Civil law e a atividade judicial como essencial à formação e evolução do Direito

12/07/2016 às 08:29

Resumo:


  • O sistema de direito Civil Law é influenciado pelo Direito Romano, baseado em códigos escritos e predomina na Europa Continental e em grande parte do mundo, incluindo toda a América Latina.

  • Caracteriza-se pela primazia da lei escrita como fonte de direito, com normas abstratas e gerais que são aplicadas a casos particulares pelos juízes e tribunais.

  • Embora os precedentes judiciais não sejam a principal fonte de direito no Civil Law, a jurisprudência ganha relevância na interpretação e aplicação das leis, especialmente com o reconhecimento de efeitos vinculantes em decisões de tribunais constitucionais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Civil Law. Origem. Conceito. Características. Função desempenhada pelos precedentes.

1 INTRODUÇÃO

A Civil Law, ou família de Direito romano-germânica, é um sistema de direito que fora profundamente influenciado pelo Direito Romano, nele encontrando a sua gênese e início de sua história.

Os direitos da família romano-germânica ligam-se ao Direito da antiga Roma, tendo a este dado continuidade, embora com ele não se confundam, haja vista que muitos de seus elementos provenham de fontes distintas desse Direito.[1]

Vigora na maior parte do mundo ocidental, recebendo maior destaque na Europa continental, sendo o sistema jurídico mais disseminado no mundo, do qual fazem parte os direitos de toda a América Latina (e aqui se encontra o Brasil), de toda a Europa continental, de quase toda a Ásia (exceto partes do Oriente Médio) e de cerca de metade da África.

A base de formação desse sistema jurídico se encontra assentada nas leis escritas em códigos, caracterizadas por serem abstratas e gerais. Significa dizer que é composto de normas que englobam de forma geral os casos particulares, de modo que um juiz ou tribunal, ao deparar um caso concreto, identifica a lei que melhor a ele se aplica. É, portanto, um sistema constituído por normas substantivas e gerais.

Ademais, por ser um sistema jurídico em que a regra legislada se afirmou como a principal fonte de normas, há nele a predominância do Direito positivado (lei), bem como uma tendência à codificação do Direito.

Desse modo, o que predomina na Civil Law é uma concepção racionalista Direito, segundo a qual a força do Direito decorre do desenvolvimento lógico de conceitos abstratos.

Com relação à atuação do operador do Direito, deve ser ela eminentemente técnica, conhecendo as normas integrantes do sistema e a doutrina que as interpreta, conquanto não deva também deixar de conhecer a jurisprudência. A tarefa dos tribunais, portanto, é de interpretação de fórmulas legislativas que devem ser concretizadas caso a caso (ao inverso dos países da Common law onde a técnica jurídica se caracteriza pelo processo das distinções).

Outro traço marcante da Civil law revela-se na análise do sistema a partir da Constituição, como norma fundamental do sistema, seguida da edição das outras normas infraconstitucionais. É nessa esteira de pensamento que posteriormente se irá conferir aos precedentes dos tribunais constitucionais eficácia normativa.

Por fim, impende registrar que os tribunais inferiores não estão vinculados às decisões dos demais juízes da mesma hierarquia, nem mesmo às próprias decisões, podendo mudar de orientação mesmo diante de casos semelhantes, já que o juiz deve julgar conforme a lei e a sua consciência, possuindo maior liberdade na aplicação da regra de direito.

 

CIVIL LAW

2.1 Origem

O sistema de Direito romano-germânico teve origem na Europa Ocidental, tendo se formado na Europa Continental, no século XIII, com o renascimento dos estudos de Direito romano nas universidades. Isso porque, com o renascer das cidades e do comércio, a sociedade toma consciência da importância do Direito na garantia da ordem, da segurança e do progresso, repudiando o apelo ao sobrenatural.

O Direito romano, portanto, será a base de todo o ensino do Direito em todas as universidades da Europa. As universidades debruçaram-se sobre o Corpus Iuris Civilis[2], tornando-o objeto de investigação.[3]

Nos séculos XVII e XVIII, triunfa nas universidades a Escola do Direito Natural, a qual manifestava a vontade de transformar em Direito positivo o Direito que se ensina nas universidades, elevando a importância da sistematização do Direito.[4]

Durante cinco séculos, o sistema vai ser dominado pela doutrina. Posteriormente, a doutrina preparará, junto à Escola do Direito Natural, as bases para o surgimento de um novo período, em que atualmente ainda nos encontramos, dominado pela codificação, que acabou eclodindo com Napoleão, na França (1804).[5]

Após a Revolução Francesa, a lei passou a ser considerada a única expressão da vontade geral, da Nação. Desde então, a atitude de positivismo legislativo, agravado pelo nacionalismo, acarretou a fragmentação do modelo romano em vários direitos nacionais codificados.

Esse movimento da codificação dos séculos XIX e XX fora, ao lado da colonização, elementar para a expansão do sistema de Direito romano-germânico na Europa e fora dela.[6]

Atualmente, o envelhecimento dos códigos (que se tornaram obsoletos diante da rápida evolução social e econômica da sociedade) atenuou essa influência do positivismo legislativo reinante no século XIX, uma vez que se reconhece, cada vez mais, a função primordial da doutrina e da jurisprudência na formação e evolução do Direito.[7]

2.2 Conceito

Civil Law, no sentido estrito da palavra, é o nome dado pelos autores ingleses e estadunidenses à família de Direito romano-germânica, para diferenciá-la do sistema da Common Law.

Na verdade, Civil law possui dois significados. O primeiro refere-se ao sistema de Direito prevalente na Europa e que é baseado em códigos escritos. Neste sentido, Civil law é contrastada com o sistema da Common law adotado na Inglaterra e nos Estados Unidos, que busca nos precedentes a solução para os casos concretos e não em códigos escritos. Já o segundo significado de Civil law se refere ao corpo de leis que regem as relações particulares entre os indivíduos, em contraposição às relações de Direito público (particular x Estado), isto é, Direito civil, em oposição ao Direito penal.

O uso mais comum do termo, entretanto, é para se referir ao sistema de Direito (romano-germânico) em que se estabeleceu a hegemonia da lei escrita como instrumento de criação e evolução do direito.

 

2.3 Características

Elaborando um quadro comparativo das características identificadas na Common Law e na Civil Law, Roland Sèroussi, enuncia como sendo as deste último: 1) a Constituição e as leis protegem o indivíduo; 2) Separação dos poderes, mas independência da justiça menos acentuada que no Common Law; 3) controle de constitucionalidade das leis exercido por um órgão independente e respeitado; 4) legislação superabundante (direito escrito proveniente das leis e regulamentos); 5) não há preponderância dos precedentes judiciários; 6) noções de direito abstratas; 7) freqüente formulações de regras jurídicas gerais; 8) acentuada separação das regras de fundamento e de processo.[8]

Já o doutrinador André Ramos Tavares aponta como principais características do sistema da Civil law: 1) partir de um pensamento abstrato para a solução do caso concreto; 2) adotar um sistema dedutivo, no qual são estabelecidas premissas e obtidas conclusões por processos lógicos; 3) primazia da lei como fonte do direito e 4) modelo codificado.[9]

Em síntese, o Civil Law tem como característica principal o Direito predeterminado pelas normas, que na maioria das vezes estão dispostas em códigos, ou seja, é um sistema jurídico constituído por normas substantivas e gerais.[10]

2.4  Função desempenhada pelos precedentes

É cediço o fato de que a principal fonte da Civil law é a lei, no entanto, em razão dos seus caracteres de generalidade e de abstração, atribuiu-se ao Judiciário, por meio da atividade interpretativa, a função de explicitar o significado final dos comandos abstratos veiculados nas normas.

Nesse sentido, Antônio Cícero de Oliveira Braz aponta:

O reconhecimento da primazia da lei no sistema de direito romano-germânico não exclui, portanto, a necessidade de sua interpretação, já que a lei deve ser interpretada, deixando o plano genérico e abstrato para incidir no mundo real. Aos operadores do direito é atribuída a árdua e relevante tarefa de descobrir o significado da lei, interpretando-a e adequandoa a cada situação concreta posta sob sua análise, sendo a legislação escrita uma aliada e não um obstáculo à atividade jurisprudencial[11]

Com o envelhecimento dos códigos, que já não mais acompanhavam a constante e crescente evolução da sociedade, os tribunais passaram, cada vez mais, a ser chamados para esclarecer e aprimorar o conteúdo das leis.[12]

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Em razão disso, os tribunais passaram a ter importante papel na elaboração de soluções para os casos não previstos em lei, adaptando os antigos diplomas legais às novas realidades sociais, a fim de empreender nova tarefa criativa.

Posteriormente, com a introdução, nos países do Civil law, das ideias de supremacia da Constituição e de controle judicial de constitucionalidade, oriundos do direito estadunidense, que influenciaram a Europa como um todo, passou-se a reconhecer efeitos impositivos à jurisprudência consolidada em determinadas matérias.

Desse modo, objetivando preservar a força normativa da Constituição e fazer valer o princípio da supremacia da Constituição, necessário se fez atribuir efeitos gerais e vinculantes às decisões sobre matéria constitucional nos ordenamentos romanos.

Ademais, o reconhecimento de efeitos impositivos à jurisprudência buscou ainda conferir uniformidade e credibilidade aos julgados, em face do grande volume de demandas no Judiciário, com o fito de aperfeiçoar a administração da Justiça.[13]

Não obstante no sistema do civil law a regra seja a não-normatividade dos precedentes (eficácia meramente persuasiva), certo é que há julgados com eficácia normativa (de observância obrigatória), uma vez que as decisões dos tribunais constitucionais costumam ser dotadas de eficácia impositiva.

Por outro lado, outro tipo de categoria muito comum nesse sistema são os precedentes com eficácia impositiva intermediária, haja vista que é ordinário o reconhecimento à jurisprudência dos tribunais superiores de maior força impositiva.[14]

 

3 CONCLUSÃO

Desta feita, embora a jurisprudência, no sistema do Civil law, seja, em regra, fonte secundária do Direito, certo é que a atividade jurisdicional possui atualmente uma função essencial e cada vez mais determinante na formação e evolução do Direito.

Portanto, partindo-se do fato de que a jurisprudência adquiriu considerável relevância no Direito brasileiro, nítida se entremostra a proximidade do Direito dos Estados Unidos ao brasileiro, mormente no tocante às súmulas vinculantes que recebera grande influência do sistema jurídico dali. Com elas, a jurisprudência deu um grande salto (registre-se que houve outros fatores, identificados a partir da vigência da Constituição de 1988, que contribuíram para essa evolução), sendo elevada a um patamar quase de igualdade àquele conferido à lei.


[1] DAVID, René. Op. cit. p. 25.

[2] Corpus Iuris Civilis, resultado de um trabalho de recopilação realizado pelo Imperador Justiniano, é um conjunto de livros que abrange as obras dos juristas clássicos (Digesto e Pandectas), a legislação imperial de seus antecessores (Codex), um manual de introdução (Institutas) e uma reunião póstuma da legislação promulgada pelo próprio Justiniano (Novellae). (MELLO, Patrícia Perrone Campos, Op. cit., p. 42.)

[3] MELLO, Patrícia Perrone Campos, Op. cit., p. 43.

[4] BUSATO, Paulo César. Op. cit. p. 7.

[5] DAVID, René. Op. cit., p. 27.

[6] Id. Ibid, p. 53.

[7] Id., p. 55.

[8] SÈROUSSI, Roland. Op. cit. p. 14-15.

[9] TAVARES, André Ramos. Perplexidades do novo instituto da súmula vinculante no direito brasileiro. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 11, jul.-ago.-set. 2007, p. 1-2. Disponível em: < http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-11-JULHO-2007-ANDRE%20RAMOS.pdf> Acesso em: 02 ago. 2010.

[10] FAIS, Juliana Marteli; SILVA, Leda Maria Messias da. Op. cit. p. 33.

[11] BRAZ, Antônio Cícero de Oliveira. Op. cit. p. 12.

[12] MELLO, Patrícia Perrone Campos, Op. cit., p. 49.

[13] Id. Ibid, p. 52.

[14] Id., p. 65.

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Sobre a autora
Larissa Colangelo Matos Vidal

Advogada. Especialização em Direito Tributário.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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