Michel Temer, o golpe de 2016 e o "fator J"

16/05/2016 às 08:34
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Aplicação prática da teoria do caos ao novo governo em razão de uma escolha infeliz que feita por Michel Temer.

Denomina-se “teoria do caos” a instabilidade nas equações não-lineares que proporcionam resultados imensamente distintos a partir de variações infimamente pequenas.

“Lorenz descobriu é que se, em vez de colocar, por exemplo, a temperatura de hoje de 15° C ele colocasse 15,000000001° C as diferenças nos resultados seriam imensas, podendo ir de 50 mm para 5 mm, e que se fosse de 15,000000002° C o resultado poderia ser 70 mm.

Veja que isso não tem nada a ver com a precisão dos cálculos ou da formulação. É uma característica deste tipo de equação (não-linear).

Essa instabilidade nas equações-não lineares é chamada de caos.”

http://educacao.uol.com.br/disciplinas/fisica/teoria-do-caos--b-a-instabilidade-das-equacoes-nao-lineares.htm

O uso deste conceito em ciências sociais não é muito comum. A vida não espelha a matemática e se o faz as equações seriam tão complexas que não poderiam nem mesmo ser formuladas. O que podemos fazer então é apenas reunir coleções de exemplos históricos em que fatores mínimos produziram resultados absolutamente inesperados e até indesejados.

Há dois bons livros que, de certa maneira, tratam da teoria do caos na história. O primeiro é de Eric Durschmied e chama-se Fora de Controle (Ediouro, Rio de Janeiro, 2003). O segundo é As Piores Decisões da História e foi escrito por Stephen Weir (GMT Editores-Sextante, Rio de Janeiro, 2014). Citarei aqui um exemplo de cada livrou que podem ilustrar como fatores mínimos alteraram decisivamente o curso da história.

Em 18915 ocorreu a Batalha de Waterloo. Poucos sabem, porém, que o resultado da batalha que colocou fim definitivo no  império napoleônico, alterando o curso da história no século XIX, pode ter sido decidida em razão de um punhado de pregos.

No que pode ser considerado um dos momentos decisivos da Batalha de Waterloo,  cavaleiros franceses conquistaram o local onde Wellington havia disposto suas peças de artilharia. Eles utilizariam aqueles canhões contra os ingleses se conservassem a posição ou poderiam alterar o curso da batalha privando Wellington de sua preciosa artilharia.

Logo após a bem sucedida carga da cavalaria de Napoleão, sob o comando do lorde Uxbridge, os ingleses atacaram a posição em que a artilharia inglesa havia caído nas mãos dos seus inimigos. Eles fizeram isto antes que o imperador francês pudesse enviar reforços para a tropa do coronel Heymès,  ajudante de campo de Ney que havia conquistado a artilharia de Wellington.

“Excitados com o sucesso inicial, [os franceses] esqueceram-se completamente dos canhões abandonados e não fizeram nada para tirá-los dali ou inutilizá-los. E se os cavaleiros de Wellington conseguissem expulsar sua cavalaria…? Heymès procurou seu superior, mas Ney estava ocupado. Colocava suas fileiras em formação para enfrentar a cavalaria britânica, que estava arremetendo. Heymès tinha de agir rapidamente. “Les clouds!”, gritou. “Peguem os pregos e destruam os canhões!”

Era pratica comum inutilizar as peças de artilharia do inimigo fincando pregos sem cabeça nos ouvidos dos canhões, os orifícios por onde se deita foto à pólvora, e toda unidade de cavalaria tinha alguns homens que levavam em sua bolsa, sobre a sela, martelo e pregos. “Os pregos - os pregos! Diabos, onde estão os pregos?” O apelo seguiu de companhia em companhia. Cada vez mais desesperado Heymès repassou correndo toda a linha de cavaleiros. “Les clouds!”

Nenhum dos cavaleiros que haviam sobrevivido tinha pregos. Os que tinham estavam todos mortos. Bastava um punhado de pregos para pôr aqueles canhões fora de ação, e nada de salvaria Wellington naquele dia, nem mesmo os prussianos.” (Fora de Controle, Eric Durschmied, Ediouro, Rio de Janeiro, 2003, p. 111/112)

O resultado da Batalha de Waterloo poderia ter sido diferente se Heymès tivesse conservado a artilharia inglesa para que a mesma fosse usada contra as tropas de Wellington ou se os canhões ingleses tivessem sido destruídos antes que eles reconquistassem a posição. Nenhuma das duas coisas ocorreu. Heymès não tinha homens suficientes para conservar a posição que conquistou e não conseguiu destruir os canhões porque não tinha a mão um punhado de pregos sem cabeça.

A artilharia inglesa desempenhou um papel fundamental no resultado da Batalha de Waterlloo. Ela devastou a cavalaria e a infantaria francesa e fez a tropa de elite de Napoleão correr apavorada com medo da metralha. Quando isto aconteceu, o pavor se espalhou por todo exército francês e o mesmo desmoronou.

Portanto, um punhado de pregos sem cabeça poderia ter alterado totalmente o resultado da batalha e até mesmo da história do século XIX. Sem poder utilizar a artilharia apesar de ter reconquistado a posição onde a mesma estava, Wellington provavelmente não conseguiria derrotar Napoleão nem mesmo com a ajuda das tropas prussianas que vinham vindo em seu auxílio.

O acidente de Chernobyl ocorreu por dois motivos: uma falha do projeto e uma decisão estúpida.

“O teste não era essencial, mas poderia ser realizado apenas enquanto o reator estivesse  paralisado, o que ocorria uma vez por semestre, muito se pressionando os operadores para que o concluíssem. Os operadores do turno noturno aparentemente não sabiam que o teste envolvia riscos especiais, muito menos o que poderia ser feito para evitá-los. Apesar das várias advertências, da insuficiência da água de refrigeração e da anormalidade dos indicadores, o teste começou à 1h23min4s, na madrugada de 26 de abril. Até então, mesmo além desse ponto, nenhum incidente ocorrera. Todo o desastre resultou de uma série de equívocos, em todas as fases do processo: mesmo assim, porém, não teria acontecido caso não se tivesse cometido um último erro.

Á medida que diminuía o fluxo de água de refrigeração, aumentava a produção de energia. Quando o operador iniciou a manobra para corrigir a condição de instabilidade do reator, decorrente de erros anteriores, uma característica do projeto provocou um surto de energia. Os elementos combustíveis se romperam e a força explosiva do vapor levantou a placa de cobertura do reator, liberando produtos de fissão na atmosfera. Uma segunda explosão desprendeu combustível e grafite do núcleo e permitiu a entrada de ar, levando o moderador de grafite a irromper em chamas. O reator explodiu em apenas 56 segundos depois do início do teste.” (As Piores  Decisões da História, Stephen Weir, GMT Editores-Sextante, Rio de Janeiro, 2014, p. 217/218).

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A realização do teste não essencial poderia ser adiada e não foi. A instabilidade do reator durante o teste deveria ser evitada e acabou sendo provocada de maneira não intencional pelos operadores submetidos à pressão do responsável pela comando da operação. A anormalidade dos indicadores provavelmente levou os operadores a tomarem decisões erradas que provocaram as reações em cadeia que produziram a explosão.

De volta para a realidade brasileira. O que eu chamo de “fator J” na equação não-linear do governo Michel Temer é a instabilidade produzida pela nomeação de José Serra para o Ministério das Relações Exteriores.

Apesar do discurso jornalístico que denunciava uma suposta influência bolivariana no Itamaraty, a  política internacional brasileira não foi construída de maneira ideológica. Todas as ações do Ministério das Relações Exteriores na América Latina durante o governo Lula e Dilma Rousseff levaram em consideração dois grandes eixos: integração (energética, rodoviária, ferroviária, fluvial, marítima, econômica, etc...) e a expansão do comércio brasileiro no continente onde o país se encontra.   

Michel Temer chegou ao poder através de um atalho e foi imediatamente questionado dentro e fora do país. Sua legitimidade como presidente está sendo questionada e a imprensa internacional, que segue denunciando o golpe de estado contra Dilma Rousseff, não pode ser por controlada, censurada, subornada ou silenciada pelo governo brasileiro. A política externa do novo governo  deveria ser extremamente cautelosa.

Para consolidar seu poder, Temer não poderia destruir rapidamente o que foi sendo lentamente construído na última década. A diplomacia era essencial não somente para preservar sua imagem, mas inclusive e principalmente para não afetar de maneira negativa os interesses econômicos consolidados dentro do Brasil em razão dos dois eixos que nortearam a política externa do país na região.

Ao escolher José Serra para o Ministério das Relações Exteriores, Michel Temer enfiou um prego no seu próprio caixão ou, pior, mandou um operador inepto, rancoroso e nervosinho operar um maquinário internacional  tão delicada, preciso e letal quanto um reator nuclear. Os resultados das primeiras ações internacionais de José Serra serão, sem dúvida, muito desastrosos dentro e fora do país. Os empresários brasileiros que lucram vendendo bens e serviços aos parceiros do Brasil que foram agredidos pelo Ministro da Destruição das Relações Internacionais já devem estar apavorados.

Os danos diplomáticos fora do Brasil e econômicos dentro do país se tornarão ainda maiores à medida que José Serra elevar o tom como ele mesmo prometeu. Ao que tudo indica o “fator J” (ou seja a instabilidade emocional do Ministro da Destruição das Relações Internacionais) já entrou em ação. Todavia, não era essencial para o Brasil ou para o governo Michel Temer que o país se tornasse um adversário irritante ou um inimigo em potencial aos olhos dos parceiros comerciais latino-americanos que cativou de maneira pragmática para garantir os lucros dos empresários brasileiros.

As atitudes alopradas de José Serra nos últimos dias sugerem que: 1- o novo Ministro acreditou no discurso jornalístico de que a política externa brasileira de Lula e Dilma estava sujeita a uma influência bolivariana; 2- ele assumiu o cargo ignorando totalmente os fundamentos da política externa consistente e pragmática que foi sendo lentamente construída pelo Itamaraty. José Serra age como se tivesse poder para mandar os soldados brasileiros fazer fora do país o que ele acostumou a mandar a PM fazer nas favelas da periferia pobre de São Paulo. Os comandantes militares do Exército, Marinha e Aeronáutica se sentirão prestigiados e valorizados ao serem rebaixados à condição de jagunços internacionais de José Serra?

O novo Ministro Relações Internacionais começou mal. E o resultado interno de suas ações não será nada bom para Michel Temer. O caos latino-americano provocado pelo novo governo não produzirá nem ordem, nem crescimento econômico, nem lucro para uma parcela significativa de empresários que os golpistas pretendem representar. Temer já não representa os trabalhadores e, em razão do “fator J” corre o risco de jogar no colo do PT aliados poderosos que estão sendo prejudicados por José Serra. Resumindo, ao escolher mal seu Ministro das Relações Exteriores o governo Michel Temer pode ter acionado o processo de destruição de seu próprio governo. Bem feito.

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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