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A tributação como mecanismo de defesa e proteção do meio ambiente: o caso do ICMS ecológico

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27/08/2016 às 11:23
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4 O ICMS ecológico e a sua função na defesa e proteção do meio ambiente

 A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 155, inciso II, atribuiu aos Estados e ao Distrito Federal a competência para instituir o ICMS, imposto incidente sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicações. (ALEXANDRE, 2012, p. 573).

Segundo Hugo de Brito Machado (2008, p. 261, grifo nosso):

O ICMS é tributo de função predominantemente fiscal. É fonte de Receita bastante expressiva para os Estados e o Distrito Federal. [...] A Constituição Federal de 1988 estabeleceu que o ICMS poderá ser seletivo em função da essencialidade das mercadorias e serviços (art. 155, §2º, inciso III), facultando, assim, o seu uso com função extrafiscal

 Desse modo, apesar do ICMS ser um tributo de caráter eminentemente fiscal, a Constituição Federal possibilitou a sua utilização para finalidades outras além da mera arrecadação financeira, surgindo, aí, a possibilidade do ICMS ser usado como instrumento de defesa e proteção do meio ambiente, através do sistema de repartição de receitas tributárias, como se explicará a seguir.

O Texto Magno previu no artigo 158, inciso IV, que pertencem aos municípios 25% (vinte e cinco por cento) do produto da arrecadação do ICMS. Além disso, assevera em seu parágrafo único, inciso II, que da receita pertencente aos municípios, ¼ desse total será repassado aos municípios de acordo com o que dispuser lei estadual. Assim, com o advento de tal legislação, o Estado terá o poder de legislar sobre ¼ da arrecadação do ICMS, podendo atribuir a essa parcela medidas compensatórias de proteção ao meio ambiente.

Sobre este assunto José Erinaldo Dantas Filho (2009, p. 166) elucida que: 

É no permissivo constitucional estabelecido no incido II, do § ún do art. 158, que reside o robusto alicerce jurídico do incentivo fiscal denominado “ICMS ecológico”, pois basta tão somente que cada Estado da Federação condicione a transferência dos 25% restantes a municípios que adotem práticas de preservação ambiental e de melhoria da qualidade de vida de sua população.

Assim, resta claro que o ICMS Ecológico não se trata de nova modalidade de tributo ou de forma de arrecadação do ICMS, mas sim, de um incentivo fiscal, de caráter preventivo, que “premia” as Administrações Municipais que tenham políticas e ações que visem à preservação do meio ambiente. Esse modelo já tem sido adotado com sucesso em 11 Estados da federação brasileira: Paraná (1991), São Paulo (1993), Minas Gerais (1995), Rondônia (1996), Amapá (1996), Rio Grande do Sul (1998), Mato Grosso (2001), Mato Grosso do Sul (2001), Pernambuco (2001), Tocantins (2002) e Ceará (2008). No Ceará e em Pernambuco utiliza-se a nomenclatura “ICMS Sócio-Ambiental” em lugar de ICMS Ecológico.  (DANTAS FILHO, 2009, p. 164).

A instituição do ICMS Ecológico não demanda grandes dificuldades, como visto, decorrendo apenas da vontade política, materializada na criação de lei estadual que preveja a transferência dos 25% (vinte e cinco por cento) da receita restante a municípios que adotem práticas de preservação ambiental e de melhoria da qualidade de vida da sua população. Fernando Facury Scaff e Lise Vieira da Costa Tupiassu (2005, p. 735 apud REIS, 2011, p.77) conceituam o referido imposto da seguinte forma: 

A política do ICMS Ecológico representa uma clara intervenção positiva do Estado, como um fator de regulação não coercitiva, através da utilização de uma forma de subsídio, tal como um incentivo fiscal intergovernamental. Tal incentivo representa um forte instrumento econômico extrafiscal com vista à consecução de uma finalidade constitucional de preservação, promovendo justiça fiscal, e influenciando na ação voluntária dos municípios que buscam um aumento de receita, na busca de uma melhor qualidade de vida para suas populações. 

Conforme visto, o ICMS Ecológico representa uma clara intervenção positiva do Estado na economia, tendo, ainda, o caráter de sanção premial, pois a partir da concessão de benefícios, estímulos e até de compensação financeira, o Estado proporcionará uma retribuição aos municípios que contribuíram para a preservação das áreas verdes do seu território. (REIS, 2011, p. 77 e 78). Em certos casos, o ICMS Ecológico indeniza aqueles que possuem áreas de preservação que não podem ser objeto de exploração empresarial, bem como busca evitar que as administrações municipais ocasionem prejuízos às gerações futuras, na busca pelo desenvolvimento econômico. (DANTAS FILHO, 2009, p. 167).

Ademais, o incentivo ora em estudo, também tem o condão de corrigir as distorções ocorridas na repartição dos tributos arrecadados, fazendo com que os municípios que possuem grande parte do seu território tomado por florestas obtenham uma maior parcela de distribuição do ICMS, a partir da conservação do meio ambiente. (REIS, 2011, p. 77). 

O ICMS Ecológico, portanto, tem se mostrado um instrumento eficaz de incentivo à defesa e proteção ao meio ambiente, ao estimular que municípios brasileiros passem a criar unidades de conservação, ou que aqueles que já as possuem invistam na sua manutenção, de modo a, assim, contribuir com a preservação da vida no planeta.

Como uma forma de exemplificar a eficácia de tal incentivo, temos que o ICMS Ecológico foi reconhecido por diversas entidades e organismos como instrumento de incentivo à conservação da biodiversidade, tendo, inclusive, recebido premiação internacional. Em 1995, foi considerado pela União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais – IUCN, uma das sete experiências exitosas, para a conservação do meio ambiente, na América Latina e no Caribe, pós “Rio-92”.

Em 1996, foi considerado pela Fundação Getúlio Vargas, uma das cem experiências mais importantes em Administração Pública no Brasil. No mesmo ano, foi considerada pelo Ministério do Meio Ambiente, uma das cem experiências exitosas em gestão ambiental para o desenvolvimento sustentável, na “Rio+5”. E em 1997, o ICMS Ecológico ganhou o prêmio Henry Ford de Conservação Ambiental, na categoria “Negócios em Conservação”, organizado pela Conservação Internacional do Brasil – CI, com apoio da Ford do Brasil Ltda.

Como exemplo prático, temos o caso de São Miguel Arcanjo, no interior de São Paulo. O município possui cerca de 20% do seu território ocupado por Unidades de Conservação e de 2006 a 2010 recebeu cerca de R$ 2 milhões a título de ICMS Ecológico. Esses recursos vêm sendo utilizados em ações de educação ambiental, na construção de novos pontos de coleta de lixo na zona rural, bem como na coleta seletiva da zona urbana, segundo dados coletados no site www.icmsecológico.org.br.

Não restam dúvidas de que o ICMS Ecológico tem sido um instrumento importantíssimo na luta pela preservação do meio ambiente, e, consequentemente, por uma melhor qualidade de vida a todos, tendo reflexos nacionais e até internacionais. Contudo, acredita-se que ele poderia ser ainda melhor utilizado para esta tarefa, conforme entendimento de José Erinaldo Dantas Filho (2009, p. 172): 

Outrossim, sem qualquer crítica a esta louvável iniciativa governamental, pensamos que o ICMS, o próprio imposto, e não apenas o produto de sua arrecadação, poderia ser importante instrumento para-fiscal de estímulo a proteção ambiental, bem como de combate a poluição. Entendemos que o imposto poderia se utilizar de créditos presumidos, descontos, ou até mesmo alíquotas mais gravosas para os contribuintes que poluem o meio ambiente, bem como alíquotas menores para aqueles que respeitam as normas ambientais. Tributar aqueles contribuintes que se estabeleçam próximos a locais de preservação ecológica, no máximo permitido em lei, e alíquotas mais benéficas para os seus concorrentes que se localizam em regiões onde o dano ambiental é o menor possível, seria um exemplo da utilização do ICMS para preservar o meio ambiente. Mais efetivo do que premiar apenas os municípios de que tenham uma politica ambiental efetiva, seria, também, afetar diretamente os agentes das condutas poluidoras, proporcionando diferentes cargas tributárias para contribuintes que sejam menos nocivos ao meio ambiente. 

 Assim, podemos concluir que o ICMS Ecológico contribui de forma incontestável para a preservação das reservas naturais, tal como ele se apresenta atualmente. A sua utilização, a partir da repartição de receitas tributárias, na forma de incentivo fiscal, tem surtido muitos efeitos positivos no meio ambiente pátrio. Contudo, seguimos o entendimento do Professor Erinaldo Dantas, de que, além da sua utilização como incentivo fiscal, conforme apresentado, o imposto em si poderia ser utilizado, tributando de forma mais gravosa aqueles que poluem o meio ambiente, e aplicando alíquotas menores para aqueles que respeitem as normas de proteção ambiental, por exemplo.

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De todo modo, o referido imposto, antes utilizado somente como um meio de arrecadação de dinheiro, pode e tem sido um importante instrumento de política fiscal, utilizado na defesa e construção de um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, conforme preconizado no Texto Constitucional.


5 Conclusão

A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 225 e 170 demonstra a preocupação do constituinte acerca da necessidade de proteção do meio ambiente. No artigo 225, ela reconheceu no direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado um direito fundamental da pessoa humana, e impôs ao poder público e à coletividade o dever de proteger e defendê-lo para as presentes e futuras gerações. No artigo 170, por sua vez, ela trata de alguns princípios que devem nortear o exercício de toda atividade econômica, e dentre eles está a tutela do meio ambiente. 

Assim, observa-se que o Estado desempenha um papel de grande importância nessa luta, pois através da sua intervenção na economia ele tem meios de determinar que no desempenho das atividades econômicas, o ecossistema deve ser respeitado, primordialmente.  

Para o exercício desse papel surgiu a possibilidade da utilização dos tributos de forma preventiva, através da extrafiscalidade, como um mecanismo capaz de incentivar condutas ambientalmente desejáveis e de desestimular aquelas que forem nocivas à preservação das espécies.

Quanto às espécies tributárias, há alguns tributos que já vem sendo utilizados como instrumentos de tributação ambiental e apresentando resultados positivos, como é o caso do IPI, IPVA, ITR, IPTU e do ICMS Ecológico.   

O nosso trabalho teve como foco principal a abordagem e estudo do ICMS Ecológico. O ICMS, imposto que antes dificultava o desenvolvimento, passou a ser utilizado como um grande aliado dos municípios, na busca por um meio ambiente equilibrado e sustentável.

Ao “premiar” as Administrações Públicas Municipais que adotam políticas e ações voltadas para a preservação dos ecossistemas, o ICMS Ecológico estimula que estas continuem investindo na manutenção das suas unidades de conservação, bem como àqueles municípios que ainda não as possuem, que adotem tais políticas e criem unidades de conservação para fazerem jus ao recebimento dos recursos provenientes do incentivo fiscal chamado ICMS Ecológico, e reinvesti-los na educação ambiental e na preservação do meio ambiente de seus territórios, o que, com certeza, vai trazer inúmeros benefícios em termos de melhoria da qualidade de vida da sua população. 

Assim, podemos concluir que a tributação ambiental é um importante mecanismo de preservação ambiental, na medida em que pode vir a conscientizar a população das condutas ecologicamente corretas sem a necessidade de imposição de penas ou multas aos contribuintes. 


REFERÊNCIAS

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 6. ed. São Paulo: Gen/Método, 2012.

BADR, Fernanda Matos. Tributação e a proteção e preservação do meio ambiente. In. MAIA, Alexandre Aguiar (Coordenação). Tributação ambiental. Fortaleza: Tiprogresso, 2009, págs. 131 a 152.

BELCHIOR, Germana Parente Neiva. A Ecologização da Constituição Federal de 1988. In. MAIA, Alexandre Aguiar (Coordenação). Tributação ambiental. Fortaleza: Tiprogresso, 2009, pág. 26 a 51.

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2014. 

______. Supremo Tribunal Federal. MS 22164/SP. Relator Ministro Celso de Mello. Diário de Justiça, 30 out. 1995.

CEARÁ. Constituição do Estado do Ceará. Disponível em < http://www.ceara.gov.br/simbolos-oficiais/constituicao-do-estado-do-ceara >. Acesso em 20 de junho de 2016.

DANTAS FILHO, José Erinaldo. ICMS Ecológico. In. MAIA, Alexandre Aguiar (Coordenação). Tributação ambiental. Fortaleza: Tiprogresso, 2009, págs. 163 a 174.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1988.

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MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

MEIRELLES, HELY LOPES. Direito administrativo brasileiro. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco. Doutrina, jurisprudência, glossário. 5. ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2007. 

MODÉ, Fernando Magalhães. Tributação ambiental - A função do tributo na proteção do meio ambiente. Curitiba: Juruá, 2003.

REIS, Marcelo dos. ICMS ecológico como instrumento de proteção ambiental. 146 páginas. Dissertação – Universidade de Marília, Marília, 2011. Disponível em <http://www.unimar.br/pos/trabalhos/ arquivos/ A095EB F94AC7513 D8D34417014D1E1EE.pdf. >. Acesso em 20 de junho de 2016.

SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. 

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORTEZ, Larissa Chagas. A tributação como mecanismo de defesa e proteção do meio ambiente: o caso do ICMS ecológico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4805, 27 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51370. Acesso em: 24 nov. 2024.

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