3 A IMUNIDADE FISCAL COMO FORMA DE SALVAGUARDAR A LIBERDADE DE CULTO
A imunidade Fiscal é um preceito constitucional criado com o intuito de salvaguardar direitos fundamentais dos indivíduos. Posto que impede que o Estado utilizando-se do seu poderio, interfira nos ditames religiosos.
Dessa forma, quando a Magna Carta estabelece em seu art. 150, VI, b, que os templos religiosos são imunes a cobrança de impostos, em verdade estará garantido que estes possam exercer livremente o seu culto sem o controle dos entes políticos. Assim, estabelecida a imunidade aos templo de qualquer culto, estará protegido o preceito constitucional da Liberdade Religiosa (art. 5º, VI, da CF/88).
À vista disso, salienta-se, que por ser uma norma constitucional não aceita a produção de leis ou decretos que contrariem seu ditames, sob pena de se tornar inconstitucional.
3.1 A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E SUA NATUREZA JURÍDICA
A imunidade fiscal funciona como limitador da competência tributária, a partir do momento em que proíbe que entes políticos (União, Estado e Municípios, além do Distrito Federal) estipulem tributos, seja sobre pessoas e coisas ou determinados fatos e práticas. Nesse viés preconizam Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:
[...] pode-se afirmar, simplificadamente, que caracteriza a imunidade o fato de a Constituição, diferentemente, excluir parcela da competência das pessoas políticas que, não fosse a regra imunizante, estariam aptas a instruir tributo sobre aquele ato ou fato (2005, p.116).
À vista disso, a imunidade fiscal promove certa liberdade aos contribuintes de cumprirem com as obrigações previstas no âmbito tributário, já que impossibilita os entes políticos competentes, que, por sua vez, possuem a prerrogativa de estabelecerem os tributos, sua incidência e características, de realizar a tributação (SABBAG, 2011, p. 282). Nesse caso leciona Roque Antonio Carrazza:
[...] as pessoas políticas somente podem criar os tributos que lhe são afetos se os acomodarem aos respectivos escaninhos constitucionais, construídos pelo legislador constituinte com regras positivas (que autorizam tributar) e negativas (que traçam os limites materiais e formais da tributação) (2011, p. 771).
Desse modo, não há uma supressão da competência tributária, visto que esta não chegou a existir para os entes políticos nos casos em que a imunidade foi prevista pela Constituição. A norma imunizadora, portanto, assume um caráter ambíguo, pois ao mesmo tempo em que institui uma delimitação ao poder de tributar do Estado, outorga ao contribuinte o direito de exercerem determinadas atividades sem a interferência tributária. Esse direito, por sua vez, é estabelecido por Eduardo Sabbag como sendo um direito público subjetivo.
Observa-se, assim, um interessante “efeito reflexo”, resultante da norma que imuniza a tributação: ela, de um lado, impede que a entidade impositora avance no mister tributacional em detrimento da pessoa ou situação protegidas e, de outro, confere aos beneficiários um direito publico subjetivo de não serem incomodados pela via do tributo (2001, p. 283).
Dessa forma, por ser uma garantia constitucional, a imunidade fiscal não pode ser contestada por leis, decretos ou até mesmo por emendas constitucionais, tendo em vista seu caráter de direito fundamental. Nesse sentido, determina Eduardo Sabbag:
Para o STF, as imunidades e os princípios tributários são limitações constitucionais ao poder de tributar, ganhando a estatura de cláusulas pétreas– limites não suprimíveis por emenda constitucional, uma vez asseguradores de direitos e garantias individuais (art. 60, § 4°, IV, CF), aptos ao resguardo de princípios, interesses e valores, tidos como fundamentais pelo Estado (2011, p. 284).
Justamente neste ponto é que as Imunidades se diferenciam das Isenções. Enquanto as primeiras estão relacionadas a direito fundamentais e determinam a incompetência tributária dos entes políticos responsáveis pela criação, implementação e coleta dos tributos, as Isenções estão atreladas, tão somente, à aplicação da competência tributária; isto é, poderá a União, o Estado, o Município ou Distrito Federal estabelecer com base em determinadas situações a isenção de tributação com o fulcro de beneficiar o cidadão, por exemplo.
Nessa esteira pode-se citar a isenção do IPI concedida pela Lei Federal nº 8.989 de 24 de fevereiro de 199524 sobre veículos automotivos, desde que estes sejam adquiridos por taxistas ou deficientes físicos (ALEXANDRINO; PAULO, 2005. p. 92) com o intuito de por um lado, facilitar a locomoção daqueles que são detentores de alguma deficiência física, como também incentivar o consumo destes bens por aqueles que os utilizam como instrumento de trabalho.
Noutro ponto, deve-se ter em conta que a imunidade, ao ser analisada, pode assumir mais de uma perspectiva. Em seu sentido mais amplo assume o caráter de incompetência tributária estabelecendo que qualquer ato normativo que a contrarie está suscetível de vir a tornar-se inconstitucional.
De outro modo, de forma mais restrita, há a concepção de imunidade como norma constitucional que prevê explicitamente a impossibilidade dos entes políticos de tributarem levando em consideração a atividade exercida pelo contribuinte, a sua natureza jurídica ou se estas atividades estão ligadas a bens, fatos ou situações.
Corroborando com este pensamento o doutrinador Roque Antonio Carrazza afirma que “tanto em sua acepção ampla como na restrita, a expressão “imunidade tributária” alcança, em princípio, quaisquer tributos: impostos, taxas e contribuição de melhoria” (2011, p. 784).
Não obstante, o art. 150, VI da CF/88 revela a impossibilidade de que os Estados, municípios, União e o Distrito Federal arrecadem impostos dos indivíduos, seja pessoa física ou jurídica, que correspondam às regras dispostas em suas alíneas25.
Dado o conceito de imunidade fiscal é ponderoso exprimir que esta se classifica em objetiva e subjetiva. É acolhida como objetiva quando a norma imunizante incide sobre bens e operações, ao passo que a subjetiva é entendida no que se refere a pessoas ou entidades. Nessa situação, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo asseveram que “das imunidades a impostos inscritos neste inciso VI do art. 150 da Constituição, são subjetivas as previstas nas alíneas ‘a’, ‘b’, ‘c’ e objetiva a descrita na alínea ‘d’ “ (ALEXANDRINO; PAULO, 2005, p. 117).
Há, ainda, segundo doutrinadores como Kiyoshi Harada, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, outra classificação da imunidade, que se relaciona com a anteriormente citada. Com efeito, concluem esses autores que a imunidade pode ser definida como recíproca, genérica e específica.
Por conseguinte, infere-se, grosso modo, por imunidade recíproca como aquela que inabilita um ente político de instituir tributos sobre outro ente partícipe de um mesmo Estado. Representa, por assim dizer, “um fator indispensável á preservação institucional das próprias unidades integrantes da Federação” (ALEXANDRINO; PAULO, 2005, p. 118).
Outrossim, caracteriza-se, de fato, por ser uma imunidade que veta a cobrança, mútua, de impostos sobre o patrimônio destes entes, assim como a renda percebida por eles. Diante disso, Kiyoshi Harada defende que a imunidade recíproca está expressa no art. 150, VI, “a” da CF/88 (HARADA, 2011, pp. 375-376).
As normas imunizadoras genéricas reportam-se a todos os impostos, implicando desta maneira na totalidade prevista no art. 150 da CF/88. As imunidades específicas, por sua vez, estipulam a impossibilidade de coleta de determinados impostos.
Contudo, é importante salientar que a imunidade não está restrita aos impostos como a priori pode ser entendido após análise do referido artigo da Constituição Federal de 1988.
Evidentemente, uma maior percepção da Carta Magna possibilita atentar que as taxas também são suscetíveis de imunidades, como é possível observar nas seguintes normas constitucionais: 1) art. 5º, XXXIV “a” e “b”; LXXIII; LXXIV; LXXVI, “a” e “b”;LXXVII26; 2) o art. 203, caput27; 3) o Art. 208, I28; 4) o art. 226, § 1º29; e 5) o art. 230, § 2º30.
E, como a imunidade fiscal refere-se a tributos e este, segundo a constituição, engloba não apenas impostos e taxas, mas também contribuições de melhoria31, nada impede que a constituição preveja, a qualquer momento, imunidades referentes a essas contribuições.
Entretanto, é sabido que, em sua maioria, a imunidade está relacionada a impostos e é nesse sentido que o art. 150, VI, alíneas “a”, “b”, “c” e “d”, da CF/88, preconiza os casos em que a norma imunizante irá atuar.
Dessa maneira, prevê em sua alínea “a” que aqueles que gozam da competência tributária não poderão recolher impostos sobre patrimônio, renda de forma recíproca. A alínea “c” observa a interdição de embolsar impostos sobre “o patrimônio e a renda dos partidos políticos, suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social”, desde que seja respeitada a finalidade essencial destas instituições.
No que concerne a alínea “d”, há por trás desta imunidade a intenção de promover um estímulo “à cultura em geral e garantir a livre manifestação do pensamento e de direito de crítica” (HARADA, 2011, p.383) desde o momento que determina ser inexequível a arrecadação de impostos sobre periódico, livros, jornais, como também o papel para sua impressão.
Por fim, na alínea “c” está a previsão de que os entes políticos estão proibidos de instituírem, bem como de cobrarem impostos aos templos de qualquer culto.
A discussão ora debatida se mostra tão relevante que inclusive é, atualmente, objeto de projeto de Lei. Nesse sentido, foi aprovado, em 12 de junho de 2013, pela CAS do Senado Federal, o projeto de Lei nº. 160 de 2009, elaborado pela Câmara dos Deputados. Tal projeto, defende o tratamento igualitário às religiões, independentemente da sua crença.
No que tange a imunidade tributária, o referido projeto não propõe uma profundidade do tema, mas ratifica a concepção de que todas as religiões deverão gozar dos direitos que lhe são assegurados, como é o caso da imunidade Fiscal (art. 4º projeto de Lei 160/09).
Entretanto esse projeto de Lei ainda tramita no Congresso Nacional, sob grande resistência dos movimentos religiosos, por entenderem ser esta uma tentativa do Estado de interferir na liberdade de manifestação dos cultos. O projeto, por sua vez, ainda deverá ser apreciado pela plenária do Senado Federal, onde será colocado sob votação. Assim, para uma maior compreensão de todos os assuntos defendidos nesse projeto, encontra-se disponível o projeto em sua íntegra, no anexo A.
Diante o exposto, percebe-se que a imunidade tributária foi instituída, sim, como forma de abalizar a competência tributária dos entes políticos, mas acima de tudo com a finalidade de proteger e/ou garantir questões essenciais à sociedade. Como bem assevera Eduardo Sabbag: “a norma imunizante, burilada pelo legislador constituinte, em nome do “cidadão destinatário”, visa preservar valores políticos, religiosos, sociais e éticos, colocando a salvo da tributação certas situações e pessoas (físicas e jurídicas)” (2011, p. 281).
3.2 A IMUNIDADE FISCAL AOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO
A imunidade fiscal aos templos de qualquer culto está prevista no art. 150, VI, “b” da CF/88, como sendo uma extensão do preceito constitucional da liberdade religiosa – mencionado no Art. 5º, VI, da CF/88, in verbis:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
Assim sendo, tendo em vista a relação que a religião tem com a sociedade, foi de extrema importância estabelecer normas jurídicas que limitam esta relação, com o escopo de salvaguardar a liberdade de crença. Nesse sentido, é que foram criadas as imunidades aos templos de qualquer culto.
Importante ressaltar, entretanto, que o termo “templo” presente na alínea “b” do inciso VI, do art. 150 da CF/88, não está compreendido apenas como edifícios onde são realizados os cultos religiosos, mas todos os lugares em que estes são praticados, bem como tudo aquilo que atenda a finalidade essencial dos templos. Destarte, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo atentam que:
Esta alínea deve ser interpretada em conjunto com a regra do § 4º do art.150. Embora aqui haja referência apenas a templos, o mencionado parágrafo fala em “entidades”, o que leva ao entendimento de que é a entidade religiosa como um todo, e não apenas seus templos, fisicamente considerados, que goza de imunidade. Em outras palavras, esta imunidade é considerada subjetiva, conferida à entidade religiosa, e não apenas ao templo físico. Estão abrangidas pelo conceito quaisquer crença (CF, art. 5º, VI) excluídas do conceito de religião somente aquelas seitas (ilegais) em que haja violação dos direitos humanos, como prática de sacrifícios em seitas de culto ao demônio (2005, p. 119).
Nesse sentido, estará imune de impostos tanto o edifício no qual estão sendo realizados os ritos religiosos, bem como, por exemplo, o veículo automotivo adquirido, exclusivamente, para atender às necessidades dos templos.
Dessa forma, se o culto for realizado em um edifício na área urbana de uma cidade não será cobrado deste o IPTU – que é um imposto municipal cobrado sobre a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóveis situados no perímetro urbano. Ademais, se realizado em uma casa ou terreno na zona rural, não será cobrado o ITR – cuja cobrança é estabelecida pela União sob terrenos localizados nesta área.
Em se tratando do templo adquirir um veículo automotivo para atender e viabilizar os cultos, o mesmo, da mesma forma, não irá arcar com o IPVA – que é um imposto de competência do Estado que incide sobre todos os veículos automotivos (grande e pequeno porte). A respeito das doações para os templos o imposto incidente, o ITIV também não será cobrado, desde que esta doação seja revertida para a manutenção e/ou propagação do culto religioso.
Diante disso, desde que atendam a finalidade essencial dos templos, as atividades exercidas não afastarão a imunidade fiscal.
Por outro lado, torna-se necessário sustentar que a atividade exercida pelos templos de qualquer culto não poderá ter como finalidade essencial algo diverso da liberdade de culto, pois não estaria atendendo o propósito da imunidade fiscal, previsto no art. 5, VI, da CF/88.
No § 4º do Art. 150, VI, da CF/88, há uma dilatação à vedação da cobrança de impostos aos templos de qualquer culto, quando assevera que as vedações expressas no inciso VI, alíneas (b) e (c), compreendem o patrimônio, a renda e os serviços, desde que relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas, que no caso dos templos, é salvaguardar a liberdade religiosa.
Por conseguinte, não há como considerar a exploração de uma atividade mercantil, por exemplo, como sendo algo relacionado à liberdade de culto, posto que a finalidade essencial desta exploração é o lucro. Diante disso, percebe-se que o não exercício desta atividade em hipótese alguma irá constranger a livre manifestação religiosa.
No que diz respeito ao desvio desta finalidade, Kiyoshi Harada em seu livro “Direito Financeiro e Tributário”, deduz:
Os atos de mercancia praticados por algumas seitas, ainda que disfarçadamente, e que contribuem para erguer rios e montanhas de dinheiro com a inocência de seus fiéis, não podem continuar à margem da tributação sob pena de ofensa ao princípio da isonomia tributária. A constituição Federal de 1988 só coloca sob a proteção da imunidade o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais dos templos (§ 4º do art. 150). Não estende o beneficio às atividades decorrentes de finalidades essenciais [...]. Isto quer dizer que determinado prédio de propriedade de uma igreja, que não esteja sendo utilizado para fins religiosos, sujeita-se, por exemplo, à incidência do IPTU, não importando saber se o produto do aluguel desse prédio está ou não sendo aplicado na consecução da finalidade religiosa” (2011, p. 379).
Nesse diapasão, deve-se entender que a concessão da imunidade tributária está interligada ao atendimento da sua finalidade, que é proteger e garantir a liberdade de culto. Assim, qualquer objetivo diverso, não pode ser norteado pela previsão constitucional imunizadora.