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A impossibilidade de revisão, pelo Poder Judiciário, das decisões administrativas desfavoráveis ao Fisco

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12/03/2004 às 00:00
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A análise desse contencioso administrativo, de suas características, bem como de suas conseqüências mais freqüentes, tais como o posterior ingresso ao judiciário, é, precisamente, o objeto do presente trabalho.

Introdução

Diante da triste realidade do sistema judiciário brasileiro, afogado com inúmeras demandas desnecessárias, surge a inevitável insegurança de que essa função jurisdicional do Estado se torne impotente para alcançar o seu objetivo, v.g., concretizar as garantias conquistadas, após séculos de evolução em favor dos indivíduos.

Assim, criar um instrumento eficaz de cumprimento daqueles comandos legais de forma mais ágil, o que implica, simplesmente, em armar o Estado contra ele mesmo, torna-se extremamente necessário.

Por volta da segunda metade do século XIX surge o processo administrativo fiscal, conferindo a possibilidade da Administração Pública rever seus próprios atos, no âmbito da própria administração.

A análise desse contencioso administrativo, de suas características, bem como de suas conseqüências mais freqüentes, tais como o posterior ingresso ao judiciário, é, precisamente, o objeto do presente trabalho.

Afastada a ousadia de querer esgotar o tema, o que se visa apenas é, dissecar o multicitado instituto, lembrando, de fato, a necessidade efevercente, sob a ótica do cidadão, de maior efetividade e segurança do processo administrativo tributário, o que se pode verificar com o efeito vinculante da decisão administrativa com relação à Fazenda Pública.

Explorando o tema, inicialmente faz-se necessária uma breve análise do que vem a ser o processo administrativo tributário, em seu objetivo e natureza, assim como quais dos princípios jurídicos observados na sua órbita, para só então, afastada a possibilidade de revisão de ofício pela atuação da própria Administração Pública, enfocar o que consiste a coisa julgada e a conseqüente impossibilidade do Fisco recorrer ao Poder Judiciário para revisão de suas próprias decisões.

Para o desenvolvimento do presente estudo, durante vários meses diversas opiniões doutrinárias foram analisadas, aliada a consulta a legislação vigente no Estado brasileiro, desde a sua Carta Magna, a normas gerais, assim como a posição majoritária dos diversos Tribunais Judiciais.

Para uma perfeita compreensão do seu objeto, este trabalho divide-se em cinco partes.

Na primeira parte, verifica-se: Teria o processo administrativo natureza contenciosa? Ou ainda, seria o mesmo revestido do caráter da processualidade?

Na segunda parte, tenta-se demonstrar, em se admitindo a natureza contenciosa do processo administrativo, quais dos princípios jurídicos que norteiam o processo administrativo?

Na terceira parte, indaga-se: haveria possibilidade da Administração Pública rever por sua livre iniciativa os atos administrativos já consumados?

Na quarta parte, aborda-se sobre o instituto da coisa julgada. Teria o mesmo alguma relevância no processo administrativo fiscal?

Na quinta e última parte, diante do status diferenciado da Fazenda Pública, da possibilidade da mesma rever seus próprios atos num verdadeiro exercício da função jurisdicional, questiona-se: estaria a mesma, segundo os princípios da moralidade administrativa e da boa-fé dos atos administrativos, impedida de ingressar em juízo, ante a decisão de sua própria autoria, e portanto definitiva no processo administrativo tributário?

Por fim, depois de passar pelas cinco partes acima mencionadas, extraímos algumas conclusões que nos pareceram de maior importância e que foram listadas no final do trabalho.


Capítulo 1

Noções de Processo Administrativo Tributário brasileiro

1.1O surgimento do processo administrativo fiscal no Sistema brasileiro

Mesmo com todo o brilhantismo da lição deixada por Montesquieu, autor da teoria da "Tripartição dos Poderes" [1], há alguns séculos já se tomou conhecimento que tais poderes não deverão conservar uma função exclusiva, porém preponderante [2].

E é justamente por não se vislumbrar a independência entre os três poderes, mas sim a sua convivência harmônica, que torna-se perfeitamente viável a idéia da Administração Pública não só executar as leis, função executiva que lhe é própria, mas também de controlá-las, aplicando-as ao caso concreto através do chamado processo administrativo.

O processo administrativo, ao longo do desenvolvimento histórico da humanidade se mostrou sempre assistemático e lacunoso.

Estudos aprofundados no campo da tributação asseguram que o processo administrativo fiscal data de 1889 [3], no entanto, a evolução da idéia de um processo ligado diretamente à Administração só começa a se intensificar a partir da década de 50.

Isso se deu em decorrência da concepção que por muito predominou no Ordenamento Jurídico de que o termo processo estaria sempre associado a função jurisdicional do Estado.

Foi com a promulgação da Constituição Federal de 10 de outubro de 1988, a atual Carta Magna do Ordenamento Jurídico brasileiro, que, finalmente, se pôs um fim a tal controvérsia.

Antes da Carta de 1988, as regras utilizadas para aceitação do processo administrativo como instrumento válido no ordenamento jurídico se apresentavam limitadas a alguns instrumentos legais e de constituição duvidosa.

A Constituição Federal, em seu art. 5°, inciso LV, no capítulo destinado aos direitos e garantias fundamentais assegurados aos nacionais e estrangeiros, consagrou expressamente o processo administrativo no sistema tributário brasileiro, nos seguintes termos:

"Art. 5°. (omissis)

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;"

Diante do dispositivo supra, percebe-se claramente o brilhantismo do legislador constituinte em prever formalmente a possibilidade da Administração Pública, além da sua função de criar e aplicar a lei tributária, julgar a lide dela decorrente, tornando tríplice a função do Estado, enquanto Administração Pública, como muito bem caracteriza o ilustre jurista James Marins [4].

É notório que a previsão desse processo administrativo como uma das garantias conferidas aos indivíduos, reforça a idéia de que "se nem a lei pode ferir direitos constitucionais dos contribuintes, muito menos pode fazê-la a Administração Fazendária, cuja missão é, simplesmente, aplicar a lei tributária de ofício, tendo por paradigma a Constituição" [5], conforme se observa nos ensinamentos do ilustre Roque Antônio Carrazza.

1.2. Conceito, objetivo e natureza do processo administrativo fiscal.

Para se chegar a uma conceituação precisa do que vem a ser o processo administrativo fiscal, faz-se necessário tecer algumas considerações. Vejamos cada uma delas.

Num primeiro plano, falar em processo implica na existência de um instrumento de competência estatal composto por atos pré-ordenados cujo objetivo é solucionar uma lide, um conflito de interesses e pretensões, previamente disciplinado por normas cogentes do direito positivo.

Num segundo plano, a expressão administrativo traz a concepção de atuação estatal, Ente Público pré-ordenado à realização de serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas.

Uma vez expostas tais considerações, chega-se a conclusão de que o processo administrativo fiscal ou tributário [6] consiste num conjunto de atos ordenados previamente que objetiva a solução de conflitos existentes entre a Administração Pública e o particular [7].

Note-se, o contribuinte, desgostoso com uma atividade da administração, seja ela uma fiscalização, a constituição de um crédito tributário ou mesmo a aplicação de uma penalidade, pode se insurgir contra a Administração Pública manifestando o seu inconformismo através de uma defesa administrativa, comumente denominada de impugnação, que nos dizeres de James Marins significa ato formal do contribuinte em que se resiste administrativamente a uma pretensão tributária do Fisco.

Com a apresentação dessa defesa, tem-se por instaurado o processo administrativo fiscal propriamente dito [8], dando margem a realização da terceira função do Fisco: a julgadora.

Através desta função o Administrador Público objetiva resolver conflitos de interesse existentes, regularizando eventuais equívocos da atividade administrativa através do reexame da matéria impugnada pelo contribuinte de um modo mais célere, o que se pode denominar de função objetiva do processo administrativo fiscal, como garantia da legalidade.

Ou seja, o processo administrativo se transforma num instrumento para evitar atuações ilegais da Administração, controlando a legalidade dos atos administrativos no âmbito da própria Administração Pública, o que é por muitos denominado de autocontrole administrativo [9].

Por outro ângulo, pode-se dizer que o processo administrativo fiscal visa assegurar ao contribuinte a garantia de que o mesmo só terá o seu patrimônio afetado pelo atos administrativos fiscais, após a sua revisão, hipótese que destaca a função subjetiva do processo administrativo, claramente instituída pela Carta Constitucional de 88, no art. 5°, inciso XXXIV, que assim dispõe:

"Art. 5°. omissis

XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a)o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder;

b)a obtenção de certidões em repartições públicas, para a defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal".

Com esses pontos de vista pode parecer estranho o fato do contribuinte, dispondo de uma via judicial, especialmente instituída para esta função, recorre a própria Administração para dirimir algum conflito.

No entanto, levando em consideração que o processo administrativo se encontra revestido das mais diversas formalidades, dentre elas a vinculação à letra da lei, a apreciação da lide pela própria Administração gera, por outro lado, a vantagem do contribuinte ter sua insatisfação com um ato administrativo examinado com seriedade por quem mais tem conhecimento de causa, verbi gratia, a Administração Pública, afinal, como muito bem leciona Hugo de Brito Machado [10]:

"a legislação específica de cada tributo é muito melhormente conhecida das autoridades administrativas julgadoras que da maioria dos juízes".

Além do que, o ingresso na via administrativa não afasta a apreciação do judiciário, ao menos em relação ao contribuinte, conforme será demonstrado no decorrer do presente ensaio, devido ao chamado princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto na Constituição Federal de 88 como uma das garantias constitucionais, em seu art. 5°, XXXV, que assim reza:

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"Art. 5°. (omissis)

XXXV- a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito".

Convém, neste tópico, ressaltar a questão de que, se por um lado o contribuinte tem o dever legal de pagar tributo, tem por outro lado, assegurado uma série de direitos e garantias oponíveis ao Estado, protegendo-o contra os abusos e arbitrariedades do Fisco [11] em meio a uma situação em que cada vez se destaca a ânsia arrecadatória da Administração Fazendária.

Diante do que vem a ser e de qual o objetivo do processo administrativo tributário, chega-se a conclusão de que o mesmo possuí "natureza administrativa, embora o seu conteúdo seja, em alguns casos, de natureza jurisdicional" [12] configurando uma "auto tutela tributária do Estado" [13].

Tal afirmação encontra fundamentação lógica ante ao fato de que os atos praticados pela Administração Pública carecem do atributo da coisa julgada, conforme teremos a oportunidade de enfocar, em decorrência do já mencionado princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional pelo Poder Judiciário.

Logo, é justamente essa possibilidade das decisões administrativas serem susceptíveis de apreciação pelo judiciário, que o processo administrativo fiscal guarda natureza administrativa.

1.3. A processualidade no âmbito administrativo.

Tendo em vista que o "processo administrativo é a decorrência natural da divergência de interesses entre o Fisco, que deseja receber determinada receita que considera devida, e o contribuinte, que não a quer entregar por entendê-la indevida" [14], pode-se chegar a noção do que consiste a processualidade no âmbito da administração.

Foi a própria Constituição da República de 1988, como visto (vide tópico 1.1) que conferiu formalmente à Administração Pública a possibilidade da mesma aplicar o direito ao caso concreto, logo, constata-se que o processo administrativo fiscal é cercado de diversas formalidades, dentre elas, como colorário de todo processo, o devido processo legal, podendo-se, desta forma, equipará-lo ao processo judicial.

Isto porque, a CF/88 ao consagrar o processo administrativo, em seu art. 5°, LV o equipara ao judicial cercando-o dos princípios do devido processo legal, contraditório e da ampla defesa, conforme serão oportunamente analisados, impedindo que a Administração Pública desenvolva sua atividade julgadora através de procedimentos que não estejam regulados juridicamente e que, conseqüentemente, sejam ineficazes para concretização do interesse perseguido com a referida atuação, verbi gratia, a preservação da ordem jurídica ante atos administrativos contrários ao direito positivo.

Tal entendimento harmoniza-se perfeitamente com os dizeres de Alberto Xavier [15], quando o mesmo preceitua que:

"a jurisdicionalização do processo administrativo em geral, e em matéria tributária em especial, revela-se através de três traços essenciais: a garantia do duplo grau, o princípio do contraditório, como meio de exercício do direito de ampla defesa, e o princípio do efeito vinculante para a Administração das decisões finais nele proferidas".

Parte da doutrina, no entanto, vai mais além, como é o caso da Exma. Desembargadora do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Diva Malerbi [16], ao lecionar com autoridade que:

"Entretanto, é o colorário imediato da equiparação constitucional do processo administrativo ao processo judicial, exatamente, o efeito vinculante para a própria Administração Pública das decisões em processo administrativo tributário, por seus órgãos de julgamento. O que equivale a dizer que somente assim, a segurança jurídica e a proteção de confiança, valores elementares do Estado Democrático de Direito, podem ser assegurados pelo ‘instrumento do processo administrativo’.

Ora, este efeito vinculativo para a Administração traz, em conseqüência, a insuscetibilidade da revisão judiciária dessas decisões administrativas tomadas pela Administração Publica judicante, na qual o cidadão tenha confiado, por iniciativa da própria Administração Pública".

O que se vê é que, embora haja concordância quanto a processualidade do processo administrativo fiscal, parte dos juristas defendem a existência da coisa julgada no âmbito administrativo como colorário da processualidade, divergindo, por outro lado, daqueles que defendem os princípios constitucionais acima de tudo.

Por oportuno, convém ressaltar a relevância e correção da adoção desse expediente ante a necessidade de racionalizar as ações administrativas, desafogar o Judiciário e alçar as relações entre o Fisco e o contribuinte a patamar permeado por um mínimo de conteúdo ético, evitando, por parte dos agentes do Estado, a prática indiscriminada de atos administrativos e processuais contraproducentes, tendo em vista a perspectiva imediata ou mediata de desgastante e oneroso revés judicial.


Capítulo 2

Princípios observados no âmbito do processo administrativo fiscal.

A atividade administrativa de julgamento, como o melhor caminho a ser utilizado para a verificação de um harmônico relacionamento entre Fisco e contribuinte, além de estar sujeita a legislação pertinente, o que a caracteriza como atividade vinculada, encontra-se submetida a uma série de princípios ora dispostos no próprio texto constitucional, ora especificamente nos dispositivos do Código Tributário Nacional.

Isto se dá em decorrência da concepção de que no Ordenamento Jurídico Brasileiro o Direito Positivo não se encontra num mesmo plano hierárquico, como se pode observar no elevado valor jurídico dado aos princípios, normas com conteúdo valorativo, em detrimento das demais normas que, na prática, tem a sua interpretação e alcance condicionados pelos princípios [17].

É com essa linha de raciocínio que muitos autores destacam a sua importância, colocando-os acima da simples concepção de que se tratam de fontes secundárias do direito e, conseqüentemente, situando-os no ápice de todo ordenamento jurídico "como regras do direito positivo que introduzem valores relevantes para o sistema" [18], como muito bem leciona José Augusto Delgado [19], nos seguintes termos:

"Assim como uma norma contrária a um princípio não tem validade jurídica, da mesma forma a ausência de uma norma específica sobre um caso determinado não pode impedir que o princípio correspondente seja aplicado".

Elucidativos por excelência são os ensinamentos trazidos pelo eminente jurista Celso Antônio Bandeira de Melo [20], com relação à inelutável importância dos princípios constitucionais vigentes, que além de compor o espírito das normas, devem ser utilizados para sua exata compreensão, razão pela qual classifica a ofensa aos princípios como sendo mais grave que a ofensa a uma lei.

Assim, demonstrada a magnitude dos princípios no ordenamento jurídico brasileiro [21], vejamos agora que, além dos princípios norteadores do Direito Tributário e dos princípios que regulam a atividade administrativa do Estado, reserva-se aos contribuintes alguns princípios específicos para o processo administrativo fiscal responsáveis pela coerência, ética e eficácia destes, em virtude da necessidade de garanti-los contra a já mencionada "tríplice função do Estado", através da qual o Poder que cria e aplica as normas é o mesmo que as julga.

2.1. Princípios do Direito Tributário.

Dentre os princípios observados na atividade tributária do Estado, cuja existência pode ser atribuída a preocupação de proteger o contribuinte contra eventuais abusos cometidos pelo Fisco, destacam-se alguns pela importância que lhe é atribuída, tais como o da legalidade, isonomia, irretroatividade, não-cumulatividade, vedação ao confisco, anterioridade e, é claro, o princípio da segurança jurídica.

O princípio da legalidade consiste numa garantia conferida ao contribuinte de que não haverá tributo sem uma lei anterior. Isto é, o particular só estará diante de uma prestação pecuniária que lhe será compulsória se a lei em sentido formal, ou seja, a lei editada de acordo com o processo legislativo constitucional, o instituir no ordenamento jurídico [22], caso contrário, estará diante de uma exação não exigível.

Seu embasamento legal se encontra previsto na CF/88, art. 5°, II e art. 150, I, bem como no próprio CTN, ao estabelecer no art. 3° o conceito legal de tributo nos seguintes termos "toda prestação pecuniária compulsória.. . instituída em lei".

"Art. 5°. (omissis)

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios:

I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça".

No que diz respeito ao princípio da isonomia, ou também chamado princípio da igualdade, o contribuinte está assegurado de que não haverá tratamento desigual, sendo todos iguais perante a lei, tendo o mesmo uma tríplice finalidade limitadora, limitação ao legislador, ao intérprete autoridade pública, a quem cabe a aplicação das leis e, por fim, ao particular [23].

Com isso a CF, em seu art. 150, II [24], garantiu um tratamento uniforme da Administração Pública para com todos os particulares.

Em relação ao princípio da irretroatividade, previsto no art. 150, III, "a", da Carta de 88, tem-se no ordenamento jurídico a garantia de que uma lei apenas regulará os fatos ocorridos após a sua criação, não retrooperando para regular as situações anteriores a ela.

"Art. 150. (omissis)

III – cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado".

A esse respeito, uma observação merece ser formulada, afinal não só com relação a não aplicação de uma lei nova a fatos anteriores diz respeito o princípio da irretroatividade, mas também ao fato de que uma nova interpretação de uma lei antiga também não retroagirá, ou ainda, como prescreve o ilustre Sacha Calmon [25]: "o nosso direito não prescreve apenas a irretroatividade da lei, mas também decisões administrativas e judiciais, aplicativas da lei".

Esse princípio não comporta nenhuma exceção afinal admitir que uma lei produza seus efeitos numa data anterior a de sua publicação, ou seja, a de sua real existência no mundo jurídico, equivaleria admitir uma supressão ao já mencionado princípio da legalidade.

Com relação ao princípio da não-cumulatividade alguns tributos serão não-cumulativos, o que implica dizer que ao contribuinte é dada a possibilidade de compensar o que pagou nas operações anteriores, evitando a incidência em cascata da tributação e a impossibilidade de tributo incidir sobre uma base de cálculo já tributada, conforme prevê a Lei Maior, art. 155, §2°, I [26].

Já o princípio da vedação ao confisco consiste na impossibilidade da Administração Pública instituir tributo excessivamente oneroso, CF/88, art. 150, IV [27].

Assim, um tributo não pode prejudicar o normal desenvolvimento da economia privada, inviabilizando o crescimento de atividades geradoras de riqueza.

Já quanto ao princípio da anterioridade, tem-se que o particular estará assegurado contra eventuais equívocos da lei, já que através dele uma lei instituidora de um tributo só terá vigência, isto é, só produzirá seus efeitos no exercício financeiro seguinte ao do ano em que foi criada.

Tal princípio, previsto na Carta Magna, art. 150, III, "b" [28], encontra-se relacionado com o princípio da segurança jurídica, afinal no período compreendido como vacatio legis, verbi gratia, as férias da lei, que compreende o intervalo de tempo entre a data de sua publicação e a data da sua vigência e validade, o contribuinte terá oportunidade de obter um melhor conhecimento da finalidade do legislador, através da calma análise dos termos da lei, podendo questioná-la antes de sua validade, o que, conseqüentemente, evita a aplicação de alguma irregularidade que o texto da lei por ventura contenha.

Com relação ao princípio da segurança jurídica, destaca-se a sua importância apesar de não estar previsto na Carta de 88, afinal é tido como decorrência lógica do princípio da isonomia, através do qual há igualdade entre os contribuintes, da legalidade, com o qual só a lei pode criar ou alterar os tributos e da irretroatividade, segundo o qual o ato consumado e o direito adquirido não serão alterados por lei posterior. [29]

Nesse contexto, percebe-se a relevância dada ao princípio da segurança jurídica, já que é através do seu espírito que os contribuintes podem confiar na Administração Fazendária, cientes de que esta agirá sempre dentro da legalidade, sob pena da anulação deste ato por iniciativa não só da própria Administração, como também do contribuinte, através do processo administrativo fiscal.

Enfim, estes são alguns dos princípios que disciplinam o Direito Tributário ou Fiscal, isto é, a atividade tributária do Fisco para obtenção de receita para o orçamento público.

2.2. Princípios da Administração Pública.

No tocante aos princípios que regem a Administração Pública, enquanto Ente dotado de poderes especiais e responsabilidade com a sociedade em geral, pode-se destacar alguns princípios previstos pela própria CF em seu art. 37, que visa garantir uma perfeita atuação do Estado, a fim de concretização do seu fim máximo, a saber, a satisfação do interesse público.

São princípios da Administração, de acordo com os termos da Lei Maior, quando em seu art. 37 dispõe:

"Art. 37.A administração pública direta e indireta de qualquer do poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:"

Através da legalidade o legislador só agirá de acordo com os termos da lei, exatamente na forma, conteúdo e finalidade por ela determinados, "sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade discricionária, civil e criminal" [30] exceto nos casos em que a própria lei admite a discricionariedade do Administrador Público, situação em que para prática de atos administrativos agirá com certa liberdade na escolha da conveniência, oportunidade e conteúdo.

O princípio da impessoalidade assegura que a Administração Pública deverá servir a todos sem distinções, preferências ou aversões pessoais, visando sempre um objetivo certo e inafastável: o interesse público.

Já o da moralidade implica para o administrador a obrigação de saber agir de acordo com uma moral jurídica [31], isto é, agir sempre na forma adequada com o intuito de atingir a finalidade daquele ato, a saber, a satisfação do interesse público, o bem comum.

Isto se dá porque nem tudo que é legal é honesto, cabendo ao administrador a observância não só da norma jurídica, mas também de uma lei ética da própria instituição.

A respeito do princípio da publicidade facilmente se compreende que os atos administrativos devem ser revestidos de profunda notoriedade, através da sua divulgação oficial, com o objetivo não só de possibilitar aos administrados pleno conhecimento dos atos que estão sendo praticados, mas também e principalmente iniciar a produção dos efeitos desse ato, exceto nas situações que a própria lei determina a existência do sigilo.

Agora note-se, a referida publicação dos atos administrativos para produzir seus efeitos deverá ser feita através do órgão oficial da Administração, tais como o Diário Oficial do Estado, já que são revestidos da presunção de veracidade e seriedade e nunca pela imprensa particular.

No que diz respeito ao princípio da eficiência, a CF pretende garantir ao administrado que a finalidade a qual se destina determinado ato, será realmente atendida, afinal não basta que o serviço seja praticado, mas que seja eficaz e atinja as necessidades para o qual foi instituído.

Em decorrência desse princípio é que se impõe a todo agente público o dever de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional [32].

Enfim, o Estado, como ente dotado de poder e supremacia sobre o particular está submetido a uma série de princípios que regulam a sua atuação como forma de garantir uma perfeita e justa atuação estatal.

2.3. Princípios do Processo Administrativo Tributário.

Como princípios específicos do Processo Administrativo Tributário, pode-se destacar o princípio do devido processo legal, englobando os princípios do contraditório e o da ampla defesa, o princípio da ampla instrução probatória, do duplo grau de cognição, do julgador competente e da ampla competência decisória, representando esse conjunto, verdadeira condição sine qua non de validade desse processo [33].

Através da exemplificação acima, observa-se que as espécies dos princípios norteadores do Processo Administrativo Fiscal são na verdade os mesmos presentes no Direito Processual, devido à processualidade presente no âmbito administrativo, conforme já tivemos oportunidade de enfocar (vide tópico 1.3), ocorre que adequados ao caso em questão.

O princípio do devido processo legal, previsto na Constituição de 1988 em seu art.5°, inciso LV, instituiu no Ordenamento Jurídico a concepção de que para se solucionar um conflito de interesses seria necessário um processo legalmente disciplinado, onde dever-se-ia levar em consideração diversas formalidades, dentre elas, como colorário do devido processo legal, encontram-se os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Através destes princípios é conferido as partes litigantes em um processo, a oportunidade de se pronunciar e de se defender de todo e qualquer ato decisório e manifestação da parte contrária, seja qual for a oportunidade.

Especificamente no processo administrativo fiscal, além do direito de se insurgir contra uma atuação do Fisco, através da impugnação, o contribuinte terá garantida a possibilidade de manifestar-se e ser ouvido durante todo processo [34], sob pena de invalidação do mesmo.

Diretamente correlacionado com o princípio da ampla defesa, encontram-se alguns princípios que juntos viabilizam a sua aplicabilidade no processo administrativo fiscal.

Dentre eles, pode-se se verificar o princípio da ampla competência decisória, afinal a autoridade administrativa não poderá escusar-se de analisar qualquer matéria referente a uma atuação estatal, seja ela formal ou material, sob pena de cerceamento no direito de defesa.

O princípio da ampla instrução probatória, afinal, possibilita aos litigantes no processo administrativo, a saber, o Fisco e o contribuinte, a ampla defesa, implica, como conseqüência lógica, na possibilidade dos mesmos disporem de todas as provas existentes ao seu favor, exceto, é claro, as obtidas através de meio ilícito.

Nesse ínterim, é possível que, mesmo na esfera administrativa, as partes litigantes se valham de provas materiais, periciais ou mesmo testemunhais.

Ainda, como manifestação da ampla defesa, encontra-se o princípio do duplo grau de cognição, segundo o qual haverá para as partes o direito de recurso, que uma vez interposto, levará a lide para reapreciação e revisão por uma instância hierarquicamente superior.

Isto ocorre porque, apesar de todo conhecimento da Autoridade Administrativa, todo homem está sujeito ao erro, razão pela qual a parte prejudicada com um julgamento pode ver a sua pretensão reapreciada por um outro órgão, que será constituído, geralmente, de forma colegiada.

Sobre essa questão, vejamos a lição de James Marins [35]:

"Não podem, União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, instituir, no âmbito de sua própria competência, a denominada ‘instância única’ para o julgamento das lides tributárias deduzidas administrativamente, sob pena de irremediável mutilação da regra constitucional e conseqüente imprestabilidade do sistema administrativo processual que, por falta de requisito constitucional de validade, não servirá para aperfeiçoar a pretensão fiscal impugnada, remanescendo carente de exigibilidade".

Por fim, encontra-se o princípio do julgador competente, também conhecido por juiz natural, que implica na existência de órgãos julgadores imparciais, competentes e pré-constituídos, conforme prevê a Carta de 88, no art. 5°, XXXVII e LIII:

"Art. 5°. (omissis)

XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção;

LIII – ninguém será processado ou sentenciado senão pela autoridade competente".

Ou seja, com toda exposição supra, facilmente se percebe que para a validade e eficácia do processo administrativo fiscal, além dos princípios norteadores do Direito Tributário, afinal trata-se de uma lide decorrente da atividade tributária do Estado, e dos princípios do Direito Administrativo, o mesmo se encontra subordinado também aos princípios regente do processo em geral, como decorrência lógica da sua processualidade, conforme demonstrado anteriormente.

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Sobre a autora
Ana Paula Peres Falcão Alves

advogada tributarista em Recife (PE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Ana Paula Peres Falcão. A impossibilidade de revisão, pelo Poder Judiciário, das decisões administrativas desfavoráveis ao Fisco. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 248, 12 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4972. Acesso em: 15 nov. 2024.

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