As horas da discórdia

11/07/2016 às 09:09
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O governo provisório quer aumentar a jornada de trabalho para 80 horas semanais, legitimando assim o assalto dos trabalhadores costumeiramente praticado pelos empregadores.

Esta semana o governo interino sinalizou que pretende acolher a demanda dos empresários de aumentar a jornada de trabalho. Os empresários estão divididos: alguns exigem 80 horas semanais; outros, mais modestos, ficarão satisfeitos com 60 horas semanais.

Sou advogado há 25 anos e sempre defendi trabalhadores. Por quase 10 anos atuei como estagiário e advogado em Sindicatos operários. Tenho algumas coisas a dizer sobre este assunto.

Uma pesquisa rápida utilizando o Google dá uma dimensão da importância do tema. A expressão “horas extras” tem 3 milhões referências; “horas extraordinárias” tem modestos 734 mil citações; “banco de horas” é recordista isolado conduzindo a 17,3 milhões de linkes. As estatísticas da Justiça do Trabalho registram um fato importante: a maioria dos processos trabalhistas referem-se a horas extraordinárias que não foram pagas http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2014/03/pagamento-de-hora-extra-e-lider-em-numero-de-processos-na-justica.html.

No Brasil a jornada de trabalho é de 44 horas semanais. Existem algumas exceções à esta regra geral: o bancário tem jornada de 30 horas; trabalhadores submetidos a turnos de revezamento tem direito a 36 horas semanais; os técnicos em radiologia cumprem jornada semanal de 24 horas; etc… As horas excedentes devem ser remuneradas com acréscimo de 50% nos dias normais e 100% nos domingos e feriados. A jornada de trabalho pode ser diminuída e o valor pago pelas horas extras pode ser aumentado mediante acordo ou convenção coletiva.

As regras são claras. Mas raramente são cumpridas pelos empregadores. A lógica que leva à violação contumaz da legislação do trabalho neste caso é impiedosa: os empresários sabem que nem todos os trabalhadores reclamarão seus direitos, também sabem que nem todos aqueles que reclamarem receberão integralmente as horas extras que realizaram (a sobrejornada depende de prova e nem sempre a mesma pode ser produzida).

Algumas táticas sujas são empregadas pelos empresários que não pretendem pagar horas extras. As mais comuns são: adotar dois cartões de ponto (um para a jornada normal, outro para as extras);  obrigar o empregado a registrar no cartão apenas a jornada normal de trabalho; adotar o sistema de banco de horas e se apropriar do saldo de extras quando da dispensa do empregado; pagar algumas extras (registradas ou não num segundo cartão de ponto) por fora da folha de pagamento. Sempre que são demandados, estes empregadores negam a sobrejornada e apresentam apenas os cartões de ponto do horário normal de trabalho. Isto obrigará o empregado a provar as extras através de testemunhas, que podem ou não existir. Quando existem e comparecem para depor, nem sempre as testemunhas conseguem lembrar exatamente qual era a jornada de trabalho do empregado lesado e o empregador fica no lucro.  

O Ministério Público do Trabalho poderia tomar providências contra as empresas que violam de maneira contumaz as regras da jornada de trabalho. Mas isto raramente ocorre. Em geral os próprios lesados é que tem que provocar a Justiça do Trabalho. Os processos são muitos e, portanto, demorados. Alguns trabalhadores ganham suas ações e recebem tudo que tem direito, outros aceitam acordos irrisórios. Os que não provam o trabalho extraordinário perdem seus processos. Não conheço um só escritório de advocacia que não tenha uma dezena ou mais de casos que foram ganhos, liquidados e que não resultaram em benefícios econômicos para os empregados em razão da falência da empresas e/ou desaparecimento dos empresários.

As regras gerais da jornada de trabalho estão prescritas na CF/88. Para atender os empresários Michel Temer terá que mudar a constituição ou rasgá-la. O golpe dentro do golpe certamente seria apoiado pelos empresários, mas despertaria a reação dos trabalhadores obrigando o interino a se transformar num ditador sanguinário.

Os empregadores dizem que  o aumento da jornada de trabalho melhorará a competitividade do país. Este argumento é uma falácia. Se realmente pretendessem fazer isto eles reduziriam suas retiradas de “pró-labore” e deixariam de pagar salários nababescos aos administradores, engenheiros, economistas e especialistas que encarregam de maximizar os lucros esmagando os trabalhadores como se eles fossem cana de açúcar.

Não. Os empresários não querem aumentar a competitividade do país. O que eles querem é apenas aumentar ainda mais seus lucros mediante a redução política dos salários e das garantias trabalhistas. A CLT expressamente proíbe a redução salarial. Portanto, o governo provisório não poderia atender a demanda dos empresários sem destruir totalmente o legado de Getúlio Vargas: a CLT e a Justiça do Trabalho.

Se a proposta do governo provisório vingar, em todos os aeroportos brasileiros devemos afixar cartazes com os seguinte  dizeres: “Bem vindos a República Velha”. Os paulistas que assaltaram o poder utilizando os preciosos serviços da dupla Eduardo Cunha/Sérgio Moro (o bandido e o juiz, muito embora Cunha tenha sido o primeiro juiz do Impedimento e Moro se iguale aos bandidos quando abusa acintosamente da Lei Penal que deveria aplicar com isenção) pretendem reconstruir o regime político excludente, elitista, desumano e predatório que provocou as rebeliões populares e militares que conduziram o Brasil à Revolução de 1930.

Melhor recolocar Dilma Rousseff na presidência antes que as indústrias de São Paulo sejam totalmente destruídas em razão do recomeço da Guerra de 1932. Mas se aquela guerra recomeçar, direi apenas uma coisa quando as bombas provocarem a reurbanização indesejada dos bairros nobres da capital paulista: bem feito.

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

advogado em Osasco (SP)

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