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As raízes do subdesenvolvimento econômico do Brasil

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5. CONCLUSÃO

Conforme se pôde constatar à luz de diferentes autores citados neste texto, as raízes do subdesenvolvimento do Brasil estão fincadas no seu histórico de ex-colônia europeia, no caráter puramente mercantil de sua exploração colonial, no fato de que seu desenvolvimento capitalista acontece de forma submissa aos países capitalistas centrais e no caráter autocrático de sua burguesia, que não se empenha em completar a “revolução burguesa”, por lhe ser favorável, numa visão imediatista, a manutenção do “status quo”.

A superação desses obstáculos, na percepção de Sampaio Júnior (1999, p. 231) requer uma ruptura definitiva dos nexos de dependência herdados do período colonial, o que passa: a) por uma completa inversão no modo de participação no sistema capitalista mundial; b) pela assunção do controle dos aparelhos de Estado por classes sociais umbilicalmente comprometidas com o destino da nação; e c) pela superação do mito do desenvolvimento econômico que alimenta a falsa esperança de um desenvolvimento recuperador.

Por sua vez, Batista (1993) reputa que para nossa guinada rumo ao desenvolvimento é fundamental não aceitarmos passivamente a receita do pessimismo e da resignação com um “status” de pequeno país, verdadeiramente incompatível com a grandeza de nosso povo. Portanto, para esse autor, devemos recuperar o sentimento da dignidade nacional. Batista também reputa indispensável que nossa nação resgate a imensa dívida de justiça social, o que passa pela eliminação da pobreza e da miséria, pela criação de empregos e fixação de salários condignos que façam de cada trabalhador brasileiro um sócio dessa grandeza nacional, como consumidor e cidadão; e, ainda, pela criação de um mercado interno forte, que seja a verdadeira plataforma de nossa inserção internacional. 

Batista defende, ainda, a adoção de mecanismos eficazes, do tipo que adotam os países desenvolvidos, para defender nosso parque industrial da concorrência desleal dos países desenvolvidos. Alerta esse autor, todavia, que o desenvolvimento brasileiro só será de fato viável e merecedor do nome se for socialmente e ecologicamente sustentável, na medida em que a miséria polui tanto quanto o equivocado desenvolvimento industrial ocorrido no primeiro mundo (op. cit, p., 140).

Já para Fernandes (1972), precisamos completar nossa revolução burguesa. A burguesia precisa deixar de ver o capitalismo e suas exigências sociais, culturais e políticas do ângulo do capitalismo dependente e se erguer acima dessa média, precisam ser compelidas a pensar e a transformar o mundo de uma perspectiva universal.

Para finalizar, vale a pena citar o pensamento de Celso Furtado, o maior defensor e difusor das teses cepalinas no Brasil. Para esse autor, devemos superar o mito do desenvolvimento econômico recuperador, ou seja, devemos pensar um modo de participação no sistema econômico mundial em função das nossas próprias prioridades estratégicas. Isso implica descartar toda estratégia de assimilação de progresso técnico à imagem das economias industrializadas, pois os séculos de atraso econômico não permite que se proporcionem às grandes massas da população que vivem nos países periféricos os mesmos estilos de vida mantidos das populações dos países desenvolvidos. Precisamos, portanto, definir um estilo de desenvolvimento compatível coma as necessidades do conjunto da população e com as possibilidades materiais da economia nacional (SAMPAIO JÚNIOR, 1999, p. 222).

No plano social, segundo Furtado, necessitamos de realizar a integração do conjunto da população (urbana e rural) no processo de desenvolvimento econômico e cultural do país, para tanto, enfrentando o problema da pobreza absoluta e da forte assimetria da correlação de forças entre trabalho e capital, o que requer uma redistribuição do estoque de ativos da sociedade, democratizando a estrutura fundiária no campo e na cidade (SAMPAIO JÚNIOR, 1999, p. 222). 


Notas

  1.Seguimos neste trabalho o entendimento de Bresser Pereira, segundo o qual o Brasil, não obstante o razoável grau de desenvolvimento econômico que já alcançou, “(...) é ainda um país subdesenvolvido. Não porque sua renda por habitante seja muito baixa, mas porque continua a ser um país dual – um país que até hoje não logrou integrar toda a sua população no mercado de trabalho” (PEREIRA, 2010). Compreenda-se por “dual” a característica inerente ao desenvolvimento, que induz a coexistência de riqueza e pobreza, na medida em que os investimentos tendem a incidir principalmente sobre a parcela mais rica da população, marginalizando a restante. Assim, diz-se tratar-se de uma “economia dual” aquela que reúne as condições descritas.

2.A religião, de maioria protestante, dos colonizadores da América do Norte costuma ser também apontada entre as causas positivas para o desenvolvimento desse continente, em comparação com o subdesenvolvimento da América Latina, cujos colonizadores pertenciam majoritariamente à religião católica. Essa interpretação está ligada a Max Weber, dada sua posição segundo a qual a origem protestante e calvinista do capitalismo fundamenta-se no fato de que, para o calvinismo, a riqueza é uma bem-aventurança e um sinal de predestinação, sendo que essa crença teria levado os calvinistas a procurarem o sucesso comercial e, assim, influenciar a gênese do capitalismo. A Igreja Católica não considera essa tese correta, citando que há vários países que, conquanto igualmente colonizados por protestantes, continuam na semi-barbárie, como Nigéria, Botswana e Ruanda, entre outros; e aqui mesmo na América Latina o Equador em comparação com a Guiana Holandesa. Um dos argumentos católicos é o de que alguns países protestantes se tornaram ricos porque sua grande riqueza advém do fato de os grandes bancos do mundo nos séculos XVI e XVII serem pertencentes a judeus e estarem situados em Londres e Amsterdam. Assim, a riqueza, na verdade, não seria advinda dos protestantes e sim dos judeus. Sobre essa questão, recomenda-se a leitura do tomo II das “Obras Completas do Padre Leonel Franca S.J.”, intitulado “A Igreja, a Reforma e a Civilização”, especialmente no capítulo intitulado “A grandeza econômica e política das nações”, obra rara que pode ser baixada para o computador, pela Internet, no caminho“http://www.obrascatolicas.com/livros/Apologetica/A%20Igreja%20a%20Reforma%20e%20a%20Civilizacao.pdf ”.

3.Publicada originariamente em 1936, esta obra é um clássico da interpretação da sociedade Brasileira. Nela, o autor, a partir da interpretação sociológica, analisa as diferentes formas pelas quais se deram as empresas colonizadoras de Portugal e Espanha no Novo Mundo e as marcas que deixaram nas nacionalidades que delas se originaram. Devemos assinalar, todavia, que não menos importantes nesse gênero são os livros “Casa Grande e Senzala”, publicado por Gilberto Freyre, em 1933, e “Formação do Brasil Contemporâneo”, publicado por Caio Prado Júnior em 1942. As três obras constituem aquela que ficou conhecida como a grande “tríade” da interpretação do país. Chegando a constatações semelhantes, o que há de diferente entre essas obras são as perspectivas próprias a partir das quais seus autores realizaram suas análises: enquanto Sérgio Buarque seguiu a perspectiva sociológica, Gilberto Freyre adotou uma análise tanto sociológica quanto antropológica, esta principalmente; no livro, esse autor procura explicar a sociedade a partir de seus componentes (indivíduos) e de seus comportamentos, valores, costumes, relações, crenças, educação, enfim, de sua cultura. Por seu turno, na análise de Prado Júnior a formação da sociedade brasileira é concebida como uma etapa e consequência do processo de acumulação de capital em nível global. 

 4. A fundação da CEPAL deu-se em Santiago, no Chile, por iniciativa do argentino Raul Prebish, seu principal ideólogo. 

5.  “A Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial, ao acarretarem uma relativa desarticulação da economia mundial, abriram novas possibilidades de desenvolvimento para alguns países subdesenvolvidos que já tinham alcançado certo patamar de desenvolvimento capitalista. (...) As dificuldades das economias destroçadas pela guerra, as lições da Grande depressão, a correlação de forças favorável aos trabalhadores no centro e o avanço dos movimentos de descolonização, muitos deles de inspiração marxista, no contexto da Guerra Fria, abriram espaço para a economia mundial organizar-se com base em fortes economias nacionais, sendo que nos países desenvolvidos contribuíram para o florescimento do Estado de Bem-Estar Social. A grande finança internacional, enfraquecida pela Depressão, teve que se adaptar à nova situação” (CORSI, 2002, p. 12).


REFERÊNCIAS:

BATISTA, Paulo Nogueira. O Consenso de Washington: a visão neoliberal dos problemas latino-americanos. In: BATISTA (et al.). Em defesa do interesse nacional. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1994.

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Abstract: This paper aims to rescue the discussion of the causes of underdevelopment of the Brazilian State, focusing on the commercial nature of colonization, the influence of culture of the colonizers and dependent development of capitalism in Latin America in light of various interpretations of Brazilian authors in the line of Historicism, some of whom holders of works that have become classics on the formation of Brazilian society and national economic development, such as Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes and Celso Furtado. 

Keywords: Brazil. Capitalism.   Underdevelopment.  Causes.  Depen-ce. Colonization.

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Sobre o autor
Marco Aurélio Lustosa Caminha

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região. Ex-Procurador Regional do Trabalho. Professor Associado de Direito na Universidade Federal do Piauí. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino (Buenos Aires, Argentina). Doutor em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMINHA, Marco Aurélio Lustosa. As raízes do subdesenvolvimento econômico do Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4704, 18 mai. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/49115. Acesso em: 23 mai. 2024.

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