; 

j) Promulgação e publicação.

Estas são etapas obrigatórias do processo legislativo para consolidação de leis. A supressão de uma delas poderá implicar violação ao devido processo legislativo.


14. AS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELO PROJETO DE CONSOLIDAÇÃO

As alterações promovidas em função dos projetos de consolidação podem resultar em modificações sistemáticas: 

a) novas divisões de nível superior aos artigos (seções, capítulos, títulos, partes), conforme a multiplicidade de textos a consolidar; 

b) nova organização de artigos, incisos, parágrafos e alíneas; 

c) reformulação das remissões em função da nova sistemática adotada pelo texto único; 

d) fusão de todas as disposições repetidas ou de valor normativo semelhante; 

e) supressão de artigos declarados inconstitucionais pelo STF; 

f) indicação de dispositivos não recepcionados pela Constituição Federal; 

g) declaração expressa de revogação de dispositivos implicitamente revogados por leis posteriores; 

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h) eliminação dos comandos desnecessários relativos à definição de início da vigência de cada instrumento, à supressão de determinações que perderam o sentido semântico, a determinações transitórias.

As alterações promovidas em função dos projetos de consolidação também podem resultar em modificações de linguagem: 

a) correção de erros materiais; 

b) ajuste de imprecisões; 

c) padronização geral da grafia; 

d) explicitação, quando necessária, de siglas; 

e) padronização das formas de citação; 

f) atualização das denominações de órgãos e entidades da Administração Pública; 

g) eliminação de imprecisões pelo saneamento da pontuação; 

h) atualização de penas pecuniárias, com base em indexação padrão.

Portanto, o projeto de consolidação pode resultar em alterações sistemáticas e de linguagem, tudo com o propósito de simplificar e organizar o ordenamento jurídico municipal. 


15. A NECESSIDADE DE ATUAÇÃO DAS CÂMARAS MUNICIPAIS

Há urgência na adoção, pelas Câmaras Municipais, de uma política pública de consolidação das leis municipais. A organização do ordenamento jurídico municipal deve fazer parte de um programa legislativo definido formalmente. Devem ser estabelecidas metas, cronogramas e indicações de desempenho, visando a efetivação da referida política pública municipal, além de definidos os responsáveis pela realização da consolidação. 

Esse processo legislativo organizador deve ser institucionalizado, permanente, autônomo, e fazer uso do ferramental científico já disponível. Tudo isso visa eliminar dos ordenamentos jurídicos municipais leis obsoletas, colidentes entre si ou inconstitucionais. Essas anomalias legislativas devem ser extirpadas da ordem jurídica municipal. O beneficiário direto desta atividade legislativa serão sempre os destinatários das normas jurídicas municipais.  

É recomendável o estabelecimento de parcerias técnicas com entidades privadas, para que estas contribuam para o trabalho de reunião, indexação, digitalização, conferência, comparação e rearranjo de centenas de dispositivos normativos esparsos.


16. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O fenômeno do crescimento vegetativo de leis é uma realidade nacional. Há um excesso de produção de normas jurídicas. Por isso, é imprescindível que as Casas Legislativas Municipais criem uma estrutura interna exclusivamente dedicada a simplificar e organizar a legislação vigente. Os Poderes Legislativos precisam adotar essa política de simplificação legislativa de forma permanente, eliminando do ordenamento jurídico, mediante a utilização das técnicas de consolidação, todas as leis desnecessárias e caducas. 

As Câmaras Municipais não podem deixar de lado a consolidação das leis. Este é um processo permanente de atualização e visa garantir ao cidadão maior compreensão das leis, propiciando, assim, leis concisas, transparentes e de fácil consulta. Por isso, é vital que os órgãos legislativos assumam essa tarefa com eficiência e elevado interesse público.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Congresso Nacional. Lei Complementar n. 95/1998. Disponível em: <http:www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 21 jan. 2016.

_____. Congresso Nacional. Lei Complementar n. 107/2001. Disponível em: <http:www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 21 jan. 2016

LOPES, Flávia Cristina de Araújo. As dificuldades do Processo Legislativo de Consolidação das Leis. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Disponível em: <http:www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 12 jan. 2016.

MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Ordenamento Jurídico Brasileiro. Revista Jurídica. Presidência da República. Brasília, vol. 1, n. 3, julho de 1999.

MENDES, Gilmar Ferreira. O Ordenamento Jurídico Brasileiro e o Instituto da Consolidação. Revista Jurídica. Brasília, v. 1, maio de 1999, p. 66.

RIZEK JUNIOR, Rubens Naman. O Processo de Consolidação e Organização Legislativa. Tese de Doutorado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP. São Paulo: USP, 2009.

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Sobre o autor
Noel Antônio Baratieri

Mestre em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC; Especialista em Direito Administrativo pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina – CESUSC/Florianópolis; Bacharel em Direito pela UFSC. Advogado inscrito na OAB/SC sob o n. 16462; Membro Fundador e Ex-Diretor Executivo do Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina – IDASC; Autor dos livros “Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça de Santa Catarina” e “Serviço Público na Constituição Federal” e de trabalhos acadêmicos publicados em revistas especializadas; Professor universitário em cursos de Pós-Graduação em Direito Administrativo promovidos pela Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC/Joaçaba; foi Professor de Direito Administrativo da Universidade Bandeirante de São Paulo – UNIBAN/São José; Professor dos cursos de atualização e aperfeiçoamento do Portal Gestão Pública Online, nas áreas de Licitações e Contratos Administrativos e de Processo Legislativo; Consultor do Portal Gestão Pública Online; Advogado; Sócio do Escritório Baratieri Advogados Associados e Presidente da Empresa Gestão Pública Online.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARATIERI, Noel Antônio. A consolidação como técnica de simplificação e organização da legislação municipal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4656, 31 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47760. Acesso em: 19 abr. 2024.

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