Diante das inovações legislativas impostas a partir da Constituição Federal de 1988 no sentido de socializar o direito assegurando-se que aqueles hipossuficientes provenientes de qualquer seguimento social tenham garantido o exercício mínimo de direitos que lhes resguarde a cidadania e a dignidade, basicamente; passou, então, o portador de deficiência a gozar de um "status" nunca antes experimentado em nosso ordenamento, de forma tal que a sociedade passou a trabalhar o pensamento de que é ela que deve se preparar para atender às suas necessidades especiais, posto que o contrário implica em exclusão social, marginalização, injustiça social.
Nesse contexto surgiram inúmeras normas com o objetivo de regulamentar, facilitar e acelerar a integração social do portador de deficiência. De forma que esse processo contínuo já não pode comportar retrocessos, tanto por uma questão legal como social.
Assim, legalmente, o portador de deficiência ou necessidades especiais, como preferem os mais modernos, tem amplíssimo respaldo em reconhecimento e garantia de seus direitos individuais e sociais expressamente assegurados, posto que no texto Constitucional são inúmeros os dispositivos que cuidam dos interesses específicos desse seguimento populacional, como, por exemplo os arts. 7º, inc. XXXI, 23, inc. II, 24, inc. XIV, 37, inc. VIII, 203, inc. V e 227, § 2º, além daqueles que se referem a todo e qualquer indivíduo sem discriminação de qualquer natureza.
Especificamente da leitura dos arts. 23, inc. II e 24, inc. XIV da CF/88, conclui-se que é um ônus do Poder Público a promoção da proteção, garantia e integração social do deficiente, além da saúde e da assistência pública, que deve ser cumprido pela via administrativa e assegurado pela via legislativa, nas três esferas federais, sem contar com a imprescindível participação da sociedade que também deve adaptar-se às suas necessidades especiais – pelo reconhecimento de que a integração do portador de deficiência é um problema social e não exclusivamente daquele hipossuficiente, que se encontra em posição de desvantagem frente às suas limitações e às barreiras pela sociedade erguidas, mesmo que inconscientemente.
Nesse sentido inúmeras têm sido as medidas adotadas notadamente no campo da saúde (Lei nº 8080/90 – Lei Orgânica da Saúde, além da Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência e de inúmeras portarias do ministério da saúde) e assistência pública, bem como da integração social, cuja Lei nº 7853 de 24/10/1989 regulamentada pelo Decreto nº 3298 de 20/12/1999 vem dizer sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos e consolida normas protetivas ao deficiente. Além disso, o governo brasileiro desenvolve um Programa Nacional de Direitos Humanos, que tanto contempla genericamente os portadores de deficiência, como especificamente, estabelecendo ações governamentais a curto, médio e longo prazo, como informa o site https://www.planalto.gov.br:
"Pessoas Portadoras de Deficiência
Curto Prazo
-Formular políticas de atenção às pessoas portadoras de deficiência, para a implementação de uma estratégia nacional de integração das ações governamentais e não-governamentais, com vistas ao efetivo cumprimento do Decreto nº 914, de 06 de setembro de 1993.
-Proporcionar normas relativas ao acesso do portador de deficiência no mercado de trabalho e no serviço público, nos termos do art. 37, VIII da Constituição Federal.
-Adotar medidas que possibilitem o acesso das pessoas portadoras de deficiências às informações veiculadas pelos meios de comunicação.
Médio Prazo
-Formular Programa de educação para pessoas portadoras de deficiência.
-Implementar o programa de remoção de barreiras físicas que impedem ou dificultam a locomoção das pessoas portadoras de deficiência, ampliando o acesso às cidades históricas, turísticas, estâncias hidro-minerais e grandes centros urbanos, como vistos no projeto "Cidade para Todos"
Longo Prazo
-Conceber sistemas de informações com a definição de bases de dados relevantes a pessoas portadoras de deficiência, à legislação, ajudas técnicas, bibliografia e capacitação na área de reabilitação e atendimento." (capturado em 06/07/2003)
Também os governos estaduais e a iniciativa privada têm se mostrado inclinados a realizar ações no sentido de promover a inclusão social do portador de deficiência, ainda que essas ações estejam aquém do desejado e necessário para a realização desse intento; mas já representam um certo nível de conscientização do problema social em questão.
Mesmo que possa parecer que a legislação brasileira e o governo brasileiro tardou em ocupar-se com os direitos do portador de deficiência, foi somente a partir da década de sessenta que o mundo passou a perceber a existência desses direitos, partindo da preocupação em definir o que seria deficiência a partir do meio em que a pessoa estaria inserida e das limitações do sujeitos em face do que é comum aos demais fazer. Porém, foi o Ano Internacional da Pessoa Deficiente (1981) que pôs toda a problemática que envolve o portador de deficiência em discussão, levando a ONU à criação do Programa de Ação Mundial para Pessoas com Deficiências, que passou a considerar "pessoa portadora de deficiência aquela que apresenta, em caráter permanente, perdas ou anormalidades de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gerem incapacidade para o desempenho de atividades dentro do padrão considerado normal do ser humano"; defendendo a igualdade de condições, melhorias na condição de vida, em razão do desenvolvimento e do progresso sócio-economico; e estabelecendo inúmeras diretrizes que assegurassem direitos individuais e sociais (saúde, educação, seguridade social, legislação,...) a serem seguidas pelos estados membros.
Preocupou-se, então, a OMS – Organização Mundial da Saúde, em fazer a Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (CIDID), em 1989, definindo "deficiência como toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica ou anatômica; a incapacidade como toda restrição ou falta – devida a uma deficiência – da capacidade de realizar uma atividade na forma ou na medida que se considera normal a um ser humano; e a desvantagem como uma situação prejudicial para determinado indivíduo, em consequência de uma deficiência ou uma incapacidade, que limita ou impede o desempenho de um papel que é normal em seu caso (em função da idade, sexo e fatores sociais e culturais)"
Em 1997 publicou a OMS uma nova edição daquela classificação, sem esgotar todas as doenças que direta ou indiretamente podem causar deficiências de maior ou menor expressividade (como: distúrbios da fala e comportamentais), denominando-a Classificação Internacional das Deficiências, Atividades e Participação: um manual da dimensão das incapacidades da saúde – CIDDIM-2, que amplia o conceito de deficiente e tenta facilitar sua inclusão social, ressaltando a contextualização ambiental dos portadores de deficiência e suas potencialidades, em detrimento das limitações e incapacidades, que passam a ser vistas como dificuldades no desempenho pessoal, em relação a fatores específicos do meio em que se encontra.
"As principais causas das deficiências são os transtornos congênitos e perinatais, decorrentes da falta de assistência ou assistência inadequada às mulheres na fase reprodutiva; doenças transmissíveis crônicas não-transmissíveis; perturbações psiquiátricas; abuso de álcool e de drogas; desnutrição; traumas e lesões, principalmente nos centros urbanos mais desenvolvidos, onde são crescentes os índices de violências e de acidentes de trânsito"
, os males crônicos-degenerativos (diabetes, infarto, osteoporose) e as doenças cerebrovasculares, além das seqüelas da vida moderna, tais como o estresse e a depressão.No Brasil, segundo a Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência são admitidas como deficiências somente a deficiência mental, motora, auditiva, visual e múltipla, por serem as mais abrangentes e freqüentes, constantes da Classificação da OMS.
Por outro lado, em 14 de novembro de 2000 foi promulgada a Lei nº 10.050, que veio acrescentar um parágrafo 3º ao art. 1611 do código civil de 1916, vigente àquela época, estendendo o direito real de habitação, que anteriormente cabia apenas ao viúvo casado sob o regime de comunhão universal de bens quando houvesse um único imóvel residencial dentre os bens deixados pelo "de cujus", por força do § 2º do mesmo artigo, ao filho portador de deficiência que o impossibilite para o trabalho, quando já não lhe restassem vivos pai ou mãe.
Esse dispositivo que pouca ou nenhuma eficácia teve em razão de sua recente inserção no ordenamento jurídico, e que sequer chegou a ser seriamente discutido pela doutrina, havendo tímidas discussões de pouca repercussão, acerca de sua constitucionalidade ou não, publicadas em artigos virtuais, foi simplesmente suprimido pelo legislador pátrio sem qualquer referência, por ocasião da promulgação do novo código civil, em 10 de janeiro de 2002, como se não fosse de nenhum interesse e sem nenhuma justificativa.
Assim dispunha referido parágrafo: "na falta do pai ou da mãe, estende-se o benefício previsto no § 2º ao filho portador de deficiência que o impossibilite para o trabalho"; dizendo assim, que não restando pai ou mãe ao filho portador de deficiência que o impossibilite para o trabalho, terá ele direito real de habitação sobre o único imóvel residencial, que o último dos pais falecidos deixar, impedindo a partilha real do bem, enquanto perdure a impossibilidade para o trabalho em razão da deficiência de que seja portador.
Para fim de esclarecimento, a habitação, segundo Mª Helena Diniz, é "um direito real limitado, personalíssimo, temporário, indivisível, instransmissível e gratuito", pelo qual o beneficiário está autorizado a permanecer temporariamente morando com sua família em imóvel residencial pertencente a terceiro. Direito este conferido ao filho portador de deficiência pelo dispositivo referido.
É preciso que se compreenda que o tratamento diferenciado dado ao filho portador de deficiência não implica em desatenção ao preceito do § 6º, do art. 227, da CF/88, mas, ao contrário, faz parte da política de proteção ao portador de deficiência que a própria Carta Magna institui nos já referidos dispositivos constitucionais, e que deve se dar tanto por meio de medidas administrativas como legislativas. O objetivo da lei aqui não é favorecer um filho em detrimento de outro, mas garantir moradia ao portador de deficiência que não tenha condições de trabalhar para garantir seu próprio sustento e moradia, razão pela qual defere-lhe a lei o direito de permanecer habitando a residência deixada por seus pais, gratuitamente, ao que não poderão se opor seus irmãos, que com ele poderão coabitar, posto serem condôminos do bem.
Se lhe parece, mesmo diante dos argumentos apresentados, que há um tratamento desigual entre o filho portador de deficiência e o filho que não apresente deficiência que o impossibilite para o trabalho, podemos até concordar. Mas, faz-se necessário lembrar que os desiguais devem ser tratados de forma desigual, oferecendo-se mais a quem tem menos, para tentar equilibrar as diferenças na balança; e se o portador de deficiência encontra-se em desvantagem por portar deficiência que o impeça de trabalhar, nada mais justo que garantir-lhe ao menos habitação.
Foi pensando assim, e tomada por um inconformismo que é peculiar a quem acredita no que é justo, que, incentivada e instruída pelo ilustre professor e jurista paraense que muito orgulha seus conterrâneos e discípulos Dr. Zeno Veloso, ousei enviar à Comissão encarregada de revisar e alterar o novo código civil sugestão de inclusão do dispositivo indevidamente, e talvez equivocadamente, retirado, com alguma inovação. Senão vejamos:
"Acrescente-se ao art. 1835 um parágrafo único:
Art. 1835...
Parágrafo Único. Se não houver pai ou mãe, o filho portador de deficiência que o impossibilite para o trabalho, e desde que prove a necessidade disto, terá, ainda, direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde seja o único bem daquela natureza a inventariar, enquanto permanecer na situação que justificou esse benefício"
Dessa forma, além dos requisitos: a) ausência dos pais; b) ser filho portador de deficiência; e c) da impossibilidade para o trabalho; acrescentou-se o requisito d) da necessidade; para garantir que a vantagem não vá resultar em injustiça para com os demais filhos, quando o portador de deficiência dela não necessite por possuir habitação própria, em decorrência de doação ou herança, por exemplo.
O certo é que depois de acolhida a sugestão pela Comissão, sensível à justificativa ora defendida, a alteração foi inserida no Projeto de Lei nº 6960 de 2002, garantindo-se a mantença de um direito recém-adquirido e provavelmente não gozado pelos portadores de deficiência.
É neste momento que precisamos questionar a sociabilidade, operabilidade e eticidade do novíssimo código civil já em vigor há pouco mais de um ano; além da tecnicidade e generalidade que não privilegia corporativismos ou quaisquer interesses dessa ou daquela categoria, como se orgulha em dizer o relator do novo código, Dr. Ricardo Fiúza. Porém, pela Política Nacional de Integração Social da Pessoa Portadora de Deficiência devem ser criadas por lei condições que favoreçam a adequação da sociedade às necessidades especiais do portador de deficiência para que ele tenha uma participação ativa na sociedade, não como mero carecedor de ações filantrópicas e assistencialistas. Não seria o código civil social uma excelente oportunidade legislativa de efetivar essa política?
Mas, ao longo de seus 2046 artigos, frustram-se as expectativas de localizar uma enxurrada de normas protetivas ao portador de deficiência, que, apenas genericamente, como qualquer outro indivíduo vê seus interesses tutelados, tanto nos livros da parte geral quanto da parte especial, na maioria dos casos, configurando exceção e raridade dispositivos que estabeleçam normas específicas ao portador de deficiência.
Mesmo numa análise superficial do novel codex percebe-se que somente alguns raríssimos dispositivos fazem referência ao portador de deficiência, de forma bem peculiar, pois na maioria dos casos fixa regras referentes à capacidade para o exercício dos atos da vida civil, limitando-se a atender aos interesses dos portadores de doença mental, impedindo-o de realizar atos civis sem a devida representação, como medida de proteção aos seus interesses, por não possuir o necessário discernimento à sua prática, e daqueles que com ele venham a se relacionar. Desse modo, não sendo o agente capaz, o negócio jurídico celebrado é nulo ou anulável, conforme prescrevem os arts. 3º, II c/c 166, I, e 4º, II c/c 171, I.
O art. 1522, por sua vez, restringe à pessoa capaz a legitimidade para opor os impedimentos matrimoniais de que tenha conhecimento. Além do quê, é nulo o casamento do enfermo mental contraído, por ser absolutamente incapaz.
Assombra a leitura dos arts. 1550, III c/c 1557, III e IV, que autorizam ao "cônjuge são" requerer a anulação do casamento por vício do consentimento, quando ignore defeito físico irremediável ou moléstia grave e transmissível por contágio ou herança ao outro cônjuge ou à descendência; ou doença mental grave, que torne insuportável a convivência. Em especial pela noção romântica que se tem de casamento, não como mero negócio jurídico, mas como meio de instituir família pelo enlace matrimonial de duas almas gêmeas, que assumem entre outros deveres a mútua assistência e o respeito e consideração mútuos.
Tais dispositivos encontram-se na contramão da integração social do portador de deficiências, discriminando-o, retirando-lhe o respeito e consideração que o outro cônjuge por ele deveria nutrir e a possibilidade de constituir legalmente uma família, colocando-o à mercê do outro cônjuge, sem que nem mesmo tenha a oportunidade de tentar obter sucesso na vida conjugal e demonstrar que suas necessidades especiais podem não oferecer qualquer empecilho a isso. De outro modo, válido o casamento, o "cônjuge enganado" teria a separação e o divórcio para desfazer o vínculo matrimonial, como prescreve o art. 1572, § 2º.
Já o parágrafo único do art. 1704, sem preocupar-se especificamente com o portador de deficiência, acaba por agraciá-lo quando confere ao cônjuge que deu causa à separação o direito de receber alimentos do outro, quando não possua parentes que o possam fazê-lo e não tenha aptidão para o trabalho – onde pode estar incluído o portador de deficiência que o impossibilite auferir renda por conta própria.
Ainda dentro do direito de família, no trato do bem de família, que é o imóvel residencial urbano ou rural destinado ao domicílio familiar e isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição enquanto viver um dos cônjuges ou, na sua falta, até que os filhos completem a maioridade, conforme prescrito nos arts. 1712, 1715 e 1716, não há previsão que contemple especificamente o portador de deficiência. E inclusive o parágrafo único do art. 1720 estabelece que a administração do bem de família passa ao filho maior mais velho ou ao tutor, caso todos sejam menores; sem cogitar da possibilidade desse filho ser maior, mas possuir curador por portar deficiência que o impeça de exercer pessoalmente os atos da vida civil ou, ainda, portar deficiência que não lhe possibilite trabalhar para garantir o sustento. Porém, o art. 1722, mostrando as imprecisões técnicas que nosso novo código civil possui, depois de determinar que a isenção da execução do bem de família dura até que os filhos completem a maioridade, sem referência à sua possível incapacidade decorrente de deficiência que o impeça de auferir o próprio sustento, determina que a extinção do bem de família ocorre pela morte de ambos os cônjuges e a maioria dos filhos, "desde que não sujeitos a curatela" – caso em que o portador de deficiência que se enquadre nos dispositivos referentes à incapacidade, somente, estará contemplado; excluindo-se os demais que, mesmo sendo considerados capazes, não estão aptos a exercer atividades laborativas, encontrando-se em condição de hipossuficiência e na iminência de perder o bem imóvel onde reside em razão da possibilidade de ser ele executado, penhorado e alienado em cumprimento das obrigações assumidas por sua família.
Mais adiante, em matéria de curatela, inicialmente não parece haver qualquer inovação, em especial no rol de interditos, cujos incisos I, III e IV do art. 1767 limitam-se ao portador de deficiência mental, considerados incapazes, como dito alhures (art. 1772). Porém, o art. 1780 traz a maior inovação da matéria ao disciplinar a curatela do enfermo ou portador de deficiência física, que tanto pode ser requerida por ele, como por seus pais, tutor, cônjuge, qualquer parente ou pelo Ministério Público, para cuidar de todos ou de alguns de seus negócios e bens.
Como se vê, nessa curatela administrativa especial, o curatelado preserva sua capacidade, podendo ele próprio nomear pessoa que deseje seja seu curador, funcionando semelhantemente a um mandato, a representação voluntária, em que o curatelado transfere poderes para que o curador administre total ou parcialmente o patrimônio. E, apesar de não haver referência ao grau da enfermidade ou deficiência, entende a doutrina que deva ser grave o suficiente para dificultar a boa administração de seus negócios e justificar querer deferí-la a outrem.
Silvio Rodrigues não somente considera essa inovação merecedora de aplauso, mas também a curatela parcial, com a ampliação das hipóteses em que o juiz pode estabelecer seus limites adequando-os ao estado ou desenvolvimento mental do curatelado, como no caso do art. 1780, que se restringe aos atos de disposição patrimonial.
Os arts. 1865, 1866, 1872 e 1873 cuidam da capacidade específica para testar dos cegos, surdos-mudos, surdos, mudos e daqueles que por debilidade física, paralisia, ainda que parcial, amputação das mãos, imobilização dos braços, etc; fixando a possibilidade de fazerem-no exclusivamente pela forma do testamento público, exceto no caso do surdo-mudo, do surdo ou do mudo, que, sabendo escrever, podem fazer testamento, desde que escreva na face externa do envoltório que aquele é seu testamento, cuja aprovação pede ao oficial público.
Nos arts. 1962, IV e 1963, IV estabelece-se a possibilidade de exclusão do herdeiro necessário da sucessão por deserdação, em caso de desamparo do testador em alienação mental ou grave enfermidade, como no código revogado e no art. 229 da Constituição Federal – que institui o dever de assistência recíproca entre pais e filhos, sendo que os pais em relação aos filhos têm seu dever limitado à menoridade, sem nenhuma referência à carência ou deficiência ou enfermidade, enquanto que os filhos têm dever em relação aos pais a partir do momento em que atingem a maioridade, devendo ampará-los na velhice, carência ou enfermidade.
No que concerne à responsabilidade civil, matéria que vem ganhando tamanha projeção na vida moderna que mereceu a inclusão de título próprio à sua disciplina, no livro do direito das obrigações, os arts. 928, 932, II, 933, 942, parágrafo único, 949, 950, parágrafo único e 951, fixam regras que tanto estabelecem a responsabilidade civil do incapaz e de seu representante, ai incluído o portador de deficiência, em relação aos danos que provoca a terceiros, mesmo que sem culpa, quanto os casos em que os terceiros que causem danos aos incapazes, inclusive conduzindo-os à deficiência física ou mental, que diminua ou retire sua capacidade para o trabalho, deverão reparar o dano causado inclusive pagando pensão que corresponda à importância do trabalho para o qual se inabilitou ou da depreciação que sofreu – o que o prejudicado pode exigir que seja pago de uma única vez. Desses artigos o que mais se adequa à proteção do portador de deficiência é o art. 950 e seu parágrafo único, e também o 951.
Como visto, são pouquíssimos os artigos, que num universo de 2046 artigos, se prestam a favorecer a política de proteção da pessoa portadora de deficiência, em reconhecimento à sua condição de hipossuficiência, favorecendo sua integração e inclusão social ativa, no mais recente instrumento legislativo promulgado pelo ordenamento jurídico brasileiro e que, no dizer do mestre Miguel Reale, é o segundo instrumento em importância dentro do ordenamento: a constituição privada de um povo, o código civil.
Apesar de poucos serem os dispositivos que favorecem os interesses do portador de deficiência, alguns têm uma excelência incontestável, como o art. 950 e seu parágrafo único e o art. 1780, por exemplo. Mas isso não nos permite esquecer e perdoar a retirada indevida e injustificada do § 3º que a Lei nº 10.050/200 inseriu no art. 1611, do código civil revogado; nem nos faz deixar de pensar que o legislador perdeu a melhor oportunidade de nossa evolução legislativa para adequar o código civil à política nacional de integração da pessoa portadora de deficiência, fixando regras de proteção às suas necessidades especiais.
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