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Dilma e sua “storytelling” golpista. A armadilha do PC4 derruba todos os governos

13/05/2016 às 11:23
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Apresentamos um estudo realizado por economistas alemães que constatou o comportamento dos eleitores quando a situação econômica do país está intragável.

Basta olhar os antecedentes históricos para constatar que a percepção da economia anda de mãos dadas com a boa ou má aprovação do governante. Quando a economia vai bem, a valoração geral é positiva (Lula, mesmo reprovado setorialmente pelas suas escolhas ideológicas, saiu do palácio com 83% de aprovação, apesar do mensalão e de todas as roubalheiras que aconteciam debaixo dos tapetes das estatais, destacadamente na Petrobras); quando tudo vai mal, o governante colhe a má plantação, e tanto as elites como as classes populares e a mídia passam a praguejar infernalmente sua administração.

O que acaba de ser narrado é tão velho como o antigo Egito, “onde os faraós rezavam incansavelmente para que o rio Nilo nunca secasse. Rio seco significava más colheitas e tudo era de responsabilidade do faraó (mesmo as coisas incontroláveis pelo humano); os súditos, quando ocorria uma longa estiagem, interpretavam isso como perda dos poderes e dos favores divinos do governante, o que lhes obrigava a tirá-lo do trono”[1].


A realidade da crise brasileira

Por dever do meu ofício de estudante e pesquisador independente, sei que vou ativar em seguida o córtex da ínsula (que representa as emoções negativas como injustiça e desgosto), assim como o córtex órbitofrontal (que representa os valores morais[2]) dos admiradores de Dilma. Vejo isso como o ônus que pagamos sempre que nos colocamos como partidaristas ou sectaristas de uma causa, de uma pessoa, de um time, de um partido, de um ídolo, de uma religião ou de uma ideologia, deixando que as paixões promovam as devidas distorções da realidade.

Dilma (do mesmo modo o PT) está colhendo o que plantou. Caiu na armadilha do PC4: faltou Pão, Circo, Competência administrativa e Confiança e, de sobra, veio o envolvimento do seu partido com a Corrupção.

A questão do pão: quando o bolso sente (bolso do pobre, que afeta sua alimentação, e bolso das elites, quando perdem seus lucros), a popularidade do presidente cai, sobretudo em regimes presidencialistas como o nosso, em que tudo é creditado ou debitado em sua conta. Inflação, desemprego, recessão e PIB negativo geram críticas, desespero e insatisfação.

O circo do século XXI (que é a agudização do circo da modernidade e do mercado) reside na alegria do consumismo, da linha branca, do carro ou da moto, do crédito fácil; quando tudo isso diminui, cai também a (sensação da) qualidade de vida, que gera ira. Dilma foi escolhida por Lula para sucedê-lo em virtude da sua capacidade de “gerentona”, durona, séria. Uma coisa é o figurino na teoria e outra é a prática. Revelou-se inflexível, apolítica, sem carisma e uma péssima comunicadora. Vivemos a era da “teatrocracia”; quem não se comunica bem nessa era despenca na popularidade. Dilma falhou redondamente no item comunicação e diálogo, sobretudo com o Parlamento (que não lhe deu o apoio necessário para a governança). Estava convencida de que sabia tudo, de que sempre estava certa. Faltou-lhe não só capacidade gerencial senão também teatral. Foi inevitável o seu isolamento e queda.

Com a queda da sua popularidade (menos de 10% de aprovação), a desconfiança foi aumentando a cada dia: primeiro das elites e da mídia financista até chegar em todas as classes populares (conforme pesquisa do Datapopular). Sem confiança, não há investimentos e, sem investimentos, não há crescimento econômico (daí o PIB negativo). Tudo isso somado aos escândalos de corrupção do PT (especialmente na Petrobras) tornou impossível a sustentação do governo Dilma, que ainda presidiu o conselho de administração da petrolífera de 2003 a 2010.

Não há governo no mundo (nas democracias) que se sustente quando ele é responsável por todos esses vícios de governança. O governo Lula, profundamente corrupto (conforme a tradição cleptocrata brasileira), sustentou-se com os demais eixos, funcionando bem (pão, circo, confiança e habilidade política). O item corrupção o povo, paradoxalmente, talvez possa perdoar. Em relação aos demais, a população é implacável. A corrupção, conforme nossos costumes, por si só, quando todo mundo está ganhando (ricos e pobres), pode não derrubar o governo. Paulo Maluf já foi reeleito incontáveis vezes. Somando-se a falta de pão, de circo, de competência administrativa e de confiança com a corrupção, não há governo que não se desmorone (veja, abaixo, a pesquisa mundial de três economistas alemães).


A “storytelling” golpista

“Storytelling” é a arte de contar histórias. Quando não temos uma história para contar, assumimos as histórias dos outros. Só não dá para viver sem histórias. Nos EUA, o poder sempre foi buscado contando histórias convincentes sobre a nação, seus problemas ou sobre os candidatos mesmos. No exercício do poder os presidentes devem continuar contando histórias adequadas e mudá-las quando necessário. Quando fora do poder (esse é o caso de Dilma, que está na iminência de deixá-lo), “o esforço na saída e nos anos seguintes consiste em fazer com que sua versão da sua presidência seja a que se inscreva indelevelmente na História. Sem uma boa história, não há poder nem glória.”[3].

Dilma construiu uma história sobre seu impeachment: é a história do golpe. É degradante ficar registrado na História que sua queda se deveu à falta de pão (inflação, recessão, desemprego, PIB negativo), de circo (redução drástica do consumismo), de competência administrativa e confiança. De sobra, que seu governo conviveu com uma enxurrada de corrupção do seu partido (PT) e aliados (PP, PMDB etc.). Elaborou-se uma narrativa, que tem que ser levada até o fim. Dizem que ela sairá pelo mundo para denunciar “o golpe”. É a tentativa de fazer pegar a sua história. As causas verdadeiras da sua queda até os faraós do antigo Egito já conheciam.


Pesquisa mundial

Não é nenhuma novidade que as agudas crises econômicas ou econômico-financeiras (as que agravam a capacidade de consumo da população, a inflação, o desemprego, o crescimento econômico, a diminuição da renda e o crédito das classes médias e populares, particularmente quando acompanhadas de outras crises – política e ética) geram enorme descontentamento na população, que prontamente joga a culpa nos governantes de plantão. O que nós não sabíamos, cientificamente, era quantificar em termos eleitorais o desgaste.

Três economistas alemães cuidaram do tema: Manuel Funke, Moritz Schularik e Christoph Trebesch.[4] Eles analisaram mais de 800 eleições em países ocidentais ao longo dos últimos 150 anos e mapearam 100 crises financeiras. Podemos extrair desse trabalho três conclusões:

Primeira: “a política tende a dar uma guinada forte para a direita [ou extrema-direita] logo após as crises financeiras. Em média, os votos na extrema-direita [ou direita ou centro-direita] aumentam em cerca de um terço nos cinco anos seguintes a crises bancárias sistêmicas”.[5].

No que diz respeito às crises bancárias (financeiras), “a Grande Depressão dos anos 1930 que se seguiu ao crash de Wall Street em 1929 é o exemplo mais saliente e preocupante que vem à mente, mas a tendência pode ser observada mesmo nos países escandinavos, na esteira de crises bancárias no início da década de 1990”[6].

Se a tendência e a média mundiais forem válidas para o Brasil (ou aqui seria tudo diferente?), 1/3 do eleitorado deixaria o lulopetismo (de esquerda conservadora) para sufragar algum candidato de centro-direita ou de direita ou de extrema-direita.

Considerando-se que a vitória de Dilma em 2014 foi muito apertada, sua derrota doravante seria inevitável. Mas será que os números já combinaram tudo isso com os russos do time adversário?

Segunda: a segunda conclusão que se pode extrair do levantamento de Funke, Schularik e Trebesch é que “se torna mais difícil governar após crises financeiras” [leia-se, após a queda do governante].

Duas são as razões: “a ascensão da extrema direita [ou da direita] acontece num cenário político normalmente fragmentado, com maior número de partidos, e uma parcela menor dos votos vai para o partido no governo; assim, fica mais difícil produzir ações legislativas decisivas; ao mesmo tempo, ocorre um surto de mobilização extraparlamentar: mais greves, greves mais prolongadas e maiores manifestações de protesto. O controle das ruas pelo governo não é tão firme. O número médio de manifestações antigovernamentais triplica, a frequência de distúrbios violentos dobra e greves gerais aumentam em pelo menos um terço”.[7]

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Terceira: “esses efeitos vão, gradualmente, diminuindo”. Duram uns cinco anos. Porém, esse período parece válido depois que a crise passa definitivamente.

No caso do Brasil, estamos ainda no epicentro de uma aguda crise econômica, que tende a se agravar na medida em que aumenta a crise política (irmã gêmea), que somente agora está vendo uma luz no fim do túnel.

A esperança que o Lula representava em 2002 está virando pó para a maioria da população, que já apresenta forte rejeição a seu nome (metade dos eleitores).

Se os resultados do levantamento dos economistas alemães forem válidos para o atual contexto brasileiro (de inflação, desemprego, corte de crédito, diminuição do consumo e da renda, baixo crescimento econômico, baixíssimo índice de popularidade de Dilma, queda no PIB per capta, retração na indústria e no comércio etc.) e se considerarmos a pequena diferença de votos nas eleições de 2014, passa a ser razoável (no mínimo crível) supor a vitória de um bloco de oposição nas próximas eleições.

Há efervescência eleitoral: quem transmitir mais confiança ao eleitorado em relação a efetivas mudanças, com segurança, ganha as próximas eleições. A era lulopetista, se todos os números estiverem corretos, está com seus dias contados. Um velho ditado diz: “Não há bem que sempre dure, não há mal que nunca acabe”.

Outra constatação feita por Howard Davies[8] diz o seguinte: “na primeira onda de eleições pós-crise de 2008, em vários continentes, a mensagem dos eleitores foi clara num sentido, e nebulosa em outro. Fosse qual governo estivesse no poder quando a crise irrompeu, quer de esquerda ou de direita, foi destronado e substituído por um governo de orientação oposta”.

Isso valeu para os EUA (saiu Bush e entrou Obama), Reino Unido, França e incontáveis outros países. Uma das exceções foi a Alemanha de Angela Merkel. A França “mudou da direita para a esquerda e o Reino Unido passou da esquerda para a direita”. O veredicto dos eleitores sobre seus governos foi mais ou menos idêntico: as coisas deram errado durante seu mandato, então você cai fora.

A repulsa ao governante chega no limite do insuportável quando o governo não governa, quando o presidencialismo não tem presidente eficiente, quando o presidente perde sua legitimação, e por aí vai.


Notas

[1] Ver GALINDO, Jorge et alii. Politikon – La urna rota. 5ª edição. Barcelona: Penguin Random House Grupo Editorial, p. 12.

[2] Ver http://www1.folha.uol.com.br/colunas/suzanaherculanohouzel/2016/04/1764637-partidarismo-e-o-cerebro.shtml, consultado em 26/4/16.

[3] Ver CORNOG, Evan, citado por SALMON, Christian. Storytelling. Tradução Inés Bértolo. Barcelona: Grup Editorial, 2016, p. 31.

[4] Ver DAVIES, Howard, Valor Econômico: http://www.valor.com.br/opiniao/4372636/consequencias-politicas-das-crises, consultado em 30/12/15.

[5] Ver DAVIES, Howard, Valor Econômico: http://www.valor.com.br/opiniao/4372636/consequencias-politicas-das-crises, consultado em 30/12/15.

[6] Ver DAVIES, Howard, Valor Econômico: http://www.valor.com.br/opiniao/4372636/consequencias-politicas-das-crises, consultado em 30/12/15.

[7] Ver DAVIES, Howard, Valor Econômico: http://www.valor.com.br/opiniao/4372636/consequencias-politicas-das-crises, consultado em 30/12/15.

[8] Ver DAVIES, Howard, Valor Econômico: http://www.valor.com.br/opiniao/4372636/consequencias-politicas-das-crises, consultado em 30/12/15.

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Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. Dilma e sua “storytelling” golpista. A armadilha do PC4 derruba todos os governos . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4699, 13 mai. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48613. Acesso em: 26 dez. 2024.

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