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Alternativas jurídicas para o uso sustentável das unidades de conservação no bioma florestal com araucária

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28/03/2004 às 00:00
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1 INTRODUÇÃO

            As unidades de conservação constituem-se em arma eficaz na luta para a conservação do meio ambiente, permitindo preservar e manter grandes áreas florestais e, talvez o mais importante, formar um elo entre os principais remanescentes.

            A Resolução n0. 011/87 do CONAMA define as unidades de conservação como áreas naturais protegidas e sítios ecológicos com características naturais relevantes, de domínio público ou privado, legalmente instituídos pelo Poder Público para proteger a natureza, com objetivos e limites definidos e com regimes específicos de manejo e administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.

            No ano de 1996 o Brasil possuía mais de 30 milhões de hectares do território protegidos por este instituto, e já vive o paradoxo envolvendo a harmonização entre o crescimento da população e a conseqüente pressão sobre as áreas protegidas (PÁDUA, 1997).

            O assunto mereceu especial atenção do legislador constitucional que, no art. 225, § 1º, inc. III, da Constituição Federal Brasileira de 1988, dita que sejam definidas, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos. Regulamentando o dispositivo, foi editada a Lei n0. 9.985/2000, criando o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).

            Antes do diploma legal supracitado entrar em vigor, o Brasil possuía um arcabouço de leis tratando desordenadamente do tema, das quais destacam-se: a Lei 4.771/1965, que previa a criação de Parques Nacionais, Estaduais e Municipais, Reservas Biológicas e Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais; a Lei nº 5.197/1967 de Proteção à Fauna, prevendo a criação de Reservas Biológicas Nacionais, Estaduais e Municipais; a Lei nº 6.513/1977, que previa a criação de Áreas Especiais e de Locais de Interesse Turístico; a Lei nº 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, prevendo a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público, Federal, Estadual e Municipal, tais como Áreas de Proteção Ambiental, de Relevante Interesse Ecológico e reservas Extrativistas; bem como a transformação de determinadas áreas em Reservas ou Estações Ecológicas.

            O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) divide as unidades de conservação em dois grupos: o primeiro é o das Unidades de Proteção Integral e o segundo, das Unidades de Uso Sustentável. Hoje o Brasil possui cerca de 1,8% do território protegido em unidades de conservação de proteção integral e outros 2% (16,2 milhões de hectares) em unidades de conservação de uso sustentável (PÁDUA, 1997).

            Em âmbito nacional, o sistema de unidades de conservação é gerido em três instâncias: Órgão Consultivo (CONAMA), Órgão Central (Ministério do Meio Ambiente) e Órgãos Executores (IBAMA em conjunto com Órgãos Estaduais e Municipais). No Paraná, os órgãos que atuam na gestão das unidades de conservação são a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (órgão central), o CONSEMA (órgão consultivo) e o Instituto Ambiental do Paraná (órgão executor).


2. UNIDADES DE PROTEÇÃO INTEGRAL

            Essa categoria engloba estações ecológicas, reservas biológicas, parques nacionais, monumentos naturais e refúgios da vida silvestre. Nesses locais, qualquer atividade a ser realizada fica condicionada à autorização prévia do órgão responsável e deverá priorizar a manutenção do equilíbrio do ecossistema, sendo que as visitas públicas ficam restritas àquelas com objetivos educacionais e científicos.

            As áreas particulares incluídas em seus limites, com exceção dos monumentos naturais e refúgios da vida silvestre, que podem ser constituídos também em áreas particulares, serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei. São ferramentas compatíveis com o objetivo da conservação do bioma com Araucária, porém um enfoque eminentemente preservacionista, não permitindo o uso sustentável e necessitando da tutela e financiamento quase exclusivos do Poder Público.

            As Estações Ecológicas compreendem áreas com ecossistema representativo, de posse e domínio públicos, que têm como objetivo a preservação da natureza e a realização de pesquisas científicas.

            As Reservas Biológicas são florestas e demais formas de vegetação que têm como objetivo a preservação integral da fauna e flora, existentes em seus limites, sem interferência humana direta ou modificações ambientais, excetuando-se as medidas de recuperação de seus ecossistemas alterados e as ações de manejo necessárias para recuperar e preservar o equilíbrio natural, a diversidade biológica e os processos ecológicos naturais.

            Os Parques Florestais por sua vez constituem-se de áreas extensas e delimitadas que têm como finalidade à preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.

            Enquadram-se nesta classificação os Parques Nacionais, os Parques Estaduais e os Parques Municipais, distinguindo-se pela esfera de criação. Têm uso e visitação sujeitos às normas estabelecidas no Plano de manejo da unidade, ou às normas estabelecidas pelo órgão responsável. O Parque do Pinho, no Estado do Paraná, pode representar um espaço propício para a manutenção de matrizes genéticas e união de fragmentos regionais.

            As áreas que têm como objetivo proteger ambientes naturais onde sejam asseguradas condições para a existência ou reprodução de espécies ou comunidades da flora local e da fauna residente ou migratória, são denominadas Refúgios da Vida Silvestre. Assim como os monumentos naturais, podem ser constituídos por áreas particulares nas mesmas condições do exposto no item anterior.

            2.1 UNIDADES DE USO SUSTENTÁVEL

            Essa categoria aproxima-se sobremaneira da concepção pura de unidade de conservação, pois objetiva compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável dos recursos naturais.

            Estão incluídas nessa categoria as áreas de proteção ambiental, áreas de relevante interesse ecológico, florestas nacionais, reservas extrativistas, reservas de fauna, reservas de desenvolvimento sustentável, e reservas particulares do patrimônio natural, espaços onde, em tese, seria tolerado o uso racional dos recursos naturais existentes. Podem ser constituídas por terras públicas ou privadas, ficando condicionado o seu uso às normas estabelecidas pelo gestor público em unidades de domínio público e pelas condições estabelecidas pelo proprietário em unidades particulares.

            José Afonso da SILVA (1996) considera que esses são espaços de manejo sustentável, ou seja, aqueles que são submetidos a uma proteção parcial dos atributos naturais, admitida a exploração de partes dos recursos disponíveis em regime de manejo sustentado, sujeito às limitações legais. Porção representativa destas unidades de conservação abrigam em seu interior ou nas zonas de amortecimento populações, comunidades, que, por vezes, dependem dos recursos naturais para sua sobrevivência.

            Sobre o assunto LEME MACHADO (1999) pondera que, "o fato de um bem ambiental interessar a população local e ao mesmo tempo a toda humanidade não deve conduzir a uma política de menosprezo ou marginalização do interesse local". Não se pode ignorar a significância do tema, tanto pela amplitude do território quanto pela existência de grupos que estão intrinsecamente envolvidos com estes espaços, em diversos casos dependendo destes para sua sobrevivência, a exemplo das populações tradicionais e dos indígenas.

            Ademais, advoga-se neste trabalho a tese de que esta categoria, ainda pouco utilizada no Brasil, pode ser uma alternativa para a regulação dos estoques de madeira no Estado. No entanto, tudo indica que uma solução definitiva dependerá também do reconhecimento, em termos econômicos, do valor dos benefícios, ou externalidades ambientais, oriundos dos ecossistemas naturais, tais como: a fixação do carbono, a conservação da biodiversidade, a provisão de água límpida, o lazer, entre tantos outros.

            No caso específico deste estudo, o Governo do Estado pode, por meio de suas Florestas Estaduais e, com a autorização da União, também nas Florestas Nacionais, promover a pesquisa do manejo florestal sustentado da Araucária, bem como promover o comércio da madeira de forma alternativa e sustentável, tendo o enfoque maior na preservação do bioma, aliado a um projeto social amplo com a população diretamente afetada.

            2.1.1 Áreas de Proteção Ambiental - APA

            As APAS têm assumido uma importância cada vez maior no Estado do Paraná. São em geral grandes espaços, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, que têm a finalidade de proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.

            O SNUC prevê que as Áreas de Proteção Ambiental deverão dispor de um Conselho presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes dos órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e da população residente. Não permite a preservação integral da Floresta Ombrófila Mista, mas favorece a preservação de pequenos maciços dentro do Bioma.

            2.1.2 Áreas de Relevante Interesse Ecológico

            São áreas, em geral, de pequena extensão, com pouca ou nenhuma ocupação humana, com características naturais extraordinárias ou que abrigam exemplares raros da biota regional, que têm como objetivo manter os ecossistemas naturais de importância regional ou local e regular o uso admissível dessas áreas, de modo a compatibilizá-lo com os objetivos de conservação da natureza.

            2.1.3 Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais

            São áreas com uma cobertura florestal de espécies predominantemente nativas e têm como objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável de florestas nativas.

            De acordo com a Lei, a Floresta Nacional é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites devem ser desapropriadas de acordo com o que dispõe a Lei. No Paraná a Floresta Nacional de Irati é um dos bons exemplos de conservação ambiental sustentável de Florestas de Araucária.

            Nessa categoria podem se destacar as Florestas Estaduais, caracterizadas por abrigar populações tradicionais e pela permissão de uso, dentro dos limites da lei, dos recursos naturais disponíveis. O objetivo dessas áreas é o de promover o manejo dos recursos naturais, com ênfase na produção de madeira e outros produtos não madeireiros, como o pinhão, o nó de pinho e a erva-mate, no caso da FOM, aliado à preservação da natureza, assegurando as condições para a reprodução de técnicas produtivas ambientalmente sustentáveis.

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            A visitação pública está condicionada ao Plano de Manejo e as pesquisas são permitidas mediante autorização prévia. O uso deve ser regulamentado em contratos e a exploração de dos componentes dos ecossistemas naturais e a substituição da cobertura vegetal por espécies cultiváveis são condicionadas ao Plano de Manejo.

            Para que se tenha uma gestão eficiente é necessária a consolidação de definição e objetivo das Unidades de Conservação. Norteando a administração destas áreas LEME MACHADO (1999) dispõe que "as várias instâncias de interesse merecem ser identificadas, avaliadas e submetidas à um balanceamento para indicarem-se soluções que atendam, se possível, de forma concomitante aos múltiplos interesses ambientais encontrados".

            Aspecto importante é a autonomia administrativa das áreas legalmente protegidas. Ainda com as limitações tradicionais para o financiamento dessas áreas, o mero feito de lhes dar autonomia administrativa sobre recursos pode corresponder à realização ou não do proposto no plano de manejo.

            2.1.4 Reservas de Fauna

            São áreas naturais com populações animais de espécies nativas, terrestres ou aquáticas, residentes ou migratórias, adequadas para estudos técnico-científicos sobre o manejo econômico sustentável de recursos faunísticos. Nesses locais, é vedado o exercício da caça amadorística ou profissional.

            2.1.5 Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN)

            São áreas privadas, gravadas com perpetuidade, com o objetivo de conservar a diversidade biológica. O gravame de que trata a lei deve constar no termo de compromisso assinado perante o órgão ambiental, que verificará a existência de interesse público, e será averbado à margem da inscrição no Registro Público de Imóveis.

            Dentro da RPPN, é permitida a extração de recursos naturais, com exceção da madeira, e de forma que não coloque em risco as espécies ou os ecossistemas que justificaram a criação da unidade. Podem ser uma das melhores alternativas para a proteção das Florestas de Araucária nas propriedades rurais, como será demonstrado posteriormente.


3 GESTÃO DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO – EXPERIÊNCIA NACIONAL E INTERNACIONAL

            3.1 PLANEJAMENTO DE USO DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

            A legislação florestal norte-americana é um referencial importante no que diz respeito ao planejamento das Unidades de Conservação. A Subparte A do título 36 do Código de Regulamentações Federais trata do "Planejamento e Manejo (1)das terras e recursos do Sistema Nacional de Florestas". De acordo com a seção "219.1-a", a regra jurídica tem como princípio a determinação da forma pela qual o planejamento e manejo dos recursos e das terras devem ser conduzidos no Sistema Nacional de Terras Florestais.

            Além disso, o planejamento deve guiar todas as atividades de manejo de recursos naturais e estabelecer padrões de manejo e diretrizes para o Sistema Nacional de Florestas. Esta seção reconhece ainda que as Florestas Nacionais são ecossistemas fundamentais e o seu manejo para bens e serviços requer uma consciência e consideração das inter-relações entre plantas, animais, solo, água, ar, e outros fatores ambientais envolvidos em tais ecossistemas.

            A aplicabilidade e o escopo desta norma jurídica estão estabelecidos na Seção 219.2. A regulamentação desta subparte é aplicável para o Sistema Nacional de Florestas, que inclui áreas especiais, tais como: áreas selvagens, rios cênicos e selvagens, áreas de recreação nacionais e trilhas nacionais. Sempre que as autoridades de áreas especiais necessitarem de planejamento adicional, o processo de planejamento desta subparte deve ser assunto dessas autoridades.

            Na seção 219.4 - Níveis de Planejamento- estabelece-se que o planejamento requer um fluxo contínuo de informações e direções de manejo entre os três níveis de administração florestal: nacional, regional e municipal.

            A avaliação do Plano de Uso dos Recursos Florestais (RPA) deve incluir análise dos usos presentes e futuros, demanda e oferta de recursos da floresta, pastagens naturais, e outras terras associadas considerando a oferta, a demanda e as tendências de preços associados. Ainda, deve conter um inventário dos recursos naturais presentes e recursos naturais potenciais e uma avaliação das oportunidades para melhorar a sua produção de bens e serviços tangíveis e intangíveis, juntamente com estimativas de custos de investimento e retornos financeiros diretos e indiretos para o Governo Federal.

            O RPA inclui também a descrição dos programas de pesquisa do serviço florestal, programas cooperativos, manejo do Sistema Nacional de Florestas; análises políticas e legais, e de outros fatores que possam influenciar e afetar significativamente o uso, a posse, e o manejo das florestas, pastagens naturais, e outras terras associadas.

            Importante contribuição no que tange às diretrizes para o planejamento das unidades de conservação pode ser dada pelo ato normativo norte-americano "normas de Planejamento de 2000" (Planning Rule - 2000). Tal norma é aplicável ao Sistema Nacional de Florestas e tem como princípios a manutenção ou restauração da sustentabilidade ecológica, o desenvolvimento econômico e social, a integração eficiente com a paisagem, o engajamento da população norte-americana no cuidado das terras do Sistema Nacional de Florestas, num processo contínuo em que as decisões são adaptadas para enviar novas informações e servir ao interesse público.

            O Decreto n0. 1.607/85 da Bélgica trata dos chamados parques naturais. Para a lei belga, um parque natural é um território rural de alto interesse biológico e geográfico submetido às medidas destinadas a proteger o meio, em harmonia com as aspirações da população e o desenvolvimento econômico e social do território em questão.

            Os planos de manejo dos referidos parques devem indicar os objetivos no qual concerne notadamente a conservação da natureza, a proteção do meio ambiente, o desenvolvimento do território, o desenvolvimento rural e econômico. Tal plano deve indicar também as medidas a serem tomadas para atender aos objetivos, uma descrição dos meios que serão levados a cabo para que a população se interesse pela gestão do parque, uma estimativa das despesas com pessoal, funcionamento e os investimentos necessários para gestão do parque, uma estimativa da agenda de investimentos a serem feitos, tendo-se em vista promover os objetivos do território e, eventualmente, as modificações a serem feitas devido à criação do parque.

            De acordo com a Lei n.º 19.300/1994, do Chile, a avaliação de impacto ambiental é o procedimento, a cargo da Comissão Nacional de Meio Ambiente ou da Comissão regional respectiva, que, baseado em um estudo ou declaração de Impacto Ambiental, determina se o impacto de uma atividade ou projeto se ajusta às normas vigentes.

            O artigo 106 da Constituição da Venezuela impõe ao Estado o dever de atender à defesa e conservação dos recursos naturais de seu território, estabelecendo ainda que a exploração dos mesmos estará dirigida primordialmente ao benefício coletivo dos venezuelanos. Sobre o tema dos parques nacionais, a Venezuela editou a Lei nº 20.643, de 13/11/1941. Outra lei que rege os sistema venezuelano de Parques nacional é a Lei n0. 2.022/1977

            A Lei n0. 76.629/1976 da França, Lei de Proteção Ambiental, também aborda a questão do impacto ambiental no planejamento. De acordo com o artigo 12, os trabalhos e projetos que são empreendidos por uma coletividade pública ou que necessitam de uma autorização ou uma decisão de aprovação, assim como os documentos de urbanismo devem respeitar os bens de interesse do ambiente. Segundo o mesmo artigo, o conteúdo do estudo de impacto deve compreender no mínimo uma análise do estado inicial do sítio e de seu ambiente, o estudo das modificações que o projeto causará e as medidas consideradas para suprimir, reduzir e, se possível, compensar as conseqüências danosas para o ambiente.

            A Lei n0. 4/89 da Espanha prevê entre suas categorias de espaços protegidos os Parques Naturais, que são unidades de conservação onde se harmonizará a conservação dos valores naturais com o aproveitamento ordenado dos recursos florestais (BAQUERIZO, 1990).

            3.1.1 Gestão Compartilhada das Unidades de Conservação

            Um mecanismo importante na gestão florestal é a criação de grupamentos de produtores florestais, a exemplo do previsto no Capítulo VIII da Lei n0. 248 -1 da Lei Florestal Francesa, que dispõe: "As sociedades cooperativas e suas uniões, as sociedades de interesse agrícola coletivo, as associações e agrupamentos de proprietários florestais, constituídos para melhorar a produção das florestas ou para favorecer o fluxo dos produtos e regularizar os cursos, podem ser reconhecidos pelo representante do Estado na região, após parecer do centro regional da propriedade florestal, como agrupamentos de produtores florestais,...omissis".

            O capítulo da referida lei é dedicado aos proprietários de florestas. No entanto, o mecanismo da formação de agrupamentos de produtores florestais poderia ser utilizado com sucesso em unidades de conservação de uso sustentável, uma vez que suas características recomendam a adoção de um mecanismo de gestão compartilhada.

            No México, a obrigação de cuidar dos recursos florestais e de regular o seu aproveitamento está determinada no artigo 27 da Constituição Mexicana. Os artigos 4º e 25 fazem também menção a esta matéria. O meio ambiente é disciplinado pela Lei Geral do Equilíbrio Ecológico e a Proteção ao Meio Ambiente.

            Uma alternativa desejável é a existência de um sistema de gestão participativa. A Lei nº. 15.939 do Uruguai apresenta um instrumento em seu artigo 18 que possibilita a administração e direção dos parques para o público em geral.

            A Lei Florestal da Bolívia (Lei n0. 1700/1996) prevê o regime de concessão florestal a grupamentos sociais locais. Segundo este dispositivo, os usuários tradicionais, as comunidades campesinas e os grupamentos sociais locais têm preferência na concessão de áreas com recursos tradicionais de extrativismo.

            Por razões de conveniência, o Poder Executivo poderá conceder a entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, a direção e administração de outros setores do Patrimônio Florestal do Estado. No caso dos parques nacionais o uso deverá ser permitido para o público em geral.

            As comunidades locais organizadas mediante qualquer uma das modalidades de pessoa jurídica previstas pela Lei nº 1551, de 20 de abril de 1997, ou outras estabelecidas na legislação nacional, terão prioridade para a outorga de concessões florestais em terras fiscais de produção florestal permanente.

            Na legislação brasileira o assunto da gestão das unidades de conservação foi tratado na Lei n0. 9.985/2000 (Sistema Nacional de Unidades de Conservação). Os artigos 23 a 36 da citada lei estabelecem normas gerais para a gestão das Unidades de Conservação.

            Uma outra alternativa a se considerar para a gestão das unidades de conservação é a criação de conselhos gestores. Nesse sentido, o Estado do Rio de Janeiro já se manifestou legislativamente sobre a criação deste instrumento para as Unidades de Conservação no Estado.

            O diploma que regulamenta tal conselho é a Lei Estadual nº. 3443/2000. Um outro aspecto importante a se considerar na gestão das unidades de conservação é o respeito às populações tradicionais que vivem nessas áreas. Neste aspecto a Lei nº. 2393/1995 dispõe sobre a permanência de populações nativas residentes em unidades de conservação do Estado do Rio de Janeiro.

            No que se refere ao trânsito de informações das, e para as, unidades de conservação a legislação norte-americana pode ser tida como referencial. Segundo ela, no caso do Sistema Nacional de Floresta do País, deve haver um fluxo das informações em três níveis administrativos: nacional, regional e, especificamente, florestal. Este princípio é importante não só para o fluxo de informações dos instrumentos da política florestas e ambiental dos estados, mas essencialmente para a criação de um sistema de gestão integrada.

            Ainda no referido ato legislativo norte-americano observa-se um referencial para a formulação de um mecanismo de avaliação dos recursos renováveis. Dentre as determinações da lei norte-americana está a avaliação da oferta e demanda dos recursos naturais renováveis assim como inventários e análises de custo de investimento. Esta determinação é de suma importância, uma vez que o uso sustentável das florestas só é possível por meio da constante avaliação dos recursos utilizados, principalmente no que diz respeito à demanda de produtos.

            3.1.2 Planos de Manejo nas Unidades de Conservação

            O Artigo 2º da Lei 9.985/2000 (SNUC) fornece a definição de Plano de Manejo como: "documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade".

            De acordo com esse diploma, todas as unidades devem possuir um Plano de Manejo. O artigo 27 fornece as diretrizes e princípios básicos para a elaboração de tais planos. O Plano de Manejo deve abranger a área da unidade de conservação, sua zona de amortecimento e os corredores ecológicos, incluindo medidas com o fim de promover sua integração à vida econômica e social das comunidades vizinhas. Na elaboração, atualização e implementação do Plano de Manejo das Florestas Nacionais, deverá ser assegurada a ampla participação da população residente.

            3.1.3 A Sustentabilidade Econômica das Unidades de Conservação

            Como instrumento da auto sustentabilidade econômica, a lei do SNUC prevê no artigo 5º. que a exploração comercial de qualquer produto elaborado a partir de recursos das unidades de conservação, inclusive os cênicos, dependerá de prévia autorização, além de sujeitar o explorador a pagamento, conforme regulamento.

            Nos empreendimentos que forem considerados, pelo EPIA/REPIA, de significativo impacto ambiental, o licenciador obrigará o empreendedor a apoiar, com 0,5 % do custo do empreendimento, no mínimo, a implantação e manutenção de unidades de conservação do Grupo de Proteção Integral, definidas pelo licenciador.

            Os artigos 47 e 48 de referida lei também possibilitam mais um instrumento para a possibilidade da auto-sustentabilidade econômica das unidades de conservação. De acordo com estes artigos, as empresas ou órgãos responsáveis pelo abastecimento de água ou energia elétrica, que façam uso dos recursos hídricos, beneficiário da proteção de uma unidade de conservação, devem contribuir para a sua implantação e manutenção.

            Um aspecto importante no desenvolvimento sustentável das unidades de conservação de uso direto é o desenvolvimento econômico das zonas de amortecimento. Nessa matéria, importante contribuição é prestada por PUTNEY (2000), segundo o qual muitos projetos internacionais que apóiam as unidades de conservação incluem atividades para fomentar o desenvolvimento sustentável das zonas de amortecimento. Estes são, em geral, projetos de desenvolvimento rural em pequena escala, utilizando-se de um enfoque participativo e adaptativo.

            Em geral, os projetos que conseguiram aumentar o apoio das comunidades locais são os que empregam táticas para o desenvolvimento da política da boa vizinhança. Neste enfoque, a administração da unidade de conservação não se faz responsável pelo desenvolvimento sustentável da zona de amortecimento, mas acompanha as comunidades em sua busca por soluções por meio de outros atores sociais como as entidades estatais de desenvolvimento rural, universidades, organizações não governamentais e igrejas.

            Pelo fato de serem localizados em uma zona de amortecimento, estes projetos devem obedecer ao requisito de que o seu impacto sobre as unidades de conservação seja pelo menos neutro. O projeto deve reduzir substancialmente os impactos negativos das comunidades sobre a unidade vizinha. O referido autor faz ainda referência a algumas conclusões de sua experiência internacional com projetos deste tipo no México, Guatemala, Costa Rica, Equador, Peru e Bolívia, dentre os quais:

            a) as instituições que administram as unidades de conservação não são estruturadas para atender adequadamente os projetos de desenvolvimento sustentável nas zonas de amortecimento;

            b) as dificuldades encontradas na implementação de projetos de desenvolvimento sustentável em zonas de amortecimento demandam tanta atenção que os mesmo programas de manejo da unidade de conservação sofre negligência.

            A Lei nº 22.723 da província de Buenos Aires, na Argentina, tem por objetivo a proteção, a conservação, o melhoramento e a restauração dos recursos naturais e do ambiente em geral. Para o desenvolvimento de atividades produtivas, o aproveitamento dos recursos naturais e para a localização dos assentamentos humanos, deve-se ter em conta os seguintes fatores: a natureza e as características de cada bioma, a vocação de cada região, em função de seus recursos, a distribuição da população e suas características geoeconômicas em geral. Ainda devem ser consideradas as alterações existentes nos biomas proveniente do efeito dos assentamentos humanos, de atividades econômicas ou de outras atividades humanas ou fenômenos naturais (BURKART et al., 1996).

            A lei supracitada prevê em seu capítulo VI a existência do Fundo de Fomento de Parques Nacionais. Segundo o artigo 25 da referida lei, tal fundo se integra da arrecadação produzida com a venda, arrendamento e concessão de imóveis, instalações e bens móveis; com o produzido dos aforos e venda de madeira fiscal e outros frutos produzidos; com os direitos de caça e pesca; com os direitos de entradas e patentes; com os direitos de edificação, construções em geral, contribuições de melhoria, assim como com as taxas que se estabeleçam como retribuição de serviços públicos.

            São agregados ao fundo também, o valor arrecado nas concessões; os preços que perceba o organismo pelos serviços prestados diretamente; as entradas provindas de multas aplicadas de acordo com esta lei; as subvenções, doações, legados, aportes e transferências de outras participações ou de pessoas físicas e jurídicas; os interesses e rendas dos bens que; as somas que são destinadas do orçamento geral da Nação e todo outro ingresso que derive da gestão e administração dos Parques Nacionais; e, finalmente, recursos não utilizados no fundo, provenientes de exercícios anteriores.

            O montante arrecadado no referido fundo deve ser aplicado para a criação de Parques Monumentos Naturais e Reservas Naturais; para a aquisição de bens necessários para o cumprimento das finalidades da lei; para a promoção de atividades que concorram para assegurar a melhor difusão e conhecimento das unidades de conservação, tais como a realização de congressos, exposições, mostras, campanhas de publicidade e outras que contribuam para a finalidade indicada; para a realização de cursos, estudos e pesquisas; os gastos com pessoal, gastos gerais e investimentos que demande o funcionamento da administração de Parques Nacionais. Pode ainda ser destinado ao cumprimento de todo outro departamento que deva realizar a administração dos parques nacionais, de acordo com as funções e atribuições que lhe sejam conferidas.

            Encontra-se na Lei nº 1.700/1996 da Bolívia importante referencial no que tange aos objetivos do desenvolvimento sustentável. No artigo 2º desta lei são citados os ditos objetivos, que são:

            a) estabelecer e fomentar as atividades florestais sustentáveis que contribuam para o desenvolvimento socioeconômico da nação;

            b) promover o desenvolvimento sustentável dos recursos florestais e garantir a conservação dos ecossistemas, da biodiversidade e do meio ambiente;

            c) proteger e recuperar as bacias hidrográficas, prevenir e deter a erosão das terras e a degradação das florestas, pradarias, solos e águas, e promover o reflorestamento;

            d) facilitar a toda a população o acesso aos recursos florestais e seus benefícios, em estrito cumprimento das prescrições de proteção e sustentabilidade; promover a pesquisa florestal, assim como a sua difusão ao serviço dos processos produtivos, de conservação e proteção dos recursos florestais;

            e) fomentar o conhecimento e promover a formação de consciência da população nacional sobre o manejo responsável das bacias e seus recursos florestais.

            A Lei n.º 13.273/48 da Argentina prevê em seu capítulo VI a existência do Fundo de Fomento Florestal. Segundo o artigo 47 da referida lei, tal fundo se integra da arrecadação produzida com a venda, arrendamento e concessão de imóveis, instalações e bens móveis; com o produto da alienação da madeira e outros frutos produzidos; com os direitos de caça e pesca; com os direitos de entradas e patentes; com os direitos de edificação, construções em geral, contribuições de melhoria, assim como com as taxas que se estabeleçam como retribuição de serviços públicos. Ainda, são incorporados ao fundo o arrecadado nas concessões; os preços públicos; as entradas provindas de multas aplicadas de acordo com a lei; as subvenções, doações, legados, aportes e transferências de outras participações de pessoas físicas e jurídicas; dotações orçamentárias e outras.

            Em algumas leis florestais da América Latina está prevista a existência do fundo florestal, a exemplo da Argentina, do Uruguai e do Chile. No Brasil tal fundo estava previsto no Decreto n0. 23.793/ 1934, o qual foi revogado pela Lei n0. 4.771 de 1965.

            O Título III do livro V da Lei Florestal Francesa institui o Fundo Florestal Nacional Francês e seus objetivos e dispõe que "em vista da reconstituição das florestas francesas, o ministro das florestas assegura, de acordo com as modalidades fixadas pelos decretos, a organização de atividades de florestamento e Reflorestamento, a avaliação e conservação dos terrenos florestados, a melhor utilização dos produtos da floresta e, em geral, tudo que tem por objetivo incrementar os recursos florestais, de facilitar a saída de produtos florestais e melhor satisfazer as necessidades das populações." (SANTOS, 1997)

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Sobre o autor
Paulo de Tarso de Lara Pires

Assessor de Planejamento da Presidência do Instituto Ambiental do Paraná, Mestre em Economia Florestal, Doutor em Política e Legislação Florestal (UFPR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIRES, Paulo Tarso Lara. Alternativas jurídicas para o uso sustentável das unidades de conservação no bioma florestal com araucária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 264, 28 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5012. Acesso em: 17 abr. 2024.

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