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A impossibilidade de revisão, pelo Poder Judiciário, das decisões administrativas desfavoráveis ao Fisco

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12/03/2004 às 00:00
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Conclusão

Com efeito, sem a pretensão de esgotar o assunto objeto do presente estudo, mas apenas no intuito de fomentar reflexões sobre o tema, pode-se concluir que:

No que diz respeito à primeira parte, verifica-se perfeitamente a natureza contenciosa do processo administrativo, estando revestido do caráter da processualidade assim como o processo judicial.

Com relação a segunda parte demonstrou-se os princípios jurídicos aplicados ao processo administrativo, dentre eles os que norteiam o processo propriamente dito, o direito tributário e a atividade da Administração Pública.

Já na terceira parte, depreende-se facilmente a possibilidade da Fazenda Pública rever seus próprios atos, desde que dentro do prazo decadencial previsto em lei e devidamente motivada.

Na quarta parte, após as considerações sobre o instituto da coisa julgada, percebe-se sua presença na esfera administrativa quando da preclusão do direito da Fazenda rever seus atos.

Enfim, mesmo diante de todas as disposições fundamentais que definem a lógica e racionalidade do sistema normativo brasileiro, denominadas de princípios jurídicos, a Administração Pública se encontra impossibilitada de recorrer ao Poder Judiciário para anular uma decisão administrativa.

Isto porque, sendo a decisão administrativa de autoria da própria Fazenda Pública, não seria justo permitir que a despeito de todo poder que lhe é conferido para rever seus atos no âmbito da própria administração, como uma autotutela do Estado, a mesma ainda pudesse recorrer ao Poder Judiciário para anular uma decisão administrativa proferida a favor do contribuinte.

Admitir tal situação significaria um aplacamento na segurança jurídica do indivíduo, que apesar de ter tido decisão favorável no processo administrativo, verá proposta contra si nova demanda, só que agora perante o judiciário.

Em sendo assim, de nada serviria o processo administrativo, restando reconhecer a impossibilidade da Fazenda Pública ingressar em juízo para recorrer de uma decisão administrativa, ou seja, reconhecer a existência da coisa julgada administrativa, ou ainda, do efeito vinculante da decisão administrativa para a Fazenda, independente do ordenamento jurídico estar disciplinado por princípios que consagram direitos como o livre acesso ao judiciário ou a ampla defesa.

Até porque tais princípios consistem nas garantias constitucionais do indivíduo, na segurança do contribuinte de que seus direitos não serão violados mesmo diante de todo poder conferido a Administração Pública, como a tríplice função do Estado, já que quem cria e aplica as leis, ao mesmo tempo, julga as lides delas decorrentes.


NOTAS

1 Poder do Estado dividido em Legislativo, Executivo e Judiciário.

2 A opinião de Hely Lopes Meirelles é de que "referimo-nos à função precípua de cada Poder do Estado porque, embora o ideal fosse a privatividade de cada função para cada Poder, na realidade isso não ocorre" (Direito Administrativo Brasileiro, 21ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p. 56).

3 Marins, James. Direito Processual Tributário Brasileiro, 1 ed., São Paulo: Dialética, 2001, p. 150.

4 Marins, James. ob. cit., p. 50.

5 Carrazza, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Brasileiro, 14ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 323.

6 Hely Lopes Meirelles assim conceituou: "Processo administrativo tributário ou fiscal, propriamente dito, é todo aquele que se destina à determinação, exigência ou dispensa do crédito fiscal, bem como à fixação do alcance de normas de tributação em casos concretos, pelos órgãos competentes tributantes, ou à imposição de penalidades ao contribuinte" (Direito Administrativo Brasileiro, 21ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p. 603).

7 Sobre o tema, vejamos as palavras de James Marins ao citar Hely L. Meirelles: "Destaca-se a doutrina sempre precisa de Hely Lopes Meirelles que desde a década de 70 já se pronunciava no sentido de que a noção de processo administrativo deveria estar associada à solução de controvérsias entre a Administração e os particulares". (Direito Processual Tributário Brasileiro, 1ª ed., São Paulo: Dialética, 2001, p. 153/154)

8 Processo Administrativo Fiscal propriamente dito implica dizer que tem-se início uma etapa contenciosa em que há uma relação bilateral, Fisco x contribuinte, diferentemente de se falar num processo administrativo onde a Administração atuará sem a participação do contribuinte, unilateralmente.

9 Malerbi, Diva. Processo Administrativo Tributário/coordenador Ives Granda Martins, Nova Série – 5, co-edição, São Paulo: RT, 1999, p. 121.

10 Machado, Hugo de Brito. Processo Administrativo Fiscal/O devido processo legal administrativo tributário e o Mandado de Segurança, 2ª ed., São Paulo: Dialética, 1998.

11 Carrazza, Roque Antônio. ob.cit., p. 324.

12 Machado, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 14ª ed., São Paulo: Malheiros Editora, 1999, p. 345/346.

13 Marins, James. ob cit., p. 160.

14 Martins, Ives Granda. Processo Administrativo Fiscal, vol. 4/coordenador, Valdir de Oliveira Rocha, São Paulo: Dialética, 1999, p. 82.

15 Xavier, Alberto. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, 2 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 314.

16 Malerbi, Diva. Processo Administrativo Tributário/coordenador Ives Granda Martins, Nova Série – 5, co-edição, São Paulo: RT, 1999, p. 122.

17 Lacombe, Américo Lourenço Masset. Princípios Constitucionais Tributários, 2 ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 11.

18 Carvalho, Paulo de Barros. Sobre os Princípios Constitucionais Tributários, RDTributário, p. 55/143.

19 Delgado, José Augusto. Processo Administrativo Tributário/coordenador Ives Granda Martins, Nova Série – 5, co-edição, São Paulo: RT, 1999, p. 80.

20 "Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhe o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir a norma. A desatenção ao princípio implica ofensa, não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas todo o sistema de comando. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa a insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra." (Elementos de Direito Administrativo, 1 ed., São Paulo:RT, 1980, p. 230).

21 A respeito, vejamos a opinião de Roque Antônio Carrazza: "O mero interesse arrecadatório não pode fazer tábua rasa da igualdade, da legalidade, da anterioridade, enfim, dos direitos constitucionais do contribuinte", (Curso de Direito Constitucional Brasileiro, 14ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2000, p. 324).

22 Sobre o tema, vejamos o trecho do ilustre Hugo de Brito Machado retirado da sua obra "Curso de Direito Tributário", 14ª edição, São Paulo: Malheiros Editora, 1999, p. 30. "Sendo a lei a manifestação legítima da vontade do povo, por seus representantes nos parlamentos, entende-se que o ser instituído em lei significa ser o tributo consentido".

23 Sobre o tema, vejamos as lições do brilhante constitucionalista Celso Ribeiro Bastos: "Mas o princípio da igualdade vai mais longe. Ele não se limita a proibir desequiparações em função de uns poucos critérios. O vício da inconstitucionalidade pode incidir em qualquer norma desde que não se dê tratamento razoável, eqüitativo, aos sujeitos envolvidos.(...) Toda vez que uma lei perde o critério da proporcionalidade ela envereda pela falta de isonomia." (in Curso de Direito Constitucional, 18 ed., Editora Saraiva, p. 182).

24 CF, "Art. 150. (omissis) II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica do rendimentos, títulos ou direitos".

25 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário brasileiro, 6 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 237.

26 CF, "Art. 155. (omissis) §2°. O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: I – será não-cumulativo, compensado-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal".

27 CF, "Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios: VI – utilizar tributo com efeito de confisco".

28 CF, "Art. 150. (omissis) III – cobrar tributos: b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou".

29 Lacombe, Américo Lourenço Masset. ob. cit., p. 76.

30 Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 21ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 1996, p. 82.

31 Acerca do tema, vejamos a definição trazida por Hely Lopes Meirelles ao citar Maurice Hauriou sobre a moral jurídica: "o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração" (Direito Administrativo Brasileiro, 21 ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 83).

32 Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 21 ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 90.

33 "Administrativo – Princípio do Contraditório em Processo Administrativo – Inscrição no Cadin – 1. O processo administrativo deve obedecer ao princípio do contraditório, sendo inválida a inscrição no Cadin decorrente de processo administrativo em que não foi observado este princípio. 2. Remessa necessária improvida" (in REO n° 97.04.57885-7, TRF 4ª Região, Rel. Fernando Quadros da Silva, DJU 07.07.1999).

34 Nesse sentido: "Todo processo administrativo, para que se afigure constitucionalmente válido, deve ensejar ao particular a possibilidade de ver conhecidas e apreciadas todas as suas alegações de caráter formal e material e de produzir todas as provas necessárias à comprovação de suas alegações". (Marins, James. ob. cit., p. 189).

35 Marins, James. ob. cit., p. 193.

36 Silva, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, v. I, 4 ed, Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 452.

37 Silva, De Plácido e. ob. cit., p. 452.

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38 Theodoro Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, 36 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 463.

39 Theodoro Júnior, Humberto. ob cit., p. 463.

40 Xavier, Alberto. ob. cit, p. 320/321.

41 Súmula n° 473 "A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada em todos os casos a apreciação judicial".

42 BRITO, Edvaldo. Problemas de Processo Judicial Tributário, v. 3, coordenado por Valdir de Oliveira Rocha, São Paulo: Dialética, 1999, p.114/115.

43 MACHADO, Schubert de Farias. A decisão definitiva no Processo Administrativo Tributário e o Ingresso da Fazenda Pública em Juízo, Revista Dialética de Direito Tributário n° 76, São Paulo: Dialética, 2002, p. 108.

44 Xavier, Alberto. ob. cit, p. 321.

45 HARADA, Kiyoshi. Processo Administrativo Tributário/coordenador Ives Granda Martins, Nova Série – 5, co-edição, São Paulo: RT, 1999, p. 369.

46 MACHADO, Schubert de Farias. ob. cit., p. 103.

47 MACHADO, Schubert de Farias. ob. cit., p. 111.

48 Xavier, Alberto. ob. cit, p. 324.

49 MACHADO, Schubert de Farias. ob. cit., p. 103.


Bibliografia

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Sobre a autora
Ana Paula Peres Falcão Alves

advogada tributarista em Recife (PE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Ana Paula Peres Falcão. A impossibilidade de revisão, pelo Poder Judiciário, das decisões administrativas desfavoráveis ao Fisco. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 248, 12 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4972. Acesso em: 29 mar. 2024.

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