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A impossibilidade de revisão, pelo Poder Judiciário, das decisões administrativas desfavoráveis ao Fisco

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12/03/2004 às 00:00
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Capítulo 5

O efeito vinculante da decisão administrativa.

A decisão administrativa e a possibilidade de sua revisão judicial.

Diante das considerações formuladas, passemos a analisar a existência ou não da coisa julgada no âmbito do processo administrativo fiscal e sua conseqüente possibilidade de revisão pelo Poder Judiciário, o que implica reconhecer ou não o efeito vinculante atribuído a decisão administrativa.

Inicialmente, ficou evidenciado no desenvolvimento do presente estudo que no curso do processo administrativo fiscal a Fazenda Pública deveria atuar em estrita observância aos princípios jurídicos (vide capítulo 2).

Em sendo assim, para alguns estudiosos do direito a coisa julgada não estaria presente no processo administrativo em atendimento ao que preceitua o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5°, XXXV), da ampla defesa (art. 5°, LV) e da isonomia (art. 150, II).

Ou seja, segundo esta corrente doutrinária tanto o contribuinte como a Administração Pública poderá ingressar em juízo a fim de que o Poder Judiciário anule as decisões dos órgãos de julgamento administrativo.

Como o direito do contribuinte é inquestionável, a polêmica surge apenas com relação ao direito do Fisco.

Assim, defendendo o direito da Fazenda Pública também recorrer ao Poder Judiciário, tais estudiosos fundamentam essa posição, invocando a Súmula n° 473 [41] do Pretório Excelso, cujo teor pode ser observado no art. 53 da Lei n° 9.784, de 29.01.99, ao disciplinar o processo administrativo tributário no âmbito federal, que assim dispõe:

"Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos".

Nesse sentido, encontra-se a opinião de Edvaldo Brito ao considerar que "... o acesso ao Judiciário, como direito público subjetivo de ação, também, não poderia ser impedido à administração, apesar de ser tentadora a interpretação no sentido de que o disposto no inciso XXXV do art. 5° da Constituição seria um direito fundamental do administrado e não da administração. Contudo, se prevalecesse essa interpretação, ela estaria em desacordo com o próprio sistema constitucional implantado entre nós que privilegia um princípio, o da isonomia, que se põe acima de todos os outros [42]".

Corroborando do entendimento de que a Fazenda possa ajuiza uma ação para anular uma decisão administrativa, a 4ª Turma do TRF da 1ª Região, assim se posicionou:

"Não impressiona que a União, pelo órgão de representatividade judicial, proveja à realização de um interesse maior, que, se sobrepõe até mesmo a uma decisão colegiada, que, embora definitiva, em sede administrativa, não se subtrai ao exame de legalidade na órbita judiciária, atividade que se insere no âmbito de atribuições ou da competência de seu representante judicial, e, pois, com legitimidade para propor a ação".

Por outro lado, grande parte da doutrina e da jurisprudência defende posição contrária, segundo a qual não caberia a Administração o direito de ação para anular uma decisão administrativa.

Para tanto, discordam das fundamentações supra pelas seguintes razões:

No que diz respeito a garantia do livre acesso ao judiciário, tem-se que esta objetiva proteger apenas o cidadão, uma vez que se encontra disciplinada na Carta Constitucional no capítulo dos direitos e garantias individuais. Ou ainda, proteger o particular do abuso de poder da Administração Pública, já que, como dito anteriormente, o poder público no Brasil se encontra tripartido, em Legislativo, Executivo e Judiciário.

Assim, encontra-se o processo judicial com finalidade essencial de proteção aquele que não tem ou que tem em menor intensidade o poder, que é o caso do particular, em contra posição ao Estado detentor de um vasto poder institucional.

O que, por sua vez, não implica dizer que o Estado não possa se valer da jurisdição, pois é através dela, e só através dela, que o mesmo poderá alcançar e intervir efetivamente no patrimônio do cidadão devedor, através do processo executivo fiscal, ou seja, através do reconhecimento pelo magistrado da liquidez, certeza e exigibilidade de um título executivo e sua conseqüente executoriedade.

Quanto ao princípio da isonomia, Schubert de Farias Machado [43] adverte:

"pela mesma razão, o princípio da isonomia não resguarda o Estado, até porque dele não necessita. Ao contrário, é exatamente o princípio da isonomia que impõe tratamento desigual entre o Estado e cidadão, protegendo este contra o desmedido poder daquele".

Por sua vez, invocar a Súmula n° 473 do STF ou o art. 53 da Lei n° 9.784/99 demonstra claramente a existência da coisa julgada administrativa. Vejamos o porquê.

Os referidos dispositivos ao mesmo tempo que reconhecem a possibilidade de revisão de uma decisão administrativa por iniciativa da Fazenda, estabelece limites para tanto, a saber, ato administrativo eivado de vício da ilegalidade ou por conveniência e oportunidade administrativa, condicionados ao respeito dos direitos adquiridos.

Deste modo, limitando a possibilidade de revisão do ato por iniciativa da Administração, torna-se expressa e inquestionável a garantia legal da coisa julgada administrativa.

Neste sentido, evidenciando a irrevisibilidade judicial por iniciativa da Administração, Alberto Xavier [44] estabeleceu que:

"não faria, na verdade, qualquer sentido que a Administração pública – que já é dotada do privilégio de praticar atos imediatamente executórios – e que é, além disso, obrigada constitucionalmente a exercer imparcialmente funções de autocontrole da legalidade dos seus atos mediante processo administrativo, baseado nos princípios de ampla defesa e do contraditório, pudesse rebelar-se contra decisões definitivas dos seus próprios órgãos judicantes, ou seja, venire contra factum proprium".

Ou ainda, em caso análogo, o jurista Kiyoshi Harada [45] leciona:

"A exemplo de decisão judicial, a decisão administrativa fiscal de que não caiba mais recurso faz coisa julgada, vinculando a Administração Pública aos seus termos. (...) Não é dado à Administração Pública recorrer ao Judiciário para invalidar a sua própria decisão proferida, regularmente, em processo administrativo fiscal. No processo administrativo fiscal a Fazenda Pública é juiz e parte ao mesmo tempo (...). Assim, atentaria contra o princípio da moralidade administrativa o fato de a Administração não querer se sujeitar à decisão que ela própria proferiu, no exercício regular de suas atribuições. Seria o mesmo que autodestruir o poder legalmente exercitado pela Administração, só porque resultou em uma decisão que é contrária aos seus interesses privados".

Como se vê, para essa corrente doutrinária a decisão administrativa vincula a Administração, até porque é ato da própria Administração, mas não vincula o contribuinte, que poderá se valer da garantia do livre acesso ao Judiciário, cabendo a este o controle último da legalidade [46].

Em outro sentido, argumentam ainda que admitir a tese contrária, implica na violação de vários dispositivos legais, afinal uma questão interessante surge quanto a possibilidade do Poder Judiciário, ao julgar uma ação proposta pela Administração para anulação da decisão administrativa que julgou pela inexistência do crédito tributário, julgá-la procedente e, conseqüentemente, constituir o crédito tributário a despeito do que preceitua o art. 142 do CTN?

Para responder tal indagação, faz-se necessário tecer alguns comentários sobre o procedimento de constituição do crédito tributário, através do ato administrativo de lançamento tributário.

O lançamento tributário como ato exclusivo da Administração.

O Código Tributário Nacional, ao tratar da constituição do crédito tributário no capítulo II do título III, prescreve em seu art. 142:

"Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido como o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade."

Deste modo, percebe-se que o lançamento tributário é ato administrativo vinculado, obrigatório, exclusivo e indelegável tendente a constituir o crédito tributário, e que só pode ser alterado em determinadas circunstâncias pela própria Administração.

Assim, para ter validade e produzir todos os efeitos jurídicos, o lançamento deverá conter todas as condições e requisitos legais, dispostos no art. 142, do CTN, caso contrário será tido como ato nulo.

As hipóteses em que o lançamento pode ser retificado foram expressamente enumeradas pelo legislador, conforme se observa no art. 145, do CTN, o qual é taxativo na sua disposição, ou seja, o lançamento só poderá ser retificado naquelas hipóteses elencadas e em mais nenhum momento. Dispõe o citado artigo:

"Art. 145. O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em virtude de:

I - impugnação do sujeito passivo;

II - recurso de ofício;

III - iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no art. 149."

Diante dos dispositivos supra, percebe-se que a legislação é expressa ao determinar que o lançamento é ato próprio da Administração, não podendo ser praticado pelo Poder Legislativo ou pelo Poder Judiciário, e que só nas hipóteses elencadas no art. 145, do CTN o lançamento poderia ser alterado. Fora dessas hipóteses seria impossível.

No entanto, essa exclusividade do lançamento não afasta o controle jurisdicional do ato, que poderá ser realizado desde que se atenha apenas a legalidade do ato administrativo, ou seja, nada restará ao Magistrado senão confirmar a validade e perfeição do lançamento tributário, ou, se entender que falta um dos requisitos de validade expressos do art. 142, do CTN, declará-lo nulo in totun, uma vez que a retificação foge da sua esfera de competência.

A partir do exposto, pode-se vislumbrar a resposta a indagação anteriormente formulada no sentido de que não poderia o Juiz julgar procedente a referida demanda, devendo extingui-la sem julgamento do mérito, ante a inobservância de um dos requisitos de condição da ação, a saber, a possibilidade jurídica do pedido.

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Isto porque, admitir que a Fazenda Pública vá a juízo pedir anulação da decisão do Conselho de Contribuintes – órgão administrativo de julgamento no âmbito federal – seria admitir que através da sentença que viesse a dar provimento à pretensão da Administração, anulando a decisão administrativa de não-lançar, o Poder Judiciário efetuasse o lançamento tributário, se posicionando pela exigibilidade do tributo.

Neste contexto, Schubert Machado enfatiza: "admitir que a Fazenda possa levar essa questão ao Judiciário simplesmente porque caberia a esse Poder a última palavra sobre a legalidade do lançamento é transformar o Juiz em agente lançador de tributos [47]".

Como se depreende, além das ponderações formuladas sobre o processo administrativo fiscal como uma autotutela do Estado, a impossibilidade do Fisco ingressar em juízo com pedido revisional também decorre da lei, ante a exclusividade da Administração Pública na competência para a constituição do crédito tributário.

O efeito vinculante para a Administração Pública.

A respeito da vinculação da decisão administrativa para a Fazenda Pública surgem duas conseqüências lógicas: a insuscetibilidade da revisão judicial desse ato de julgamento por iniciativa do Estado e o dever, a obrigatoriedade de executar essa decisão.

Ou seja, a faceta do efeito vinculante da decisão administrativa para a Administração Pública consiste principalmente no chamado efeito cominatório ou conformativo, isto é, na conformação da Fazenda com a anulação daquele crédito tributário, obrigando-a a reconhecer as situações jurídicas conseqüentes e impedindo-a de reconstituí-lo.

Quanto a esse impedimento em reconstituí-lo, uma observação deve ser formulada porque tal impedimento não é absoluto, assim como consideram alguns estudiosos, existindo a possibilidade de renovar esse ato anulado desde que o novo ato não contenha o mesmo vício que conduziu a anulação anterior.

Daí porque, apenas poderá ser renovado se a anulação decorreu de incompetência ou vício de forma, pois neste caso, para a sua validade, o ato deverá ser praticado pela autoridade administrativa competente e através da forma legalmente estabelecida.

Diferente do que ocorre nos casos em que o ato foi fulminado pela nulidade por violar a lei, estando a Administração impedida de repraticá-lo, sob pena de se insurgir novamente em ilegalidade.

Dando fecho a esse raciocínio, o ilustre Alberto Xavier [48], ao citar Diogo Freitas do Amaral autor da obra "A execução das sentenças dos tribunais administrativos", enfatiza que "o lançamento anulado por incompetência e vício de forma é um ato renovável; o lançamento anulado por violação de lei, um ato irrenovável".

Em apoio a tudo que foi demonstrado até agora, viu-se que o processo administrativo fiscal deve ser encerrado por decisão que indique solução definitiva do caso no âmbito administrativo, vinculando a Fazenda Pública, em respeito ao princípio da boa-fé que preside os atos administrativos, por ser essa decisão de sua própria autoria, mas não vinculando o contribuinte, que não perde a sua garantia constitucional do livre acesso ao judiciário [49].

Com efeito, eis o porquê de se considerar que a decisão administrativa do processo administrativo tributário faz coisa julgada administrativa.

A posição do judiciário e a coisa julgada administrativa.

Enfrentando a temática ora versada, os tribunais pátrios já se pronunciaram sobre a questão, conforme se observa nos trechos das ementas transcritas:

Supremo Tribunal Federal

"Coisa julgada fiscal e direito subjetivo. A decisão proferida pela autoridade fiscal, embora de instância administrativa, tem, em relação ao fisco, força vinculatória, equivalente à coisa julgada, principalmente quando aquela decisão gerou direito subjetivo para o contribuinte. Recurso Extraordinário conhecido e provido".

(in Acórdão unânime da 1ª Turma do STF – Rel. Min. Barros Monteiro – RE 68253/PR, DJ 08.05.70)

"- A jurisdição administrativa se processa em escala ascendente, sem hiatos, por via de recursos hierárquicos pré-determinados.

- A autoridade de grau superior não pode, estribada apenas em sua preeminência, sem forma, nem figura de juízo, desfazer ato de grau inferior, mormente quando este já produziu seus efeitos de direito e foi editado em consonância com a lei.

- Mandado de Segurança – sua concessão".

(in Acórdão do STF Pleno – MS 7853/GB - Rel. Min. Henrique D’Avila, DJ 17.07.61)

Superior Tribunal de Justiça

"Mandado de Segurança. Ato administrativo. Preclusão administrativa.

1. O ato administrativo conta com a retratabilidade que poderá ser exercida enquanto dito ato não gerar direitos a outrem. Ocorrendo a existência de direitos, tais atos serão atingidos pela preclusão administrativa, tornando-se irretratáveis por parte da própria Administração.

2. É que, exercitando-se o poder de revisão de seus atos, a Administração tem que se ater aos limites assinalados na lei, sob pena de ferir direitos líquidos e certos do particular, o que configura ilegalidade e/ou abuso de poder.

3. Segurança concedida".

(in Acórdão da 1ª Seção do STJ – Rel. Min. Pedro Acioli – MS 009-DF, DJ 18.12.89)

"O ato administrativo não pode ser modificado, ocorrida a preclusão, mesmo por autoridade hierarquicamente superior, quer por via recursal, quer por avocação. A modificação configura-se ilegalidade e dá surgimento a direito líquido e certo. Segurança concedida".

(in Acórdão da 1ª Seção do STJ – Rel. Min. Garcia Vieira – MS 223-DF, DJU 16.04.90)

Tribunal Federal da 5ª Região

"Tributário. Reapreciação de matéria deduzida em processo administrativo. Impossibilidade face à coisa julgada administrativa. Certidão Negativa de Débito. Direito líquido e certo.

1. Dos documentos acostados aos autos, constata-se a reapreciação da matéria em processo administrativo, o que é vedado na via administrativa em prol da estabilidade das relações entre as partes, e em respeito à ‘coisa julgada administrativa’.

2. Tendo a certidão negativa de débito sido negada em razão da conclusão obtida em processo administrativo reaberto, e diante de sua imodificabilidade na via administrativa, indiscutível resta o direito líquido e certo à referida certidão negativa de débito.

3. Remessa oficial improvida".

(in Acórdão da 2ª Turma do TRF da 5ª Região – Rel. Des. Fed. Petrúcio Ferreira – REO n° 53787/CE –DJU 30.01.1998, p. 182)

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Sobre a autora
Ana Paula Peres Falcão Alves

advogada tributarista em Recife (PE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Ana Paula Peres Falcão. A impossibilidade de revisão, pelo Poder Judiciário, das decisões administrativas desfavoráveis ao Fisco. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 248, 12 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4972. Acesso em: 24 dez. 2024.

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