Capa da publicação Método APAC: caminhos para expandir a ressocialização
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O acesso à justiça e o direito positivo no Brasil em face da execução penal à luz do método APAC.

Uma análise político-jurídica

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O método APAC efetiva princípios constitucionais na execução penal. A ação penal exercida sobre pessoas concretas contribui para o acesso à Justiça. Como superar entraves políticos e sociais para ampliar a ressocialização no sistema prisional?

Resumo: O Método APAC (Associação de Proteção e Assistência ao Condenado) mostra-se como estratégia de efetivação dos princípios constitucionais e infraconstitucionais relativos à execução penal que encontra limites de expansão enquanto sistema. A pesquisa social que considera a ação penal exercida sobre pessoas concretas evidencia incompatibilidade das políticas públicas de persecução e execução penal com a norma jurídica positivada. A superação dos limites de expansão do Método é abordada sob uma perspectiva político-jurídica que considera os fatores reais de poder social e a luta de classes, de modo a contribuir para a proposta de um Direito que não se desligue dos princípios fundamentais da Justiça e do acesso à Justiça.

Palavras-chave: Execução Penal. Método Apac. Justiça. Acesso À Justiça. Direito Penal.

Sumário: Introdução. 1. O direito positivo brasileiro e o acesso à justiça. 2. A execução penal à luz do método APAC: Uma análise arqueológica. 2.1. Os objetos do discurso. 2.2. Superfícies de emergência do discurso. 2.3 Grades de especificação e instâncias de delimitação do discurso. 3. A execução penal a luz do método APAC e o direito positivo brasileiro. 3.1. Execução penal à luz do método APAC e acesso à justiça. Considerações finais. Referências.


INTRODUÇÃO

Este trabalho se propõe a analisar a execução penal e o financiamento penitenciário à luz do método APAC (Associação de Proteção e Assistência ao Condenado), sua relação com o acesso à Justiça e com o Direito brasileiro, e, ao fazê-lo, deve, antes, definir e situar o objeto de sua análise em um campo conceitual objetivo e definir a abordagem e o procedimento de análise científica.

O objeto da pesquisa consiste em interpretar as práticas, instituições, saberes, processos sociais e econômicos, acontecimentos, políticas, normas e técnicas, elementos que denominaremos enunciados. Enunciado é a instância que liga os fenômenos percebidos pelo sujeito à linguagem, é o dito ou o que se diz. As limitações da linguagem modificam o sentido do que se deseja transmitir ao sujeito. A representação dos enunciados pode ser verdadeira ou falsa à medida em que o discurso produz dissensos com a realidade.

A análise discursiva sucede, naturalmente, a enunciativa, considerando que um conjunto de enunciados agrupados mediante determinadas regras e relações constitui uma unidade discursiva.

O objeto desta análise é uma formação discursiva: a execução penal à luz do método APAC e sua relação a outras duas estruturas de discurso que tem como objeto outras categorias do saber: o acesso à Justiça e o Direito positivo brasileiro. Para relacionar o método APAC com estas duas outras formações, é preciso definir cada uma destas, seus princípios gerais e regras, de acordo com os principais pensadores de sua estrutura e teoria.

As duas formações discursivas mais amplas: o Direito brasileiro e o acesso à Justiça serão apresentadas segundo sua teoria geral e princípios. A execução à luz do método APAC será analisada, em seguida, enquanto discurso pelo método arqueológico, de modo a desconstruir e analisar sua estrutura discursiva. Após estes dois processos, o discurso analisado é confrontado com as premissas de maior amplitude.

No tópico 1, serão apresentados os discursos do Direito Positivo Brasileiro e do acesso à Justiça, segundo sua teoria geral e princípios. A análise arqueológica do Método APAC enquanto discurso e a análise dedutiva proposta ocorrerão nos tópicos 2 e 3.


1. O DIREITO POSITIVO BRASILEIRO E O ACESSO À JUSTIÇA

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988) é o ponto ideal de partida para a exposição da estrutura do Direito Brasileiro e, posteriormente, da lei de execução penal enquanto norma jurídica positiva do ordenamento brasileiro. A carta da República dispõe que A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito, segundo a norma disposta no artigo 1º da Constituição da República Federativa do Brasil e tem como fundamentos: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, bem como os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

O Direito, visto como hierarquia discursiva institucionalizada, atua para que seu complexo de normas seja visto como um sistema coerente. Todavia, a ação de fatores reais de poder social opera de modo a construir um discurso jurídico que modifique as instituições do Estado. O Direito, na acepção de Ciência do Direito, é também um instrumento público sujeito à disputa ideológica, mesmo que sua existência institucional possa exigir um caráter de neutralidade. Jill Blackmore observa que a noção de discurso chama atenção para a ideia de que o poder age por meio de hierarquias discursivas institucionalizadas pelas quais alguns discursos de políticas são tratados como “verdades” enquanto perspectivas mais radicais são marginalizadas. (LEWIN; SOMEKH, 2015, p.) 256).

O Direito como ser é aquele ao qual referem-se os juízos de fato acerca da eficácia ou ineficácia das normas em relação às atividades de categoria inferior a elas (FERRAJOLI, 2006, p. 329), e também se sujeita ao equilíbrio de poder social. O Direito como dever-ser necessita de um fundamento de validade, visto que a estrutura do Direito tem um âmbito axiológico, isto é, que se refere a valores que empiricamente considerados tem conflito com a realidade, sendo a norma jurídica o instrumento de sua efetivação.

O fundamento de validade do Direito brasileiro encontra-se na legitimidade do próprio Estado, legitimidade dada no âmbito do Direito Positivo e do Direito Natural, enquanto formações discursivas, mas também encontra seu fundamento de validade em fatos sociais, como na estrutura de organização do poder social, nos fatores reais de poder social considerando sua atuação ideológica e seu vetor, bem como nas perspectivas contratualistas do Estado.

A lição de Alexandre Travessoni Gomes, na perspectiva da Teoria Geral do Direito e da lógica demonstra que a análise do Direito não pode desconsiderar sua perspectiva axiológica.

Se o fundamento de validade de uma norma só pode ser uma norma superior, é certo que a investigação de tal fundamento não pode perder-se no infinito. É necessário, portanto, pressupor uma norma como a última e mais elevada. Como norma mais elevada, tem de ser pressuposta, pois, se fosse posta por uma autoridade, a competência dessa autoridade teria que se fundar em outra norma superior. Essa norma pressuposta, cuja validade não pode ser derivada de uma norma mais elevada e cujo fundamento de validade não pode ser posto em questão, é a norma fundamental. (GOMES, 2004, p. 234)

Ao se deparar com a questão do fundamento de validade do Direito, o positivismo jurídico a enfrenta da seguinte forma: o fundamento de validade da norma é a norma fundamental ou superior, é a própria norma sistematicamente considerada de modo a não violar os valores morais e éticos nesta apregoada, isso significa que a validade da norma se encontra em si mesma. O positivismo não questiona, para além da norma fundamental, o valor fundamental que a ampara. Em sua Teoria Pura do Direito, Hans Kelsen assevera que:

[...] permanece fora de questão qual seja o conteúdo que tem esta Constituição e a ordem jurídica estadual erigida com base nela, se esta ordem é justa ou injusta; e também não importa a questão de saber se esta ordem jurídica efetivamente garante uma relativa situação de paz dentro da comunidade por ela constituída. Na pressuposição da norma fundamental não é afirmado qualquer valor transcendente ao Direito positivo. (KELSEN, 1998, p. 141)

A legitimidade das normas jurídicas também repousa sob o manto do Direito Natural e sua relação com a Constituição do Estado. A legitimidade dada pela norma fundamental de Direito Natural pode se consubstanciar na transição para o Direito Positivo e de sua aplicação conforme a CRFB/1988.

Dalmo Dallari aponta o Estado Constitucional como criação moderna, apresentando exceções, e considera que suas raízes estão no desmoronamento político medieval:

O Estado Constitucional, no sentido de Estado enquadrado num sistema normativo fundamental, é uma criação moderna, tendo surgido paralelamente ao Estado Democrático e, em parte, sob influência dos mesmos princípios. Os constitucionalistas, que estudam em profundidade o problema da origem das constituições, apontam manifestações esparsas, semelhantes, sob certos aspectos, às que se verificam no Estado Constitucional moderno, em alguns povos da Antiguidade. Assim é que Loewenstein sustenta que os hebreus foram os primeirosa praticar o constitucionalismo, enquanto que André Hauriou é absolutamente categórico ao afirmar que “ o berço do Direito Constitucional se encontra no Mediterrâneo oriental e, mais precisamente, na Grécia”, havendo ainda quem dê primazia ao Egito. Entretanto, o próprio Hauriou fala no “caráter ocidental do Direito Constitucional”, explicando, como todos os que admitem o constitucionalismo na Antiguidade, que, com a queda de Roma, houve um hiato constitucional, que só iria terminar com o Estado moderno. Em conclusão, pois, o constitucionalismo, assim como a moderna democracia, tem suas raízes no desmoronamento do sistema político medieval, passando por uma fase de evolução que iria culminar no século XVIII, quando surgem os documentos legislativos a que se deu o nome de Constituição.” (DALLARI, 2009, p. 198.)

O período moderno é de enfraquecimento da Escola Teológica do Direito, do surgimento da Teoria de um Direito Transcendental na obra de Kant e do desenvolvimento da Escola Racionalista ou Contratual. Estas últimas escolas reconhecem a existência e a validade da norma fundamental, mas a subordinam a princípios de outra ordem. O reconhecimento que adotam da Teoria da norma fundamental visa a consubstanciação, na norma materialmente constitucional, dos princípios e garantias fundamentais que transcendem a norma positivada. Luigi Ferrajoli, sobre este âmbito de relação entre o Direito Positivo e o Direito Natural, observa que:

A novidade representada pela constitucionalização dos princípios de direito natural no direito positivo – que em relação ao direito natural, “que não é”, é obviamente o único direito “que é” - consiste apenas em que este transformou-se numa estrutura complexa, que compartilha tanto a dimensão do ser como a do dever ser. A primeira dimensão é aquela à qual referem-se os juízos de fato acerca da eficácia ou ineficácia das normas em relação às atividades de categoria inferior a elas; a segunda é aquela à qual referem-se os juízos jurídicos acerca da sua validade ou invalidade em relação às normas superiores a elas. (FERRAJOLI, 2006. p. 329)

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A validade do Direito também repousa sobre outro elemento para além da norma positiva materialmente constitucional e para além da validade transcendental dada pelo Direito Natural: o equilíbrio de poder ou o vetor dos fatores reais de poder, estes são apontados por Ferdinand Lassale como “em síntese, em essência, a Constituição de um país: a soma dos fatores reais do poder que regem um país.” (LASSALE, 1933. p. 30).

Os fatores reais de poder que produzem a norma fundamental representam o fenômeno sociológico e histórico do Direito, mas nesta perspectiva do Direito, a força normativa da Constituição não pode ser ignorada. Se referindo à contribuição sociológica de Lassale, Konrad Hesse assevera que “essa doutrina afigura-se desprovida de fundamento se se puder admitir que a Constituição contém, ainda que de forma limitada, uma força própria, motivadora e ordenadora da vida do Estado.”

Hesse constata a força normativa da Constituição e do Direito Positivo, mas não pode os considerar como única fonte de norma social (dever-ser social) quando considera seus limites e a necessidade, por parte dos responsáveis pela ordem constitucional, de ter presente, na sua consciência, não só a vontade de poder, mas também a vontade de Constituição:

a força normativa da Constituição não reside, tão-somente, na adaptação inteligente a uma dada realidade. A Constituição jurídica logra converter-se, ela mesma, em força ativa, que se assenta na natureza singular do presente (individuelle Beschaffenheit der Gegenwart). Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem. Concluindo; pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes na consciência geral — particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional —, não só a vontade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung). (HESSE, 2015, p. 4)

Considerada a contribuição doutrinária dos dois autores, é preciso ver que a força normativa da norma constitucional não exclui a atuação dos fatores reais de poder na realidade concreta e histórica, sendo ela um dos próprios fatores na medida de sua eficácia.

O Direito e o Estado devem ser compreendidos, pois, em toda a sua estrutura. Sua estabilidade depende da estabilidade das forças sociais e dos valores que o constituíram, e a eficácia de seu poder normativo depende do desenvolvimento das forças sociais e dos valores que as constituíram dentro da estrutura social e do Estado. Deve, outrossim, ser considerada a estrutura tridimensional do direito, de modo que a norma jurídica não pode se desvencilhar dos valores e dos fatos sociais.

O Controle de Constitucionalidade é uma das formas de exercício da força normativa da Constituição e da concretização dos princípios positivados, tenham estes validade transcendental ou material. Bem o assevera Carlos Frederico Braga da Silva em sua Análise normativo-teleológica do Projeto Novos Rumos na Execução Penal, do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, à luz dos Direitos Humanos Internacionais:

É sabido que o Direito Constitucional Brasileiro recebeu muita influência da doutrina constitucionalista norte-americana. No leading-case Marbury v. Madison foi afirmado que não se pode presumir que qualquer disposição da Constituição possa restar sem efeito e uma interpretação judicial não poderia ser construída nesse sentido, a não ser que a Constituição literalmente assim determinasse. Por sua vez, o Pretório Excelso já decidiu que embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativos e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão – por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório – mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional (SILVA, 2008, p. 6)

O exercício da força normativa da Constituição através do controle de constitucionalidade leva, inexoravelmente, à questão dos limites deste controle dentro da complexa estrutura social e estatal, e à questão dos limites da atuação do próprio Estado. A questão é: a efetivação da norma fundamental está restrita à atuação do Estado?

Segundo a norma constitucional positivada no artigo 1º da CRFB/1988, “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”;deixando claro que o exercício do poder do Estado pressupõe a ação social, e esta ocorre através da Política. É preciso perceber que a efetivação da norma fundamental não pode estar restrita à atuação do Estado quando este é democrático, pois o Estado Democrático é instrumento político e jurídico do povo,na medida em que o equilíbrio de poder social e a luta de classes são contingentes da participação social e dos fins a serem alcançados pelo Estado. Não pode o povo tornar-se instrumento do Estado quando este restringe sua participação.

A norma fundamental brasileira estabelece que o poder emana do povo e se estrutura em três Poderes do Estado: Executivo, Legislativo e Judiciário, adotados pela CRFB/1988 e pelo Estado brasileiros, os quais são exercidos por representantes. Numa perspectiva não positivista, observa-se que a ocupação social desses cargos públicos está sujeita à ação dos fatores reais de poder social, incluindo aí a força normativa da Constituição e legislação infraconstitucional, na medida de sua eficácia.

A legislação pode encontrar, no decorrer do movimento político, dificuldade de se concretizar enquanto jurisdição e juris-satisfação. Isso demonstra que a concretização e eficácia dos princípios constitucionais depende de um cenário histórico e político que os favoreça. A Ciência do Direito não pode considerar o Direito como um ordenamento ideal e sistematizado e para o qualtécnica jurídica é suficiente para dirimir as antinomias e conflitos internos; neste âmbito se discutem valores e possibilidades político-jurídicas de coesão e transformação social. A interpretação de Abner Barboza Sobreiro sobre o fenômeno político-jurídico, faz referência ao espaço social de atuação dos operados do direito.

Com a Constituição Federal de 1988, positivaram-se garantias individuais e direitos sociais, sob a bandeira da redemocratização do Brasil. Viabiliza-se, novamente, o desenvolvimento econômico e social dentro de um Estado democrático de direito, a partir da garantias constitucionais referenciadas no modelo de bem-estar social. A ampliação das funções do Estado aumenta o campo para a atuação dos operadores do direito por dentro das instituições político-jurídicas, mesmo para ação a partir de uma pauta contra-hegemônica, a partir de uma perspectiva crítica, capaz de considerar a materialização teórico-social e ético-política do direito, para além do formalismo jurídico tradicional. (MALISKA, apud SOBREIRO, 2007, p. 140)

A execução penal no Brasil, tomando como ponto de partida a Lei 7.210 de 1984, que contém normas jurídicas de três ramos do Direito: o Direito Administrativo, o Direito Processual e o Direito Penal. Considera, portanto, a norma de direito material e a norma de direito processual.

O Estado está envolvido na execução penal em suas esferas administrativa, processual, e jurisdicional. Mesquita Junior indica que a execução era estudada segundo os princípios dos Direitos Criminal, Processual e Administrativo e apresenta a lição jurídica de Florian: “Na realidade, conforme ensina Florian, a execução penal é fase de grande complexidade, e nela convergem regras jurídicas de três espécies: penal, processual e administrativa.” (Florian, apud MESQUITA JÚNIOR, 2010, p. 36)

A ação do Estado na execução penal e nas referidas esferas do direito, como estruturado na norma constituconal, depende da relação de equilíbrio entre os poderes da República, por todos envolver.

A ação dos Poderes da República se relaciona com os titulares de sua execução, não pode se admitir a ilusão de que o representante do Estado exerça estritamente a vontade do Estado, pois que a vontade do Estado é a sua vontade na medida da possibilidade fático-jurídica de execução dos seus desígnios. Neste contexto, os representantes do Estado se relacionam com a esfera jurídico-eleitoral e de provimento dos cargos públicos. Para se analisar a vontade do Estado expressa através da norma jurídica, deve-se considerar os processos de constituição, execução e garantia da aplicação normativa. O modo de provimento desses cargos, seja por exemplo de modo eletivo ou por concurso público, é uma rica base de pesquisa social e jurídica para entender o Estado, bem como o Direito como seu instrumento e portador de suas contradições.

Certo é que a execução penal ou execução criminal, como norma jurídica complexa, constitui ramo do Direito que tem a sua produção, validade e eficácia influenciadas pela ação e pelo equilíbrio dos três Poderes da República na ordem institucional e, na ordem social, pelas relações de poder político.

O direito ao acesso à Justiça, em uma concepção ampla, abrange a tutela jurisdicional em consonância com os demais princípios constitucionais e processuais: igualdade, devido processo legal, contraditório e ampla defesa. O direito ao acesso à justiça é tido como um direito fundamental.

Primeiramente, antes de tentar conceituar a expressão “acesso à justiça”, é necessário que primeiro seja abordado sobre o que vem a ser Justiça, e esta por sua vez, nas palavras de Aristóteles:

[...] justiça é aquilo em virtude do qual se diz que o homem justo pratica, por escolha própria, o que é justo, e que distribui, seja entre si mesmo e um outro, seja entre dois outros, não de maneira a dar mais do que convém a si mesmo e menos ao seu próximo (e inversamente no relativo ao que não convém), mas de maneira a dar o que é igual de acordo com a proporção. (ARISTÓTELES, 1979, p. 129.)

Ainda em busca do quem vem a ser Justiça, esta pode ser definida como “um valor de totalidade, acompanhando todos os outros valores, sendo a melhor possibilidade de entendimento dentro de uma situação com várias formas possíveis de entendimento societário”. (SOUZA, 2013, p. 41)

Conforme se deprende dos conceitos acima, tem-se que a justiça é a mais jurídica das virtudes, e que desta forma, sempre deve estar presente no seio da sociedade.

Partindo do pressuposto de que o acesso à justiça tem um caráter de produzir resultados que sejam individual e socialmente justos, Mauro Capelletti e Bryant Garthaduzem que a definição de acesso à justiça é tarefa difícil, pois, em um primeiro momento, significa dizer que as pessoas podem reivindicar seus direitos e resolver os seus litígios sob os auspícios do estado, sendo que este deve ser acessível a todos, em um segundo momento, significa dizer que possui um caráter socialmente justo. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 3).

O acesso a justiça possuiu como uma das suas finalidades a justiça social, vendo de uma ótica mais ampla, deve também ser visto como movimento transformador, e uma nova forma de conceber o jurídico, enxergando-o a partir de uma perspectiva cidadã, tendo a justiça social como premissa básica para o acesso a justiça.

Cabe ressaltar que a justiça social é um dos pilares da CRFB/1988, sendo uma construção moral e política baseada na igualdade de direitos e na solidariedade coletiva.

Contata-se que a tutela jurisdicional é exercida através da garantia de acesso à justiça e se constitui um dos maiores, senão o maior instrumento para garantir uma ordem jurídica justa, com capacidade a efetivar o exercício da cidadania plena.

Dito isto, prevalece que a justiça social sempre acaba sobressaindo, pois um pressuposto para o efetivo exercício da justiça, sempre visa o social, no qual deve-se ter a administração estatal voltada para a realização do Direito, dando instrumentos capazes para a efetividade do acesso a justiça, englobando a justiça social.

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Sobre os autores
Ionete de Magalhães Souza

Graduada em Direito e Pós-Graduada lato sensu pela Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes. Pós-Graduada stricto sensu - Mestrado em Direito - Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC (2001) e Doutorado em Direito - Universidad del Museo Social Argentino (2013). Professora de Graduação e Pós-Graduação da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes. Advogada.

Ariane Cristina Soares Rubim

Acadêmica do curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes

Heros Hegel Ladeia Maciel

Especialista em Direito Constitucional e Tributário.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo apresentado à Universidade Estadual de Montes Claros , pelos acadêmicos Ariane Cristina Soares Rubim e Heros Hegel Ladeia Maciel, referente ao Projeto de Pesquisa “Execução Penal à luz do Método Apac (Associação de Assistência e Proteção aos Condenados) em Montes Claros: desafios e perspectivas de sua consolidação”, coordenado pela Profª Drª Cynara Silde Mesquita Veloso, sob a orientação da Profª Drª Ionete de Magalhães Souza.

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