O vício de inconstitucionalidade por quebra de decoro parlamentar e sua configuração na aprovação da Emenda Constitucional nº 41/2003

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O presente trabalho tratará sobre a suposta inconstitucionalidade da EC n° 41/2003 decorrente de vício de quebra de decoro parlamentar, com enfoque nas ADIs 4887, 4888 e 4889, que aguardam julgamento no STF, que se manifestará pela 1ª vez sobre esse vício.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Controle de Constitucionalidade e seus elementos identificadores. 2.1 Definição e relevância para o ordenamento jurídico. 2.2 Classificações e suas espécies normativas: breves considerações. 2.3 Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.3.1 Conceito. 2.3.2 Elementos essenciais do controle de constitucionalidade via ADI. 2.3.3 Objeto da Ação. 2.3.4 Procedimento da ADI. 2.3.5 Controle de constitucionalidade das Emendas Constitucionais. 3 Dever de decoro parlamentar e o controle de constitucionalidade decorrente de sua ausência. 3.1 Conceito de decoro parlamentar. 3.2 Princípios ofendidos pela quebra do decoro parlamentar. 3.3 Hipóteses de quebra de decoro parlamentar. 3.4 Das penalidades aplicáveis por conduta violadora do dever de decoro. 4. Discussão acerca da Inconstitucionalidade da EC nº 41/2003 por vício de decoro parlamentar – ADIs nº 4887, 4888 e 4889. 4.1 Análise da ADI nº 4887. 4.2 Análise da ADI nº 4888. 4.3 Análise da ADI nº 4889. 4.4 Fundamentos jurídicos favoráveis à constitucionalidade e inconstitucionalidade da EC nº 41/2003 por quebra de decoro parlamentar. 5 Considerações finais.


1.    INTRODUÇÃO

O presente trabalho tratará sobre a suposta inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n° 41/2003 decorrente de vício decorrente de quebra de decoro parlamentar, emenda esta que é atualmente objeto das ADIs n° 4887, 4888 e 4889, ainda aguardando julgamento no Supremo Tribunal Federal.

O tema será abordado sob a perspectiva do controle de constitucionalidade a que todas as leis e os atos normativos (Emenda Constitucional, in casu) estão sujeitos, tomando como ponto de partida um breve estudo sobre o sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, com ênfase na Ação Direta de Inconstitucionalidade Genérica.

Entretanto, será feita uma análise jurídica diversa das tradicionalmente estudadas inconstitucionalidades formais e materiais, qual seja, sob o prisma da inconstitucionalidade por vício decorrente da quebra de decoro parlamentar.

Posteriormente, será objeto de estudo o conceito de decoro parlamentar, ao passo que serão levantadas as penalidades aplicáveis aos parlamentares que infringirem o dever de decoro.

Ademais, serão demonstradas algumas condutas em que estes parlamentares atuariam de maneira incompatível com o decoro parlamentar, além das hipóteses previstas nos regimentos internos das casas legislativas, com especial destaque para o abuso das prerrogativas asseguradas a membros do Congresso Nacional e a percepção de vantagens indevidas (CRFB/88, Art. 55, § 1º), caracterizando desrespeito ao regular andamento dos trabalhos legislativos em flagrante ofensa à ética parlamentar.

Por fim, será feita uma análise sobre a viabilidade de se realizar o controle de constitucionalidade de leis e atos normativos sob o vício de inconstitucionalidade decorrente da quebra de decoro parlamentar, com apresentação de fundamentos jurídicos favoráveis à constitucionalidade ou não da Emenda Constitucional n° 41/2003, que tratou da popularmente conhecida “Reforma da Previdência”.

O objetivo deste trabalho visa, consequentemente, realizar um estudo sobre a viabilidade do controle de constitucionalidade decorrente de quebra de decoro parlamentar, tese de Pedro Lenza (2013, p. 273-274), a qual, apesar de não guardar consenso doutrinário, é de extrema relevância, tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal terá de se manifestar sobre o assunto, face a propositura das Ações Diretas de Inconstitucionalidade de n° 4887, 4888 e 4889, que estão atualmente aguardando julgamento.

Essas ações têm como fundamento a quebra de decoro parlamentar comprovada na Ação Penal n° 470, tendo em vista as irregularidades demonstradas na fase de votação e de aprovação da Emenda Constitucional n° 41/2003, por meio de esquema de compra de votos de parlamentares comprometidos com o esquema denominado “mensalão”.

Tais atitudes revelam nítida mácula à essência do voto e aos princípios constitucionais da representatividade popular e da moralidade, razão pela qual se faz necessária a declaração de inconstitucionalidade da chamada “Reforma da Previdência”.

Ademais, não nos faltam exemplos de leis federais, estaduais e municipais em nosso cenário político que foram comprovadamente aprovadas sob interesses escusos, que já foram inclusive objeto de diversas matérias jornalísticas. Tais denúncias só corroboram a relevância do presente estudo, pois tais diplomas legislativos não merecem prosperar em nosso ordenamento jurídico, uma vez que não encontram seu fundamento de validade na Constituição Federal.

De fato, o tema que ora se analisará é de interesse de toda a sociedade brasileira e não somente dos operadores do Direito, pois a lesão provocada pelo vício apontado acima compromete o conceito de democracia representativa.

Face sua complexidade, passaremos então à análise e apresentação do tema, elaborado mediante pesquisa bibliográfica, com uma abordagem dos mecanismos de controle de constitucionalidade a que se submetem os atos normativos, além de destacar a necessária conduta ética do parlamentar, em especial, quando da elaboração e aprovação de normas com status constitucional, e as possíveis decorrências de sua infringência ética parlamentar.


2. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - ELEMENTOS IDENTIFICADORES

Inicialmente, como forma de adentrarmos no tema do nosso estudo, necessário se faz a abordagem de alguns pontos relativos ao nosso ordenamento jurídico até chegarmos ao controle de constitucionalidade, vez que as ações mencionadas no título desse trabalho são formas do exercício da jurisdição constitucional, logo, de defesa do Texto Maior.

Ordenamento jurídico é um conjunto de normas jurídicas compatíveis entre si e que guardam uma unidade, visto que, embora oriundas de inúmeras fontes, estão todas dedicadas a observar a estrutura básica constitutiva de cada Estado, unidade esta que é conferida pela Constituição.

Dessa forma, verifica-se ser a Constituição uma lei superior que ordena as demais normas pelo princípio da supremacia da Constituição, servindo como fundamento de validade a todas as demais normas, sob pena de, em caso de contrariedade com os preceitos constitucionais, serem invalidadas.

É fácil observar, portanto, que as normas de um determinado ordenamento jurídico estão estruturadas de maneira escalonada, de modo que todas as normas desse ordenamento são fundamentadas direta ou indiretamente por outra.

Embora seja dada, no presente trabalho, maior ênfase a esta hierarquia constitucional sobre todas as outras normas, cumpre frisar que não há somente a supramencionada hierarquia constitucional, mas também há hierarquia das normas legais sobre as normas infralegais.

Ao lado da supremacia constitucional, outra premissa essencial à existência do controle de constitucionalidade seria a rigidez constitucional, senão vejamos o que ensina Luís Roberto Barroso (2012, p. 16):

Duas premissas são normalmente identificadas como necessárias à existência do controle de constitucionalidade: a supremacia e a rigidez constitucionais. A supremacia da Constituição revela sua posição hierárquica mais elevada dentro do sistema, que se estrutura de forma escalonada, em diferentes níveis. É ela o fundamento de validade de todas as demais normas. Por força dessa supremacia, nenhuma lei ou ato normativo — na verdade, nenhum ato jurídico poderá subsistir validamente se estiver em desconformidade com a Constituição.

A rigidez constitucional é igualmente pressuposto do controle. Para que possa figurar como parâmetro, como paradigma de validade de outros atos normativos, a norma constitucional precisa ter um processo de elaboração diverso e mais complexo do que aquele apto a gerar normas infraconstitucionais. Se assim não fosse, inexistiria distinção formal entre a espécie normativa objeto de controle e aquela em face da qual se dá o controle.

No tocante à supremacia da Constituição, Zeno Veloso (2003, p. 17) assim leciona:

As normas constitucionais são dotadas de preeminência, supremacia em relação às demais leis e atos normativos que integram o ordenamento jurídico estatal. Todas as normas devem se adequar, têm que ser pertinentes, precisam se conformar com a Constituição, que é o parâmetro, o valor supremo, o nível mais elevado do direito positivo, a lex legum (Lei das Leis). Porém, de nada adiantaria a rigidez constitucional, a soberania (paramoutcy) da Carta Magna, a natural e necessária ascendência de suas regras e princípios, se não fosse criado um sistema eficiente de defesa da Constituição, para que ela prevalecesse sempre, vencesse qualquer embate, diante de leis e atos normativos que a antagonizem.

Isso evidencia a fundamental importância que a Constituição tem para todo o ordenamento jurídico, visto que organiza em seu corpo todos os elementos essenciais do Estado.

Nesse sentido, José Afonso da Silva (2010, p. 37-38):

[...] um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado.

Assim, faz-se necessária, para que se respeitem os ditames da Lei Suprema, ou seja, da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88), a existência de um rígido controle de constitucionalidade, pelo qual todas as outras normas devem estar submetidas, para que se possa analisar a validade desses atos infraconstitucionais e de todo o nosso ordenamento, a fim de que se consiga preservar e restaurar a unidade ameaçada.

Face sua importância, passemos, a seguir, a uma análise pormenorizada sobre o referido controle de constitucionalidade.

2.1. Definição e relevância do controle de constitucionalidade para o ordenamento jurídico

Como visto anteriormente, o controle de constitucionalidade é um dos mecanismos de proteção e de defesa da Constituição perante os atos do Poder Público, especialmente leis e demais atos normativos, merecendo censura todos os atos incompatíveis com a Constituição Federal.

Nesse contexto, cumpre frisar a presunção de constitucionalidade que gozam as leis e os atos normativos, porque eles, uma vez aprovados e incorporados em nosso ordenamento, seriam, idealmente, fruto da legítima atuação e fundada na legitimidade democrática dos agentes públicos eleitos, no dever de promoção do interesse público e no respeito aos princípios constitucionais, inclusive e notadamente os que regem a Administração Pública.

Todavia, não é sempre assim que ocorre, razão pela qual fazia-se necessário esse controle sobre a constitucionalidade dessas leis, para que se possa averiguar se determinada lei ou ato normativo estaria retirando ou não seu fundamento de validade da Constituição Federal.

Referido controle é deveras importante, tendo em vista que, do contrário, não haveria como falar em supremacia da Constituição, e qualquer ato normativo poderia contrariá- la impunemente.

Desta feita, vem aludido controle repousar sobre normas inconstitucionais para expurgá-las do ordenamento jurídico pátrio.

Sobre a importância da existência desse mecanismo para preservar a força obrigatória da Constituição, colaciono observações feitas por Kelsen (apud MENDES, 2010, p. 1157-1158):

[...] é certo que uma Constituição que, por não dispor de mecanismos de anulação, tolera a subsistência de atos e, sobretudo, de leis com ela incompatíveis, não passa de uma vontade despida de qualquer força vinculante. (...) É que a ordem jurídica zela para que todo ato que contraria uma norma superior diversa da Constituição possa ser anulado. Assim, essa carência de força obrigatória contrasta radicalmente com a aparência de rigidez outorgada à Constituição através da fixação de requisitos especiais de revisão. Por que tanta precaução se as normas da Constituição, ainda que quase imutável, são, em verdade, desprovidas de força obrigatória?

Imperioso, assim, registrar a relevância desse mecanismo de controle para se conferir força obrigatória e normativa à CRFB/88, ao se realizar uma análise sobre a constitucionalidade dos atos ou omissões dos Poderes Públicos, aplicando sanções àqueles com ela incompatíveis.

2.2. Classificações e suas espécies normativas: breves considerações

Para melhor identificar quando e como uma norma constitucional será objeto do controle de inconstitucionalidade, é salutar tecer breves considerações sobre algumas de suas classificações e características.

O controle de constitucionalidade se divide em três sistemas, a depender do órgão encarregado de seu exercício. São eles: o jurídico, o político e o misto.

O sistema jurídico é aquele realizado pelo Poder Judiciário, enquanto o político é incumbido a órgãos de natureza política, caso da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em que era exercido pelo Presidium do Soviete Supremo. Por sua vez, o controle por sistema misto propõe uma junção dos outros dois sistemas - político e jurídico - tal como ocorre na Suíça, em que, em regra, o controle das leis é exercido pelo Poder Judiciário, mas que, em se tratando de lei federal, é realizado de maneira política pelo Poder Legislativo.

Sobre o sistema jurisdicional, adotado atualmente no Brasil, acrescenta Paulo Bonavides (2006, p. 301-302):

Não há dúvida de que exercido no interesse dos cidadãos, o controle jurisdicional se compadece melhor com a natureza das Constituições rígidas e sobretudo com o centro de sua inspiração primordial - a garantia da liberdade humana, a guarda e proteção de alguns valores liberais que as sociedades livres reputam inabdicáveis. A introdução do sobredito controle no ordenamento jurídico é coluna de sustentação do Estado de direito, onde ele se alicerça sobre o formalismo hierárquico das leis.

Quanto às formas de exercício desse controle, dar-se-á de maneira difusa ou concentrada.

Aquela confere um amplo poder aos juizes e ocorre sempre que há um questionamento incidental sobre a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo. É tarefa atribuída a todos os órgãos do Poder Judiciário com função jurisdicional, como os juizes ou tribunais. Também conhecido por via de exceção, referido controle geralmente se configura como uma forma indireta de se declarar a inconstitucionalidade de uma lei, visto que os efeitos dessa declaração são inter partes, claro, ressalvada a possibilidade de também ser atribuído o efeitos erga omnes, desde que reste configurado o procedimento disposto no Art. 52, X, CRFB/88[1].

Mauro Cappelletti (1984, p.67), ao discorrer sobre os órgãos incumbidos desse controle, destaca como esse se realiza:

a)   o “sistema difuso”, isto é, aquele em que o poder de controle pertence a todos os órgãos judiciários de um dado ordenamento jurídico, que o exercitam incidentalmente, na ocasião da decisão das causas de sua competência; e

b)   o “sistema concentrado”, em que o poder de controle se concentra, ao contrário, em um único órgão judiciário.

O controle pela via concentrada, sobre o qual deteremos maior atenção, face sua maior incidência e relevância ao estudo realizado no presente trabalho, é aquele deferido somente ao tribunal de cúpula do Poder Judiciário ou a uma corte especial para ser o guardião da Constituição.

No Brasil, a análise abstrata da lei em face da Constituição Federal é de competência do Supremo Tribunal Federal.

O controle concentrado tem natureza objetiva, ou seja, e, diversamente do controle difuso, possui um reduzido rol de legitimados ativos, taxativamente previstos no Art. 103 da CRFB/88, quais sejam: o Presidente da República, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa do Senado Federal, a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. A propósito, cumpre destacar que, em criação jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal dividiu esses legitimados ativos em dois grupos:

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Os legitimados universais ou neutros são aqueles dos quais presumimos o interesse de agir, ou seja, não precisam demonstrar pertinência temática. São eles: Presidente da República, Procurador Geral da República, mesa do Senado Federal, mesa da Câmara dos Deputados, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e Partido Político com representação no Congresso Nacional. Há também os Legitimados Especiais ou interessados, que são aqueles que precisam demonstrar a pertinência temática, ou seja, o vínculo subjetivo entre as funções que desempenham e a norma que será impugnada. São eles: Mesa da Assembleia Legislativa, Governador de Estado, Confederação Sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Ainda no tocante aos legitimados ativos, é relevante salientar que o Presidente da República, mesa do Senado Federal, mesa da Câmara dos Deputados, mesa de Assembleia Legislativa, o Governador de Estado, a mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil têm capacidade postulatória para propor a ação direta de inconstitucionalidade. O Partido político com representação no Congresso Nacional, a Confederação Sindical e a Entidade de Classe em âmbito nacional, por sua vez, não possuem capacidade postulatória, necessitando de estarem representados por advogado para que a ação seja conhecida.

Referido controle pode ser realizado por meio das seguintes ações: Ação Direta de Inconstitucionalidade Genérica, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, Representação Interventiva e Ação Declaratória de Constitucionalidade.

Todavia, dentre as ações acima epigrafadas, cumpre-nos dar destaque à Ação Direta de Inconstitucionalidade a ser julgada pelo STF, tema fundamental desse estudo, razão pela qual se passa agora à sua análise.

2.3. Ação Direta de Inconstitucionalidade

É a mais antiga de nosso ordenamento jurídico. Introduzida no Direito Brasileiro pela Emenda Constitucional n° 16, de 26 de novembro de 1965, com o nome de Representação, a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) é um dos instrumentos que materializa o controle de constitucionalidade concentrado, visando declarar a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos federais ou estaduais que guardem contrariedade com a Constituição da República Federativa do Brasil, buscando sua invalidação.

2.3.1. Conceito

Conhecida doutrinariamente por ADI genérica, essa ação, regulamentada pela Lei n° 9.868/99, é um instrumento utilizado no chamado controle direto de constitucionalidade das leis e atos normativos frente à CRFB/88, exercido pelo Supremo Tribunal Federal, tendo por objetivo retirar do ordenamento jurídico a lei contemporânea estadual ou federal, que seja incompatível com a Constituição.

Sobre o tema, Marinoni; Sarlet; Mitidiero (2012, p. 905):

A razão de ser de uma ação em que se pede exclusivamente declaração de inconstitucionalidade advém da necessidade de se eliminar da ordem jurídica norma que seja incompatível com a Constituição. Tutela-se, assim, a ordem jurídica. A decisão que declara a inconstitucionalidade produz efeitos erga omnes, resultando inquestionável diante de todos, e, na mesma medida, a norma não mais aplicável.

Dessa forma, cumpre destacar que, uma vez declarada a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo por uma ação direta de inconstitucionalidade, atribui-se à decisão os efeitos erga omnes, ex tunc e vinculante, em regra, em relação aos órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública federal, estadual, municipal e distrital.

É oportuno observar que, no que diz respeito ao efeito ex tunc, é facultada a modulação de referido efeito à nossa Corte Suprema, tema que será abordado com mais detalhes quando do estudo do procedimento da ADI.

2.3.2. Elementos Essenciais do controle de constitucionalidade

Repise-se que a proteção e a defesa da Constituição se configuram por intermédio de um exame de compatibilidade vertical de um ato infraconstitucional em relação ao parâmetro constitucional, também denominado bloco de constitucionalidade.

Cumpre observar que referido parâmetro consiste em um conjunto de normas da Constituição, que se toma como alicerce para que uma lei tenha, caso divergente com ele, sua inconstitucionalidade declarada.

Sobre esse parâmetro, é salutar frisar que há uma tendência a ampliar o conceito desse paradigma de confronto.

Face essa nova perspectiva, destacamos ser de extrema relevância a compreensão, em sua completude, da composição desse paradigma de controle, porque a delimitação de seu conceito nos indicará o que é constitucional ou não. Nesse sentido, afigura-se salutar determinar os elementos essenciais do controle de constitucionalidade (elementos temporal e conceituai de bloco de constitucionalidade), tema já explorado pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello, quando do julgamento da ADI n° 595-ES.

Sobre o tema, destaco trecho do voto do Ministro Celso de Mello em referida ADI, que pode ser verificado no Informativo n° 258/STF. Senão vejamos:

[...] A busca do paradigma de confronto, portanto, significa, em última análise, a procura de um padrão de cotejo, que, ainda em regime de vigência temporal, permita, ao intérprete, o exame da fidelidade hierárquico-normativa de determinado ato estatal, contestado em face da Constituição. Esse processo de indagação, no entanto, impõe que se analisem dois (2) elementos essenciais à compreensão da matéria ora em exame. De um lado, põe-se em evidência o elemento conceituai, que consiste na determinação da própria idéia de Constituição e na definição das premissas jurídicas, políticas e ideológicas que lhe dão consistência. De outro, destaca-se o elemento temporal, cuja configuração torna imprescindível constatar se o padrão de confronto, alegadamente desrespeitado, ainda vige, pois, sem a sua concomitante existência, descaracterizar-se-á o fator de contemporaneidade, necessário à verificação desse requisito.

No tocante ao elemento temporal, merece guarida o pacífico entendimento do STF no sentido de não admitir a interposição de ADI para atacar lei ou ato normativo revogado ou de eficácia exaurida, restando configurada a hipótese de prejudicialidade da ação direta. Cabem aqui algumas decisões, in verbis:

Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Lei 15.227/2006 do Estado do Paraná objeto de fiscalização abstrata. 3. Superveniência da Lei estadual 15.744/2007 que, expressamente, revogou a norma questionada. 4. Remansosa jurisprudência deste Tribunal tem assente que sobrevindo diploma legal revogador ocorre a perda de objeto. Precedentes. 5. Ação direta de inconstitucionalidade prejudicada. (ADI 3885, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 06/06/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-124 DIVULG 27-06-2013 PUBLIC 28-06-2013)

EMENTA Ação direta de inconstitucionalidade. Decreto n° 153-R, de 16 de junho de 2000, editado pelo Governador do Estado do Espírito Santo. ICMS: concessão de crédito presumido. Liminar deferida pelo pleno desta corte. Revogação tácita. Perda de objeto. 1. O Decreto n° 1.090-R/2002, que aprovou o    novo regulamento do ICMS no Estado do Espírito Santo, deixou de incluir no rol das atividades sujeitas a crédito presumido do tributo “as operações internas e interestaduais com mercadoria ou bem destinados às atividades de pesquisa e de lavra de jazidas de petróleo e gás natural enquadrados no REPETRO”, as quais eram objeto de impugnação na presente ação direta. 2. A jurisprudência desta Corte é pacífica quanto à prejudicialidade da ação direta de inconstitucionalidade, por perda superveniente de objeto, quando sobrevêm a revogação da norma questionada. Precedentes. 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada prejudicada, em razão da perda superveniente de seu objeto. (ADI 2352, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 01/06/2011, DJe-157 DIVULG 16-08-2011 PUBLIC 17-08-2011 EMENT VOL-02567-01 PP-00013)

Ademais, destaque-se que as normas pré-constitucionais e as normas constitucionais originárias também não são passíveis de controle de constitucionalidade via Ação Direta de Inconstitucionalidade, tendo em vista que estas são fruto do poder constituinte originário, que é ilimitado e incondicionado juridicamente, enquanto aquelas são passíveis de revogação, caso sejam incompatíveis com os preceitos da nova ordem constitucional vigente.

Nesse sentido, Temer (2008, p. 50):

A norma questionada na ação direta de inconstitucionalidade deve ser lei ou ato normativo federal ou estadual pós-constitucionais. O STF entende que eventual colisão entre o direito pré-constitucional e a Constituição vigente deve ser resolvida pela jurisdição ordinária, de acordo com os princípios de direito intertemporal (lex posterior derrogat priori). No entanto, a arguição de descumprimento de preceito fundamental admite tal confronto (...) (grifo nosso).

Dessa forma, cumpre enfatizar que, além das normas de Constituições anteriores e das constitucionais originárias, as normas constitucionais já revogadas ou as normas constitucionais do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) que já tiveram sua eficácia exaurida, ou seja, já produziram todos os seus efeitos, não podem ser usadas como parâmetro de controle de constitucionalidade.

Com relação ao elemento conceituai, há doutrinariamente duas posições: uma restritiva, que afirma que o parâmetro constitucional se limita às normas e princípios formalmente previstos no texto constitucional; e outra ampliativa, englobando não apenas as normas e princípios expressos na Constituição, mas também os princípios implícitos da ordem constitucional global e valores suprapositivos, que, segundo o Ministro Celso de Mello, ainda na ADI 595-ES, são:

[...] considerados não apenas os preceitos de índole positiva, expressamente proclamados em documento formal (que consubstancia o texto escrito da Constituição), mas, sobretudo, que sejam havidos, igualmente, por relevantes, em face de sua transcendência mesma, os valores de caráter suprapositivo, os princípios cujas raízes mergulham no direito natural e o próprio espírito que informa e dá sentido à Lei Fundamental do Estado.

Tendo em vista ambas as perspectivas acima apontadas, cumpre destacar que o conceito majoritariamente aceito na doutrina e jurisprudência atual - inclusive do Supremo Tribunal Federal - de bloco de constitucionalidade é aquele composto apenas pelas normas formalmente constitucionais.

Como efeito, o parâmetro da ação direta de inconstitucionalidade não se restringe apenas à parte permanente da Constituição (Arts. Io a 250), tendo abrangência transcendente, utilizando-se, também, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (Art. 1º ao Art. 97), Princípios Implícitos e Tratados Internacionais de Direitos Humanos com aprovação de 3/5, em dois turnos e nas duas casas legislativas (Art. 5º, §3° da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988).

Nesse sentido, Juliano Taveira Bernardes (apud LENZA, 2013, p. 328):

[...] no direito brasileiro prevalece a restrição do parâmetro direto de controle que aqui poderia ser chamado de bloco de constitucionalidade em sentido estrito - às normas contidas, ainda que não expressamente, em texto constitucional (normas formalmente constitucionais).

Definido o que seria o parâmetro do controle de constitucionalidade sobre o qual as leis ou atos normativos devem guardar compatibilidade, passemos ao estudo do que pode ou não ser objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade.

2.3.3. Objeto da ação

Como demonstrado, o objeto da ADI será a lei ou o ato normativo federal ou estadual (Art. 102, I, a, CRFB/88[2]) supostamente conflitante, pós-constitucional, que supostamente não retirou seu fundamento de validade na Lei Maior.

De modo a esclarecer que leis e atos normativos seriam esses, expomos a seguir alguns exemplos do que pode ser objeto de ADI:

1) Espécies normativas previstas no Art. 59 da CF/88, quais sejam: leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos, resoluções e Emendas Constitucionais;

2)  Regimentos Internos dos Tribunais;

3)  Regimentos Internos das Casas do Poder Legislativo;

4)  Decretos autônomos (Art. 84, inciso VI, CRFB/88);

5)  Tratados Internacionais e Convenções Internacionais.

Cumpre registrar que, no tocante aos tratados internacionais, não importa a sua natureza jurídica (se lei ordinária, norma constitucional[3] ou supralegal[4]), contra todas é possível a propositura de ADI.

Verificado o conjunto de atos passíveis de controle de constitucionalidade pela Ação Direta de Inconstitucionalidade, trazemos abaixo um breve relato do procedimento dessa ação, a qual é regulada integralmente pela Lei n° 9.868, de 10 de novembro de 1999.

2.3.4. Procedimento da ADI

A Lei n° 9.868/99 dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, evidenciando todo o seu procedimento.

A petição inicial, nos termos do Art. 14, deve indicar o dispositivo da lei ou do ato normativo questionado, a causa de pedir e o pedido com suas especificações, sendo oportuno destacar que o STF não está adstrito à fundamentação jurídica exposta pelo autor, pela chamada causa de pedir aberta.

Todavia, o mesmo não ocorre em se tratando do pedido, salvo na hipótese de inconstitucionalidade por arrastamento ou consequencial, em que observada a dependência normativa de determinados atos, poderá o Supremo Tribunal Federal declará-los inconstitucionais, mesmo que não tenham sido relacionados com os expressamente impugnados na exordial.

Caso o relator entenda que essa inicial é inepta, não fundamentada ou manifestamente improcedente, poderá ele indeferi-la liminarmente, sendo cabível a interposição de agravo dessa decisão no prazo de cinco dias, nos termos do Art. 4o, caput, e parágrafo único, da Lei n° 9.868/99.

Admitida a ADI, não será permitida a desistência da ação, e a petição será encaminhada aos órgãos ou às autoridades que produziram a lei ou o ato normativo impugnado, os quais deverão prestar informações no prazo de trinta dias, a contar do conhecimento formal da ação.

Posteriormente, será encaminhada, sucessivamente, ao Advogado-Geral da União e ao Procurador-Geral da República, que terão de se manifestar no prazo de quinze dias.

Encerrados os prazos, o relator do processo enviará um relatório, com cópia a todos os Ministros, e pedirá dia para julgamento, conforme o Art. 9º da referida lei.

Esse mesmo Art. 9o, em seus § § 1º e 2º, contém inovações importantes ao possibilitar a apuração de questões fáticas no controle de constitucionalidade, práticas anteriormente vedadas no Supremo, o qual entendia que fatos controvertidos ou que necessitassem de alguma instrução probatória não poderiam ser apreciados em sede de ADI.

Superado esse entendimento, o relator, em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos, fica autorizado a solicitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para emitir parecer sobre a questão, ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria. Resta facultado ao relator, ainda, solicitar informações aos Tribunais Superiores, aos Tribunais federais e aos Tribunais estaduais acerca da aplicação da norma impugnada no âmbito de sua jurisdição.

Sobre o tema, assim dispõe Bernardo Gonçalves Fernandes (2013, p. 1.125):

Fica claro que o STF, na análise de uma ADI, não trabalha apenas com questões de direito. O STF passa a trabalhar, também, com questões de fato, que não são meramente técnicas, jurídicas.

[...] O art. 9o da Lei n° 9.868/99 traz para o Brasil a lógica da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição (Peter Haberle). O STF, literalmente, à luz da dicção legal, chama a sociedade para o debate, pois passa a reconhecer que existem outros intérpretes da Constituição que devem participar do jogo de concretização e de densificação da Constituição. Nesses termos, peritos, especialistas e interessados, como o amicus curiae, são chamados a participar da concretização das normas constitucionais. Embora, é bom que se registre, o intérprete oficial continue a ser o STF. (grifo original)

Concluída a instrução processual e chegada a data do julgamento, o relator, caso estejam presentes pelo menos oito ministros na sessão (Art. 22, Lei n° 9.868/99), lerá seu relatório e voto.

Os demais ministros presentes à sessão podem acompanhar ou divergir do voto do relator, sendo possível a qualquer deles, ainda, pedir vista do processo com o fito de estudá-lo, o que acarretará a suspensão do julgamento.

Ao final, será declarada a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade da lei ou do ato normativo impugnado, se houver votação de, no mínimo, seis ministros em um mesmo sentido (Art. 23, Lei n° 9.868/99). Caso contrário, será a sessão suspensa e marcada outra data para o prosseguimento do julgamento.

A declaração de inconstitucionalidade possui, em regra, efeitos ex tunc, sendo facultado ao Tribunal modular os efeitos de sua decisão, por maioria de dois terços de seus membros. Assim, poderá o Tribunal restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado, conforme previsto no Art. 27 da Lei n° 9.868/99[5].

Essa decisão é irrecorrível, salvo por embargos de declaração, interpostos a fim de se eliminar uma aparente obscuridade, omissão ou contradição no acórdão recorrido.

Cumpre frisar que, de acordo com o Art. 21 da lei ora em comento, há a possibilidade de a inicial trazer também pedido de cautelar, ocasião em que haverá diferenças no trâmite acima exposto, principalmente nos prazos de manifestação, que serão reduzidos. Essas mudanças visam dar eficácia às cautelares, medidas essas requeridas em situações de urgência.

Assim, desde que comprovada a existência de seus requisitos essenciais (fumus boni juris e periculum in mora), pode ser deferida a cautelar pelo Supremo por decisão da maioria absoluta de seus membros.

A concessão dessa cautelar importa na suspensão do julgamento de qualquer processo em andamento perante o Supremo Tribunal Federal, até a decisão final na ação direta de inconstitucionalidade. Embora provisória, referida concessão será dotada, em regra, de efeitos erga omnes e ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa, por meio do mecanismo processual da modulação dos efeitos anteriormente explicado.

Outrossim, afigura-se essencial destacar hipótese mais célere de tramitação do procedimento da ADI, prevista no Art. 12 da Lei n° 9.868/99 [6], que permite ao relator, levando em consideração questões singulares do caso, como a relevância da matéria e seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, submeter a matéria diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação. 

É de extrema relevância evidenciar essa hipótese de trâmite diferenciado do Art. 12 da Lei n° 9.868/99, tendo em vista que as Ações Diretas de Inconstitucionalidade de n° 4887, 4888 e 4889, importantes para o presente trabalho, estão em andamento no Supremo Tribunal Federal sob esse rito, conforme decisão monocrática da Ministra Relatora Carmem Lúcia. Senão vejamos:

ADIs 4887,4888 e 4889: Min. Carmem Lúcia: “(...) 3. Adoto o rito do art. 12 da Lei n. 9.868/99 e determino sejam requisitadas, com urgência e prioridade, informações do Congresso Nacional, para que as preste no prazo máximo e improrrogável de dez dias. Na seqüência, dê-se vista ao Advogado-Geral da União e ao Procurador-Geral da República, sucessivamente, para manifestação, na forma da legislação vigente, no prazo máximo e igualmente improrrogável e prioritário de cinco dias cada qual (art. 12 da Lei n. 9.868/99). Publique-se”.

Do exposto, como já determinados todos os ritos possíveis para o trâmite de uma ação direta de inconstitucionalidade, inclusive o adotado nas ações que interessam ao nosso estudo, passemos à análise do controle de constitucionalidade das Emendas Constitucionais.

2.3.5 Controle de Constitucionalidade das Emendas Constitucionais

As Emendas Constitucionais são uma das espécies normativas que podem ser objeto de uma ADI, ou seja, podem sofrer controle de constitucionalidade por via desta ação.

Frise-se que as famosas PECs (Propostas de Emendas à Constituição) não são passíveis de controle por meio de ADI, uma vez que só podem ser objeto dessa ação leis e atos normativos já editados e publicados. Porém, é viável, segundo o STF, a impetração de mandado de segurança por parlamentar, com a finalidade de ilidir proposta de emenda com procedimento incompatível com os preceitos constitucionais.

Conquanto normalmente ocorra o controle de constitucionalidade entre normas infraconstitucionais face à Constituição, é salutar destacar que as Emendas Constitucionais, mesmo dotadas de status de norma constitucional, são passíveis sim de apreciação no juízo de constitucionalidade, tendo em vista não serem oriundas do Poder Constituinte Originário.

As Emendas à Constituição são fruto do Poder de Reforma, o qual foi constituído para alterar nossa Lex Legum quando necessário, de modo a conformá-la com os anseios da sociedade, prevenindo assim um engessamento do texto constitucional e possíveis rupturas da ordem constitucional decorrentes de sua estagnação.

Criado pelo Poder Constituinte Originário, o Poder de Reforma está condicionado pelas regras impostas por aquele, haja vista se encontrar limitado pelas normas expressas e implícitas da Constituição de origem.

O Poder Constituinte Originário, este sim, detém poder ilimitado juridicamente, incondicionado [7] e autônomo, visto ser aquele que instaura uma nova ordem jurídica, rompendo com a ordem precedente.

Ao passo que o Poder de Reforma, que se dá por meio de Emendas e são a única forma de se alterar formalmente a Constituição vigente, encontra restrições na própria CRFB/88 estabelecidas pelo Poder Constituinte Originário.

Nesse sentido, vejamos o que Luís Roberto Barroso (2012, p. 198) leciona sobre o tema:

[...] pacífica a possibilidade de controle de constitucionalidade de emenda à Constituição. Sujeita-se ela à fiscalização formal — relativa à observância do procedimento próprio para sua criação (art. 60 e § 2o) — e material: há conteúdos que não podem constar de emenda, por força de interdições constitucionais denominadas cláusulas pétreas (art. 60, § 4o). De parte isto, a Constituição prevê, também, limitações circunstanciais ao poder de emenda, que não poderá ser exercido na vigência de intervenção federal, de estado de defesa e de estado de sítio (art. 60, § 1o).

Cumpre ressaltar que as Emendas Constitucionais sofrem, pela CFRB/88, limitações formais ou procedimentais (Art. 60,1, II, III, e §§ 2º, 3º e 5º), circunstanciais (Art. 60, § 1º) e materiais (Art. 60, § 4º e todo o bloco de constitucionalidade).

Todavia, essas limitações de nada valeriam se não fosse possível o controle de constitucionalidade das Emendas Constitucionais pelo Poder Judiciário.

Sobre o tema, preconiza Temer (2008, p. 146):

Assim, projeto de emenda só pode converter-se em norma constitucional se obediente a processo legislativo especialmente previsto e abrigando conteúdo não destoante do texto constitucional.

Evidentemente, se uma emenda constitucional trouxer modificação, por exemplo, do sistema tributário, vulnerando princípios, ou em desobediência à forma determinada para sua produção, não se admite sua introdução na Constituição. Se vier a introduzir-se, é passível de declaração de inconstitucionalidade.

Convém notar que o texto constitucional abriga vedações explícitas e implícitas.

[...]

As implícitas são as que dizem respeito à forma de criação de norma constitucional bem como as que impedem a pura e simples supressão dos dispositivos atinentes à intocabilidade dos temas já elencados (art. 60, § 4o da CF).

Frente às demasiadas Emendas no ordenamento brasileiro e seu crescente número, afigura-se fundamental o mecanismo de controle de constitucionalidade, para que se possa expurgar de nosso ordenamento as Emendas contrárias aos fundamentos e princípios constitucionais e, com isso, se consiga manter incólume a unidade da Constituição.

Na vigência da Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal já teve, algumas vezes, a oportunidade de apreciar a (in)constitucionalidade de Emendas à Constituição, tendo nossa Corte Suprema afirmado pacificamente sua competência para julgá-las via ADI.

Destacam-se a seguir apenas duas delas, a ADI 939/DF e a ADI 2395/DF.

A primeira ação declarou inconstitucional a EC n° 3/93 por violação a princípios e normas imutáveis da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, enquanto a segunda foi julgada improcedente face à inexistência de afronta à forma federativa do Estado, cláusula pétrea. Senão vejamos:

Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional e de Lei Complementar. I.P.M.F. Imposto Provisorio sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira - I.P.M.F. Artigos 5., par. 2., 60, par. 4., incisos I e IV, 150, incisos III, "b", e VI, "a", "b", "c" e "d", da Constituição Federal. 1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação a Constituição originaria, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precipua e de guarda da Constituição (art. 102, I, "a", da C.F.). 2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no art. 2., autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica "o art. 150, III, "b" e VI", da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): 1. - o princípio da anterioridade, que e garantia individual do contribuinte (art. 5., par. 2., art. 60, par. 4., inciso IV e art. 150, III, "b" da Constituição); 2. - o princípio da imunidade tributaria reciproca (que veda a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que e garantia da Federação (art. 60, par. 4., inciso I,e art. 150, VI, "a", da C.F.); 3. - a norma que, estabelecendo outras imunidades impede a criação de impostos (art. 150, III) sobre: "b"): templos de qualquer culto; "c"): patrimônio, renda ou serviços dos partidos politicos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e "d"): livros, jornais, periodicos e o papel destinado a sua impressão; 3. Em consequencia, e inconstitucional, também, a Lei Complementar n. 77, de 13.07.1993, sem redução de textos, nos pontos em que determinou a incidência do tributo no mesmo ano (art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas no art. 150, VI, "a", "b", "c" e "d" da C.F. (arts. 3., 4. e 8. do mesmo diploma, L.C. n. 77/93). 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, em parte, para tais fins, por maioria, nos termos do voto do Relator, mantida, com relação a todos os contribuintes, em caráter definitivo, a medida cautelar, que suspendera a cobrança do tributo no ano de 1993. (ADI 939, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/1993, DJ 18-03-1994 PP-05165 EMENT VOL-01737-02 PP-00160 RTJ VOL-00151-03 PP-00755) Sic! (grifo nosso).

EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Emenda Constitucional no 15/1996, que deu nova redação ao § 4o do art. 18 da Constituição Federal. Modificação dos requisitos constitucionais para a criação, fusão, incorporação e desmembramento de municípios. 3. Controle da constitucionalidade da atuação do poder legislativo de reforma da Constituição de 1988. 4. Inexistência de afronta à cláusula pétrea da forma federativa do Estado, decorrente da atribuição, à lei complementar federal, para fixação do período dentro do qual poderão ser efetivadas a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios. Precedente: ADI n° 2.381-1/RS, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 14.12.2001. 5. Ação julgada improcedente. (ADI 2395, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 09/05/2007, DJe-092 DIVULG 21-05-2008 PUBLIC 23-05-2008 EMENT VOL-02320-01 PP-00122 RTJ VOL-00205-02 PP-00618).

Esses são apenas dois dos inúmeros precedentes do STF relacionados com o controle jurisdicional de emendas constitucionais.

Assim, resta clarividente que nossa Suprema Corte não tem encontrado problemas para analisar e, em concordando com o requerente, declarar a inconstitucionalidade de normas editadas pelo Poder Constituinte de Reforma.

Por essa razão, afigura-se plenamente possível o julgamento das ADIs n° 4887, 4888 e 4889, em trâmite no Supremo — objetos do presente trabalho — vez que pugnam pela declaração de inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n° 41, de 19 de dezembro de 2003, que tratou da chamada Reforma da Previdência.

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Sobre o autor
João Henrique de Brito Marinho

Defensor Público do Estado de Sergipe.Pós-Graduado em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Pós-Graduado em Direito Penal e Direito Processual Penal pela FACET. Pós-Graduado em Acesso à justiça e Defensoria Pública pelo Centro Universitário Uniprojeção em Brasília. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará - UFC. Aprovado nos concursos da Defensoria Pública dos Estados do Maranhão, Sergipe e Rio Grande do Norte. Aprovado nos concursos de Analista Judiciário do MP/CE, TRF - 5ª Região e TJ/PE. Aprovado no concurso de Oficial de Justiça do TJ/PE. Aprovado no concurso de Advogado da FUNSAÚDE. Aprovado nos concursos de Técnico Judiciário do TRF - 5ª Região e TJ/PE.

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