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Algumas considerações sobre o tombamento

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01/06/2000 às 00:00
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8. Limitação ou servidão administrativa?

Inúmeras colocações tentam explicar, dentro da natureza jurídica do tombamento, em face do direito público-administrativo, denominações que o esclareça.

A servidão administrativa é uma forma de intervenção do Estado na propriedade, vista como branda, porque atinge o uso exclusivo da propriedade, sem atingir seu caráter absoluto, como a limitação. O particular passa a ter que dividir o uso de sua propriedade com o Poder Público.

Todos os entes da Federação podem fazê-lo, conforme o previsto no Decreto-lei 3.365/41, art. 40, p. 451, com argumento aproximado do da ocupação temporária. O expropriante, que pode ser qualquer ente da Federação, poderá construir servidões mediante indenização na forma da lei e também fazer servidão administrativa.

A grosso modo, quando se refere à servidão administrativa, os estudiosos da matéria e especialmente os civilistas, pensam em servidão predial.

A servidão, que se estuda no Direito Civil, é o direito real, eminente, pois, a maioria das servidões administrativas são de direito real. Ou seja, miar percentual do Direito Público só admite servidão administrativa em cima do direito real. Contudo, a servidão pode incidir sobre atividades, de acordo com a posição de Adilson Abreu Dallari.

Dallari ressalta dois significativos exemplos de servidão administrativa: tanto o militar fardado quanto o carteiro uniformizado têm passe livre nos meios de transporte coletivo. Isto é servidão administrativa, porque é gratuidade dominante, diante do trabalho executado pelos dois no serviço público. É servidão atingindo uma atividade e não um bem imóvel. Mas é bom não confundir com a gratuidade ao idoso e ao menor (estudante), porquanto nada tem a ver com servidão; trata-se de liberalidade da lei que procura favorecer o menor e o idoso. Servidão é para a gratuidade de transportes liberada ao militar e/ou ao carteiro e outros profissionais. No entanto, grande parte dos autores só vê a servidão incidindo sobre o direito real (imóvel); um dos exemplos mais comuns descritos em livros, é o da passagem de fio de alta tensão na propriedade; ou a servidão do gasoduto.

Exemplo: no alto de uma montanha foi instalada uma torre com fios de alta tensão (local onde o proprietário e sua família nunca colocou os pés), então ele terá que ser indenizado? Lógico que não, pois ele e sua família não estão sofrendo nenhum dano. No caso de a propriedade ser de um criador de gado nelore, e o local ser comum ao pasto dos seus animais, a alta tensão poderá prejudicar a criação bovina e, conseqüentemente, cabe ao proprietário solicitar indenização pelos prováveis prejuízos.

Outro exemplo: a colocação de placas em casas e prédios com os nomes das ruas (exemplo típico de servidão), para a qual não cabe qualquer tipo de indenização, já que não há nenhum dano; tal juízo insere-se no art. 36 do Decreto-lei 3.365/41.

          Servidão = desapropriação. A forma da servidão é a forma da desapropriação. Tudo tem início com o decreto emanado pelo Chefe do Executivo, igual ao da desapropriação, com a declaração de utilidade pública. Assim se iniciam as duas.

Ao declarar uma área de utilidade pública para fim de servidão, primeiramente se dirige ao proprietário do imóvel, e esclarece o motivo da utilidade pública daquele imóvel, buscando um acordo administrativo que vai gerar uma indenização, no que concerne à área e também ao prejuízo que irá sofrer seu proprietário. Caso não se chegue a um acordo, começa a tramitação do processo judicial e, dados os trâmites por findos, é emitida a sentença que terá que ser cumprida. E assim se efetiva a servidão, nos mesmos moldes da desapropriação.

Naturalmente que o imóvel há que ser inscrito no registro de imóveis, que depois da sentença do juiz, é feita nova inscrição no registro de imóveis da servidão.

As servidões estão muito ligadas ao uso do espaço aéreo e do subsolo, porque em grande maioria atendem a servidões de passagem (de fios de alta tensão, de oleodutos, de gasodutos, de espaço aéreo), e seja lá o que for no espaço aéreo, no subterrâneo ou no subsolo.

Daí nos permitir criticar o art. 2º da Lei de Desapropriação, § 1º, ou, foi até questão da Magistratura do Estado, sobre a qual muita gente esbarrou no § 1º do art. 2º, em prova recente, que a muitos parecer estar certa a questão., quanto à necessidade de desapropriação do espaço aéreo ou do subsolo.

A pergunta era a seguinte: - Pode-se desapropriar o espaço aéreo e o subsolo? A resposta da grande maioria foi pode e não pode. Por que? Responderam vários deles: - Porque são bens da União e bem público só pode ser desapropriado de cima para baixo. Calma! O César Maia não desapropriou os bens das DOCAS do Rio de Janeiro? Ele alegrou que o nem não pertence à União, mas à Sociedade de Economia Mista DOCAS. Esqueceu-se ele, porém, que a Lei da Desapropriação fala que o patrimônio da administração indireta - União -, só pode ser desapropriado pelos outros seres, se aceitar essa desapropriação o Presidente da República; há que se ter autorização por escrito do Presidente.

Decreto-lei nº 3.365/41, parágrafo 3º, artigo 2º: "É vedada a desapropriação pelos Estados, Territórios, Distrito Federal e Municípios de ações, cotas e direitos representativos do capital de instituições e empresas, cujo funcionamento dependa de autorização do Governo Federal, e se subordine a sua fiscalização, salvo mediante prévia autorização, por decreto, do Presidente da República, § 3º, art. 2º, da Lei de Desapropriação".

No caso de desapropriação do solo, subsolo, espaço aéreo - que são bens da União -, particularmente, penso ser matéria de servidão. Em quase 99% desses casos, se o uso do espaço aéreo, solo, subsolo etc, se porventura prejudicarem o proprietário, fica instituída a servidão administrativa, cuja indenização é bem menor que no caso de desapropriação.

Os artigos que preconizam a desapropriação e a servidão administrativa são pessimamente redigidos, chego a dizer, são de uma redação horrorosa, dando a entender que se pode desapropriar o subsolo e o espaço aéreo, sem sequer mencionar a servidão.

O Poder Público utiliza-se da servidão e não da desapropriação, nesses casos.

Há três tipos de diferenças basilares entre servidão e limitação administrativa:

a) Diferença quanto ao grau de intervenção na propriedade; pois a limitação pode atingir um caráter absoluto da propriedade. A limitação pode pegar o uso, o gozo e a disposição, atingindo o caráter absoluto. Na servidão, existe apenas o uso exclusivo da propriedade. Daí que quanto ao grau de intervenção, a limitação é mais genérica do que a servidão: a servidão atinge apenas o uso exclusivo da limitação, o caráter absoluto da propriedade, apesar de não retirá-la do particular, quando se diz absoluto.

b) Refere-se ao sujeito passivo. Quem sofre a servidão? Quem sofre a limitação? Limitação = sujeito passivo genérico, abstrato, indeterminado. Ex. Todos os moradores de um bairro, uma rua, uma cidade, ou seja, são indeterminados na limitação administrativa. A servidão é seu oposto, pois se alguém vai usar certa propriedade, dividir com o dono seu uso, terá que saber quem é o seu proprietário. Assim, na servidão administrativa o sujeito passivo é determinado, específico, concreto.

c) No caso de a Administração Pública colocar fios elétricos na propriedade de várias pessoas, impreterivelmente terá que fazer acordo com todos eles. Os sujeitos são determinados; portanto, é mister o decreto, os acordos, o registro dos imóveis etc.

É a 3ª diferença: limitação é via lei; servidão é via decreto.

Todavia, há que se ter certos cuidados, pois algumas servidões são criadas por lei - a regra é o decreto -, mas temos servidões criadas por leis. Ex. O código da Aeronáutica, Código do Ar Brasileiro, cria uma servidão em torno do aeroporto, servidão administrativa de fixação de gabarito. É uma servidão, embora se fale em gabarito, porque tem coisa dominante, a navegação aérea, que é o que interessa à coletividade; coisa subserviente quanto aos imóveis existentes ao redor do aeroporto. Isso é servidão e não limitação administrativa; é criada por lei. Não é preciso baixar decreto, não requer acordos, e aí ao invés de passivo, passa a ser indeterminado, porque já se trata de uma exceção.

Ao responder a pergunta de um de meus alunos, quanto a diferença entre servidão e limitação administrativa, esclareço: Temos três diferenças basilares, a primeira é quanto ao grau de intervenção na propriedade (intervenção à limitação), que atinge caráter absoluto da propriedade; a limitação pode pegar o uso, o gozo e a disposição, então ela atinge o caráter absoluto. Na servidão, pelo contrário, é só o uso (atinge o uso exclusivo da propriedade). Quanto ao grau de intervenção, a limitação é mais genérica do que a servidão; pois esta pega apenas o uso exclusivo. A limitação atinge o caráter absoluto da propriedade, apesar de não retirá-la do particular. Quando se diz absoluto, pensa-se logo que esteja tirando a propriedade, mas não é isso, atinge- o caráter absoluto sem retirar a propriedade, pois pode atingir o uso, o gozo e a disposição.


9. Tombamento cria servidão

Um exemplo que não pode ser deixado de lado é o caso de o tombamento criar uma servidão. Digamos que em torno da coisa tombada, conforme o Decreto-lei 25/37, que regula o tombamento, no artigo 18, p. 440, cria uma servidão administrativa.

          A redação da lei de tombamento no Direito Brasileiro, sem prévia autorização do IPHAM - Instituto do Patrimônio Histórico Artístico e Administrativo Nacional -, diz que a vizinhança do imóvel tombado não poderá fazer construção que impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandado destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se multa de 50%, nesse caso.

Isso quer dizer que, dominante é o bem tombado, e serviente se tornam os imóveis em torno do bem tombado, por força de Lei ou Decreto-lei. Ou seja, o decreto tem força de lei, é sujeito passivo indeterminado (não requer seja baixado decreto), não precisa correr atrás de ninguém em torno da coisa tombada. O art. 18, no entanto, não fala o que deve existir em torno do tombamento.

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Trata-se, inegavelmente, de servidão administrativa, na qual a dominante é a coisa tombada e, serviente, os prédios vizinhos.

Em São Paulo, conforme Maria Sylvia Zanella di Pietro, (D. Adm. P. 121), também foi instituída servidão sobre os prédios vizinhos aos bens tombados, porém se definiu um raio de 300 metros em torno da coisa tombada, conforme Decreto nº 13.426, de 16.03.79 (arts. 137 e 138). E o artigo 1] do Decreto-lei Complementar nº 2, de 15.08.69, determina que "para a preservação dos locais a que se refere o artigo 127 da Constituição Estadual, os Municípios não poderão aprovar construções e loteamentos ou a instalação de propaganda, painéis, dísticos, cartazes, ou semelhantes, em zonas declaradas de interesse turístico estadual, ou na vizinhança de bens tombados, que contrariem padrões de ordem estética fixados pelo Governo do Estado". Idêntica norma se encontra no artigo 16 do Decreto s/nº, de 19.12.69, que regulamenta o Decreto-lei nº 149/69, o qual, pró sua vez, dispõe sobre tombamento de bens, para a proteção do patrimônio histórico e artístico estadual.

Exemplo: O proprietário recebe alvará da Prefeitura para construir o imóvel e, tudo legalizado, edifica seu prédio; e de repente aparece lá um fiscal do IPHAN que o notifica que ele não pode fazer essa construção, por estar dentro da área de tombamento (raio de 300 metros em torno da coisa tombada); a obra é embargada. Bem, e quem vai pagar os prejuízos ao proprietário do imóvel? Ora, a Prefeitura concedeu o alvará de licença, sem avisá-lo da impropriedade da construção naquele terreno. Caberá ao Município ou ao IPHAN indenizá-lo? A jurisprudência é mínima sobre a matéria, mas se deduz que caberá ao IPHAN providenciar a indenização.

Admito que o assunto mereça enfoques mais modernos, dentro da ciência jurídica e administrativa, sobretudo, fazendo que em cidades onde existem muitos imóveis pertencentes ao Patrimônio Histórico e Artístico, haja um relacionamento mais estreito entre o IPHAN e a Prefeitura Municipal, pelo menos para que se fique esclarecida a área proibida para tais construções, propagandas, painéis, cartazes etc.

Outra servidão criada por lei eram aqueles terrenos marginais, lembrados através do Decreto-lei nº 9.760/46, áreas de expropriação constitucional confiscatória - terreno marginal -, servidão, para o qual veio uma comissão e avisou que aquilo é bem da União. É um exemplo de servidão criado por lei, como os que falam sobre as áreas de regiões ribeirinhas dos rios públicos, 15 metros no interior. Antes, a servidão abrangia terrenos reservados ou marginais, e veio a Constituição e passou tudo para o poder da União, e também não é mais servidão, e sim desapropriação.


NOTAS

  1. Telles, Antonio A Queiroz. Tombamento e seu regime jurídico, obra citada, p. 42.
  2. José Cretela Júnior, Dicionário de Direito Administrativo, ob. citada, ps. 492-493.
  3. Cretella Júnior. Dicionário de Direito Administrativo, obra citada, p. 481.
  4. Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, obra citada, p. 517.
  5. Figueiredo, Lúcia Valle. Disciplina Urbanística da Propriedade, São Paulo : Editora RT, 1980, p. 59.
  6. Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, obra citada, p. 482.
  7. Figueiredo, Lúcia Valle. Disciplina Urbanística da Propriedade, obra citada, p. 59.
  8. Machado, Paulo Afonso Leme. Ação Civil Pública e Tombamento, obra citada, p. 75.
  9. Machado, Paulo Afonso Leme. Ação Civil Pública e Tombamento, obra citad, p. 76.
  10. Idem, p. 76
  11. Telles, Antonio A Queiroz. Tombamento e seu regime jurídico, obra citada, p. 81
  12. Telles, Antônio A Queiroz. Tombamento e seu regime jurídico, obra citada, p. 91.
  13. Prieto, Maria Sylvia Zanella Di. Servidão administrativa, obra citada, p. 119.
  14. Idem. P.
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Sobre o autor
José Maria Pinheiro Madeira

professor da pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade Estácio de Sá, professor do Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos, professor do CEPAD (Centro de Estudos Pesquisa e Atualização em Direito), professor palestrante do IBEJ (Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MADEIRA, José Maria Pinheiro. Algumas considerações sobre o tombamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 42, 1 jun. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/485. Acesso em: 23 abr. 2024.

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