A colaboração premiada atualizada: reflexos da Lei n° 12.850/2013 no processo penal brasileiro

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3. ASPECTOS POLÊMICOS DA COLABORAÇÃO PREMIADA

 

3.1 A CONSTITUCIONALIDADE DOS DISPOSITIVOS LEGAIS

 

3.1.1 A renúncia ao direito ao silêncio

 

Para a compreensão da polêmica redação do preceito legal, é necessário, anteriormente, compreender o significado e o alcance do direito ao silêncio.

Trata-se de direito previsto na Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XVIII, alcançando o indiscutível status de direito fundamental do acusado. Outrossim, é previsto em tratados internacionais já incorporados ao nosso ordenamento jurídico, na condição de norma supralegal, quais seja, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) e Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.

De fato, preconiza o art. 5º, inciso LVIII, que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado", ao passo que o Pacto de San José da Costa Rica estabelece em seu art. 8º, inciso II, alínea “g”, que “toda pessoa tem direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”.

Segundo Eugênio Pacelli de Oliveira[1], o interrogatório deve ser considerado um meio de defesa, e o direito ao silêncio se desdobra em algumas facetas, quais sejam: o direito de permanecer calado e não responder perguntas, não se permitindo a valoração do silêncio em seu prejuízo, além da não exigibilidade de participação compulsória na formação da prova a ele contrária, salvo em hipóteses previstas em lei, e não invasivas da integridade física e psíquica do agente.

Aduz o autor que a vigência do art. 5º, inciso LXIII, implicou em imediata revogação do art. 186 do Código de Processo Penal (posteriormente revogado pela Lei nº 10.792/03), “pela simples e bastante razão de que não se pode atribuir qualquer forma de sanção a quem esteja no exercício de um direito a ele assegurado em lei”.

No mais, é interessante a ressalva feita pelo autor, de que o direito ao silêncio não implica jamais em um direito de mentir, ou mesmo se desdobra em um direito de fuga, como já houve julgado. Explica:

 

O que se poderá alegar, com maior ou menor sucesso, a depender do caso concreto, é que o agente – que tenta a fuga, que mente sobre sua identidade etc. – é a eventual justificação da conduta (excludente de ilicitude) ou inexigibilidade de conduta diversa (exclusão de culpabilidade). Jamais o exercício de qualquer direito subjetivo![2]

 

Feitas tais considerações, passemos à análise da norma legal objeto de estudo. Reside neste ponto, certamente, a maior potencial inconstitucionalidade da Lei nº 12.850/13. Trata-se do §14 do art. 4º, o qual dispõe, in verbis:

 

§14. Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade.

 

Da leitura do preceito legal, é possível o vislumbre da inconstitucionalidade alardeada por parte de respeitável doutrina brasileira. Isto porque, o que salta aos olhos na primeira análise é o fato de uma legislação infraconstitucional prever uma hipótese de renúncia a um direito fundamental, inconcebível em nosso contexto jurídico.

Cite-se, incialmente, o entendimento de Cezar Roberto Bitencourt e Paulo César Busato:

 

Ora, o dispositivo legislativo é claramente inconstitucional enquanto obriga (ou condiciona, o que dá no mesmo) o réu a abrir mão de um direito seu consagrado não apenas na Constituição como em todos os pactos internacionais de direitos humanos. Afinal, o réu simplesmente não está obrigado a fazer prova contra si em circunstância alguma, mesmo a pretexto de “colaborar” com a Justiça, ou seja, na condição de colaborador. Afinal, interessa-lhe muito mais (é-lhe muito mais benéfico) uma sentença absolutória, que a aplicação dos benefícios decorrentes da colaboração.[3]

 

Neste momento, ressalve-se apenas alguns pontos. Embora os autores ressaltem a indiferença entre obrigar e condicionar, entendemos existir uma diferença abissal entre as duas posturas estatais. A obrigação é, por si só, uma violência. É justamente a conduta perigosa, imoral, e incompatível com o estado democrático de direito, inconcebível em uma sociedade que tenha atingido grau razoável de civilidade. Se houver alguma lei que disponha a obrigação do réu em colaborar, então não há espaço algum para discussão: a inconstitucionalidade salta aos olhos.

De outro lado, o condicionamento do não exercício ao direito ao silêncio para a fruição de benefícios, no qual exista a absoluta liberdade do acusado ou réu para mensurar a conveniência da colaboração com a Justiça, é consideravelmente distante da situação anterior.

Pode-se argumentar, é claro, que a simples ameaça da censura estatal seja suficiente para derrubar esse argumento, já que o temor provocado tem o condão de afetar o discernimento de qualquer ser humano. Não obstante, a colaboração premiada não difere, neste ponto, de diversos outros dispositivos legais que trazem benefícios ao réu, conforme extenso rol indicado no capítulo referente ao histórico legislativo.

Apenas para citar, a circunstância atenuante da pena prevista no art. 55, inciso III, alínea d, qual seja, a confissão espontânea, perante a autoridade, da autoria do crime, norma originária do Código Penal e que, após décadas de vigência, não desperta oposição. Desconsiderando-se as hipóteses de obrigação moral e autocensura que possam levar o criminoso a confessar o crime, mesmo porque o Código não exige qualquer desses requisitos, pode perfeitamente ser o objetivo deste a obtenção da atenuante, obtendo pena mais favorável.

Não seria, em comparação superficial, uma situação semelhante à da colaboração premiada? Em ambas, o Estado aceita a redução na pena incialmente prevista genericamente, com o intuito de obter maior certeza na busca da verdade, e chegar a uma prestação jurisdicional mais correta — e nesse ponto, a versão do próprio autor é insubstituível em determinadas situações — tendo em contrapartida uma atitude positiva do réu, qual seja, a colaboração voluntária com as investigações, após a análise de conveniência.

Ademais, o procedimento da colaboração premiada possui mecanismos que visam garantir a voluntariedade do agente, que antes de tudo, requisito expresso para a elaboração do acordo, previsto no caput do art. 4º. Além disso, a presença obrigatória do defensor afasta a possível mácula do discernimento do acusado, visto ser um profissional habilitado e que contará com sua experiência profissional e conhecimento das circunstâncias que pesem contra seu constituinte, para mensurar a oportunidade e a adequação da celebração do acordo.

Por fim, a sentença absolutória não necessariamente é mais benéfica ao colaborador. Os efeitos os mesmos do benefício do perdão judicial, com vantagem deste último, uma vez que o caminho a percorrer é mais fácil, no qual se destaca a não inclinação do Órgão Ministerial em recorrer, e menos benéfica que o não oferecimento da denúncia, em que o acusado sequer será processado.

Por sua vez, Gabriel Habib argumenta que a condição de réu assegura o direito ao silêncio, não podendo o legislador ordinário impor a sua renúncia. Discorre o expert:

 

Não se desconhece que os direitos fundamentais têm a característica de relatividade, não sendo, portanto, absolutos. Porém, a sua relatividade não implica renúncia automática deles. Demais disso, não se desconhece também que os direitos fundamentais podem ser renunciados pelos seus titulares, mas isso depende exclusivamente de manifestação deles. O que não se admite é que o legislador imponha essa renúncia à garantia fundamental ao direito ao silêncio. O titular de um direito fundamental pode renunciá-lo, mas o legislador não pode impor-lhe essa renúncia de forma obrigatória. Por tais razões, a inconstitucionalidade do dispositivo é patente.[4]

 

Data venia, a voluntariedade, e a sua diferenças ontológicas e práticas para a obrigatoriedade mais uma vez afastam o argumento. Não há em momento algum a imposição, e sim a faculdade, a oportunidade do acusado ou réu em colaborar com a justiça, sendo celebrando acordo vantajoso para ambos. Ora, que outra situação se imaginaria em que o agente obteria benefício a troco de nada, sem qualquer contrapartida (com exceção de outros dispositivos legais)?

Luiz Flávio Gomes também adere à corrente da inconstitucionalidade do dispositivo, aduzindo inexistir renúncia ao direito ao silêncio, sob pena de afronta aos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, e em normas supralegais incorporadas ao direito interno, quais sejam: a Convenção Americana de Direitos Humanos (artigo 8º, § 2º, “g”) e Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Preleciona o autor:

 

Qualquer norma, seja ela infralegal, supralegal ou mesmo emenda constitucional, não pode trazer previsão de renúncia ao direito ao silêncio. Jamais podendo-se compelir o réu a produzir provas contra si mesmo (nemo tenetur sine detegere).

 (...) Veja-se o que diz o art. 4º, § 14 da Lei 12.850/13: “Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade”.

Veja-se que o aludido artigo fala em “renúncia” ao direito ao silêncio, e para assegurar a validade desta “renúncia” determina a presença do defensor! É algo que beira o absurdo. É inequívoca a intenção do legislador ao tratar de renúncia em seu sentido próprio, estando o dispositivo contaminado de inconstitucionalidade, não podendo jamais ser aplicável quando se estiver diante de um acordo de colaboração premiada.[5]

 

Filia-se à constitucionalidade do dispositivo Guilherme de Souza Nucci[6], pois a colaboração depende de anuência do investigado ou acusado. Entretanto, não explicita as consequências oriundas de eventual mentira contada pelo colaborador.

Melhor dissertou sobre o assunto Eugênio Pacelli de Oliveira, para o qual a redação da norma, embora eivada de atecnia legislativa, não é inconstitucional, pois dela não pode gerar quaisquer efeitos que configurem desrespeito ao direito ao silêncio. O problema seria tão somente de lógica: ao se estabelecer como requisito para a colaboração premiada a voluntariedade do agente, e como condição de eficácia, a qualidade das informações prestadas, não há que se falar em renúncia ao direito ao silêncio. Disserta o doutrinador:

 

E, mais, o dever de dizer a verdade na hipótese tal como previsto no referido dispositivo, decorreria unicamente de ato voluntário do colaborador, e não como imposição da norma legal! Se antes dessa decisão pessoal ele não era obrigado a depor – direito ao silêncio – não se pode dizer que tenha renunciado a esse direito, mas, sim, que resolveu se submeter às consequências de sua confissão.[7]

 

Arremata o autor discorrendo sobre as consequências da prestação de informações falsas pelo colaborador: caso venha atribuir responsabilidade penal a terceiro, sabendo que tal informação é inverídica, pode responder pelo crime de denunciação caluniosa (como ocorre em qualquer situação); mas o falso testemunho, não teria qualquer consequência, acarretando tão somente na ineficácia do acordo.

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Nesse mesmo sentido se posiciona Luiz Flávio Gomes, qual seja, pela inexistência de responsabilização criminal advinda de inverdades relatadas pelo colaborador:

 

O colaborador nunca perde seu “direito ao silêncio”. Se exercido, a questão será deslocada para o campo da eficácia do acordo (o que será analisado na sentença do juiz).

Ademais, sequer estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade, pois se mentir, terá como consequência a não produção dos resultados previstos no acordo, não podendo responder pelo crime de falso testemunho. Ninguém é obrigado a se autoincriminar. O silêncio, amparado no princípio da não-autoincriminação, jamais pode ensejar qualquer tipo de responsabilidade penal. Quem exercita o direito constitucional do silêncio jamais pode ser punido por isso. Quem exerce um direito não pode ser punido.[8]

 

De fato, é repreensível a redação dada ao §14º, já que a irrenunciabilidade é uma característica que permeia os direitos fundamentais. Relativizam-se, é bem verdade, na colisão com outros princípios de igual magnitude, situação em que se pode discutir, no caso concreto, o resultado e os limites da relativização. Admite-se ainda o não exercício dos direitos fundamentais — mas não é dado à lei, em especial a infraconstitucional, preconizar a renúncia a um destes.

Contudo, compreende-se que a redação dada pecou somente pela falta de preciosismo. O objetivo, claramente, é estabelecer que o réu deverá, para colaborar, abrir mão de permanecer silente. De fato, tratar-se-ia de um dispositivo desnecessário, já que a colaboração pressupõe uma atitude positiva do réu, exceto quando se analisa a questão sob o viés de aplicar, quando este vier a exteriorizar uma inverdade, algum tipo de sanção.

Neste ponto, distancia-se das doutrinas acima relatadas Vicente Greco Filho[9], para o qual a renúncia ao direito ao silêncio sujeita o colaborador ao compromisso legal de dizer a verdade, sob pena de incorrer nas penas do crime de falso testemunho e ao crime do art. 19 da Lei º 12.850/13, além de denunciação caluniosa, a depender dos conteúdo das declarações inverídicas. Sobre o delito do art. 19, preleciona o autor:

 

O crime é um misto de calúnia e denunciação e denunciação Caluniosa. Trata-se de crime formal, não dependendo de resultado ou de prejuízo. O crime é de perigo sendo o sujeito passivo a pessoa à qual foi imputada falsamente a perícia da infração penal, mas também a coletividade quanto à administração da Justiça, porque a imputação falsa prejudica a investigação ou o processo relativo à organização criminosa.

A falsa declaração pode referir-se a determinada pessoa ou a informações sobre a estrutura de organização criminosa inverídicas, tendo conhecimento o agente dessa circunstância.

O dolo é específico, exigindo-se a finalidade de se beneficiar da condição de colaborador nos termos desta lei.

No caso de a imputação falsa dirigida a pessoa determinada dar causa a instauração de investigação policial ou processo, o crime é denunciação caluniosa, de pena bem mais grave porque ocorre prejuízo. A pena da denunciação caluniosa é exatamente o dobro, de 2 a 8 anos.[10]

 

Segue essa linha Marcelo Batlouni Mendroni, que ressalta a ineficácia do preceito legal, caso se adotasse outro entendimento:

 

Assumindo a condição de ‘colaborador’, o acusado passa a ter ‘imunidade’ ou ser acusado ‘diferenciado’. Evidentemente que já não terá o direito de mentir, conforme a sistemática do Direito Processual Penal Brasileiro, praticando o crime previsto no artigo 19 desta lei (Lei 12.850/13), por assim dizer, o crime de perjúrio. Tampouco poderá se valer do direito de permanecer em silêncio. É direito constitucional que, se pretender o acordo penal, dele terá que abrir mão de forma expressa e na presença de Advogado. Não fosse assim, o instituto seria absolutamente inócuo[11]

 

Não é outro o posicionamento de Márcio Alberto Gomes da Silva, para o qual o §14º é plenamente constitucional, visto que, se por um lado, trata-se de ato voluntário, por outro, o Estado precisa de garantias acerca da verossimilhança das alegações prestadas. Por consequência, constatada a mentida do colaborador, configuram-se o crime do art. 19, da Lei nº 12.850/13, e a rescisão do acordo. Explica o autor:

 

Anota-se a compatibilidade do dispositivo em estudo §14º, do artigo 4º, da Lei 12.850/13 e o inciso LXIII, do artigo 5º, da Constituição Federal. É que o que a Carta Magna proíbe é que o investigado/indiciado/réu seja compelido a falar (a CF, em nenhuma passagem, garantiu o direito à mentira, apenas ao silêncio. Se o colaborador quer falar (e a colaboração, repito, é ato voluntário), terá que ser a verdade, sob pena de cometer o crime citado (art. 19, da Lei 12.850/13.[12]

 

Ora, entendemos ter razão essa última corrente. É bem verdade que a redação do dispositivo, como fartamente explicado, flerta com a inconstitucionalidade — mas pelo fato de preconizar a renúncia ao direito ao silêncio, o que não se pode aceitar. O que se observa aqui, é simplesmente, o seu não exercício.

Pode-se argumentar, desta feita, que quem exercita o direito constitucional do silêncio jamais pode ser punido por isso, como o fez Luiz Flávio Gomes, tal qual a transcrição acima colacionada. Mas a incidência do art. 19 não é exatamente uma sanção ao exercício do direito ao silêncio.

Adentra-se, pois, na discussão acerca do alcance desse direito. É sabido, como bem explicado por Eugênio Pacelli de Oliveira (acima reproduzido), que o direito ao silêncio não acarreta em outros direitos, especificamente, o direito à mentira (e ainda, não existem direitos absolutos). Aceita-se a não punição essa prática por outros motivos, dentre os quais se pode citar a justificação da conduta (excludente de ilicitude) ou a inexigibilidade de conduta diversa (exclusão de culpabilidade).

Não sendo direito ilimitado, há situações em que a inverdade proferida pelo réu é punível, como ocorre com a imputação falsa de crime a outrem, a denunciação caluniosa. E, mesmo que o acusado pratique atos que só tenham o condão de interferir em sua esfera individual, é possível que o mesmo seja punido.

Isso restou bem claro em entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, quanto à impossibilidade de apresentar documento falso ou sustentar falsa identidade, mesmo sob o pretexto de identidade falsa para esconder antecedentes criminais.

 

O fato de o paciente ter apresentado à polícia identidade com sua foto e assinatura, porém com impressão digital de outrem, configura o crime do art. 304 do Código Penal. Havendo adequação entre a conduta e a figura típica concernente ao uso de documento falso, não cabe cogitar de que a atribuição de identidade falsa para esconder antecedentes criminais consubstancia autodefesa[13].

 

De mesmo modo, na hipótese de falsa identidade, o Supremo Tribunal Federal compreende o se configura o delito quando o agente, com o intuito de não se incriminar, atribui a si uma identidade que não é sua. Essa questão já foi, inclusive, analisada pelo Pleno do STF em regime de repercussão geral:

 

O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, inciso LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP). O tema possui densidade constitucional e extrapola os limites subjetivos das partes.[14]

 

Ora, se mesmo em situação que o réu se vê “pressionado” a mentir, em razão da iminência de uma prisão, não se cogita falar em exercício legítimo de autodefesa, como se pode aceitar que a celebração de acordo, no qual se busca, com o cercamento legal dado pela Lei nº 12.850/13, garantir a voluntariedade do agente, inclusive com a participação obrigatória do advogado e homologação por juiz, que o réu possa sair ileso ao tentar ludibriar os agentes estatais?

O que se vê, na verdade, é um crime contra a administração da justiça, cujos efeitos podem ser devastadores caso não seja devidamente punido. O primeiro, é claro, é a inviabilidade de se manter a colaboração processual no Brasil. A “permissão” para mentir pode acarretar em toda sorte de estratégia inescrupulosa, gerando vultosos dispêndios aos órgãos investigadores, semeando-se pistas falsas, afastando o foco de atividades relevantes da organização criminosa, e, ao final, a completa irresponsabilidade do responsável.

A contrario sensu, a tipificação de crimes contra a administração da justiça, a exemplo da denunciação caluniosa, da falsa perícia e da fraude processual, bem como os entendimentos dos Tribunais Superiores acima exarados, demonstram que o direito ao silêncio não garante ao réu a completa irresponsabilidade pelos seus atos, conclusão a que se chega no âmbito da celebração de acordo de colaboração premiada.

 

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