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A impossibilidade de revisão, pelo Poder Judiciário, das decisões administrativas desfavoráveis ao Fisco

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12/03/2004 às 00:00
Leia nesta página:

Capítulo 3

A possibilidade da revisão de ofício dos atos administrativos.

Condições para sua ocorrência.

Em princípio todo e qualquer ato administrativo pode ter a sua legalidade revista pela própria autoridade administrativa.

Dessa forma, mesmo aquele ato jurídico-administrativo praticado pela autoridade fiscal que torne líquido e certo o direito de um contribuinte, poderá ser reexaminado e, conseqüentemente, modificado quando descoberto algum erro ou falsidade em relação a matéria fática, desde que dentro do prazo decadencial previsto em lei.

Nesse ínterim, o CTN em seu art. 149 prevê as hipóteses em que a autoridade fiscal poder modificar a sua atuação anterior, independente de qualquer iniciativa ou providência do sujeito passivo, isto é, um procedimento de ofício.

Para tanto, o legislador exigiu apenas duas condições básicas, a saber, estar dentro do prazo decadencial previsto em lei e devidamente motivado, isto é, modificado. Vejamos detalhadamente cada uma dessas condições.

3.2. A decadência e a preclusão do direito de revisão.

Ao se falar em direito de revisão da Fazenda Pública e a sua preclusão, surge, conseqüentemente, a indagação sobre o que consistiria esse direito.

A resposta é muito simples quando se leva em consideração que o direito de revisão para a Fazenda Pública consiste no ato administrativo do Fisco tendente a constituir o crédito tributário através do procedimento administrativo denominado de lançamento tributário conforme será oportunamente comentado.

Em sendo assim, pode-se dizer que a revisão do ato administrativo somente será possível enquanto não estiver extinto o seu direito de efetuar o lançamento tributário, isto é, enquanto não se operar a decadência.

Tal condicionante se encontra prevista no art. 149, parágrafo único do CTN, que assim estabelece:

"Art. 149. (omissis)

Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública".

Por sua vez, o art. 173 do mesmo diploma legal regulamenta este condicionante nos seguintes termos:

"Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:

I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;

II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.

Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento".

Nesse diapasão, percebe-se que a possibilidade da Fazenda Pública constituir o crédito tributário não é infinita, mas sim terá um dies ad quem determinado pelo prazo decadencial de 5 (cinco) anos. Prazo este que fluirá sem suspensões ou interrupções entre a ocorrência do fato gerador (nascimento da obrigação tributária) até a constituição definitiva do crédito.

Transcorrido esse prazo, precluí o direito da Fazenda Pública rever os seus próprios atos.

Ainda nesse ponto, faz-se interessante distinguir o instituto da decadência, responsável pela preclusão do direito à revisão de ofício do ato administrativo, do instituto da prescrição.

Isto porque, enquanto a decadência diz respeito à preclusão do direito de constituição do crédito tributário, não se interrompendo ou suspendendo na fluência do seu prazo, a prescrição diz respeito a extinção do direito de ação, ou seja, do direito de exigir o pagamento de um crédito tributário já constituído, podendo ter seu prazo suspenso ou interrompido.

Ciente da distinção de tais institutos que aparentam ser tão parecidos, mas que na verdade tratam de direito distintos e situam-se em momentos diversos, passemos à análise da segunda condição para a Administração Pública proceder a revisão de ofício: a motivação.

3.3. A necessidade de motivação da revisão de ofício.

No que diz respeito à motivação como condicionante para revisão de ofício pela Administração Pública, tem-se que a mesma implica na existência de uma situação fática que autorize ou justifique a revisão.

Ou seja, não basta a vontade do Administrador em reexaminar um ato seu já consumado, faz-se necessário a existência de um novo fato, um erro ou uma simulação dolosa no procedimento anterior para que a mesma possa revisar de ofício este ato.

Ratificando tal raciocínio, encontra-se o art. 149 do CTN que expressamente prevê e enumera os casos em que poderá haver a revisão de ofício.

Não observados tais condições para a ocorrência da revisão de ofício dos atos administrativos, surge o eventual interesse da Fazenda Pública recorrer ao Poder Judiciário para revisão de seus próprios atos, situação a que se presta o presente trabalho.


Capítulo 4

O instituto da coisa julgada e a sua ocorrência na esfera administrativa.

A conceituação da coisa julgada;

De início, antes de abordar algumas ponderações sobre o efeito vinculante de uma decisão administrativa, ou da existência ou não da coisa julgada no âmbito do processo administrativo, faz-se necessário enfatizar o que vem a ser, qual a abrangência e os efeitos do instituto processual da coisa julgada.

Ao mesmo tempo, antes de tecer alguns comentários, é de bom alvitre salientar que, sendo o processo o meio pelo qual o Estado se utiliza para compor litígios, aplicando o direito ao caso concreto, e ante a existência no ordenamento brasileiro do princípio da segurança jurídica, o legislador, procurando garantir a validade das relações jurídicas e a paz no convívio social previu no art. 467, do Código de Processo Civil, o instituto da coisa julgada, nos seguintes termos:

"Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário".

Só assim, diante de tal consideração, pode-se dizer que a coisa julgada, também chamada de caso julgado ou res iudicata, é compreendida como "a sentença, que se tendo tornado irretratável, por não haver contra ela mais qualquer recurso, firmou o direito de um dos litigantes para não admitir sobre a dissidência anterior qualquer outra oposição por parte do contendor vencido, ou de outrem que se sub-rogue em suas pretensões improcedentes [36]".

Assim, tem-se a coisa julgada não como um efeito da sentença, mas sim como sua qualidade, já que implica na imutabilidade do julgado e de seus termos.

Nesse contexto, a evidência da coisa julgada pressupõe a existência de uma relação jurídica, anteriormente julgada, sob os fundamentos de determinada razão de pedir.

Ou ainda, apenas poderá ser verificada quando a sentença não mais estiver suscetível de reforma através de recursos, situação em que se tem o fim da função jurisdicional do Estado.

Com essas considerações, pode-se considerar a coisa julgada como pressuposto negativo ou extrínseco da relação processual, o que implica dizer que deverá estar ausente para que se verifique o desenvolvimento válido e regular do processo, sob pena de obstando esse normal desenvolvimento, seja extinto sem julgamento do mérito.

Nessa hipótese, tem-se que, ante ao fato de estar prevista em norma cogente e consistir numa questão de ordem pública, a coisa julgada não se submete aos princípios processuais ou ao instituto da preclusão, podendo vir a ser alegada ou verificada ex officio pelo julgador em qualquer momento processual.

Sua abrangência e efeitos.

A partir da conceituação supra formulada, chega-se a conclusão de que só com a coisa julgada a sentença produzirá plenamente os seus efeitos, deixando de ser apenas um ato judicial ou uma situação jurídica, que, apenas em casos excepcionais se admite a sua execução provisória.

Neste sentido, a parte que sucumbiu, ou seja, prejudicada com um decisório, ver-se-á impossibilitada de renovar sua pretensão em juízo. Situação em que se observa a imutabilidade da sentença.

Noutros termos, observa-se que "a autoridade da res iudicata não admite, desde que já foi reconhecida a verdade, a justiça e a certeza a respeito da controvérsia, em virtude da sentença dada, que venha a mesma questão a ser ventilada, tentando destruir a soberania da sentença, proferida anteriormente, e considerada irretratável, por ter passado em julgado" [37].

Há, no entanto, que se distinguir entre as duas espécies de coisa julgada existente no ordenamento jurídico brasileiro, verbi gratia, a formal e a material.

Na verdade a distinção de ambas as espécies consiste apenas na abrangência do referido instituto, isto porque, ambas decorrem da impossibilidade de interposição de recurso contra a sentença. Vejamos suas diferenças:

A coisa julgada formal implica na existência de uma sentença irrecorrível que, no entanto, não apreciou o mérito da causa, ou melhor, não compôs a lide, possibilitando que a questão objeto daquela lide seja novamente demandada em juízo.

Ou seja, "a coisa julgada formal atua dentro do processo em que a sentença foi proferida, sem impedir que o objeto do julgamento volte a ser discutido em outro processo [38]".

Já no que diz respeito a coisa julgada material, existe uma sentença irrecorrível que efetivamente julgou a demanda, o objeto da ação, não possibilitando que tal questão seja novamente proposta em juízo.

Nos dizeres de Humberto Theodoro Júnior: "a coisa julgada material, revelando a lei das partes, produz seus efeitos no mesmo processo ou em qualquer outro, vedando o reexame da res in deducta, por já definitivamente apreciada e julgada [39]".

Assim, toda sentença que fizer coisa julgada material fará coisa julgada formal, mas nem sempre a que fizer coisa julgada formal implicará em coisa julgada material, como ocorre com aquelas sentenças meramente terminativas.

O procedimento administrativo e a presença da coisa julgada.

Como visto no início do presente ensaio, o processo administrativo é a garantia do contribuinte desgostoso com as atitudes da Administração, impugná-las, submetendo-as a uma análise pela própria Administração, que irá então rever os seus atos e adequá-los a legalidade, com total observância de todos os princípios processuais existentes.

Nesse ínterim, pode-se dizer que o julgamento proferido no âmbito da própria administração não decorre da simples conveniência administrativa, razão pela qual pode ser caracterizado como um ato de conteúdo judicante, que põe fim ao processo administrativo fiscal.

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Diante de tal consideração, há, porém, que se questionar se a coisa julgada, como um instituto processual que confere a decisão o caráter da imutabilidade, impedindo que a pretensão objeto da decisão seja renovada em juízo, pode ser observada no âmbito do processo administrativo fiscal, tendo em vista que a Constituição Federal consagrou o princípio da jurisdição única, conferindo ao Poder Judiciário esta função.

Acerca do tema, vejamos a opinião do doutrinador Alberto Xavier [40], que com autoridade leciona:

"Face ao princípio da universalidade da jurisdição, as decisões definitivas proferidas em processo administrativo não têm força de coisa julgada, dada a sua suscetibilidade de revisão pelo Poder Judiciário. E daí que, como vimos, tenham natureza de atos administrativos e não de atos jurisdicionais.

Todavia, conquanto não tenham força de caso julgado material, tais decisões têm uma força similar à de ‘coisa julgada formal’, uma vez que são vinculantes e imutáveis para a própria administração ativa, privada de meios jurídicos para reabrir o debate face ao Poder Judiciário, em caso de decisão desfavorável proferida pelo órgãos de Administração judicante, no exercício de funções de autocontrole".

Interessante se faz distinguir a coisa julgada do ato jurisdicional, sentença, da eventual coisa julgada do ato administrativo, pois enquanto aquela tem por finalidade declarar a certeza de um ato, este tem por finalidade outras situações para as quais se utiliza da certeza de um ato.

Ou seja, enquanto para a sentença a descoberta da certeza de uma situação é a sua causa ou o seu fim, para a decisão administrativa é o meio, razão pela qual a coisa julgada pode ser facilmente verificada na esfera judicial, mas é motivo de indagações na administrativa.

Como se evidencia, a discussão posta gira em torno da existência ou não da coisa julgada na esfera administrativa e a conseqüente possibilidade da parte vencida num processo administrativo fiscal recorrer ao Poder Judiciário, como órgão jurisdicional competente, para renovar sua pretensão.

Isto é, poderá o contribuinte que inicialmente impugnou determinado lançamento na esfera administrativa, após o julgamento da referida defesa contrária aos seus interesses, situação em que o lançamento é tido como lícito, ingressar com uma ação perante o Judiciário? Quais as razões que fundamentam essa possibilidade, ou que, em contra partida inviabilizam esse procedimento?

Ou, admitindo o caso contrário, poderia a Fazenda Pública, após julgar procedente uma impugnação ao um lançamento fiscal, ou seja, julgar em prol do contribuinte, desconstituindo o crédito tributário, admitindo a sua impossibilidade de rever de ofício esse ato, ingressar em juízo para a constituição do respectivo crédito? Admitir que sim, não seria permitir um abuso da Fazenda já que o processo administrativo representa uma autotutela do Estado? Ou em contra partida, não admitir tal possibilidade implicaria num aplacamento do princípio da isonomia, do livre acesso ao judiciário e no cerceamento do direito de defesa?

Antes de responder a tais indagações, necessário se faz, num primeiro momento, evidenciar a concepção do ato administrativo de julgamento como uma decisão administrativa. Vejamos.

Como visto, o processo administrativo fiscal tem por finalidade a descoberta da verdade material dos fatos tributários. Para tanto, o contribuinte, ao apresentar sua defesa, tem a ampla possibilidade de apresentar as provas que lhe convierem, circunstância que implica no reconhecimento da aplicação do princípio do devido processo legal no processo administrativo e a sua prática plenamente vinculada à legislação.

Em assim procedendo, não há o porquê de se recusar ao ato administrativo de julgamento o conceito de decisão.

Outrossim, num momento posterior, como corolário do princípio da jurisdicionalização do processo administrativo tributário, ter-se-ia que considerar a coisa julgada como qualidade da decisão administrativa o que, no entanto, seria melhor representado pelo instituto da preclusão processual, assim como consagrou o Código Tributário Nacional, no art. 156, IX, nos seguintes termos:

"Art. 156. Extinguem o crédito tributário:

IX – a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória;"

Assim, uma vez formuladas as considerações supra, vejamos, no item que se segue, as respostas as questões levantadas neste capítulo, passando a analisar detalhadamente o objeto a que se presta o presente estudo.

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Sobre a autora
Ana Paula Peres Falcão Alves

advogada tributarista em Recife (PE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Ana Paula Peres Falcão. A impossibilidade de revisão, pelo Poder Judiciário, das decisões administrativas desfavoráveis ao Fisco. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 248, 12 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4972. Acesso em: 15 nov. 2024.

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