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Arbitragem e os órgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor

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15/03/2004 às 00:00
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3. Os órgãos públicos integrantes do SNDC e a arbitragem

5.1. Atribuições dos órgãos integrantes do sistema nacional de defesa do consumidor (SNDC)

O Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, previsto no TÍTULO IV, do CAPÍTULO IV, da Lei 8.078/90, é composto dos órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais, bem como pelas entidades privadas de defesa do consumidor (art. 105, da Lei 8.078/90). (94)

De logo, para não deixar passar in albis uma questão polêmica, entendemos inexistir hierarquia entre os integrantes do SNDC, pois nesse caso estaríamos diante de afronta direta à capacidade de autogoverno dos Estados, DF e Municípios.

A Lei 8.078/90, em seu artigo 106, estabelece que a coordenação da Política do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor ficará à cargo do Departamento Nacional de Defesa do Consumidor, da Secretaria de Direito Econômico, ou órgão federal que vier a substituí-lo.

Sobre o assunto, comenta o Procurador de Justiça do Estado de São Paulo e autor do anteprojeto do CDC, Daniel Roberto Fink:

"O caput do art. 106 inicia afirmando a necessidade da existência de um órgão de abrangência nacional capaz de coordenar a efetiva implantação dos princípios e objetivos da Política Nacional das Relações de Consumo nomeia o Departamento Nacional de Defesa do Consumidor, ou órgão federal que venha a substituí-lo. Atualmente, essa tarefa está a cargo do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor – DPDC." (95)

Pois bem, na condição de coordenador desta Política do Sistema, diversas competências (ou atribuições) lhe foram conferidas, a saber: I – planejar, elaborar, propor, coordenar e executar a política nacional de proteção do consumidor; II – receber, analisar, avaliar e encaminhar consultas, denúncias ou sugestões apresentadas por entidades representativas ou pessoas jurídicas de direito público ou privado; III – prestar orientação aos consumidores sobre seus direitos e garantias; IV – informar, conscientizar e motivar o consumidor através dos diferentes meios de comunicação; V – solicitar à polícia judiciária a instauração de inquérito policial para apreciação de delito contra os consumidores, nos termos da legislação vigente; VI – representar ao Ministério Público competente para fins de adoção de medidas processuais no âmbito de suas atribuições; VII – levar ao conhecimento dos órgãos competentes as infrações de ordem administrativa que violarem os interesses difusos, coletivos, ou individuais dos consumidores; VIII – solicitar o concurso de órgãos e entidades da União, Estados, do Distrito Federal e Municípios, bem como auxiliar a fiscalização de preços, abastecimento, quantidade e segurança de bens e serviços; IX – incentivar, inclusive com recursos financeiros e outros programas especiais, a formação de entidades de defesa do consumidor pela população e pelos órgãos públicos estaduais e municipais; X – (vetado); XI (vetado); XII (vetado); XIII – desenvolver outras atividades compatíveis com suas finalidades.

Com vistas a regular o Sistema e estabelecer as normas gerais de aplicação das sanções administrativas previstas no art. 57, da Lei 8.078/90, em 1993, foi editado o Decreto Federal n.º 861.

O referido Decreto foi atacado por Ação Direta de Inconstitucionalidade pela Procuradoria do Estado de São Paulo, todavia o Supremo Tribunal Federal não conheceu da ADIn, dizendo tratar-se de inconstitucionalidade reflexa. (96)

Nada obstante, em 20 de março de 1997, foi editado o Decreto Federal 2.181/97, que "Dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC, estabelece as normas gerais de aplicação das sanções administrativas previstas na Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 , revoga o Decreto n.º 861, de 9 de julho de 1993 e dá outras providências.

Já no seu art. 1º, o mencionado Decreto prescreve que:

"Fica organizado o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC e estabelecidas as normas gerais de aplicação das sanções administrativas, nos termos da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990."

O Decreto Federal repete as atribuições legais dadas ao Coordenador do Sistema e enfatiza o exercício da fiscalização. Em relação aos órgãos estaduais, do Distrito Federal e municipais, o Decreto trespassa as atribuições de: I – planejar, elaborar, propor, coordenar e executar a política estadual, do distrito federal e municipal de proteção e defesa do consumidor, nas suas respectivas áreas de atuação; II – dar atendimento aos consumidores, processando, regularmente, as reclamações fundamentadas; III – fiscalizar as relações de consumo; IV – funcionar, no processo administrativo, como instância de instrução e julgamento, no âmbito de sua competência, dentro das regras fixadas pela Lei 8.078/90, de 1990, pela legislação complementar e por este Decreto; V – elaborar e divulgar anualmente, no âmbito de sua competência, o cadastro de reclamações fundamentadas contra fornecedores de produtos e serviços, de que trata o art. 44 da Lei n.º 8.078/90, e remeter cópia ao DPDC; VI – desenvolver outras atividades compatíveis com suas finalidades.

Aqui gostaríamos de chamar a atenção para o seguinte fato. Se a Lei Federal e o Decreto que a regulamenta, não "engessaram" as atribuições dos órgãos integrantes do SNDC, prevendo um rol exemplificativo de atividades a serem exercidas, além de ressalvar o desenvolvimento de outras atividades compatíveis com suas finalidades (97), é fácil concluir que inexiste qualquer óbice para a instituição da arbitragem nestes mesmo órgãos, seja em nível federal, distrital, estadual ou municipal.

Sem embargo, não podemos esquecer que é dever do Estado promover a defesa do consumidor (art. 5º, XXXII, da CF) e que é diretriz básica da Política Nacional de Relações de Consumo, a harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo (art. 4º, inc. III, da Lei 8.078/90) e o incentivo à criação de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo (art. 4º, inc. V, da Lei 8.078/90).

Paulo Borba Casella, ao tratar da arbitragem para consumo, mesmo fazendo remissão ao revogado Decreto 861/93, assinala:

"No Brasil o sistema administrativo está estruturado e legalmente existe. Sua operação há de ser dimensionada. Os dois textos principais da matéria são o Decreto 861/93, que "dispõe sobre a organização do sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC", na sequência da Lei 8078/90 que "dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.

Além e ao lado do aparato legal já existente, a proposta de utilização da arbitragem para a solução de controvérsias ligadas ao consumo pode ser alternativa eficiente para o consumidor brasileiro, a exemplo do que foi experimentado e deu resultados na Argentina." (98)

3.2. Instalação da arbitragem de consumo nos órgãos públicos integrantes do SNDC – vantagens.

Neste singelo trabalho monográfico pretendemos sustentar, a exemplo do que ocorre hoje na Espanha, a utilização da arbitragem envolvendo litígios de consumo levados a cabo pelo órgãos estatais de proteção e defesa do consumidor. Adiante passaremos a explicitar os motivos que sustentam essa (talvez ousada) tese.

A apreciação do tema será abordado sob três prismas distintos: o do órgão de defesa do consumidor, do fornecedor e do consumidor.

Pela ordem, passaremos a demonstrar de forma articulada alguns motivos que nos levam a crer que as lides de consumo podem ser atraídas para os órgãos estatais incumbidos da defesa do consumidor.

O conhecimento acumulado da matéria de consumo, a estrutura física montada, os estreitos laços formados ao longo dos anos entre fornecedores e Procons, a confiabilidade de que gozam os órgãos de defesa do consumidor perante a sociedade, aliados à gratuidade dos serviços fazem dos Procon locais ideais para a instalação de juízos arbitrais de consumo. Isso sem mencionar o fato de que nossa formação romanista do direito provoca no inconsciente coletivo a convicção de ser o Estado a única instituição apta a solucionar questões. (99)

Em primeiro lugar, é fato notório que o trabalho diário dos órgãos de defesa do consumidor espalhados pelo país lhes trouxe conhecimento teórico e experiência acumulada que não pode (e não deve) ser desprezada, somente a título de exemplo mencionamos a Fundação Procon /SP, que durante mais de 25 anos de atividade prestou e vem prestando excelentes serviços à comunidade na orientação dos consumidores, composição de demandas de consumo e até reprimindo condutas violadoras da ordem jurídica através de sua atuante Diretoria de Fiscalização.

O corpo técnico da Fundação, composto de pessoal qualificado, com formação universitária, integra equipes técnicas especializadas em cada assunto de maior relevância dentro das relações de consumo. Ali existem equipes especializadas em demandas que envolvam assuntos ligados a alimentos, saúde, habitação, produtos, serviços (públicos e privados) e assuntos financeiros.

Cada uma destas equipes possui larga experiência nos assuntos de que trata além de praticar diariamente a composição de demandas através da conciliação, o que também os coloca adiante no trato com as partes quando comparados a árbitros sem experiência.

Para além disso, vale lembrar que atualmente os órgãos públicos de defesa do consumidor, ligados direta, ou indiretamente que são ao Poder Executivo, não têm atribuição para decidir as questões que lhe são apresentadas pelos consumidores aplicando a lei ao caso concreto, o limite da atribuição destes órgãos (ao menos em relação às demandas individuais) sequer esbarra no poder de dizer o direito (jurisdição).

Esse fato, no mais das vezes, além de gerar frustração no técnico que acompanha e trabalha a reclamação e não consegue solucioná-la apesar de estar diante de flagrante violação de um direito do consumidor, obriga o lesado a literalmente recomeçar (desta vez no Poder Judiciário) a via crucis iniciada com a reclamação formalizada no órgão administrativo.

Ou seja, após buscar o amparo estatal nos órgãos de defesa do consumidor o lesado deve contar com a "boa vontade" do fornecedor para ver sua lesão reparada, do contrário, todo esforço, paciência, expectativa gerada no consumidor e o dispêndio que o Estado (leia-se cidadãos), tiveram, cairão no vazio diante da simples negativa do direito.

De outro lado, instituído o juízo arbitral e frustrada a tentativa conciliatória, o árbitro passará a decidir o caso de forma vinculante para as partes. Como dito anteriormente, a natureza jurídica da arbitragem é de jurisdição, logo, a experiência acumulada na área de composição de conflitos (mais de 25 anos), ganharia essa ferramenta capaz de garantir a solução do conflito como verdadeiro instrumento de pacificação social, além de impedir - em definitivo - que uma imensa gama de lides fosse desaguar no judiciário.

A nosso ver, a instituição do juízo arbitral, que acena com vantagens para todos acabaria por atrair inúmeros fornecedores de diversos segmentos de mercado para decidir suas controvérsias de maneira rápida, técnica e juridicamente segura.

Outro ponto de relevo que gostaríamos de salientar é que a estrutura física e as instalações de que gozam os órgãos de defesa do consumidor, na maioria dos casos, pode ser utilizada para a realização do procedimento arbitral sem grande (ou nenhuma) adaptação.

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Durante o primeiro contato que o consumidor tem com os Procons, lhe são apresentados esclarecimentos sobre seus direitos e sobre o procedimento de tentativa de solução de seu caso individual.

Além destes esclarecimentos que normalmente são apresentados aos consumidores, bastaria que o técnico verificasse se a demanda a ser proposta envolve um fornecedor que integra a lista (da qual falaremos adiante) daqueles que voluntariamente aderiram ao procedimento arbitral. Feito isso bastaria repassar ao consumidor a informação sobre a possibilidade de opção pela via arbitral se aceita restaria apenas assinar o compromisso arbitral.

Chamamos a atenção outra vez para o fato de que o art. 51, VII, do CDC, veda a inserção de cláusula compromissória compulsória em contratos de adesão, por isso a alternativa para instituição da Convenção de Arbitragem seria o Compromisso Arbitral. (100)

"A primeira observação a fazer é que o compromisso não está proibido; ele, literalmente, não é cláusula, é ato autônomo; além disso, é realizado quando já há controvérsia existente(...)." (101)

A difusão das vantagens oferecidas pela arbitragem, pode ser divulgada através de uma estrutura existente em cada órgão de defesa do consumidor. Os postos de atendimento são locais onde diariamente, os consumidores comparecem para obter informações, sanar dúvidas e buscar a composição de seus conflitos de consumo. Pois é aí o local e o momento de oferecer ao consumidor uma via alternativa e célere, aconselhando-o e explicitando em que consiste a arbitragem.

Outro fator importante e facilitador da criação dos "tribunais arbitrais" dentro dos órgãos de defesa do consumidor é o relacionamento já existente entre fornecedores e Procon, que periodicamente encontram-se na busca de solução para as reclamações formuladas pelos consumidores.

Esse fator, aliado a isenção de interesses outros que não o público, somado às vantagens da solução de conflitos que a via arbitral traz para o fornecedor, seria decisivo facilitador da adesão dos fornecedores ao arbitramento de suas causas dentro dos órgãos estatais de defesa do consumidor.

Sob a ótica dos consumidores, a confiabilidade dos Procon perante a população contribuiria, incontestavelmente para o sucesso do projeto. Ora, todos sabemos que mesmo pregando a agilidade, imediatismo e redução de custos na solução de conflitos, os tribunais arbitrais privados ainda não conseguiram atrair para si parcela significativa de questões ligadas ao consumo. E isso deve-se tanto ao desconhecimento da população dessa via alternativa de solução de demandas, quanto ao receio de ver uma sua questão decidida em definitivo por outro particular (e não pelo Estado), e sobretudo pelo fato (óbvio) de que os tribunais arbitrais privados sobrevivem das verbas que recebem das partes, entretanto é sabido que as lides de consumo envolvem, na sua esmagadora maioria valores de pequena monta e lesados humildes que não podem pagar para obter a reparação de seu dano.

Em tantos outros casos, ainda que o consumidor não seja hipossuficiente, acabaria não optando pela via arbitral paga, em situações que (v.g.) envolvem reparação de um produto eletrodoméstico de baixo valor, substituição de um alimento deteriorado, restituição de pequenas quantias cobradas indevidamente pela administradora de cartão de crédito ou pela operadora de serviços de telefonia.

Assim, sob o prisma do consumidor, é esse o fator que entendemos decisivo para convencê-lo de que a arbitragem possui vantagens que não pode negligenciar. Além de ver sua demanda solucionada em menor tempo, com imparcialidade e técnica não lhe serão cobrados custas ou ônus.

Esse preço, que hoje é pago pela sociedade através dos impostos que custeiam o funcionamento dos órgãos de defesa do consumidor, reverterá para a coletividade através de uma prestação de serviço mais qualificada e ágil.

A par do que dissemos acerca da gratuidade da arbitragem de consumo na Espanha, entendemos que este seria também um fator capaz de atrair o fornecedor ao modelo privado de solução de conflitos, pois isso implicaria em menores custos e obviamente maiores lucros que certamente decorreriam também da fidelização do consumidor que teve sua demanda prontamente resolvida pelo fornecedor.

No que respeita aos fornecedores, considerando que a instituição da arbitragem não é, e nem poderia ser compulsória (pois a lei não pode excluir a apreciação de qualquer questão do Poder Judiciário), sua atenção para a arbitragem de consumo poderia ser despertada através de simples incentivos. Como exemplo, outra vez citamos o modelo espanhol que criou um selo capaz de identificar, perante o consumidor, o fornecedor participante do Tribunal Arbitral.

O retorno dessa identificação para a imagem e consequentemente para as vendas das empresas seria praticamente imediato tão logo a arbitragem passasse a ser difundida.

A simples opção do fornecedor pela arbitragem transmitiria segurança aos futuros adquirentes de seus bens e serviços e serviria, além de estímulo a concorrência, como influência direta na escolha deste ou daquele fornecedor.

Para além da confiabilidade que a população deposita nos órgãos integrantes do SNDC, não poderíamos deixar de repisar o que disse a Professora Patrícia Galindo da Fonseca.

"O protecionismo estatal provocava no inconsciente coletivo a convicção de ser o Estado a única instituição apta a solucionar questões envolvendo os seus jurisdicionados. (102)

E mais adiante conclui:

"As dificuldades de aceitação e assimilação da arbitragem no Brasil devem-se sobretudo, à nossa formação romanista do Direito. A convicção de que só juiz satisfaz os requisitos necessários e se investe de autoridade para julgar problemas jurídicos encontra respaldo no consciente coletivo de nossa sociedade." (103)

Ora, se esse ainda é o pensamento dominante, a realização da arbitragem por órgãos ligados ao Estado seria mais uma forma de implantar uma cultura arbitral de forma gradativa e metódica, como defendido pela autora que acabamos de mencionar.

É do conhecimento de todos que, diante das ainda existentes dificuldades de acesso à justiça e a repercussão dos serviços prestados pelos Procon, muitos veêm nestes órgãos administrativos a "tábua de salvação" para seus problemas de consumo – sem mencionar os cíveis, trabalhistas previdenciários etc – ledo engano. Na maioria das vezes, desconhecendo os limites da atuação administrativa que não pode ultrapassar a linha da tentativa de mediar o conflito, o consumidor sente a frustração de aguardar período (muitas vezes longo) para então ser orientado a engrossar as filas do já abarrotado Poder Judiciário.

É fato que a imagem construída pelos Procon decorre, sem dúvida, da expressiva quantidade de acordos realizados, entretanto, em que pese a inevitável demora no encaminhamento da reclamação, se o acordo acontece tudo vai bem, do contrário, a simples recusa do fornecedor (seja de comparecer na audiência seja de compor o conflito com o consumidor) é capaz de por termo ao procedimento administrativo, o consumidor fica visivelmente decepcionado e passa a culpar até o órgão de defesa do consumidor que "o enganou".

Com efeito, a instituição do juízo arbitral nos órgãos públicos de defesa do consumidor oferece vantagens não só para as partes envolvidas, mas também para a sociedade que ganha qualidade e eficiência na prestação de um serviço público.

E essas características a que nos referimos decorrem simplesmente do emprego adequado de ferramentas legais capazes de solucionar conflitos, pois se hoje os órgãos de defesa do consumidor não são tão eficientes do ponto de vista da solução de conflitos, isso não se deve a sua incapacidade para administrá-los, mas ao contrário, das limitações que lhe são impostas.

Logicamente os fornecedores bem intencionados e com visão de mercado perceberão desde logo que sua sobrevivência depende não só da atração de novos clientes através de métodos persuasivos de marketing, mas também da continuidade do relacionamento com os consumidores que já adquiriram seus produtos ou prestação de serviços. E é a manutenção da qualidade e confiabilidade das relações entre as partes que mantém o vínculo vital da relação consumidor/fornecedor.

Queremos abrir um parêntese aqui para justificar nosso posicionamento de criação de Tribunais Arbitrais nos órgãos públicos de defesa do consumidor, excluindo os privados a exemplo das associações de consumidores. É que conforme já dissemos, a experiência nos tem demonstrado que os contratos de consumo envolvem em sua esmagadora maioria valores reduzidos. Se assim o é, a única forma de atrair o consumidor para a arbitragem é oferecendo-a gratuitamente e essa possibilidade só se vislumbra dentro dos órgãos públicos integrantes do SNDC.

De outra parte, embora nada seja capaz de obstar a implantação de tribunais arbitrais nas entidades privadas de defesa do consumidor, quer nos parecer que elas só serão capazes de atrair consumidores das classes mais abastadas ou que possuam litígios que envolvam valores elevados, quando então uma singela análise comparativa revelará que a agilidade e o custo da arbitragem em relação à justiça comum é compensadora. Aliás, mobilização da sociedade organizada e fornecedores em conjunto com as entidades privadas de defesa do consumidor é assunto que já foi abordado com atenção por juristas de larga experiência e conhecimento teórico. (104)

Dentro de nossas sugestões inclui-se a de estruturar um quadro de árbitros composto por técnicos de defesa do consumidor ligados aos Procons e pessoal indicado pelos fornecedores que optarem participar da arbitragem, além da possibilidade de formação de convênios com associações de peritos e outras entidades de classe interessadas.

Aliás, a celebração de convênio desta natureza já é velho conhecido da Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo (a qual vincula-se a Fundação Procon-SP) que, em maio de 2000, em conjunto com a Junta Comercial do Estado de São Paulo, Federação do Comércio do Estado de São Paulo, Ordem dos Advogados do Brasil- Secção São Paulo, Associação dos Peritos Judiciais do Estado de São Paulo, Federação dos Contabilistas do Estado de São Paulo e Câmara Ítalo-Brasileira de Comércio e Indústria de São Paulo, instalaram o Tribunal Arbitral do Comércio que funciona nas dependências da Junta Comercial do Estado de São Paulo.

Neste ponto do texto não poderíamos deixar de mencionar a inovadora iniciativa do Conselho Superior de Magistratura do Estado de São Paulo que, em 29 de maio de 2003 fez publicar o Provimento n.º 812/2003.

O referido Provimento institui o Projeto Experimental de Atendimento Diferenciado no Juizado Especial Cível Central da Capital. (105)

O atendimento diferenciado consiste em uma parceria do Poder Judiciário com os fornecedores de produtos e serviços interessados em manter um representante de plantão nas dependências do Juizado com vistas a solucionar de forma amigável as reclamações dos consumidores antes mesmo da instauração de um processo judicial.

A iniciativa que merece aplausos, poderá desafogar a estrutura hoje sobrecarregada dos Juizados Especiais Cíveis que recebem em maior volume questões ligadas a consumo.

Um acordo reduzido a termo poderá por fim à demanda imediatamente ou no prazo máximo de 15 dias.

Ainda no tema Juizados Especiais, o Professor Carmona traz dados interessantes envolvendo-os com a arbitragem.

"O Estado do Paraná, porém, tem estatística impressionante (relativa ao ano de 1996) sobre o desenvolvimento da arbitragem nos Juizados Especiais. Até onde pude constatar, porém, a utilização da arbitragem naquele Estado, em sede de Juizados Especiais, deve-se ao especial empenho dos juízes encarregados da direção e implantação do sistema, que – preparados e extremamente dedicados - não têm medido esforços para orientar a população acerca da vantagem, também naquela sede, de resolver conflitos através de árbitros, o que acaba por multiplicar a potencialidade dos Juizados." (106)

De fato, a expectativa de aguardar meses (ou anos) para solucionar um impasse decorrente de uma contratação que se deu em frações de segundo, e por vezes a milhares de quilômetros de distância do consumidor (como acontece nos contratos eletrônicos) não parece assinalar para o ideal de justiça que todos esperamos.

Como brilhantemente frisa José Celso Martins,

"A solução de um conflito que demora de cinco a dez anos entre uma grande empresa e um consumidor não haverá de ser justa, por mais correta que seja, pois de há muito tempo a necessidade de uma das partes ficou prejudicada e, muitas vezes, definitivamente sem solução." (107)

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Sobre o autor
Evandro Zuliani

técnico de proteção e defesa do consumidor da Fundação Procon/SP, advogado em Santo André (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZULIANI, Evandro. Arbitragem e os órgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 257, 15 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4987. Acesso em: 24 abr. 2024.

Mais informações

Trabalho vencedor do Concurso de Monografias Rubens Limongi França e Carlos Alberto Bittar promovido pela OAB/SP em agosto de 2003.

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