Em quase três décadas de exercício profissional, nunca me deparei com situações como as que inúmeros clientes estão vivendo. Na data de hoje, atendi uma cliente e quase não consegui conter minha revolta e indignação.
Um senhora de cerca de 50 anos, funcionária pública, tem um salário de mais ou menos R$ 6 mil reais. Nada mal, considerando a realidade brasileira, correto? Ocorre que, após o pagamento de seus empréstimos, a quantia que lhe sobra é de pouco mais de R$ 300,00. Isso mesmo, trezentos parcos reais. Que vão totalmente embora após o pagamento da farmácia, para pagamento de antidepressivos e remédios cardíacos.
Já na folha de pagamento, cerca de 40 por cento deste valor são corroídos a título de empréstimos consignados. O que já seria um absurdo torna-se ainda mais grave pelo fato de outros bancos emprestarem dinheiro por meio do débito em conta. Assim, após a mordida de mais dois ou três bancos, a pessoa tem seus rendimentos devorados, quase que em sua totalidade.
Há bancos que aproveitam o fato de gerenciarem os créditos dos salários dos devedores diretamente nas contas-correntes e fazem a festa, criando, assim, uma forma segura de confiscar valores. Sem qualquer chance de defesa, já que as pessoas são obrigadas a receber por esses bancos, por força de estranhos convênios de exclusividade. Tudo muito estranho.
Fato é que tal prática é totalmente abusiva e ilegal. Além disso, sob o ponto de vista da economia, cabe a pergunta: é bom para o Brasil o estímulo ao endividamento excessivo dos seus cidadãos, prejudicando de forma exacerbada a capacidade de poupar e, pior do que isso, sugando recursos financeiros cruciais à manutenção da própria vida?
Acompanhem comigo: qual é o principal documento que o candidato a um empréstimo em um banco deve apresentar? Não seria o comprovante de rendimentos?
Pois bem, nesse comprovante de rendimentos, constam os empréstimos anteriores, principalmente os consignados em folhas de pagamento. Assim, o banco nunca poderia emprestar para alguém que já comprometeu 30, 40 por cento de seu salário. Mas empresta, já que tem o salário da pessoa como Refém! Isso mesmo, Refém!
Muitos dirão: mas, por que as pessoas tiram empréstimos, já que não podem pagar?
A resposta não é simples nem direta. Todavia, do ponto de vista de quem trabalha com isso há quase 24 anos, seja de dentro do sistema financeiro, seja defendendo devedores, como advogado, posso dizer que são raros os casos de abuso, de pessoas que se endividam para comprar futilidades.
O caminho que leva alguém a esse escuro mundo das dívidas em excesso é muito duro e ninguém adentra por ele sem necessidade. Esse caminho é comparado pelos que por ele passam a uma doença, ou até mesmo, em casos extremos, à própria morte.
A boa notícia é que essa imoralidade tem cura! A justiça tem dado ganho de causa aos devedores, determinando que as dívidas sejam limitadas, no total, aos 30 por cento dos vencimentos, tirando muitas pessoas da iminente miséria, da falta de recursos básicos para viver. Mais do que um alento, é a chance de muitas pessoas de começarem de novo suas vidas.
Dever não é um crime. E se não é, não se pode punir quem passa por essa tristeza com a pena de morte, seja física, seja moral, seja da própria família. O mais importante é a certeza de que há vida após as dívidas. Ainda que, neste momento, não se consiga ver isso!