A necessária implementação de dispositivos garantidores da segurança viária no trânsito brasileiro para proteção da cidadania.

Apreciações iniciais

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22/07/2016 às 11:34

Resumo:


  • A acidentalidade no trânsito é uma problemática global que gera custos sociais significativos, sendo responsável por milhões de mortes anualmente.

  • No Brasil, a acidentalidade no trânsito é um desafio constante, com uma média histórica de mais de 36 mil mortes por ano e custos financeiros anuais de bilhões de reais.

  • A segurança viária foi elevada a direito fundamental pela Emenda Constitucional nº 82/2014, exigindo políticas públicas eficazes para enfrentar a problemática da acidentalidade no trânsito.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. ACIDENTALIDADE ENVOLVENDO USUÁRIOS COM CAPACIDADE PSICOMOTORA ALTERADA: POLÍTICAS PÚBLICAS DE ENFRENTAMENTO A ESSA PROBLEMÁTICA.

Os acidentes envolvendo usuários com a capacidade psicomotora alterada (conforme a redação da lei em vigor - Lei federal nº 12.760/2012) têm significativa participação nos índices da acidentalidade no trânsito brasileiro.

As alterações fisiológicas provocadas pelo álcool aumentam sensivelmente os riscos de acidentes, tanto para os motoristas em geral quanto para os pedestres; a combinação dos atos de beber e dirigir é apontada com frequência como um dos graves e determinantes fatores relacionados à acidentalidade no trânsito em países em que os veículos motorizados são amplamente utilizados.

Dados de estudo que avaliou a presença de álcool ou outras substâncias psicoativas no organismo de usuários da via pública envolvidos em acidentes fatais no trânsito, na microrregião do centro do estado do Rio Grande do Sul, verificou uma média de 42,86% dos casos com resultado positivo para a constatação dessas substâncias:

Acidentes de trânsito com resultado morte – todas as vias públicas no município de Santa Maria, RS.

ano

Quantidade de acidentes fatais

Acidentes fatais - presença alcoolemia /outras subst. Psicoativas

Quantidade de mortos

Quantidade de pessoas onde constatou-se alcoolemia / outras subst. psicoativas

2010

48

28

52

32

2011

47

16

48

18

2012

33

13

39

16

2013

28

14

33

14

2014

46

15

47

16

Fonte: SANTOS, 2014

O Relatório de Status Global Sobre Segurança Rodoviária 2015, da Organização Mundial de Saúde, aponta que apenas 95 países têm quaisquer dados sobre a proporção de mortes no trânsito atribuíveis ao álcool, que variam de menos de 1 % das mortes na Costa Rica e Omã, até 58% na África do Sul. Em alguns países, estes dados podem estar disponíveis a partir de relatórios de erros da polícia. Em outros países, todos os motoristas que estão envolvidos em um acidente fatal são rotineiramente testados para o álcool. Embora considerada uma boa prática , isso acontece em apenas 53 países.

O grande problema a ser solucionado no âmbito da teoria política e jurídica moderna desde sempre é como dominar a natureza humana para que ela não se apresente mais de forma ameaçadora à sua espécie, surgindo então o direito como instrumento regulatório desta mesma natureza (LEAL, 2010). Nesse seguimento, a Emenda Constitucional nº 82/2014 explicitou positivamente a segurança viária como direito fundamental da pessoa humana, inferindo ao “trânsito seguro” um significar mais profundamente albergado na proteção estatal, do que ocorrera até então. Nessa acepção, cumpre afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes, na consciência geral – particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional -, não só a vontade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung). Essa vontade de Constituição tem três vertentes: baseia-se na compreensão da necessidade e do valor de uma ordem jurídica inquebrantável que proteja o Estado contra os arbítrios; de que essa ordem constituída é mais que uma ordem legitimada pelos fatos e, portanto, necessita de constante processo de legitimação; e de que essa ordem torna-se eficaz com o concurso da vontade humana, isto é, adquire e mantém vigência por meio de atos de vontade (Hesse,1991). Nessa direção, sob a ótica do constitucionalismo contemporâneo – consoante a recente explicitação da fundamentalidade da segurança viária - impõe-se a necessidade de significativas implementações no tratamento dispensado à questão da acidentalidade no trânsito, ensejando a necessária formatação de políticas públicas voltadas a essa problemática.

Assim, no campo doméstico, o legislador vem atuando na formatação de normas balizadoras de condutas consideradas ilícitas e que daí possam resultar em acidentes de trânsito, adequando, frequentemente, a Norma à realidade social brasileira. A redação original da “lei seca” - art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro - que data do ano de 1997, sofreu modificações nos anos de 2008, 2012 e 2014. Da mesma forma a Administração Pública, mais pontualmente o Departamento Nacional de Trânsito, tem construído medidas normativas nesse sentido. O Conselho Nacional de Trânsito editou resolução que trata da habilitação profissional para condução de veículos automotores. Com vistas à necessidade de verificação de indícios de consumo de substâncias psicoativas, passou a exigir dos motoristas, a partir de janeiro de 2016, para a renovação ou adição de categoria à Carteira Nacional de Habilitação (nas categorias C, D e E, necessárias aos motoristas profissionais) exame toxicológico de larga janela de detecção de consumo de substâncias psicoativas, com análise retrospectiva mínima de 90 dias (RESOLUÇÃO CONTRAN Nº 517). Isso significa que todo aquele motorista que deseja obter ou renovar sua Carteira Nacional de Habilitação, especificamente nas categorias profissionais (C, D e E) deverá realizar exame toxicológico do tipo “de larga janela de detecção” o qual tem o condão de revelar se houve uso de substâncias psicoativas, lícitas ou ilícitas. Os exames deverão testar, no mínimo, a presença das seguintes substâncias: maconha e derivados, cocaína e derivados incluindo crack e merla, opiáceos incluindo codeína, morfina e heroína; "ecstasy" (MDMA e MDA), anfetamina e metanfetamina e, ainda, apresentar resultados negativos para um período mínimo de 90 (noventa) dias, retroativos à data da coleta (RESOLUÇÃO CONTRAN Nº 517).

Entretanto, quanto à questão do consumo específico de álcool, que é responsável pela grande maioria das tipificações previstas no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro – conduzir veículo automotor com a capacidade psicomotora alterada - não se verifica a existência de normatizações onde se estabeleça a necessidade de uma participação ativa do usuário, no sentido do controle de sua própria condição orgânica para o ato de dirigir um veículo. A conduta do motorista se resume em se submeter à fiscalização estatal, quando esta se fizer presente na via pública.

Àqueles motoristas desejosos em habilitarem-se para conduzir veículos das categorias profissionais (C, D e E), a Administração Pública normatizou a necessidade de uma conduta ativa no sentido de se realizar exame toxicológico periódico (Resolução CONTRAN nº 517). Entretanto, essa norma não abrange os demais motoristas - aqueles habilitados para a condução de motocicletas e “carros de passeio” - e, ainda, quanto à questão do consumo de álcool, como afirmado, não se verifica a existência de regulamentações determinantes de uma participação mais voluntária do condutor. Nesse sentido, políticas públicas voltadas para a regulamentação da necessidade de o usuário da via pública, que seja possuidor de Carteira Nacional de Habilitação, comparecer, de modo periódico e permanente, a órgão de trânsito e realizar teste de etilômetro ou similar – indispensável à verificação da presença de álcool no organismo - de modo a comprovar seu estado orgânico para a condução de veículo automotor, se fazem necessárias como ferramental auxiliar no trato à acidentalidade no trânsito.

O termo “direitos fundamentais” se aplica àqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado. Ainda, o princípio da dignidade da pessoa humana se constitui em reduto intangível de cada indivíduo, se traduzindo em barreira contra quaisquer ingerências externas (SARLET, 2008). Numa democracia, o amor pela república é o amor pela democracia e o amor pela democracia é o amor pela igualdade (MONTESQUIEU, 1973). Nesse diapasão, o que traz a vestimenta especialíssima da fundamentalidade a determinado postulado é nele se estabelecer uma validez moral e, ainda, se fixar no direito constitucional positivo do Estado. Entretanto, o exercício desse direito fundamental não se perfaz nem se reduz tão somente à esfera relacional vertical, ou seja, na relação entre cidadão e Estado. Há que se observar, também, a condição eficacial de tal direito na esfera da horizontalidade, isto é, no convívio relacional entre os diversos componentes do tecido social.

Em seguimento, no âmbito do Estado social de Direito, a sociedade participa cada vez mais ativamente do exercício do poder, de tal modo que a liberdade individual necessita de proteção contra os poderes públicos, mas ainda e também contra os mais fortes no âmbito social. O Estado, além de respeitar, deve, também, promover e zelar pelo seu respeito mediante uma postura ativa, sendo, portanto, devedor de uma proteção global dos direitos fundamentais. Com isso, é presente a necessidade de se protegerem os particulares também contra atos atentatórios aos direitos fundamentais, provindos de outros indivíduos (SARLET, 2008).

No sentido de resgate da cidadania, esta tida pela estrita ótica do traçar os próprios rumos político-sociais, naquele diapasão aduzido por Habermas (2012) onde o indivíduo é o destinatário final da Norma traçada, em última análise, por ele próprio, e em um olhar ainda mais estreito, conforme Santos (2011), onde a técnica só tem sentido quando é vista em conjunto com seu uso, a implementação de norma regulamentadora que estabeleça uma participação ativa do cidadão-motorista no sentido de realizar, “voluntariamente” e de forma periódica, exame de alcoolemia na intenção de informar à Administração Pública e, em síntese, a todo o corpo social, que está apto a conduzir veículo automotor na via pública.

A formatação de um modelo de conduta individual nessa direção, pela via administrativa, encontra guarida no discurso de Leal (2011, p. 15) quando aponta para o surgimento de uma “matriz estatal de conformação dos interesses públicos e privados, com a presença mais marcante e, por vezes, interventiva, das instituições públicas à proteção de interesses e bens que são indisponíveis por pertencerem ao sujeito coletivo”, isto é, a comunidade, surgindo, então a figura do Estado Social Administrativo, o que se apresenta de forma cada vez mais emergente, em face até das demandas coletivas que vão explodindo com mais frequência e intensidade. Em síntese, a Emenda Constitucional nº 82/2014, em seu campo finalístico - a segurança viária - se traduz, consoante Leal (2006, p.13), na estrita ótica do trânsito, na promessa civilizada da Razão Moderna de inclusão igualitária de cidadãos e desta em uma outra “compreensão do fenômeno político e governamental dirigido à inclusão dos destinatários das ações do Estado e à sociabilidade mais igualitária no processo de tomada de decisões.”

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O sistema de ação fiscalizatória estatal, quando aplicado ao trânsito, se perfaz em determinado efeito momentâneo e pontual, surtindo eficácia no momento de sua aplicação e em proporção direta aos esforços públicos empreendidos. O trabalho do Estado, nesse sentido, tem uma eficiência limitada e que só consegue reverter os patamares atingidos – quanto à questão da acidentalidade - quando em momentos de forte promoção de trabalhos inerentes à fiscalização inibitória de condutas de risco. Assim, a construção de outras ferramentas auxiliares ao trato da problemática da acidentalidade no trânsito se torna necessária. A exemplo, a produção de instrumental que detenha condição de tornar latente no cidadão motorista a nocividade social do ato de conduzir veículo automotor com a capacidade psicomotora alterada. Nesse sentido, a normatização – a exemplo da Resolução CONTRAN 517/2015, que regulamentou a necessidade do exame toxicológico aos candidatos e/ou motoristas profissionais – de conduta periódica e permanente onde o cidadão motorista efetive sua participação em testes de etilometria ou similares, de forma “voluntária” com certa periodicidade (quadrimensal, semestral, etc.). Tal assertiva vai na direção do entendimento habermasiano onde os destinatários das leis devem ser entendidos ainda como seus autores, em uma dimensão política de uma sociedade que atua sobre si mesma. Nesse mesmo alinhavar, Leal (2011) ao inferir que o marco normativo-constitucional que inaugura os tempos hodiernos, evidencia um parâmetro de concepção e ação estatal e social em direção a caminhos civilizatórios e de emancipação previamente demarcados, ao menos em suas linhas gerais, onde esses caminhos são vistos como que formatados por uma matriz publicístico-democrática, focada na gestão de demandas e conflitos de prestações sociais, notadamente com políticas públicas com ampla participação da cidadania.

Nessa direção, visto o Homem existir enquanto Ser social, onde o ideário - inverso da solidão - são as relações interpessoais no contexto da coletividade, a moralidade – que trata da validez moral do discurso posto - pode ser sintetizada na sua justificação racional perante o outro. Essa validez moral reside na internalização do discurso como forma de aceitação interna e voluntária, no sentido de um agir exterior, a partir daquele mesmo discurso, de tal forma que, mesmo sem a presença/ameaça de quaisquer fatores recompensatórios ou sancionadores, a ação seja executada conforme. A partir da internalização da consciência da validez moral do discurso posto, o indivíduo passa a agir conforme o estabelecido na regra, independentemente de quaisquer perspectivas sancionatórias e/ou recompensatórias. Nesse sentir, a boa conduta individual visa ao bem comum. O Homem, conquanto Ser social vivente em determinada coletividade, passa a agir conforme aquela moralidade por íntima, livre e espontânea vontade.

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Sobre o autor
Jorge Amaral dos Santos

Policial Rodoviário Federal. Especialista em Direito Público. Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal. Mestre em Direito, políticas públicas de inclusão social pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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