5. FUNÇÃO DA INDENIZAÇÃO
Deve-se ter em mente, outrossim, que da mesma maneira que existem consumidores que requerem indenizações por danos morais em decorrência de meros equívocos ou erros sanados praticados pelos fornecedores, há magistrados que arbitram indenizações ínfimas e tabeladas que de nada modificam ou compensam a situação emocional experimentada.
Sabe-se que a indenização é uma obrigação reparatória decorrente de violação de um dever pré-existente (lícito ou ilícito) que, por sua natureza, não retrata verdadeiramente a reposição do prejuízo havido. Primeiro, porque ela se faz em caráter pecuniário; e segundo, porque, como já analisado pela conceituação negativa, o dano moral é tudo que não possa ser exprimido valor. Assim, verifica-se a divergência de natureza entre o prejuízo e a indenização.[17]
Em decorrência dessa incompatibilidade, alguns autores reclamam a intitulação desse dever conseqüente (indenização), aconselhando denominá-lo “compensação”.[18] E é partindo desse pressuposto que foram coligadas duas funções primordiais da indenização por danos morais: punir o violador de direito alheio e proporcionar uma satisfação à vítima em contrapartida ao dano.
Havia projeto de lei de n.° 6.960/02 em trâmite da Câmara dos Deputados, arquivado (sem apreciação do mérito) com fulcro no art. 115 do Regimento Interno da Câmara[19], que ratificava o entendimento doutrinário supra mencionado. O art. 944 do Código Civil passaria a ser constituído de um segundo parágrafo com a seguinte redação: “A reparação do dano moral deve constituir-se em compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante”[20]. Desta forma, a reparação do dano moral estaria positivada com a tendência já aplicada pela jurisprudência e confirmada pela doutrina.
De toda forma, deve ser proporcionado ao lesado uma satisfação que lhe alegre para fazê-lo esquecer ou diminuir a angústia decorrente do dano moral ocorrido e, paralelamente, desestimular seu causador, além de pessoas físicas e jurídicas que atuem no mesmo meio (comércio de bens e serviços), a praticarem o mesmo tipo de conduta (ação ou omissão). Essa satisfação ocorre em “montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo”.[21]
No âmbito do direito do consumidor, com a criação de juizados especiais, muitas causas se limitam ao teto legal de 20 (vinte) salários mínimos (sem acompanhamento de advogado), tendo os magistrados, em regra, aplicado e incentivado acordos em patamares muito inferiores.
É certo que a maioria das causas atinge um grau satisfatório no valor da indenização no que diz respeito à compensação individual pelo dano, todavia, de longe servem de punição e intimidação para reincidências e práticas semelhantes por parte dos fornecedores, sobretudo porque a quantidade de consumidores que levam a discussão a Juízo é mínima. Existem empresas de grande porte – nacional e internacional – que lideram o ranking de reclamações, e isso ocorre em virtude de seu vasto patrimônio e do caráter proporcionalmente irrisório da indenização.
Em relação aos SACs, a questão se torna mais instável. Como foi dito anteriormente, é muito difícil a identificação ou percepção de circunstâncias que dêem respaldo ao dano moral nestes casos, piorando no que diz respeito à distinção deste com a sensibilidade exacerbada do consumidor. Assim, diante deste empecilho, cabe ao magistrado aquilatar e ter pulso firme na convicção de caracterização do dano moral.
Por outro lado, a insistente procura dos poderes públicos em face de determinado serviço, que é o caso dos SACs, já revela indícios de violação de direitos e, quando forçosamente recair sobre alguma empresa ou setor específico, merece atuação mais incisiva do Estado através do Ministério Público.
REFERÊNCIAS
CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 2ªed. São Paulo: RT, 1999.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 7ªed. São Paulo: Atlas, 2007.
CHAUVEL, Marie Agnes. Consumidores Insatisfeitos: uma oportunidade para as empresas. Rio de Janeiro: Mauad, 2000
STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 4ªed. São Paulo: RT, 1999.
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6ª ed., São Paulo: RT, 2004.
STOLZE GAGLIANO, Pablo e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito civil: Responsabilidade Civil. 4ªed. São Paulo: Saraiva, 2006.
Notas
[1] Código de Defesa do Consumidor: “Art. 4° [...]
II – ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:
a)Por iniciativa direta
b)...
c)Pela presença do Estado no mercado de consumo...”
[2] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 7ªed. São Paulo: Atlas, 2007.
[3] Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
[4] STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 4ªed. São Paulo: RT, 1999. p.78-79
[5] STOLZE GAGLIANO, Pablo e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito civil: Responsabilidade Civil. 4ªed. São Paulo: Saraiva, 2006. p.139
[6] Caio Mário apud STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 4ªed. São Paulo: RT, 1999
[7] Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§3°. O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro
[8] STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6ª ed., São Paulo: RT, 2004, p. 444.
[9] STOCO, Op. cit. 83.
[10] Idem
[11] STOLZE e PAMPLONA, Op. cit. 84, p.55-56.
[12] CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 2ªed. São Paulo: RT, 1999, p.20
[13] Idem.
[14] STOCO, Op. cit. 83, p.673
[15] CHAUVEL. Op. Cit. 5.
[16] CAHALI. Op. Cit. 91, p.33-42
[17] STOCO, Op. Cit. 83
[18] STOLZE e PAMPLONA, Op. cit.84, p.73-77
[19] Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles...
[20] STOCO, Op. Cit. 83
[21] STOLZE e PAMPLONA, Op. cit.84, p.73-77