#Orlando, um atentado muito desejado

15/06/2016 às 13:36
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A imprensa quer fazer o respeitável público lamentar o atentado. Refletir sobre a falsa excepcionalidade do ocorrido é bem mais produtivo.

Violência nos EUA é um dos meus temas prediletos:

http://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/violencia-e-politica-nos-eua-por-fabio-de-oliveira-ribeiro

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http://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/natural-born-killers-o-romantismo-absurdo-da-guerra-no-cinema-norte-americano

Meus leitores devem ter estranhado o fato de eu não ter escrito nada sobre o que ocorreu em Orlando há alguns dias. Desta feita eu preferi acompanhar o desenvolvimento dos fatos antes de emitir uma opinião. Exporei aqui, de maneira singela, as impressões que foram produzidas em mim pelo atentado em Orlando e sua cobertura.

A imprensa oscila entre tratar o atirador como um lunático ou como um gay que chacinou gays. Em ambos os casos o resultado é o mesmo: estamos diante de mais caso excepcional numa longa série de casos excepcionais.

Os fatores sócio-culturais que produzem terroristas nos EUA não podem ser debatidos. Todos sabem que estas chacinas não ocorriam com frequencia há 50 anos, mas isto não vem ao caso. O silêncio tem sido arma dos sábios para manter os norte-americanos ignorantes e politicamente inativos. O mercado se encarrega de censurar discretamente qualquer norte-americano que se oponha à produção e venda de armamentos.

Na internet, instigados por Donald Trump, milhões de norte-americanos culpam Maomé e o Islamismo pelo incidente. Eles mesmos, porém, se recusam a atribuir ao cristianismo e a Jesus a responsabilidade pelos incidentes em Waco, Texas, há 23 anos, e em Charleston, Carolina do Sul, há um ano. Quando a religião invade o campo político, a racionalidade abandona o debate.

Todas as autoridades norte-americanas lamentaram o atentado. Mas ninguém ousou questionar a eficácia do FBI e da Polícia de Orlando. O governo dos EUA quer policiar o mundo, mas os norte-americanos não conseguem policiar suas cidades. Esta contradição também não vem ao caso. O espaço público criado pelo mercado não aceita especulações que levem a conclusões que possam comprometer os lucros.   

A verdade nua e crua, como a vejo, é apenas uma: a chacina em Orlando veio a calhar. A disputa eleitoral pode agora apelas apenas para a irracionalidade dos eleitores: Hillary Clinton e Donald Trump não precisam mais apresentar programas de governo ou defender propostas sofisticadas sobre assuntos que interessam apenas ao mercado. Ambos podem se limitar a explorar a simpatia ou o ódio do eleitorado por islâmicos e gays.

O neoliberalismo criou as condições de possibilidade do atentado em Orlando. Os neoliberais explorarão a carnificina para impedir o debate público sobre a estrutura sócio-econômica que predomina nos EUA (e que de lá é exportada para as provinciais imperiais).

Donald Trump e Hillary Clinton já podem ficar tranquilos. Eles não precisam mais explicar porque aceitam doações eleitorais dos bancos norte-americanos. O resultado da eleição é absolutamente previsível. Tudo ficará como antes, a permanência sinistra do predomínio do mercado sobre a política nem mesmo será notada. Democratas e Republicanos são essencialmente conservadores nas últimas duas décadas.

Tenho dois amigos norte-americanos que se esgoelam no Twitter contra a disputa do mal menor. Pessoalmente creio que este ano o mal menor será eleitoralmente tabulado levando-se em conta o atentado em Orlando e sua cobertura. O único vitorioso, entretanto, será o maior mal para o regime democrático: a despolitização da política e o predomínio do mercado em Washington.

Toca em frente... na próxima eleição um novo atentado produzirá o mesmo resultado com outros atores. E entre uma disputa eleitoral e outra os atiradores continuarão surgindo e desaparecendo do noticiário.  

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

advogado em Osasco (SP)

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