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Aplicação do caráter punitivo do dano moral nas relações de consumo

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3 Necessidade da aplicação do dano moral punitivo nas relações de consumo

Uma das maiores preocupações da doutrina e da jurisprudência quanto à aplicação do dano moral no ordenamento jurídico brasileiro é o arbitramento de indenizações desmedidas. O receio em atribuir valores desproporcionais propicia um conjunto de decisões que não cumprem todas as finalidades da responsabilidade civil. Tal fator é a principal razão da não utilização efetiva do dano moral punitivo no momento da fixação dos valores indenizatórios.

Somado a isso, há a ideia de que valores elevados podem fomentar uma indústria ou mercantilização do dano moral e consequentemente, a banalização do instituto. Argumenta-se, ainda, que valores não relacionados com o dano causado podem provocar o enriquecimento sem causa ou ilícito da vítima.

Por isso, ainda existe muita cautela na admissão de valores que, efetivamente, exerçam a finalidade punitiva. Sobre o enriquecimento ilícito, Carlos Roberto Gonçalves[30] explana:

A crítica que se tem feito à aplicação, entre nós, das punitive damages do direito norte-americano, é que elas podem conduzir ao arbitramento de indenizações milionárias, além de não encontrar amparo no sistema jurídico-constitucional da legalidade das penas, já mencionado. Ademais, pode fazer com que a reparação do dano moral tenha valor superior ao do próprio dano. Sendo assim, revertendo a indenização em proveito do lesado, este acabará experimentando um enriquecimento ilícito, com o qual não se compadece o nosso ordenamento. Se a vítima já estiver compensada com determinado valor, o que receber a mais, para que o ofensor seja punido, representará, sem dúvida, um enriquecimento ilícito.

Essa relutância pelo instituto, no entanto, é infundada. Isso porque no sistema jurídico brasileiro, uma mesma decisão pode ser revista mais de uma vez, impedindo que valores que extrapolem o bom senso sejam fixados. E mais, desde que resultado de uma decisão judicial motivada, não se pode falar em enriquecimento sem causa do lesado, pois este foi vítima de um dano.

Outrossim, na prática, todas as decisões estão embasadas nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, salvo raras exceções. Na maioria dos julgados, argumenta-se a imprescindibilidade da moderação e do equilíbrio na fixação do valor indenizatório. É certo que tais critérios são indispensáveis na quantificação do dano moral e em alguns casos são os balizadores de valores exorbitantes e desnecessários.

Contudo, no campo do direito do consumidor, é preciso avaliar também, no caso concreto, o poderio econômico da empresa responsável pelo dano. No caso das grandes empresas, o valor da indenização punitiva deve ser elevado, sob o risco de não evitar a reiteração do fato. Do mesmo modo, uma empresa com insuficiência financeira não pode ser condenada a valores excessivos, o que poderia provocar a sua falência.

De fato, verifica-se que apesar de fundamentar as decisões com a necessidade de punir o responsável pelo dano, os julgadores não fixam montantes suficientes para exercer os objetivos da função punitiva. De modo contrário, tais quantias intensificam as práticas abusivas por proporcionar a noção de impunidade.

Nas relações de consumo, esse fato é mais perceptível. As grandes empresas preferem manter as práticas lesivas ao consumidor, pois é mais vantajoso pagar indenizações insignificantes diante do lucro obtido do que investir em melhorias na qualidade dos seus produtos e serviços. Dessa forma, o consumidor continua sendo desrespeitado e, consequentemente, continua a demandar juridicamente para concretizar os seus direitos e garantias.

O foco, então, deve estar primeiramente na eliminação do lucro indevido pelas empresas gerado às custas de danos causados ao consumidor. Aquele que provocou danos não pode ficar impune, vez que “seria escandaloso que alguém causasse mal a outrem e não sofresse nenhum tipo de sanção; não pagasse pelo dano inferido”[31]. Daí a importância em se estabelecer uma soma que seja capaz de frear o comportamento repetitivo dos agentes lesantes.

Nesse contexto, o meio de paralisar esse constante desrespeito aos consumidores é a atuação mais rigorosa do Judiciário brasileiro, através da imposição de indenizações de caráter punitivo a comportamentos reprováveis, de modo a promover um imperativo ético de não lesionar. A consciência de que condutas danosas semelhantes irão ser efetivamente reprimidas terá como consequência o aperfeiçoamento no fornecimento de produtos e na prestação de serviços.

O propósito fundamental da adequação do caráter punitivo do dano moral nas relações de consumo é, portanto, a busca do equilíbrio no mercado de consumo. Sem o sentimento de superioridade, as empresas terão mais cautela no cumprimento de medidas preventivas que possam garantir o aprimoramento de suas atividades e, consequentemente, evitar qualquer dano ao consumidor.


Notas

[1] CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.44.

[2] SANTANA, Héctor Valverde. Dano moral no Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Trinunais, 2009.P. 190

[3] MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. P. 331

[4] Sílvio Rodrigues apud VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 318

[5] FARIAS JÚNIOR, Adolpho Paiva. Reparação Civil do Dano Moral. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003. P. 72.

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[6] SANTANA, Héctor Valverde. Dano moral no Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Trinunais, 2009. Pgs. 197-198

[7] MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. P.332-333

[8] THEODORO JUNIOR, Humberto. Dano moral. 4. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p. 33.

[9] REIS, Clayton. Os Novos Rumos da Indenização do Dano Moral. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003.p. 215

[10] REIS, Clayton. Avaliação do Dano Moral. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002.p. 90.

[11] MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana uma leitura Civil-Constitucional dos Danos Morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. P. 304-305;332-333.

[12] ibid. p. 263.

[13] NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações: Fundamento do direito das obrigações. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 439-440.

[14] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 7: responsabilidade civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 106.

[15] ANDRADE, André Gustavo de. DANO MORAL E INDENIZAÇÃO PUNITIVA. Dissertação (Mestrado em Direito). Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro.  P. 142-144

[16] MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. P. 236

[17] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 4: responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. E-Book. ISBN 978-85-914076-0-6. Ver Item 17.2, do Livro II.

[18] ANDRADE, André Gustavo de. DANO MORAL E INDENIZAÇÃO PUNITIVA. Dissertação (Mestrado em Direito). Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro. p. 43

[19] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2012, P. 32

[20] Ibid. p. 39

[21] Ibid. p. 39

[22] Ibid. p. 39

[23] Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.152.541 / RS, Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, Data de Julgamento: 13/09/2011.

[24] ANDRADE, André Gustavo de. DANO MORAL E INDENIZAÇÃO PUNITIVA. Dissertação (Mestrado em Direito). Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro. P.221.

[25] Apelação Cível Nº 0314893-0, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça de Pernambuco, Relatora: Virgínia Gondim Dantas Rodrigues, Julgado em 13/09/2013.

[26] Apelação Cível nº 20130110706008, 1ª Turma Cível, Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, Relator: ALFEU MACHADO, Data de Julgamento: 30/07/2014

[27] Apelação Cível n. 2007.060753-7, Quarta Câmara de Direito Civil, Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Relator: Victor Ferreira, Data de Julgamento: 22/01/2009.

[28] Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp: 467193 RJ 2014/0016316-6, Relator: Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, Data de Julgamento: 18/03/2014. Data de Publicação: DJe 28/03/2014

[29] Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp 85052 SP 2011/0203622-6. Relator: Ministro Raul Araújo. Quarta Turma. Data de Julgamento: 28/02/2012.

[30] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 4: responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo : Saraiva, 2012. E-Book. ISBN 978-85-914076-0-6. Ver Item 17.2, do Livro II.

[31] SANTOS, Antônio Jeová. Dano moral indenizável, 2ª ed., São Paulo, LEJUS, 1999, p. 56.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Rhayra Ribeiro Carvalho. Aplicação do caráter punitivo do dano moral nas relações de consumo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4767, 20 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50654. Acesso em: 19 abr. 2024.

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