A paternidade responsável e a indenização por abandono afetivo

02/05/2016 às 09:09
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Analisar as discussões sobre o abandono afetivo tema bastante relevante, levando em consideração a grande quantidade de ações interpostas por filhos em busca de um dano moral causado pela falta de amor recebido por parte dos pais.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho possui como objetivo analisar as discussões sobre o abandono afetivo tema bastante relevante, levando em consideração a grande quantidade de ações interpostas por filhos em busca de um dano moral causado pela falta de amor recebido por parte dos pais. Pode-se definir abando afetivo como a falta do dever de cuidado imposta pelo estatuto da criança e do adolescente em seu artigo 22, onde é obrigação dos pais “o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores”, com o desamor ofertado causando-lhe danos psicológicos irreversíveis, pois sabemos que é na infância a fase primordial para a formação de um ser humano.

Como é notável que o direito de família está se adequando cada dia mais a uma sociedade moderna, onde as relações familiares vem tomando conta do nosso ordenamento jurídico, visto que hoje torna-se possível a responsabilização civil do genitor pela falta de afeto dedicado ao filho,motivo esse que pode gerar a perda do poder familiar pelas obrigações descumpridas. Como bem explica a Constituição Federal em seu artigo 226, o planejamento familiar pertence apenas ao casal, sendo assim respeitando o principio da dignidade da pessoa humana e o da paternidade responsável, ou seja, se tal decisão implica simplesmente na vontade dos pais, é certo que ao formar uma família e depois não cumprir com seus deveres é cabível a responsabilidade civil pelo abandono afetivo.

O direito dos filhos ingressarem com ações são constituídos pelo principio da afetividade em consonância com o principio da dignidade da pessoa humana, pois de acordo com a Lei Maior tal principio deve ser respeitado em todas as relações jurídicas, inclusive as relações familiares.

A partir dessa nova visão poderemos perceber que é possível encontrarmos no nosso ordenamento jurídico divergências acerca do abandono afetivo e a sua responsabilização, sendo necessária uma análise baseada em casos concretos e seguindo assim a evolução das jurisprudências em relação a responsabilidade civil.

JUSTIFICATIVA

Inobstante haver na doutrina e jurisprudência pátria um conceito definido sobre o termo abandono afetivo, há que se distinguir o dever de cuidar do dever de amar. Isso porque não é a falta de amor ou a falta de afeto que gera o ato ilícito e o dever de indenizar, pois o amor e afeto não são e não podem ser impostos pelo ordenamento jurídico, por serem sentimentos. A conduta que pode ser caracterizada como ilícita e eventualmente ensejar o dever de indenizar é a falta de dever de cuidado, não qualquer um, mas aquele que decorre da legislação civil e que é imposto a todos os pais, como dever inerente ao poder familiar.

Assim, ante a ausência de uma legislação própria sobre as características do abandono afetivo, se faz necessário um estudo mais aprofundado no sentido de traçar parâmetros que orientem os aplicadores do direito quanto ao dever de indenizar por dano moral nas relações decorrentes do dever de cuidado e da falta do afeto.

E depois de algum tempo, tornou-se possível punir e reparar um dano causado ao menor pelo nosso ordenamento jurídico, devido à recorrência do tema nos tribunais, e com isso nota-se a necessidade de se analisar o viés jurídico do afeto.

REFERENCIAL TEÓRICO

De inicio será analisado o tipo de pesquisa que irá seguir com o objetivo de encontra os meios em que se quer focalizar, e os meios bibliográficos e documentais, como nos leciona Cervo, Bervian e Silva (2007, p. 81):

À medida que os documentos que interessam ao assunto são identificados e localizados pela leitura de reconhecimento, deve-se anotar as referências bibliográficas. Em outros termos, procede-se á elaboração preliminar da bibliografia do próprio trabalho. A bibliografia para uso do pesquisador deve estar relacionada com o plano de assunto, de sorte que corresponda às suas partes constitutivas. Faz-se, pois, a seleção desse material com vistas ao tema ou ao aspecto que se quer focalizar.

Vale salientar que o conceito de família vem se aprofundando a cada dia que passa, pois, pode-se dizer que na antiguidade não se existia família, mas apenas uma união de pessoas em busca de uma procriação. Mas ao passar dos tempos foi possível notar que a união de duas pessoas deveria se dar pelo simples fato de se completarem e com isso formarem um lar, tornando assim o que podemos chamar de família. De acordo com Gonçalves (2005, p. 1), família é:

A família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social; sem sombra de dúvidas trata-se de instituição necessária e sagrada para desenvolvimento da sociedade como um todo, instituição esta merecedora de ampla proteção do Estado.

Segundo Pereira (2004, p. 36), apud Dias (2011, p. 27), família é:

 

A família juridicamente regulada nunca é multifacelada como face como a família natural. Essa preexiste ao estado e esta acima do direito. A família é uma construção cultural. Dispõe de estruturação psíquica na qual todos ocupam um lugar, possuem-lugar do pai, lugar da mãe, lugar dos filhos, sem, entretanto, estarem necessariamente ligados biologicamente.

 

De acordo com a Magna Carta o direito de família possui como base o casamento. Contudo, vejamos o artigo 226 da CF/88:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.

§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

Com a leitura do artigo acima é possível notar que após a Magna Carta de 1988, a relação entre homem e mulher tornou-se uma responsabilidade solidaria, quebrando assim o que chamamos de poder patriarcal.

O código Civil de 1916 estabelecia o pátrio poder como responsabilidade exclusiva para o homem. Mas com o surgimento do novo Código cível de 2002 essa expressão foi modifica para “poder familiar”, abrangendo assim os genitores a responsabilidade do poder-dever em relação à família. Para Pontes de Miranda (2012. P. 183) poder familiar:

É o conjunto de direitos que a lei concede ao pai, ou a mãe, sobre a pessoa e bens do filho, até a maioridade, ou emancipação deste, e de deveres em relação ao filho.

Nesse mesmo entendimento, pronunciou-se Barros Monteiro, citado por Maria Helena Diniz (2011. P. 593) fala da seguinte forma:

Sujeitam-se, portanto, à proteção do poder familiar todos os filhos menores advindos, ou não, de relações matrimoniais; reconhecidos ou adotivos. Os não reconhecidos pelo pai, entre o fato de ser a maternidade em regra sempre certa, submeter-se-ão, enquanto menores, ao poder familiar da mãe.

Quando falamos sobre poder familiar devemos lembrar, que nos tempos modernos cabe a ambos exercerem os direitos e deveres em relação aos filhos. É importante salientar que esse poder deve ser oferecido não somente em forma de sentido moral e jurídico, mas principalmente de forma afetiva, frisando assim os interesses dos filhos menores. Em caso de descumprimento ocorrerá suspensão do poder familiar, dessa forma fala Maria Helena Diniz (2011, p. 593):

A suspensão, o exercício do poder familiar é privado, por tempodeterminado, de todos os seus atributos ou somente de parte deles, referindo-se a um dos filhos ou a alguns. Deveras, desaparecendo a causa que deu origem à suspensão, o pai poderá retornar ao exercício do poder familiar.

 

A Constituição elenca vários princípios para pontuar os direitos dos filhos. De inicio podemos citar o principio da igualdade absoluta de direitos entre os filhos, impossibilitando que os pais diferenciem ou discriminem filhos adotados independente de sua origem filial.

O principio da afetividade está nitidamente envolvido com a “teoria do desamor”, onde estabelece que toda criança e adolescente necessitam de um ambiente familiar saudável, envolvendo não apenas o aspecto material, mas também prestando todo apoio e assistência, lhe oferecendo carinho e afeto.

De ante da suma importância desse principio discorre Maria Berenice Dias (2005, p. 66) que:

O Princípio jurídico da afetividade faz despontar a igualdade entre os irmãos biológicos e adotivos e o respeito a seus direitos fundamentais. O sentimento de solidariedade recíproca não pode ser perturbado pela preponderância de interesses patrimoniais.

De ante da família e o afeto o Aline Biasuz (2012, p. 126) dispõe que:

A família e afeto são dois personagens desse novo cenário. Contemporaneamente, o afeto é desenvolvido e fortalecido na família, sendo este, ao mesmo tempo, a expressão de união entre seus membros e a mola propulsora dos integrantes que buscam a sua realização pessoal através da sua exteriorização de forma autêntica.

Eduardo de Oliveira Leite (1991, p. 338), menciona:

Quanto maior a intensidade do sentimento familiar, maiores os progressos da vida privada, da intensidade doméstica, da identidade: os membros da família se unem pelo sentimento, pelo costume e gênero da vida.

De tal forma, José Sebastião de Oliveira, citado por Aline Biasuz (2012, p. 126), diz que:

É dentro da família, que os laços de afetividade tornam-se mais vigorosos e aptos a sustentar as vigas do relacionamento familiar, contra males externos; é nela, que seus membros recebem estímulos para pôr em prática suas aptidões pessoais. Daí então ser a característica da afetividade, aliada, por óbvio, à nuclearidade, a responsável pela plena realização pessoal de cada membro familiar. A afetividade faz com que a vida em família seja sentida da maneira mais intensa e sincera possível, e isto, só será possível caso seus integrantes não vivam apenas para si mesmo: cada um é o “contribuinte” da felicidade de todos.

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No entanto, para podermos falar em dano moral nas relações entre pais e filhos, devemos ter em mente que não há no ordenamento jurídico pátrio norma jurídica que obrigue os pais a nutrirem sentimentos como amor, carinho, etc.

A reparação por danos morais decorrente de abandono emocional e moral (afetivo) deve ser analisa sob a ótica do principio da paternidade responsável, sendo aquela em que há o comprometimento dos pais com a prestação de auxilio moral e ético, sob os auspícios da autoridade parental. Neste sentido é a jurisprudência do STJ:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.159.242 - SP (2009⁄0193701-9)

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. FILHA HAVIDA DE RELAÇÃO AMOROSA ANTERIOR. ABANDONO MORAL E MATERIAL. PATERNIDADE RECONHECIDA JUDICIALMENTE. PAGAMENTO DA PENSÃO ARBITRADA EM DOIS SALÁRIOS MÍNIMOS ATÉ A MAIORIDADE. ALIMENTANTE ABASTADO E PRÓSPERO. IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. [...] Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos. O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os lindes legais, situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa materialização, no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da religião.

O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença; contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem –, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador, pelas partes. Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever [...].

METODOLOGIA

O presente trabalho tem como método de abordagem o Indutivo, pois ele parte de uma questão generalizada para uma questão mais ampla. Para Lakatos e Marconi (2013, p.86):

Indução é um processo mental por intermédio do qual, partindo de dados particulares, suficientemente constatados, infere-se uma verdade geral ou universal, não contida nas partes examinadas. Portanto o objetivo dos argumentos indutivos é levar a conclusões cujo o conteúdo é muito mais amplo do que os das premissas nas quais se basearam.

Quanto ao procedimento em uso, é o Qualitativo, que de acordo com o entendimento de José Luis Neves (1996): “Compreende um conjunto de diferentes técnicas interpretativas que visam a descrever e a decodificar os componentes de um sistema complexo de significados”.

Será utilizada a técnica de pesquisa Bibliográfica, por ser elaborado a partir de material já publicado, principalmente por jurisprudências disponibilizadas na internet, pois trata- se de um assunto relativamente recente, de modo que há poucas publicações a respeito, além da utilização de alguns livros que possam contribuir para um melhor entendimento.

De acordo com João Álvaro Ruiz a pesquisa bibliográfica:

Desenvolve-se tentando explicar um problema através de teorias publicadas em livros ou obras do mesmo gênero. O objetivo deste tipo de pesquisa é de conhecer e analisar as principais contribuições teóricas existentes sobre um determinado assunto ou problema, tornando-se um instrumento indispensável para qualquer pesquisa.

A pesquisa também se dará de forma documental, onde estudará o termo sob uma análise de documentos legais como a Constituição Federal, o Código Civil e Jurisprudências. Silva (2009, p. 04), faz a seguinte citação:

Os documentos são fontes de dados brutos para o investigador e a sua análise implica um conjunto de transformações, operações e verificações realizadas a partir dos mesmos com a finalidade de lhes ser atribuído um significado relevante em relação a um problema de investigação.

REFERÊNCIAS

BECHARA, Evanildo. Dicionário da Língua Portuguesa Evanildo Bechara. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2011.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Recurso Especial nº 2009⁄0193701-9. Recorrente: Antonio Carlos Jamas dos Santos. Recorrido: Luciane Nunes de Oliveira Souza. Brasília (DF), 24 de abril de 2012.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

CERVO, Amado Luiz; BERVIAN, Pedro Alcino e SILVA, Roberto da. Metodologia Científica. 6. ed. São Paulo: Editora Pearson Prentice Hall, 2007.

DIAS, Maria Berenice. Direito das Famílias 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico Universitário. 1. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Volume 5: direito de família. Ed. Saraiva, 26. Edição. São Paulo. 2011.

DINIZ. Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 28ª Ed. São Paulo: Saraiva, 5 direito de família ano 2013.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. v. 6, São Paulo: Saraiva, 2005.

NEVES, José Luis. Pesquisa qualitativa - características, usos e possibilidades: PESQUISA. Disponível em: <http://www.ead.fea.usp.br/cad-pesq/arquivos/C03-art06.pdf>. Acesso em: 05 nov. 2015.

KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono Afetivo. Ed. Juruá, 2012.

LEITE, Eduardo de Oliveira. Tratado de Direito de Família: origem e evolução do casamento. Ed. Juruá, 1991.

MARCONI, Maria de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologias cientificas. São Paulo: Atlas, 2013.

MIRANDA, Pontes. Direito de Família: direito parental: Direito Protetivo. Ed. Revista dos Tribunais, Parte especial. São Paulo, 2012.

RUIZ, João Álvaro. MÉTODOS E TÉCNICAS DE PESQUISA: PESQUISA CIENTÍFICA. Disponível em: <http://www.coladaweb.com/administracao/metodos-e-tecnicas-de-pesquisa>. Acesso em: 05 nov. 2015.

SILVA, Lidiane Rodrigues Campêlo da et al. Pesquisa documental: alternativa investigativa na formação docente. 2009. Disponível em: <http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2009/anais/pdf/3124_1712.pdf>.

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