Da prova de incapacidade para o exercício de atividade laborativa ou habitual para fins de concessão de benefícios ou serviço previdenciário no regime geral de previdência social

07/07/2016 às 14:34
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O presente texto objetiva análise da prova de incapacidade para fins de concessão de benefícios e serviço no regime geral de previdência social, em via administrativa e judicial.

1. DA INCAPACIDADE PARA O TRABALHO OU ATIVIDADES HABITUAIS

Conceitua-se incapacidade laborativa como a impossibilidade do desempenho das funções específicas de uma atividade ou ocupação, em consequência de alterações morfopsicofisiológicas provocadas por doença ou acidente. Ainda, o risco de vida para si ou para terceiros, ou de agravamento, que a permanência em atividade possa acarretar está implicitamente incluído no conceito de incapacidade, desde que palpável e indiscutível.


2. DOS BENEFÍCIOS OFERECIDOS EM VIRTUDE DE CONSTATAÇÃO DE INCAPACIDADE

Definem-se benefícios por incapacidade, como o próprio nome sugere, àqueles concedidos aos segurados da Previdência Social que apresentam incapacidade, limitações ou restrições em exercer suas atividades laborativas ou habituais que lhes garantam manutenção da própria subsistência.

Nesse contexto, os benefícios por incapacidade concedidos pelo regime geral de previdência social são: auxílio-doença previdenciário (espécie 31), auxílio-doença acidentário (espécie 91), auxílio-acidente previdenciário (espécie 36), auxílio-acidente por acidente de trabalho (espécie 93), aposentadoria por invalidez previdenciária (espécie 32), aposentadoria por invalidez acidentária (espécie 92), amparo assistencial ao portador de deficiência (espécie 87) e pensão mensal vitalícia por síndrome de talidomida (espécie 56).

Ademais, conforme cediço, a reabilitação profissional é a prestação outorgada em forma de serviço pela Previdência Social, através do atendimento de profissionais especialistas na área de psicologia, fisioterapia e medicina, que possibilitaram a reinserção do segurado incapaz à atividade anteriormente exercida ou adaptando-o à nova atribuição.

Dessa forma, mister se faz o conhecimento acerca da forma de comprovação de incapacidade para promover concessão de benefícios e serviço. Registra-se que inúmeros benefícios previdenciários são administrativamente indeferidos por inadequada instrução processual, culminando em ausência de comprovação do direito, sendo fundamental ao desempenho da atividade advocatícia conhecimento acerca dos meios de provas, espécies de documentos e valor probatório.


3. DA PROVA DE INCAPACIDADE

Determina o Regulamento da Previdência Social, Decreto 3.048/1999 que compete privativamente aos servidores de que trata o art. 2º da Lei no 10.876, de 2 de junho de 2004, a realização de exames médicos-periciais para concessão e manutenção de benefícios e outras atividades médicos-periciais inerentes ao regime geral de previdência social, sem prejuízo do disposto no mencionado artigo.

Dispõe ainda o mesmo dispositivo legal, em seu parágrafo único, que os servidores de que trata o caput poderão solicitar ao médico assistente do beneficiário que forneça informações sobre antecedentes médicos a este relativas, na forma a ser disciplinada pelo Instituto Nacional do Seguro Social, para fins do disposto nos § 2o do art. 43. e § 1o do art. 71. ou para subsidiar emissão de laudo médico pericial conclusivo.

Assim, é de competência exclusiva de médico concursado e treinado internamente, possuidor de conhecimentos em legislação previdenciária, mediante especialidade reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina, lato sensu “Perícia Médica e Medicina Legal”, a realização de exames médicos-periciais para concessão e manutenção de benefícios e outras atividades médicos-periciais inerentes ao regime geral de previdência social, sendo inócua avaliação acerca da incapacidade laborativa realizada por médico assistente da parte.

Nesse prisma, cumpre consignar que o médico assistencialista, por atribuição, deve se basear nas queixas de seu paciente e ser capaz de estabelecer um diagnóstico clínico, propor tratamentos e prognósticos em condutas norteadas pelo Código de Ética Médica. O exame médico assistencial ocorre num contexto no qual o paciente escolhe livremente o seu médico, em geral a partir de indicações ou referências de terceiros, baseada principalmente na confiança, fundamental para o bom andamento da relação. A relação médico-paciente possui uma cooperação mútua, sendo que a medicina age em favor do paciente, o tratando de suas enfermidades, lhe oferecendo a cura, ou lhe oferecendo o tratamento para alívio.

Distintamente, o médico perito não irá fornecer um diagnóstico, tampouco um tratamento que trará a cura ou amenizará os sintomas da doença diagnosticada. O perito tem sob sua responsabilidade o diagnóstico pericial. Isso significa que, além do diagnóstico clínico, caberá ao perito médico estimar a extensão da deficiência, caracterizando com isso o grau de incapacidade que o problema médico apresentado determina em relação ao trabalho ou atividade desempenhada pelo examinado, exigindo-se conhecimento da legislação pertinente, serviço imparcial e juízo crítico (agir com fidelidade, clareza, simplicidade nas descrições de fatos e afirmar somente o que pode demonstrar cientificamente).

Trata-se de um procedimento imparcial, o perito médico não deve ter nenhuma relação de conhecimento ou interesse com o periciando. Isso faz com que o primeiro item citado como desejável para um bom relacionamento médico-paciente, que é o da confiança, inexista na perícia médica. Dessa forma, o periciando deverá comparecer a um exame que, em geral, não escolheu fazer, realizado por interesse de terceiro, em cumprimento a normas legais ou para esclarecimento de autoridades.

Ainda, o Código de Ética Médica, publicado em outubro de 2009, estabelece no capítulo XI, que trata sobre Auditoria e Perícia Médica, vedação à assinatura por médico de laudos quando não tenha realizado o exame, ser perito do próprio paciente, pessoa da família ou de empresa na qual atue, ou qualquer outra capaz de influir no resultado (art. 93), deixar de atuar com absoluta isenção quando designado como perito médico (art. 98).

Pode-se concluir, então, que o médico assistente é bastante importante na avaliação médico pericial previdenciária, por ser o profissional de confiança do periciando, que muitas vezes é detentor do histórico da doença do paciente, por vezes é o expert da patologia em questão e tem condições de estabelecer diagnósticos e prognósticos que podem auxiliar na conclusão do perito médico previdenciário. No entanto, a decisão médico-pericial previdenciária é regida por legislação própria que o perito médico é obrigado a seguir no momento de sua decisão final, prevalecendo seu parecer acerca da constatação ou não de incapacidade para o trabalho ou atividades habituais.


4. DA PRODUÇÃO DA PROVA DE INCAPACIDADE

Conforme exposto em tópico anterior, para comprovar a incapacidade para o trabalho perante a previdência social para fins de concessão de benefícios, é necessário parecer conclusivo favorável emitido por médico perito.

Utopicamente, o laudo médico pericial seria absoluto, vez que firmado em conhecimento técnico perante perfeito exame presencial que apreciaria todos os elementos documentais acessórios emitidos por médicos assistencialistas e chegaria a uma conclusão irrefutável, cientificamente explicável, utilizando-se de tecnologia de vanguarda. Entretanto, o procedimento é realizado por ser humano, falível, utilizando-se de infraestrutura estatal sucateada, longe do ideal, sendo impossível realização diária de milhares de exames e atendimentos sem parcela com conclusão inadequada ou equivocada proveniente de má prestação do serviço público por excesso de solicitações, falta de estrutura básica e recursos humanos.

Tem-se, então, que o parecer conclusivo favorável emitido por médico perito é, atualmente, único meio de comprovação de incapacidade para o trabalho e, que, por vezes, é falho, deixando de constatar inaptidão laboral, gerando óbice à concessão de benefícios previdenciários. Ainda, não pode o auxiliar jurídico valer-se de documentos emitidos por médicos assistencialistas para comprovar a incapacidade em detrimento do laudo pericial. Como defender os direitos de cliente notoriamente incapacitado para o trabalho?

Administrativamente, é instransponível aplicação do § 2o do art. 43. e § 1o do art. 71, em razão do princípio da legalidade que rege os atos administrativos, logo, para o combate de indeferimento de benefício por incapacidade em virtude de parecer médico pericial contrário à constatação de incapacidade para o trabalho ou atividades habituais, deverá o advogado requerer realização de nova perícia.

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Explica-se: É pacífico entendimento administrativo e jurisprudencial de que o médico assistente não possui competência para constatar incapacidade para o trabalho. Ademais, o aplicador do direito, seja magistrado ou julgador administrativo, é leigo em matéria médica, sendo tecnicamente incapaz de constatar ou não a incapacidade para o trabalho mediante exames e outros elementos de natureza técnica. Assim, resta ao julgador acompanhar entendimento firmado em laudo pericial, resguardando os direitos da parte inconformada mediante exigência de realização de outras perícias, dirimindo qualquer dúvida acerca do fato tecnicamente estabelecido.

Realizada perícia com parecer conclusivo sugerindo indeferimento da concessão de benefício por incapacidade, poderá o segurado contestar este ato através de requisição de nova avaliação, requerendo perito distinto, perito especialista, resposta à quesitos, análise específica de exames ou documentos emitidos por médicos assistencialistas, cabendo ao operador do direito administrativo conceder ou não, resultando em fundamentação adequada.

Dessa maneira, realizados exames por distintos médicos peritos, em diversas datas, analisando todo acervo documental apresentado pelo segurado, com adequada fundamentação em pareceres convergentes concluindo pela não constatação de incapacidade para o trabalho, não é razoável convicção em sentido contrário.

Conforme cediço, não basta estar o segurado acometido de doença grave ou lesão, mas demonstrar que delas decorre incapacidade para o labor. O advogado deverá, a priori, “convencer” o perito de que seu cliente está incapacitado para o trabalho, para, assim, gerar convicção do Juízo acerca do fato. Este “convencimento”, por óbvio, não será através de fundamentação jurídica, mas, através da apresentação/fornecimento de elementos técnicos contundentes que subsidiem a decisão pericial, obrigando o perito a reconhecer a incapacidade em face de irrefutável negativa técnica ou, ao mínimo, exímia fundamentação comprovando cientificamente o contrário.

Finalmente, em via judicial, o segurado passará pela perícia judicial, realizada por um médico perito indicado pelo juiz competente, que poderá ser ou não especialista na área da patologia, sendo ônus do patrono do segurado solicitar, podendo ou não ser concedida, vez que inexiste disposição legal para que o médico perito seja especialista.

No âmbito judicial, o perito age de forma diferente do administrativo, pois receberá o processo e os quesitos a serem analisados, emitidos pelo magistrado e advogados das partes, para, no prazo estipulado, analisar os laudos, exames e demais documentos técnicos e posteriormente responder os quesitos constantes dos autos. Assim, o magistrado é quem irá reunir todos os fatos, laudos e conclusões periciais, os examinando e aplicando legislação pertinente, para julgar procedente ou improcedente o pedido, através de seu livre convencimento, cabendo recurso da decisão, conforme o caso.

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Sobre o autor
Yuri Cardoso Queiroz

Especialista em direito e processo do trabalho pelo Instituto de Direito Público de Brasília – IDP. Especialista em direito e processo previdenciário pelo Instituto Nacional de Ensino e Pesquisa – INESP. Bacharel em direito pelo Centro Universitário Euroamericano – UNIEURO. Advogado regularmente inscrito nos quadros da OAB/DF. Conselheiro de Recursos da Previdência Social lotado na 3a Câmara de Julgamento do CRPS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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