A colaboração premiada atualizada: reflexos da Lei n° 12.850/2013 no processo penal brasileiro

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2. A COLABORAÇÃO PREMIADA DA LEI 12.850/2013.

 

2.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

 

O primeiro ponto de destaque da Lei nº 12.850/13, no que diz respeito à colaboração premiada, é a nomenclatura adotada pelo instituto, visto que leis anteriores utilizaram o termo delação premiada.

Para parte da doutrina, os termos são sinônimos. É o caso de Eugênio Pacelli de Oliveira[1], Gustavo Meringhi e Rejane Alves de Arruda. Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto apresentam ainda outros termos sinônimos: “delação premiada (ou premial)”, “chamamento do corréu”, “confissão delatória” e, segundo os mais críticos, “extorsão premiada”.

Outros autores, contudo, compreendem que o termo colaboração premiada é mais amplo, constituindo-se em sinônimo dos termos cooperação processual ou processo colaborativo. Daí subdividem-se as espécies, de acordo com a classificação estabelecida pelo doutrinador. Nessa esteira, destaca-se a classificação indicada por Luiz Flávio Gomes[2], por ser mais completa ao definir cinco espécies, de acordo com o resultado alcançado pela colaboração, sendo cada uma referente a um dos incisos do art. 4º.

Assim, o inciso I trata, segundo o autor, da “delação premiada” ou “chamamento de corréu”, vez que se destina à identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa, bem como das infrações penais por eles cometidas. O inciso II, por sua vez, refere-se à “colaboração reveladora da estrutura e do funcionamento da organização”, já que se destina à revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa.

A seguir, encontra-se no inciso III a “colaboração preventiva”, pois tem como finalidade a prevenção de novas infrações penais; no inciso IV, a “colaboração para localização e recuperação de ativos”; que visa a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; e no inciso V, a “colaboração para libertação”, que tem como escopo a localização da vítima, com a sua integridade física preservada.

De qualquer forma, a relevância de tal classificação é meramente acadêmica, não havendo implicações práticas na adoção dos termos como sinônimos ou não, mesmo porque a Lei nº 12.850/13 é aplicável, no que for cabível, a todas as hipóteses de colaboração premiada, como visto alhures.

Pois bem, mister se discorra, por conseguinte, sobre a natureza jurídica da colaboração premiada. Para Eduardo Araújo Silva, a natureza jurídica varia conforme o momento processual em que é aplicada. Sendo na fase pré-processual (art. 2º, §4º), trata-se de um instituto puramente processual. Nas demais fases, seja judicial (art. 2º, caput) ou pós-processual (art. 2º, §5º), a colaboração processual é um instituto de natureza mista, já que as normas que regem o acordo são de natureza processual, mas as consequências (perdão judicial, redução ou substituição da pena, ou redução de regime) são de natureza material[3].

Luiz Flavio Gomes[4], por sua vez, entende que a natureza é mista independentemente da fase em que é realizada, em razão da judicialização do acordo de colaboração, ou seja, sempre o acordo há de ser objeto de homologação pelo Poder Judiciário, mesmo que realizado na fase pré-processual.

Essa compreensão ganha especial relevância quanto se verifica a possibilidade de retroação dos efeitos aos fatos anteriores à edição da Lei nº 12.850/13, ao passo que, fosse considerado norma meramente processual, como defendido por Eduardo Araújo Silva, a norma processual apenas poderia ter efeitos pro futuro.

 

2.2 REQUISITOS

 

A celebração do acordo de colaboração premiada necessita do preenchimento de requisitos, de ordem objetiva e subjetiva, os quais estão reunidos no art. 4º da Lei nº 12.850/13. Os resultados necessários encontram-se nos incisos do caput, ao passo que o parágrafo primeiro traz outros requisitos de ordem subjetiva:

 

Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

 

§ 1º Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.

 

Aqui se observa uma diferença significativa para as legislações anteriores, qual seja, os objetivos da colaboração não são cumulativos, bastando a presença de apenas um dos requisitos para a fruição dos benefícios pelo colaborador. É necessário, ainda, que o delito seja praticado por organização criminosa, ou mesmo que configure o tipo legal do art. 2º, da Lei nº 12.850/13.

Adiante-se, nesse momento, que a fruição dos benefícios está condicionada à comprovação da eficácia dos requisitos, a ser aferida pelo juiz, quando da prolação da sentença. Logo, não basta que o réu conceda informações, sendo necessário que essas se mostrem verdadeiras e auxiliem a elucidação dos fatos.

Por conseguinte, observa-se que os incisos I e II se referem ao modus operandi da organização criminosa. A identificação dos membros, suas posições hierárquicas no grupo, o tipo atividades por eles exercida, incluindo os delitos, são essenciais para a atividade investigativa. É possível até mesmo apontar que, salvo os meios de prova regulamentados pela Lei 12.850/13, seria de dificuldade incalculável para a polícia brasileira alcançar tais informações.

Sobre o inciso I, Marcelo Bartlouni Mendroni[5] explica que não é necessário a identificação de todos os integrantes, o que poderia ser difícil até mesmo para os membros do maior escalão, e que o grau de colaboração deve ser medido pela importância do membro exposto pelo colaborador.

Sobre o inciso II, discorre bem Márcio Alberto Gomes Silva:

 

Entender o funcionamento da agremiação é fundamental para seu completo desbaratamento. Óbvio que nem todo criminoso conhece a organização por completo (a hierarquia do grupo normalmente impede que bandidos que atuem na base conheçam e saibam as tarefas dos que estão no comando). Uma vez mais cabe à autoridade policial e ao MP verificar se conhecer a estrutura da célula onde trabalha o colaborador é suficiente para a oferta do acordo de colaboração.[6]

 

O inciso III traz o requisito de maior dificuldade de comprovação. Afinal, a percepção de delitos que não ocorreram tende a ser abstrata, como no exemplo dado por Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto[7], no qual uma região que sofra constantemente com assaltos a caixas eletrônicos, e com a identificação e prisão de alguns membros do grupo, note-se uma redução dos delitos. Nesse caso, seria possível atrelar a diminuição à eficácia do acordo celebrado.

Quanto ao inciso IV, mais uma vez merece destaque a lição de Márcio Alberto Gomes Silva[8], para o qual o objetivo deste inciso é tentar descapitalizar a organização criminosa. Isso porque, estando o grupo criminoso desprovido de fundos, resta mais fácil a tarefa de desarticula-lo, pois ele “precisa de dinheiro para corromper autoridades públicas, pagar honorários de advogados, custear sua operação, sustentar famílias de líderes momentaneamente presos, etc”.

Acerca do disposto no §1º, Vicente Greco Filho ressalta a necessidade de conjugação dos requisitos com as circunstâncias nele previstas:

 

A colaboração e os efeitos, porém, não geram automaticamente o direito ao benefício (perdão judicial ou redução da pena). Dependerão de avaliação outras circunstâncias, previstas no §1º, quais sejam, a personalidade do agente, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão do fato criminoso e a eficácia da colaboração. As mesmas circunstâncias serão levadas em conta pelo juiz ao dosar o benefício, o que ocorrerá na sentença de mérito.[9]

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Feitas tais considerações, aponta a doutrina uma divergência quanto à necessidade de o investigado colaborar nas duas fases processuais, para que possa, ao final, usufruir do prêmio da colaboração.

Gabriel Habib[10] sustenta que, pela interpretação literal da lei, há de se exigir que a colaboração tenha ocorrido nas duas fases, uma vez que o art. 4º, caput, dispõe que a colaboração deve ocorrer “com a investigação e com o processo criminal”. Por esse motivo, a intenção do legislador seria exigir que as informações fossem prestadas nas duas fases da persecução penal, ou seja, na fase de inquérito policial e também na fase de processo criminal.

Não obstante, a interpretação sistemática da lei leva à conclusão de que a efetividade da colaboração pode ocorrer em qualquer fase. É o que se observa quando analisamos o §5º do Art. 4º, o qual prevê o benefício para a colaboração prestada posteriormente à sentença.

De fato, em determinadas situações parece lógico que a mera constatação da efetividade da colaboração é suficiente para a fruição do benefício. Assim, por exemplo, em uma situação de incidência do inciso V, em que o colaborador tenha auxiliado na localização da vítima com a sua integridade física preservada, é patente a desnecessidade de qualquer outra colaboração em fase judicial.

No mesmo sentido, quando as informações prestadas auxiliaram em uma linha investigativa eficaz, com a revelação da estrutura hierárquica e a identificação dos demais integrantes da organização criminosa, por exemplo, sem maiores necessidades de esclarecimento pelo colaborador, então não deve haver óbice para a obtenção dos benefícios.

Ainda na análise da Lei nº 9.807/99, a qual porém é perfeitamente aproveitável, pois a redação era similar (colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal), Frederico Valdez Pereira bem discorreu:

 

Poderia resultar a conclusão de que somente haveria colaboração processual quando o agente fosse a juízo prestar testemunho contra os demais coautores e partícipes do crime. Tem-se que essa literal interpretação não é a melhor, pela grande limitação que traria na utilização do instituto pelos órgãos de repressão como técnica investigativa. E por certo que o indiciado que prestasse revelações significativas à autoridade policial e ao Ministério Público estaria colaborando com o futuro processo criminal, pois permitiria ou facilitaria o esclarecimento de fatos investigados, mediante a busca de outros elementos probatórios pela autoridade investigante para serem utilizados futuramente no processo penal; elementos esses que de outro modo poderiam jamais ser buscados sem a colaboração de algum membro da associação criminosa.[11]

 

A ressalva fica por conta da necessidade de ratificação em juízo das informações prestadas pelo colaborador, quando este se recusar a fazê-la. Vale ressaltar, neste ponto, que os deveres do colaborador não se resumem a respeitar as cláusulas do termo de acordo por si assinado, mas também aos ditames da Lei nº 12.850/13. E o parágrafo §12[12] é claro ao estabelecer a obrigação do colaborador em ser ouvido novamente, quando for necessário.

Ora, a solução para a recusa parecer lógica. Se a repetição em juízo da prova produzida for imprescindível para o julgamento do feito, a recusa do colaborador em corroborar seu testemunho prestado em sede de inquérito policial acarretará na ineficácia da colaboração, caso em que o juiz assim o declarará, no momento oportuno.

Esta consequência seria, portanto, a mera aplicabilidade do §11º, o qual determina que o juiz apreciará os termos do acordo homologado e sua eficácia, quando prolatar a sentença.

 

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