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Os efeitos da não adaptação dos contratos sociais ao novo Código Civil

27/03/2004 às 00:00
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Respeitados juristas têm se pronunciado no sentido de que as sociedades que não obedecerem ao prazo de dois anos para se adaptarem às suas disposições, serão consideradas "sociedades irregulares", em injustificável terrorismo.

O conceito de contrato de sociedade ou "contrato de formação de sociedade" está descrito no artigo 981 do Código Civil e, resumidamente, significa a união de esforços e interesses comuns para o exercício de atividade econômica. Trata-se de contrato plurilateral de constituição, pela convergência de interesses dos sócios e pelo fim a que se propõem: a organização de uma empresa pela conjugação de recursos e/ou serviços para a atividade econômica permanente ou temporária, de fim comum, com a partilha da parte ideal dos resultados.

Respeitados juristas têm se pronunciado no sentido de que as sociedades que não obedecerem ao prazo de um ano, previsto no artigo 2.031 do novo código civil, para se adaptarem às suas disposições, serão consideradas "sociedades irregulares". Alguns autores chegam a promover um injustificável terrorismo ao afirmarem que os sócios dessas sociedades passariam a ter responsabilidade ilimitada; que essa ultrapassaria o montante do capital social, etc.

Ao que parece esse prazo poderá ser prorrogado (Projeto de Lei n. 113, da Câmara dos Deputados), mas, independentemente disso, muitos empresários deixarão, novamente, de fazê-lo, por discordar da nova imposição, por desentendimentos entre os sócios para a adaptação ou quiçá por desconhecimento.

Discordamos da obrigatoriedade de adaptação, concessa venia, pelas seguintes razões:

Trata-se de imperativo lógico e legal que a nova lei tem efeito imediato e não retroativo (art. 2º, do Decreto-Lei n. 4.657/42 - LICC). Os fatos são regidos pela lei vigente na data de sua efetiva ocorrência. O efeito da nova regra é automaticamente imediato, mas, há que ser respeitado o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido. Não se pode permitir que a lei retroaja para atingir fatos pretéritos. O escudo maior dos contratos (sociais, comerciais, econômicos, etc.) formalizados antes da Lei n. 10.406/2002 é a Constituição Federal, especialmente no artigo 5º e seu famoso inciso XXXVI, que determina que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada."

O contrato social é um "contrato em curso" que a nova lei não pode alcançá-lo por se tratar de um ato jurídico perfeito. O direito já foi exercido, apenas os resultados e objetivos plurilaterais é que continuarão sendo perseguidos. As sociedades são pessoas jurídicas de direito privado (CC art. 44). A relação entre os sócios é privativa e os direitos da personalidade da pessoa jurídica criada pelos sócios é intransmissível e irrenunciável, a teor do artigo 11, combinado com o artigo 52, do NCC . Desta forma, neste caso, não são alcançadas as regras particulares pela obrigatoriedade de observância de uma lei geral.

Corroborando essa linha de raciocínio o próprio texto do início do artigo 2.035 do código novo ensina que: "a validade dos negócios e demais atos jurídicos constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao dispostos nas leis anteriores, ...".

Deste modo, não é porque surgiu uma nova lei geral civil, abrangendo questões empresariais, que teremos que excluir as regras próprias e autônomas de direito comercial e jogar fora todo o disposto nas leis comerciais extravagantes; e o prescrito nos Códigos Civil de 1916 e Comercial de 1850.

A norma do artigo 2.031 do Código Civil é invasora. Tenta entrar hostilmente nos limites da legislação e dos contratos anteriores. O dispositivo tenta obrigar aqueles que estão protegidos por um sistema de normas, por um pacto, a ingressarem em outro sistema. É como se depois de um casamento de 30 (trinta) anos, com a construção de um patrimônio, um casal, que efetivamente possuíam "quotas" (direitos e deveres) iguais, seja obrigado a mudar de regime de bens, porque a nova lei assim o determina.

As leis de natureza comercial, agora de natureza "empresarial", têm caráter expositivo, declaratório, enfim, enunciativo. Precisamos nos socorrer das sábias palavras do Saudoso Mestre Carlos Maximiliano que nos ensina em sua obra: "Hermenêutica e Aplicação do Direito", 1995, Forense, RJ, pág. 319, os aspectos interpretativos do Direito Comercial: "Em regra as leis comerciais têm caráter dispositivo ou enunciativo, e não imperativo ou absoluto; por isso prevalecem somente no silêncio das partes, e podem pelos contraentes ser, de fato, revogadas, deixadas em olvido, salvo poucas exceções, isto é, de normas que ordenam, ou vedam. Só se não alteram na prática, ao arbítrio dos interessados, nem interpretam extensivamente, as leis de ordem pública em sendo imperativas, ou proibitivas."

O Contrato Social é uma questão de ordem íntima da sociedade e as regras que precisam (ou podem precisar) de alterações dizem respeito às relações entre os sócios e não deve afetar o relacionamento da sociedade com terceiros – a responsabilidade sobre o capital, por exemplo, é definida internamente e só dirá respeito a terceiros se pelos sócios for alterada (ou manipulada, em caso de abuso de personalidade, desvio de finalidade ou confusão patrimonial – veja a desconsideração no art. 50 do NCC).

Para alívio das sociedades constituídas antes de 11 de janeiro de 2003, que não observaram o prazo do contestado artigo 2.031 do NCC, nem mesmo o próprio artigo nem qualquer outra norma esparsa impõe multa ou punição para aquele que não observar o prazo de um ano.

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Enfim, os sócios só podem ser penalizados se seu contrato de sociedade tiver cláusulas nulas ou contrárias à Lei, inviabilizando, evidentemente a administração do negócio. Com efeito, a responsabilidade dos sócios só se tornar ilimitada, a teor do art. 1.180 do NCC, se a deliberação for contrária à Lei ou ao próprio contrato social. Está claro, pela nova lei, que detalhes deverão ser ajustados, tais como a extinção do gerente-delegado (art. 13 do Decreto n. 3.708 de 1919), regras de deliberações e assembléias deverão ser reguladas, além de outras sugestões de cunho suplementar ou facultativo, que merecem atenção. Mas, existe uma grande distância entre um contrato desatualizado e um contrato ilegal.

Entendemos que algumas alterações contratuais são dolorosas, por perda de poder, por conflitos com alguns sócios, etc. Todavia, deve-se aproveitar, a alteração contratual, como uma oportunidade para a regulamentação de questões relativas a herdeiros, relações de matrimônio com o cônjuge, a regência supletiva das sociedades anônimas, a cessão de quotas, a administração, o conselho fiscal, a informalidade das deliberações, a exclusão de sócios, etc.

Entendemos que os contratos sociais registrados antes da vigência do novo código civil estarão meramente "desatualizados", a partir de 12 de janeiro de 2004, em relação ao Novo Ordenamento, se não considerarmos os contratos "em andamento" (assinados até 11/01/2004) que poderão ser registrados em até 30 dias, contados da lavratura do ato (§1º do art. 1.151 do Código Civil), caso o PL 113 ou outra norma não venha a ser aprovada para ampliar o prazo.

Com a devida licença, a expressão "sociedade irregular" só deve ser utilizada para classificar uma sociedade de fato, em fase de constituição, que nunca sofreu registro; ou uma sociedade comum, descrita nos artigos 986 a 990 do NCC, que é aquela que não possui personalidade jurídica, como requer os artigos 45, 985 e 1.150 do Novel Civil.

Irregularidade é um vocábulo inadequado para pessoas que se reunirão em sociedade, devidamente registrada, para reciprocamente se obrigarem "a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados", que estavam sob a proteção do Decreto n. 3.708 de 1919, do Código Comercial ou outra lei especial. Ignorar esse conceito é ferir o Estado Democrático de Direito e não garantir o princípio da segurança jurídica.

Qualquer nova alteração contratual dos contratos anteriores ao NCC exigirá daqueles que se encontram "reunidos em sociedade" que se amoldem ao novo ordenamento – obrigação essa que poderá ser contestada em juízo, apesar da segunda parte do artigo 2035 do NCC. Todavia, não é demais lembrar que a própria alteração, seja ela para atualização ou para revisão de qualquer cláusula, será efetuada com base nas normas, determinações e quoruns do próprio contrato social vigente até a data do deferimento da nova alteração. Ou seja, valerá a regra das leis e do contrato anterior para a própria adequação.

Diante desses comentários e do artigo 2031, esperamos que até o dia 10 de fevereiro de 2004, que é o fim do prazo de um ano (já considerando o acréscimo de 30 dias para registro), sejam editadas algumas medidas pelo Departamento Nacional de Registro do Comércio ou seja aprovado projeto de lei que trate do tema, para o bem estar do empresariado brasileiro e por respeito ao nosso Direito.


NOTA DO EDITOR

O Projeto de Lei nº 113, da Câmara dos Deputados, a que se refere o texto deu origem à Lei nº 10.838, de 30 de janeiro de 2004.

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Sobre o autor
Luiz Cezar Pazos Quintans

Advogado no Rio de Janeiro (RJ). Professor de Direito do Petróleo da UERJ. Autor do Livro "Direito de Empresa" (Freitas Bastos, 2003).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUINTANS, Luiz Cezar Pazos. Os efeitos da não adaptação dos contratos sociais ao novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 263, 27 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5013. Acesso em: 29 mar. 2024.

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