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A Lei nº 10.259/01 e sua aplicação no contexto estadual face ao princípio da igualdade

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OS JUIZADOS ESPECIAIS NO PLANO LEGISLATIVO

No âmbito do Direito Penal há duas correntes diametralmente opostas: o movimento da Lei e Ordem e o do Direito Penal Mínimo. Enquanto que naquele prega-se o aumento da criminalização e penalizações mais rígidas, neste a descriminação e a despenalização são preocupações constantes, apresentadas como uma forma mais coerente e eficaz de se promover Justiça. [1]

Dentre as leis que acolheram a tese do Direito Penal Mínimo estão a Lei n° 9.099/95 (Juizados Especiais Estaduais) e a Lei n° 10.259/01 (Juizados Especiais Federais).

A Lei n° 9.099/95 veio em atendimento ao mandamento constitucional, previsto no artigo 98, inciso I, da Lei Maior, que determina à União, no Distrito Federal e nos Territórios, e aos Estados a criação dos Juizados Especiais, "competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau".

Na seara penal, os Juizados Especiais Criminais representam a implantação de um procedimento criminal diferenciado em nosso ordenamento jurídico. Regido pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, o novo rito estabelecido busca, sempre que possível, a conciliação ou a transação, visando à reparação dos danos sofridos pela vítima e aplicação de sanção não privativa de liberdade (art. 2°, Lei n° 9.099/95).

Em síntese, os institutos da composição civil e da transação penal, previstos na citada Lei, impelem as partes envolvidas na lide a uma solução acordada, sem o rigor do formalismo excessivo, objetivando o restabelecimento da paz social a partir da rápida solução dos conflitos de interesses.

Especificamente no âmbito do Direito Processual Penal, as benesses conferidas ao infrator são grandiosas, prevendo-se, inclusive, mitigação do princípio da obrigatoriedade. A composição, quando aplicada, tem por conseqüência a renúncia ao direito de queixa ou representação, e, por isso, não gera efeitos penais. Na transação, em que pese a existência de sentença homologatória que atesta uma sanção voluntariamente aceita pelo agente, não há reconhecimento de culpabilidade e sequer figura em certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins constantes no artigo 76, §4°, in fine, da Lei n° 9.099/95.

Por essas razões, afirma José Eduardo de Melo Sotero que, "inarredável, pois, a conclusão de que esses institutos conferem ao réu situação jurídica mais favorável, pelo que alcançam fatos anteriores à vigência, por força da retroatividade da lei penal mais benigna, uma vez que a imperativa observância de tal axioma não pode ser resumida à extinção (abolitio criminis) ou abrandamento de preceitos cominatórios e/ou sancionatórios". [2]

É mister observar-se, entretanto, que a aplicação da Lei n° 9.099/95 somente é possível para as infrações de menor potencial ofensivo, cuja definição – não exposta na Constituição Federal – foi delegada ao legislador infraconstitucional. Destarte, o artigo 61 da citada lei apresentou o primeiro conceito de infrações penais de menor potencial ofensivo, assim inicialmente consideradas as "contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial", restando pacificado o entendimento de que todas as contravenções penais, mesmo possuindo rito especial, seriam infrações penais de menor potencial ofensivo.

Ressalta-se, todavia, que, num primeiro momento, a Carta Política determinou a criação dos Juizados Especiais somente nos Estados e no Distrito Federal, com a competência para julgamento, portanto, da Justiça Estadual. Apenas em 1.999, com a aprovação da Emenda Constitucional n° 22, de 18 de março de 1.999, é que foi introduzido no artigo 98 da Lei Maior seu parágrafo único, possibilitando à lei federal dispor sobre a criação de Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal.

Desta vez, a ordem constitucional foi concretizada a partir da publicação da Lei n° 10.259, de 12 de julho de 2001, a qual, em seus artigos 1° e 2° dispõe: "São instituídos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Federal, aos quais se aplica, no que não conflitar com esta Lei, o disposto na Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995." (art. 1°) e "compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo" (art. 2°).

Ocorre que a Lei n° 10.259/01 trouxe, no parágrafo acrescido ao seu artigo 2°, um novo conceito para as infrações penais de menor potencial ofensivo, assim consideradas, hoje, aquelas referentes aos "crimes que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa".

Percebe-se o aumento em relação à pena máxima considerada para as infrações de menor potencial ofensivo e a ausência de qualquer disposição acerca de contravenções e delitos com ritos especiais. Outrossim, o legislador foi omisso em disciplinar sobre a possível extensão deste conceito para o âmbito estadual, inquietando a comunidade jurídica e fazendo brotar inúmeros questionamentos e, por conseguinte, entendimentos diversos sobre o tema.


QUESTIONAMENTOS SOBRE A APLICAÇÃO DA LEI N° 10.259/01 NO ÂMBITO ESTADUAL

Perturbam-se os estudiosos do direito com os efeitos jurídicos decorrentes dos novos dispositivos trazidos à baila pela lei que regulamenta os Juizados Especiais Federais. Questiona-se se o artigo 61 da Lei n° 9.099/95 teria sido ab-rogado pelo artigo 2°, parágrafo único, da Lei n° 10.259/01, visto que este deu nova definição às infrações de menor potencial ofensivo.

Há quem sustente a manutenção de dois conceitos distintos para infração penal de menor potencial, um a ser aplicado na Justiça Estadual, outro na Justiça Federal. Outros entendem que o artigo 61 da Lei n° 9.099/05 não mais tem aplicação em nosso meio, devendo ser considerado apenas a definição enunciada no artigo 2°, parágrafo único, da Lei n° 10.259/01. Outros ainda defendem um conceito híbrido, composto parte pela lei mais nova, parte pela lei primeira. O cerne da questão, todavia, é sempre o mesmo: após o ingresso no mundo jurídico da Lei dos Juizados Especiais Federais, qual conceito de infração penal de menor potencial ofensivo deve ser utilizado na Justiça Estadual?

Uma corrente minoritária da doutrina e da jurisprudência entende que a Constituição Federal distinguiu as Justiças Estadual e Federal, para fins de instituição dos Juizados Especiais, e, por isso, os sistemas criados pelo legislador infraconstitucional (Lei n° 9.099/95 e Lei n° 10.259/01) são distintos, autônomos, com regras próprias e requisitos específicos. [3]

Os defensores da tese restritiva sustentam que o conceito de infrações de menor potencial ofensivo trazido pela Lei n° 10.259/01 deve apenas ser utilizado para os crimes de competência da Justiça Federal. Para eles, a intenção do legislador em restringir o novo conceito estaria demonstrada na expressão "para os efeitos desta Lei", contida no parágrafo único do artigo 2° da Lei n° 10.259/01, [4] e em seu artigo 20, [5] onde, afirmam, consta vedação expressa de aplicação da Lei n° 10.259/01 no juízo estadual.

Ao tratar sobre o tema, Paulo Martini assevera que, in verbis:

"esse dispositivo [art. 20, Lei n° 10.259/01] é muito claro, revelando o intuito do legislador em não misturar Juizado Especial Federal com Estadual. Caso contrário, teria permitido que nas comarcas onde não houvessem varas da Justiça Federal, a matéria fosse apreciada pelo Juizado Especial Estadual, tal como ocorre atualmente com relação às questões previdenciárias (art. 109, § 3º, da CF), de tóxicos (art. 27 da Lei 6.368/76) e ambientais. E mais, proibiu expressamente a aplicação da recente lei no juízo estadual." (6)

Milton Fontana compartilha desse mesmo posicionamento e, sobre os conceitos de infração de menor potencial ofensivo, esclarece que, in litteris:

"Ambas as definições decorrem de leis especiais, com vigência concomitante, tanto é que a Lei 10.259/2001 cuidou de ressalvar, em três momentos, a vigência do artigo 61 da Lei 9099/95: no artigo 1º (...no que não conflitar com esta Lei), no artigo 2º, parágrafo único (..para os efeitos desta Lei) e explicitamente no artigo 20 (...vedada a aplicação desta Lei no juízo estadual). Por seu turno, a Lei 9099/95, ao definir o conceito de infrações penais de menor potencial ofensivo, também ressalvou que restrito ‘...para os efeitos desta Lei’.

Assim, tratando-se de co-existência de leis especiais não parece lógico falar-se em revogação ou derrogação do disposto no artigo 61, da Lei 9099/95, até em razão de que, constitucionalmente, a Emenda 22 não autorizou a lei que viesse a instituir os Juizados Especiais na Justiça Federal a redefinir, para a Justiça Comum, o conceito de infrações penais de menor potencial ofensivo. E, assim foi procedido, na medida em que o conceito contido no parágrafo único, do artigo 2º, da nova norma, é exclusivo para os efeitos daquela lei. Por outro lado, como expressamente referido, o conceito contido no art. 61, da Lei 9.099/95, é para os ‘...efeitos desta Lei’." (7)

Para ambos os autores, amparados no rigor do legalismo interpretativo, as regras constantes no bojo da Lei n° 10.259/01, em especial as acima citadas, são claras em vedar sua aplicação no juízo estadual. Assim, "sua interpretação deve ser autêntica posterior e gramatical, não podendo-se [sic] socorrer a princípios como forma interpretativa, já que ela não é lacunosa". [8] Segundo Paulo Martini,

"os princípios da igualdade e da proporcionalidade, aqueles invocados para justificar a aplicação da lei em comento aos Juizados Especiais Estaduais, fazem parte dos chamados princípios gerais de direito, os quais somente podem servir como meio de interpretação ou instrumento de revelação da vontade da norma, caso ela seja omissa ou lacunosa. Pelo menos é isso que está previsto no artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil." (9)

Manifestando-se sobre o tema, Milton Fontana destaca que "a competência do Juizado Especial Criminal não restou alterada, pela edição de norma penal destinada a regular situações específicas. Impossibilidade de utilização da analogia, quando existe lei específica, disciplinando a situação concreta. O Juiz não pode atuar como legislador positivo, ampliando os efeitos de norma para outras hipóteses não contempladas". [10]

Por sua vez, Francisco Glauber Pessoa Alves, corroborando o exposto, alerta que "o julgador – ao abrigar a tese de que houve ampliação do conceito de menor potencialidade criminal – não só esquiva-se de aplicar a lei, indo mais além e fazendo as vezes de legislador positivo, o que é absolutamente inadmissível". [11] Prossegue o douto Magistrado afirmando que "decanta-se em verso e prosa que o julgador não pode ficar restrito à lei, quando ela seja injusta. Só que o excesso a isso acarretaria situação de megalomania que exorbita da função jurisdicional e constitui-se em ofensa a um princípio tão importante no nosso direito constitucional positivo como o da igualdade: o da separação de poderes". [12]

Apregoam ainda os defensores da tese restritiva que a atuação dos Juizados Federais incidiria na tutela de bens jurídicos diversos dos abrangidos pelos Juizados Estaduais, o que implicaria na possibilidade de dois conceitos diferentes de infrações de menor potencial ofensivo poderem existir concomitantemente no ordenamento jurídico. [13]

Parte dos adeptos da corrente minoritária concorda, entretanto, que quando o bem jurídico tutelado for o mesmo, tanto na Justiça Federal quanto na Justiça Estadual, e puder ser a infração julgada em uma ou em outra, dependendo da vítima ou do autor, o conceito de infração de menor potencial ofensivo previsto na Lei n° 9.099/95 há de ser ampliado, caso contrário, estar-se-ia violando o princípio da igualdade previsto no caput do artigo 5° da CF/88. Vejamos a lição de Milton Fontana, que muito bem revela tal posicionamento:

"a nova lei, que instituiu os Juizados Especiais Federal, pelo princípio constitucional da igualdade, nos delitos com idêntico bem jurídico tutelado, assim considerados aqueles que tanto podem ser julgados pela Justiça Estadual ou pela Justiça Federal, quando a pena máxima cominada não é superior a 2 anos, permite a aplicação da transação penal, quer seja procedimento com rito comum ou especial, iniciado ou não, sem o deslocamento do feito para o JEC; por outro lado, em casos de crimes que não comportem julgamento na Justiça Federal, como nos casos do delito dos artigos 245 do CP ou artigo 10, da Lei 9.437/97, em que a pena máxima cominada é superior a 1 ano e não superior a 2, inviável a aplicação da transação penal, visto que a nova lei é especial e somente tem aplicação para o Juizado Especial Criminal Federal (artigo 20, parte final); [...] tratando-se de infrações penais com rito especial e pena máxima cominada não superior a 2 anos, quando o delito também comportar julgamento pela Justiça Federal, o benefício da transação penal deve ser aplicado, em presentes os demais requisitos, perante a Justiça Comum, visto que o artigo 2º, parágrafo único, da nova lei, não excepcionou de sua abrangência os delitos cujo processo segue rito especial." (14)

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Em que pese o entendimento firmado em defesa da tese restritiva, ora exposta, a maioria da doutrina e da jurisprudência prega, fundamentada nos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da aplicação da lei penal mais benéfica, que a Lei n° 10.259/01 deu nova definição jurídica às infrações de menor potencial ofensivo, ampliando tal conceito também na seara da Justiça Estadual.

Luiz Flávio Gomes, Damásio Evangelista de Jesus, Antônio Scarance Fernandes, Rômulo de Andrade Moreira, Jorge Eduardo de Melo Sotero, Cláudio Dell’Orto e Danni Sales Silva são alguns dos defensores da tese do alargamento da justiça consensual, segundo a qual hão de ser consideradas infrações de menor potencial ofensivo os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, sem qualquer ressalva quanto ao procedimento utilizado, seja ele especial ou não. [15] Por força da vedação expressamente prevista no artigo 109, IV, da Constituição Federal, as contravenções penais não são de competência da Justiça Federal, razão pela qual tais delitos não foram prestigiados pela Lei n° 10.259/01, devendo seu processamento e julgamento ser realizados perante a Justiça Estadual, independentemente do quantum da pena.

De acordo com o sustentado pela corrente majoritária da doutrina e da jurisprudência, os artigos 61, da Lei n° 9.099/95, e 2°, parágrafo único, da Lei n° 10.259/01, versam sobre o mesmo tema, qual seja, a definição legal de infrações de menor potencial ofensivo. Embora com valorações diferentes, ambos os dispositivos têm por base o critério distintivo segundo a quantidade da pena. Por essa razão, leciona Damásio de Jesus que deve "prevalecer a lei posterior, de direito penal material, que, mais benéfica, derroga a anterior (CF, art. 5°, XL; CP, art. 2°, parágrafo único), ampliando o rol dos crimes de menor potencial ofensivo". [16] Prossegue o renomado mestre afirmando que:

"Consideramos que o parágrafo único do art. 2.º da Lei n. 10.259/2001 derrogou o art. 61 da Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei n. 9.099/95). Em conseqüência, sejam da competência da Justiça Comum ou Federal, devem ser havidos como delitos de menor potencial ofensivo aqueles aos quais a lei comine, no máximo, pena detentiva não superior a dois anos ou multa. De modo que os Juizados Especiais Criminais da Justiça Comum passam a ter competência sobre todos os delitos a que a norma de sanção imponha, no máximo, pena detentiva não superior a dois anos (até dois anos) ou multa." (17)

Sob o mesmo prisma, Danni Sales Silva esclarece que:

"Insta observar que tanto o artigo 61 da Lei 9.099, quanto o artigo 2º, parágrafo único da Lei 10.259, de 12 de julho de 2001, tratam do mesmo assunto, conceituando de maneira diversa o crime de menor potencial ofensivo, ressaltando-se, por oportuno, que a Lei do Juizados Criminais Federais impingiu tratamento mais benigno ao tema.

Neste aspecto, tratando-se a norma em análise do Ius Puniendi estatal abstrato, detêm o dispositivo em questão de natureza de direito penal material. Assim, estabelecendo esta norma tratamento mais benéfico, ante a dilação do conceito de crime de menor potencial ofensivo, deve-se ter por derrogado o artigo 61 da Lei 9.099.

Isto porque, assegura a Constituição Pátria no artigo XL que: ‘a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu’. Vê-se então, que a aplicação da novatio legis in mellius, é direito subjetivo contido no Titulo constitucional que regulamenta os Direitos e Garantias Fundamentais, o que deverá levar a própria autorização de aplicação deste inovador dispositivo aos caso pretéritos ao advento da Lei 10.259/01, ante a indubitável necessidade de respeito ao Princípio da Retroatividade Benéfica da Lei Penal." (18)

Analisando o artigo 2°, parágrafo único, da Lei n° 10.259/01, em cotejo com o artigo 61, da Lei n° 9.099/95, dentro da óptica constitucional, percebe-se que a tentativa de restrição imposta pela Lei dos Juizados Especiais Federais, a partir do uso da expressão "para os efeitos desta lei", não pode e não deve prosperar, por constituir-se numa afronta ao artigo 5°, caput, da Lei Maior, onde está consagrado o princípio da igualdade.

A igualdade de tratamento entre as pessoas é constitucionalmente assegurada, além de ser um comando direcionado ao legislador, obrigando-o à elaboração de leis que não estabeleçam discriminações injustificadas àqueles que estejam numa mesma situação.

Canotilho, citado por Cláudio Dell’Orto, leciona com propriedade que "quando não houver motivo racional evidente, resultante da ‘natureza das coisas’, para desigual regulação de situações de facto iguais ou igual regulação de situações de facto desiguais, pode considerar-se uma lei, que estabelece essa regulação, como arbitrária". [19]

Pelo princípio constitucional, portanto, deve haver tratamento penal isonômico, em situações isonômicas, ou seja, não poderá a lei prever tratamento diferenciado em situações iguais, paritárias ou equivalentes, sob pena de ofensa à norma prevista no artigo 5°, caput, da Carta Política de 1988.

No particular, Alexandre de Moraes disserta aludindo que "a Constituição Federal de 1988 adotou o principio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico". [20]

Jorge Eduardo de Melo Sotero salienta que, in verbis:

"o que veda a Lei Maior é a discriminação injustificada, que não encontre guarida em finalidade acolhida pelo Direito; em hipótese contrária, o tratamento diferenciado é imposição do próprio conceito de Justiça, na medida em que casos desiguais exigem, indubitavelmente, tratamentos desiguais, na medida de suas desigualdades. Assim, o que se quer é que indivíduos que estejam numa situação jurídica equivalente gozem dos mesmos direitos e prerrogativas, sob pena de caracterização de ato discriminatório." (21)

Continua o ilustre estudioso afirmando que

"embora a Lei nº 10.259/01 pretenda restringir sua incidência ao âmbito da Justiça Federal, não há como prosperar a intenção do legislador. Se os crimes abrangidos pelo citado diploma legal são, em sua natureza penal, semelhantes àqueles afeitos aos Juizados Especiais dos Estados, Distrito Federal e Territórios, não há sentido na criação e na aplicação de efeitos penais diversos baseadas unicamente na diferenciação existente quanto à competência, mormente quando se verifica que os supramencionados órgãos, vinculados ou não ao Poder Judiciário Federal, são todos integrantes da chamada jurisdição ordinária ou comum. [...]. Assim, inadmissível é o tratamento desigual ora proposto, ainda que de forma indireta, pela Lei nº 10259/01." (22)

Nesse diapasão, verifica-se que seria um absurdo admitir-se que uma mesma conduta fosse considerada delito de menor potencial ofensivo em um momento e não em outro similar, pois para uma mesma ação e um mesmo resultado espera-se uma mesma conseqüência jurídica.

Na esteira desses pensamentos, O Prof. Antônio Scarance Fernandes ensina que

"com a aplicação de um regra para os juizados federais e outra para os estaduais a crimes de mesma natureza cujo único diferencial é a justiça competente para julgá-los, num caso seriam considerados de menor potencial ofensivo, mas não o seriam no outro. [...] A diferença relativa à justiça competente não constitui justo motivo para tratamento distinto. Entendendo-se pela existência de dois conceitos próprios de infrações de menor potencial ofensivo, restaria violado o princípio da igualdade, por serem dadas soluções diferentes a situações idênticas". (23)

Interpretação diversa do exposto certamente conduziria a situações de flagrante desigualdade jurídica, como nos exemplos citados por Cláudio Dell’Orto. In verbis:

"Se não fosse alterado o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo e prevalecesse a expressão ‘para os efeitos desta Lei’ contida no art. 2o. parágrafo único da Lei 10.259/2001, teríamos situações como a do art. 351 do CP, onde a promoção de fuga de preso de um estabelecimento federal, seria infração penal de menor potencial ofensivo, tendo o réu direito a medidas despenalizadoras e ao processo e julgamento pelo Juizado Especial Criminal Federal, enquanto que, no âmbito estadual, o crime seria da competência da Vara Criminal comum, com a aplicação de suspensão condicional do processo, se cabível. A mesma situação se repete em outras hipóteses de incidência comportamental, entre as quais destacamos as tipificadas nos artigos 359F, 359B, 359 A, 359, 354, 347, 346, 341, 335, 331, 329, 328, 325, 313B, 308, 301§1o., 289§2o., 284, 282, 272§2o., 270 §2o., 269, 267 § 2o. – 1a. parte, 262, 253, 250 §2o., 249, 245, 234, 216, 205, 203, 201, 179, 175, 165, 152, 137 e 134 do Código Penal. A categoria da infração penal dependeria da qualidade do sujeito passivo." (24)

No que concerne ao artigo 20 da Lei n° 10.259/01, entendem os doutrinadores simpáticos à presente tese que a vedação constante no mesmo se refere à matéria cível, pois se situa entre os dispositivos que regulam a organização do juizado cível. [25] Outrossim, também há o entendimento de que a preocupação da citada norma não foi de vedar a aplicação da Lei n° 10.259/2001 ao âmbito estadual, mas sim forçar a instalação de Juizados Especiais Criminais Federais, não permitindo que os Juizados Especiais Criminais Estaduais acumulem a jurisdição federal, como ocorre, por exemplo, no caso do artigo 27 da Lei n° 6.368/76. [26]

Nossa jurisprudência parece caminhar no sentido de tornar pacífico o entendimento de que o artigo 2°, parágrafo único, da Lei n° 10.259/01, derrogou o artigo 61 da Lei n° 9.099/95. No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul praticamente não há divergências quanto à matéria. [27] O Tribunal de Alçada do Paraná, em HC impetrado perante a 2ª Câmara Criminal, caminha na mesma direção. [28] Nesse mesmo sentido, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, [29] do Mato Grosso do Sul, de Minas Gerais e do Pará, entre outros. [30]

A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no RHC n° 12.033, MS, da lavra do Ministro Félix Fischer, decidiu, por unanimidade, que "a Lei n° 10.259/2001, ao definir as infrações de menor potencial ofensivo, estabeleceu o limite de dois anos para a pena mínima cominada. Daí que o art. 61 da Lei n° 9.099/95 foi derrogado, sendo o limite de um ano alterado para dois".

Em suma, na lição de Luiz Flávio Gomes:

"Vai se firmando a cada dia o entendimento de que o novo conceito de infração de menor potencial ofensivo (crimes até dois anos, com ou sem multa cumulativa) deve ter incidência no âmbito dos juizados estaduais. A tese é razoável e, pelo que estamos sentindo, deve ser vitoriosa nos Tribunais Superiores.

O ponto mais importante a ser destacado em tudo isso, entretanto, não é a vitória do bom senso (que sempre há de prevalecer; aliás, como diz uma máxima popular muito sábia: bom senso é a primeira qualidade do jurista... se ele souber ler ajuda bastante!).

O ponto a ser realçado é a preocupação constitucional revelada na jurisprudência quase unânime acima enfocada: com base nos princípios da igualdade e da proporcionalidade está sendo refutada a tese de que deveríamos ter dois conceitos de infração de menor potencial ofensivo: um para o âmbito federal e outro para o estadual. Isso significaria julgar um mesmo crime (desacato, por exemplo) com dois pesos e duas medidas. A balança da Justiça não aceita isso." (31)

Consubstanciando o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência, o citado autor assevera que "por força dos princípios da igualdade e da proporcionalidade e tendo em vista o conflito (que se estabeleceu) entre o que escreveu o legislador ordinário e o Texto Constitucional, não há como negar que o novo conceito de infração de menor potencial ofensivo vale para todos os juizados criminais do país. Conceito único, portanto. Para não haver injustiça". [32]

Não obstante o direcionamento doutrinário e jurisprudencial quase pacífico no sentido da derrogação do artigo 61 da Lei n° 9.099/95 pelo parágrafo único do artigo 2° da Lei n° 10.259/01, há ainda alguns posicionamentos divergentes no tocante aos crimes para os quais a lei preveja procedimento especial.

Muito embora a lei posterior não disponha qualquer vedação que proíba a análise, por parte dos Juizados Especiais Criminais, de conciliar, julgar e executar tais delitos, alguns doutrinadores acreditam que tal restrição deve ser mantida para dar efetividade aos Juizados Especiais e não torná-los conturbados face a ritos especiais, legalmente impostos, que possam vir a macular os princípios norteadores dos processos que tramitam segundo o procedimento sumaríssimo. Aliado a esse argumento, os defensores de tal tese invocam o artigo 1° da Lei n° 10.259/01, onde consta que devem ser aplicados à lei nova os dispositivos da Lei n° 9.099/95 naquilo que não houver incompatibilidade. [33]

Antônio Pêcego, considerando os argumentos expostos, acredita que, in litteris:

"Não há que se entender que os crimes de procedimentos especiais excepcionados pela Lei 9.099/95 abrangeriam o novo conceito quando nele nada trata, permanecendo a exceção no âmbito estadual, havendo alteração tão-somente no que diz respeito ao quantum da pena privativa de liberdade cominada ou não com a pena de multa como alternativa, sob pena de nos transformamos em legisladores positivos quando da aplicação da lei no caso concreto.

Tal entendimento se coaduna com uma interpretação teleológica que se deve dar ao novo conceito de crime de menor potencial ofensivo para se extrair o fim que almejava alcançar o legislador que, no caso, era de agilizar a prestação jurisdicional no âmbito da justiça federal sobrecarregada, emperrada e normalmente envolvida com crimes apenados mais severamente, bem como com a política criminal de descarcerização e despenalização, não sendo crível que outro fosse o objetivo diante do noticiado diariamente à nível nacional na imprensa escrita e falada." (34)

Compartilhando as mesmas idéias do douto Magistrado, Cláudio Calo Sousa afirma que:

"Não se pode deixar de observar que o artigo 1º da Lei nº 10.259/2001 admite, de forma expressa, que se aplique aos Juizados Especiais Cíveis e Criminais Federais a Lei nº 9.099/95, naquilo que não houver incompatibilidade. Em sendo assim, verificamos que a ressalva constante no artigo 61 deste último diploma legal quanto às infrações penais com rito especial deve continuar ser aplicada, pois não há qualquer incompatibilidade, sendo certo que, entendimento em contrário, acabaria violando os princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, previstos no artigo 2º da Lei nº 9.099/95, e outros princípios inclusive de ordem constitucional. Ora, se o legislador prevê rito especial para o processo e julgamento de determinados crimes é porque, na grande maioria dos casos, há alguma complexidade ou peculiaridade, o que exclui por completo a competência do JECRIM." (35)

Combatendo tal tese, Luiz Flávio Gomes esclarece que "o art. 2º, parágrafo único, da Lei 10.259/01, não só ampliou o conceito para dois anos, como não fez qualquer ressalva procedimental. Logo, também os casos de procedimentos especiais (como por exemplo: crimes contra a honra) incluem-se agora no âmbito dos juizados criminais (estaduais e federais)". [36] O insigne mestre traz à baila um julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que corrobora seu entendimento:

"Processual penal. Conflito de competência. Crime contra a honra. Lei 10.259/01 e crimes com rito especial. Com o advento da lei 10.259/01, restou ampliado o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo no âmbito da justiça estadual, por exigência da isonomia constitucional. O comando normativo contido no art. 2°, parágrafo único, da lei 10.259/01 deu novo conceito à menor potência, ficando excluída a restrição aos crimes com rito especial contida no art. 61, in fine, da lei 9.099/95. À unanimidade, negaram provimento ao conflito, mantendo a competência do juizado especial criminal". (37)

Comentando a decisão, o ilustre jurisconsulto ressalta que, de fato, "não existia razão plausível, fundada na razoabilidade, para a exclusão dos crimes com procedimento especial do âmbito dos juizados. O procedimento, por si só, não podia (e agora inequivocamente não pode) constituir obstáculo para que um delito fosse ou não da competência dos juizados (cf. Gomes, L.F., Juizados especiais criminais, São Paulo: RT, 2002, p. 26)". [38] Nesse mesmo sentido, Damásio de Jesus. [39]

Interesse notar o exemplo comum utilizado pela maioria da doutrina para justificar a ausência, a partir da lei nova, de qualquer restrição aos crimes aos quais a lei preveja rito especial. Trata-se do crime de abuso de autoridade, disciplinado na Lei n° 4.898/65 e que é regido por procedimento especial. Se houvesse a vedação sustentada por poucas vozes, inexoravelmente haveria uma discrepância de tratamento em relação ao autor, pois, caso o crime fosse afeto à Justiça Federal, seria processado e julgado perante os Juizados Especiais Criminais Federais e, como tal, estaria sujeito às benesses da referida lei. Em contrapartida, se fosse delito de competência da Justiça Comum, ante a suposta restrição do artigo 61, da Lei n° 9.099/95, deveria ser julgado no juízo ordinário comum, sem os benefícios previstos para os Juizados Especiais.

No exemplo dado, percebe-se, com suficiente clareza, o tratamento desigual a iguais, uma vez que o crime é o mesmo e apenas a competência de julgamento que, dependendo da autoridade, será da Justiça Federal ou da Justiça Estadual.

Não há como tal tese prosperar. Nas palavras de Scarance Fernandes, "a ressalva feita aos crimes sujeitos a procedimento especial no art. 61 da Lei n° 9.099/95 não tem mais razão de ser. Não há na lei nova qualquer restrição nesse sentido e, por ser mais favorável, deve ser aplicada integralmente". [40]

Vale a pena também salientar que alguns operadores do direito entendem que a definição atual de infração penal de menor potencial ofensivo abrange todas as contravenções penais, os crimes apenados com sanção até dois anos, bem como os crimes com qualquer quantum de pena, desde que seja cominada, alternativamente, a pena de multa. O fundamento para tanto encontra-se, segundo dizem, no artigo 2°, parágrafo único, da Lei n° 10.259/01, expresso no termo "ou multa".

Na concepção de Antônio Pêcego, um dos defensores da tese, in litteris:

"Ao contrário do que vem se sustentando e defendendo, não estaria abrangido por este conceito os crimes que prevejam pena privativa de liberdade não superior a dois anos e multa, ou seja aquele em que o legislador quis apenar com um plus o agente que atentou com maior gravidade contra certo bem jurídico-penal tutelado, pois do contrário a multa não seria cumulativa e sim alternativa, como expressamente prevê o Código Penal em diversos dispositivos e, no caso, se manifestou o legislador ao dar o contorno ao novo conceito de crime de menor potencial ofensivo." (41)

Para o citado julgador, "no âmbito estadual houve ampliação da competência para os delitos que seja cominada isoladamente a pena privativa de liberdade não superior a dois anos, ou alternativamente com a pena de multa, permanecendo as contravenções como inicialmente explicitado, excetuados os crimes em que a pena de multa seja cumulativa à de liberdade no limite estabelecido e/ou que prevejam procedimento especial". [42]

Contrário à tese suscitada pelo i. magistrado, Cláudio Calo Sousa a rebate com didática e clareza que não merecem reparos. Vejamos:

"Desde a criação dos Juizados Especiais Criminais, o legislador procurou conceituar infração penal de menor potencial ofensivo levando em consideração a pena máxima privativa de liberdade, ou seja, o quantum da pena mais grave. Em sendo assim, levando-se em consideração que a sanção pecuniária é mais branda que a pena privativa de liberdade, pode-se concluir que deve prevalecer esta última pena, ou seja, o quantum máximo de dois anos, pois, do contrário, chegar-se-ia, com a devida vênia, ao absurdo de considerar como infração penal de menor potencial ofensivo o tipo penal previsto no artigo 7º da Lei nº 8.137/90, apesar de o legislador ter cominado a pena máxima privativa de liberdade de 05 (cinco anos). Não foi esta a ratio legis." [43]

Sob este mesmo prisma, Rômulo de Andrade Moreira, in verbis:

"A questão é saber como interpretar esta última parte do parágrafo único do art. 2º. da lei nova. Para nós a pena máxima de dois anos é o limite intransponível para o conceito, ou seja, qualquer delito cuja pena em abstrato seja superior a dois anos está fora do âmbito dos Juizados, tenha ou não pena de multa alternativamente cumulada (observa-se que o critério do legislador ao conceituar tais delitos foi sempre a pena máxima, não a mínima). Ainda que a pena de multa seja cumulada com a pena de detenção ou reclusão igual ou inferior a dois anos, a situação não muda, ou seja, continua sendo de menor potencial ofensivo." (44)

Ao nosso ver, parece ser este o posicionamento mais acertado.

Questão que igualmente merece destaque é quanto à Suspensão Condicional do Processo. Embora haja alguns entendimentos no sentido de que a pena considerada para a concessão do SURSIS processual também teria sido aumentada para dois anos, em razão da vigência da Lei n° 10.259/01, [45] tal tese, data venia, não merece ser acolhida.

Não obstante o instituto do SURSIS processual ter sido disciplinado pelo artigo 89 da Lei n° 9.099/95, sua aplicação não se limita às infrações de menor potencial ofensivo, mas a todos os crimes e contravenções, com rito especial ou não, cuja pena mínima for igual ou inferior a um ano. Vejamos o texto de lei:

"Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal)." (grifos acrescidos)

Danni Sales Silva muito bem esclarece que o SURSIS processual não é um instituto específico e peculiar do procedimento afeto aos Juizados Especiais Criminais, mas tem natureza jurídica distinta de favor iuris, podendo ser aplicado a todo o ordenamento penal, dentro dos limites por ela preconizados. [46]

Destarte, a alteração preconizada pelo artigo 2°, parágrafo único, da Lei n° 10.259/01, não tem o condão modificar a regra contida no artigo 89 da Lei n° 9.099/95, pois o instituto da Suspensão Condicional do Processo, na opinião da doutrina, "delimita sua própria aplicabilidade, tomando como diretriz a pena mínima de um delito, e não a pena máxima, conforme o artigo 2°, parágrafo único, da Lei 10.259/01 e o artigo 61, da Lei 9.099/95". [47]

Acerca do tema, Damásio de Jesus esclarece que:

"Ocorre que o art. 61 da Lei n. 9.099/95 trata da conceituação de crimes de menor potencial ofensivo para efeito da competência dos Juizados Especiais Criminais, o mesmo ocorrendo com o art. 2.º da Lei n. 10.259/2001. O art. 89 da Lei n. 9.099/95, contudo, inserido na lei por simples aproveitamento do legislador, disciplina um instituto de despenalização, abrangendo não só as infrações de menor potencial ofensivo, objeto dos Juizados Especiais Criminais, mas também outras infrações de maior gravidade, porém limitadas pela quantidade da pena. Por isso, o art. 89, não disciplinando especificamente as infrações de menor potencial ofensivo, leva em conta a pena mínima cominada, enquanto o art. 61 considera a pena máxima abstrata. Como o instituto e o sistema são diversos, cada um aplicando critérios diferentes, é incabível a invocação do princípio da proporcionalidade". (48)

Também essa é a opinião de Ada Pellegrine Grinover e Danni Sales Silva [49], a qual, no nosso sentir, é a mais correta.

Finalizando o presente resumo, cumpre-nos analisar brevemente a questão da vigência da Lei n° 10.259/01 e o momento de sua aplicabilidade.

Como sabemos, o artigo 27 da Lei dos Juizados Especiais Federais determinou uma longa vacatio legis de seis meses, a partir de sua publicação, que se deu no Diário Ofícial da União em 13/07/2001. Assim sendo, ecoaram na doutrina parcas vozes que, mesmo diante das evidentes benesses trazidas pela Lei n° 10.259/01, sustentavam sua aplicabilidade apenas após o decurso do prazo estipulado, sob a alegação de que a mesma poderia ser revogada dentro do aludido interregno temporal.

Mais uma vez levantou-se a doutrina e contrapôs-se a tal entendimento, alegando que a simples existência da lei nova mais benéfica, a partir de sua publicação no órgão oficial, era suficiente para o reconhecimento imediato de seus efeitos jurídicos.

Jorge Sotero consigna que, em seu entender, não há como o entendimento inicialmente explicitado ser acolhido, pois

"Quando a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XL, dispõe que ‘a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu’, exige apenas a posterioridade da lei mais benéfica, não fazendo qualquer menção à sua vigência. Assim, basta que a lei posterior exista no mundo jurídico para que haja uma prevalência do interesse individual do favor libertatis, pelo que deve a nova lei ser imediatamente aplicada pelo julgador na solução das lides a partir de agora postas a sua apreciação". (50)

Comungando de tal orientação, Claúdio Dell’Orto, retratando o seu entendimento sobre o tema, já assinalava brilhantemente que:

"O conceito normativo contido no art. 61 da Lei 9099/95 sofreu alteração substancial, oriunda de manifestação soberana do Congresso Nacional. Logo, sob o ponto de vista material, a sociedade brasileira, detentora exclusiva da soberania, introduziu no sistema normativo novo conceito de infração penal de menor potencial ofensivo, que não pode aguardar, para sua eficácia, o longo período de ‘vacatio legis’, sob pena de violação dos princípios fundamentais do Estado social democrático de Direito e do objetivo fundamental da República Federativa do Brasil de construir uma sociedade justa. ( arts. 1o. e 3o. da CRFB). O compromisso com a Justiça, obriga a adoção do novo conceito de infração penal de menor potencial ofensivo desde a publicação da Lei 10.259, ou seja, 13 de julho de 2001.

Além disso, a regra da retroatividade da lei penal mais benéfica reforça a tese adotada, porque a partir de 13 de janeiro de 2002, o novo conceito estará em vigor, e ninguém terá dúvida de que operar-se-á a retroatividade ‘in bonam partem’, prevista nos art. 5o. XL da CRFB e 2o. parágrafo único do Código Penal.". (51)

Finalizando o assunto, e também o presente resumo, vale a pena transcrever o entendimento de Alberto Silva Franco sobre a matéria:

"Na doutrina brasileira, a tese da aplicação do princípio da retroatividade benéfica, no período da ‘vacatio legis’, passou a ter, nos últimos anos, sustentação doutrinária sólida. Imperiosa se torna, portanto, a conclusão de que o período de "vacatio legis" não tem significado, nem pode surtir efeito em relação aos dispositivos beneficiadores da lei posterior ao fato criminoso, os quais, cedo ou tarde, terão de ser aplicados e só terão validade em relação aos dispositivos agravadores." [52]

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Sobre o autor
Flúvio Cardinelle Oliveira Garcia

Graduado em Ciências da Computação pela Universidade Católica de Brasília (1995). Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (2002). Pós-graduado em Direito Eletrônico e Tecnologia da Informação pelo Centro Universitário da Grande Dourados (2008). Mestre em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2008). Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal na Pontifícia Universidade do Paraná. Delegado de Polícia Federal. Chefe do Núcleo de Repressão ao Crimes Cibernéticos da Polícia Federal do Paraná, com ênfase investigativa para os delitos de ódio e de pornografia infantojuvenil, mormente praticados pela Internet. Membro do Instituto Brasileiro de Direito da Informática (IBDI), do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico (IBDE) e do High Technology Crime Investigation Association (HTCIA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Flúvio Cardinelle Oliveira. A Lei nº 10.259/01 e sua aplicação no contexto estadual face ao princípio da igualdade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 277, 10 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5040. Acesso em: 22 dez. 2024.

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