O reconhecimento jurídico da fertilização in vitro post mortem e os seus efeitos sucessórios

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A presente pesquisa busca analisar a extensa lacuna no ordenamento jurídico brasileiro, pois não há regulamentação legal que aborde o instituto de práticas de fertilização in vitro após a morte de seu genitor.

RESUMO

A presente pesquisa busca analisar a extensa lacuna no ordenamento jurídico brasileiro, pois não há regulamentação legal que aborde o instituto de práticas de fertilização in vitro após a morte de seu genitor, desta maneira devemos nos amparar nos princípios constitucionais, nos direitos fundamentais, direitos das famílias, para que o concebido não fique desprotegido juridicamente.

Uma possível atribuição de direito de herança aos filhos concebidos por fertilização in vitro post mortem é um assunto relativamente novo, são poucos casos concretos que levam a discussão, mas a grande problemática a ser discutida é em relação ao concebido gerado após a morte de seu genitor e os demais herdeiros. Tal tema gera muitas divergências entre os doutrinadores pela falta de uma norma específica no ordenamento jurídico que regule esse campo sucessório.

Palavras Chave:

Direito Sucessório; Fertilização in Vitro; Concepção Post Mortem.

1. Introdução

O presente trabalho se volta à análise de um tema bastante controverso: a fertilização in vitro post mortem.

A sociedade como um todo sofre constantes mudanças evolutivas, as ciências avançaram muito com o decorrer dos anos e o direito progride aos poucos. Desta maneira, ainda há questões importantes que não se encaixaram ao avanço da sociedade, como o caso da reprodução humana assistida e os seus efeitos sucessórios.

A medicina reprodutiva vem avançando ao longo do tempo, cada vez mais são desenvolvidas técnicas conceptivas que procuram métodos eficazes e seguros para aqueles que por algum motivo de esterilidade, infertilidade não conseguiram ter filhos de forma natural.

Diante dessas impossibilidades a medicina desenvolveu métodos artificiais para que fossem solucionadas estas situações.

O principal objetivo da reprodução assistida é que a mulher engravide a partir de um conjunto de técnicas, não envolvendo relação sexual.

Com toda essa tecnologia, a ciência permitiu a criopreservação de sêmens e óvulos para que estes fossem utilizados posteriormente, inclusive após a morte de seu genitor.

O filho concebido após a morte de seu pai tem o direito à filiação, mas pode ser excluído da herança de seu falecido pai. Tal fato acaba por gerar um conflito entre o ramo de direito das famílias e o direito das sucessões.

Além disso, o tema diante exposto gera muitas divergências entre os doutrinadores, não pela concepção post mortem, mas, sim, pela falta de uma norma específica no ordenamento jurídico que regule esse campo no direito sucessório.

Existe uma extensa lacuna no ordenamento jurídico brasileiro, pois não há regulamentação legal que aborde o instituto dessas práticas de inseminação artificial, desta maneira, devemos nos amparar nos princípios constitucionais, nos direitos fundamentais, direitos das famílias, para que esse concebido não fique desprotegido juridicamente.

Uma possível atribuição de direito de herança aos filhos concebidos por fertilização in vitro post mortem é assunto relativamente novo, são poucos casos concretos que levam a discussão, mas a grande problemática a ser discutida é em relação ao concebido gerado após a morte de seu genitor e os demais herdeiros.

No campo dos direitos sucessórios o ser gerado não é reconhecido como sucessor legítimo, fazendo-se assim necessário o amparo da Constituição Federal Brasileira e em seus princípios.

Os princípios são de extrema importância quando a lei é falha ou omissa, eles existem para uma melhor compreensão do ordenamento jurídico.

O artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, em seu caput, aborda os direitos e garantias fundamentais. Sendo esses os norteadores de qualquer problemática no âmbito jurídico.

Diante do exposto, este trabalho propõe a discussão acerca dos direitos sucessórios aos concebidos após a morte de seu genitor, como também entende a necessidade de abordar a evolução da medicina reprodutiva, os novos conceitos do direito das famílias, aspectos constitucionais, entre outros parâmetros relevantes ao tema.

2. Reprodução Humana Assistida

2.1. Evolução histórica no Brasil

A reprodução humana assistida é um campo relevante da ciência que trouxe grandes mudanças e progressos, com o uso da tecnologia foram criados inúmeros recursos para o tratamento da infertilidade humana.

Desde os tempos mais remotos, onde a ciência não era cercada por meios de tecnologia, o homem sempre buscou estar a frente do seu tempo. Os primeiros experimentos da técnica de reprodução assistida que foram cientificamente comprovados aconteceram em mamíferos, a observação foi feita por um biólogo italiano chamado Lazzaro Spallanzani que realizou o procedimento em uma cadela no ano 1777[1].

O médico inglês John Hunter realizou a primeira experiência da fecundação artificial homóloga em humanos, isso ocorreu em 1791, um casal foi escolhido para o experimento, porém, só em 1799, o médico obteve resultado no emprego de sua técnica[2].

O primeiro caso de fertilização in vitro, aconteceu na Inglaterra, em 1978, após anos de estudos, os cientistas Patrick Steptoe e Robert Edwards, conseguiram gerar o primeiro bebê in vitro, Louise Brown. No Brasil, em 1984, nascia Ana Paula Caldeira, primeira experiência de fertilização in vitro. Também em 1984, na França surgia o primeiro caso de inseminação artificial post mortem, entre o casal Corine Richard e Alain Parpalaix[3].

Autores definem que está história do casal Parpalaix o marco inicial para os debates a cerca fecundação artificial post mortem.

Em 1984 na França, o casal Corine e Alain, se conhecerem e se apaixonaram, após alguns meses de namoro, Alain descobriu que estava com câncer nos testículos. A vontade do casal sempre foi de ter filhos, Alain queria deixar herdeiros, por isso resolveu procurar um banco de sêmen, pois com o tratamento de quimioterapia poderia o deixar estéril, no laboratório Alain criopreservou seu sêmen para que posteriormente fosse implantado em sua namorada.

Tempos depois, a doença da Alain se desenvolveu o deixando mais debilitado, o casal então resolveu se casar e dois dias após o casamento, Alain veio a falecer. Passados alguns meses, Corine procurou o laboratório onde o sêmen estava congelado, para que ela pudesse realizar um desejo firmado pelo casal, conceber um filho de Alain. Porém, o banco de sêmen se negou a entregar o material criopreservado, alegando que não havia uma lei específica sobre este tipo de inseminação. Diante deste embaraço, a viúva resolver entrar com uma ação judicial.

Na defesa do laboratório, houve o fundamento de que não havia previsão legal sobre inseminação artificial post mortem, portanto não poderia ser entregue o material de Alain, uma vez que ele já havia falecido e outra pessoa não poderia usar desde material.

Após uma longa discussão, o tribunal francês decidiu condenar o laboratório a conceder o esperma do de cujus, para que Corine pudesse realizar a inseminação, e caso não atendesse a decisão sofreria uma sanção.

Como o caso demorou tanto para ser resolvido, os sêmens criopreservados perderem sua pontencialidade não podendo mais gerar uma fecundação, o que causou grande decepção para a mulher de Alain.

Como não havia uma lei regulamentando este tipo de método artificial, a legislação francesa se fez necessária iniciar discussões para a criação de uma lei, para que diante de outros casos não houvesse mais uma lacuna jurídica.    

2.2. Técnicas de reprodução humana assistida

A paternidade atualmente não precisa necessariamente ser instituída pelo ato sexual, ou seja, muitos casais não podem ter filhos de forma natural pela sua infertilidade que é uma grande dificuldade de se engravidar, podendo ser revertido com tratamentos médicos ou esterilidade que é a total impossibilidade de gerar filhos, tendo assim que procurar a ajuda da medicina para poder conceber um ser, a reprodução humana assistida é esse meio.

Há duas formas comumente usadas de reprodução assistida: inseminação artificial que pode ser homóloga ou heteróloga e a fertilização in vitro[4].

A inseminação artificial ocorre quando há a manipulação de gametas masculinos e estes são introduzidos no útero da mulher, a inseminação pode ser homóloga quando o sêmen é doado pelo próprio marido, ou heteróloga quando o sêmen doado é de um terceiro havendo o consentimento do marido e da mulher para tal procedimento[5].

Existe também a fertilização in vitro, ou fertilização extracorpórea, esse procedimento ocorre fora do corpo da mãe, ou seja, serão coletados os gametas masculinos e femininos e estes serão fertilizados em laboratórios, os embriões considerados resultantes serão implantados no útero da mulher. Como na fertilização são gerados muitos embriões, haverá alguns que não serão implantados sendo estes considerados embriões excedentários, esses embriões podem ser criopreservados[6].

A criopreservação é uma técnica muito delicada, pois se trata de um congelamento e armazenamento de células, e estas podem ficar danificadas se o procedimento não for feito corretamente. Pesquisas apontam que no Brasil, se tem 38.062 (trinta e oito mil e sessenta e dois) embriões congelados[7]. Diante desses embriões criopreservados é que surge a grande problemática entre doutrinadores e legislação.

        A lei que regula as técnicas de reprodução assistida é a Lei de Biossegurança, Lei Federal n.º 11.105/2005[8], porém a mesma é omissa, pois apenas relata sobre os procedimentos usados em células-tronco, deixando de regulamentar o que gera grandes questionamentos que é a aplicação de técnicas de fecundação artificial.

Em se tratando de fertilização in vitro post mortem, ocorre outra omissão do legislador, o concebido após a morte de seu genitor só é amparado pelo Código Civil na matéria de Direito das Famílias. Não existe nenhuma lei específica que trate dessa matéria tão relevante. Afirma assim Silvio de Salvo Venosa[9]:

O Código Civil não autoriza e nem regulamenta a reprodução assistida, mas apenas constata a existência da problemática e procura dar solução exclusivamente ao aspecto da paternidade. Toda essa matéria, que é cada vez mais ampla e complexa, deve ser regulada por lei específica, por opção do legislador.

A fertilização in vitro post mortem está sobre bastante influência ao estudo de direitos sucessórios. Pois a criança ao nascer não tem direito à herança do seu pai por ter nascido de forma não natural e após a morte de seu genitor.

3. Direito à filiação e a herança

3.1. Fertilização in vitro inerente ao direito das famílias

Constituir uma família sempre foi algo primordial para o homem, achar uma definição para o que seria família é muito abstrato, pois, nos dias de hoje, há uma gama de conceitos referentes à família. 

No dizer de Guilherme Calmon Nogueira da Gama[10]:

As relações familiares são funcionalizadas em razão da dignidade de cada partícipe, e tornou-se necessário identificar como família também as relações que se constituem sem o selo do casamento. As pessoas passaram a viver em uma sociedade mais tolerante, com mais liberdade, buscaram realizar de ser felizes sem se sentirem premidas a permanecer em estruturas preestabelecidas e engessadoras.

A sociedade ainda hoje tem um pensamento muito obstruído sobre o que é ser família e em sua formação. Muitos compreendem que família é aquela constituída por meio de casamento.

O Código Civil de 1916[11] tinha esse entendimento de que o casamento era o único meio de se constituir uma família, de acordo com o artigo 229: “criando a família legítima, o casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos”.

Com a evolução da sociedade e a promulgação da Constituição Federal de 1988, a Carta Maior reformulou amplamente o Direito das Famílias, o que antes admitia apenas como família a advinda do casamento, com o advento da Constituição Federal de 1988 passou a ser conceituado entidade familiar à união estável, a família monoparental, dentre outras.

O pluralismo familiar rompeu o conceito que apenas mediante o casamento é que se constituía família.

O afeto é a principal característica para formação de uma família, diante disso surge vários conceitos para a família, a união estável se equipara a um casamento, porém não há as formalidades do mesmo, apenas a comprovação de convivência do casal se regula como união estável, gerando direitos e deveres, assegurando alimentos, regime de bens e garantia ao direito sucessório; existe também a união estável homoafetiva, não podendo ser diferenciada da união entre homens e mulheres, a união homoafetiva também tem status de família, sendo assim protegida pelo Estado, porém na prática ainda há muita discriminação; há a denominação também das famílias pluriparentais, estás surgem pela multiplicidade de vínculos, quando há a formação de casais que já tem filhos de casamentos anteriores; a família monoparental é a que mais se adequa ao nosso tema, este tipo de família surge quando apenas um dos genitores tem a titularidade do vínculo familiar, como no caso da mãe que  deseja conceber uma criança com o sêmen congelado do seu marido já falecido[12]

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Como diz Zeno Veloso[13], “a Constituição Federal de 1988, num único dispositivo, espancou séculos de hipocrisia e preconceito”.

Na declaração de Marida Berenice Dias[14]:

A Constituição Federal de 1988, instaurou a igualdade entre o homem e a mulher e esgarçou o conceito de família, passando a proteger de forma igualitária todos os seus membros. Estendeu igual proteção à família constituída pelo casamento, bem como à união estável entre o homem e a mulher e à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, que recebeu o nome de família monoparental. Consagrou a igualdade dos filhos, garantindo-lhes os mesmos direitos e qualificações.

Diante deste grande passo da Carta Maior, o Código Civil de 1916 precisou de grandes modificações e em 2002 ocorreu o advento de um Código Civil mais adequado a Carta Magna, com uma nova visão no que concerne os Direitos das Famílias.

Maria Helena Diniz[15] afirma que “ainda era um código antigo, mas com um novo texto”, ou seja, o legislador ainda tinha aquele pensamento arcaico, mas se fez de um novo texto diante das transformações da sociedade.

 O Código Civil atual cometeu uma grande discrepância em se tratando de filiação e reconhecimento dos filhos. O referido Código, trata em capítulos diferentes os filhos havidos no casamento e fora dele[16]. Advertimos que a Constituição Federal veda qualquer discriminação entres os filhos.

Nas palavras de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka[17]:

Atualmente, segundo o mandamento constitucional só há duas classes de filhos, aqueles que são filhos e aqueles que não são, não havendo mais, portanto, qualquer expressão discriminatória atrelada à filiação, tendo sido os adjetivos legítimos, legitimados, ilegítimos, incestuosos, adulterinos, naturais, espúrios e adotivos totalmente abolidos do ordenamento jurídico brasileiro.

Com essa vedação constitucional, com relação a discriminação entre os filhos, havendo o nascimento de um ser, este tem o direito à filiação. Aduz Silvio Rodrigues[18] que: “filiação é a relação de um parentesco consanguíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa àqueles que a geraram ou a receberam como se a tivesse gerado”.

Expõe Maria Berenice Dias[19]:

No atual estágio da sociedade, não mais interessa a origem da filiação. Os avanços científicos de manipulação genética popularizaram a utilização de métodos reprodutivos, como a fecundação assistida homóloga e heteróloga. Todos esse avanços ocasionaram uma reviravolta nos vínculos de filiação. A partir do momento em que se tornou possível interferir na reprodução humana, por meio de técnicas laboratoriais, a procriação deixou de ser um fato natural para subjugar-se à vontade do homem.

Assim, presume-se como elenca o artigo 1.597, do Código Civil de 2002, mais precisamente em seus incisos III e IV, concebidos na constância do casamento os filhos: havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido, e ainda que se trate de embriões excedentários.

Para Guilherme Calmon Nogueira Gama[20]:

Na fecundação artificial homóloga, não há necessidade de autorização do marido. A cláusula “mesmo que falecido o marido” deve ser interpretada tão somente para fins do estabelecimento da paternidade, observando o prazo limite de 300 dias da morte do varão. O permissivo legal não significa que a prática da inseminação ou fertilização in vitro post mortem seja autorizada ou estimulada.

O referido artigo se adapta com o grande progresso aos meios científicos em relação à reprodução artificial humana, determinando o direito de reconhecimento como filho daquele ser gerado por fecundação artificial mesmo sendo após a morte de seu gerador.  

Menciona Carlos Roberto Gonçalves[21]:

O vocábulo fecundação indica a fase de reprodução assistida consistente na fertilização do óvulo pelo espermatozoide. A fecundação ou inseminação homóloga é realizada com sêmen originário do marido. Neste caso o óvulo e o sêmen pertencem ao marido e à mulher, respectivamente pressupondo-se, in casu, o consentimento de ambos.

Para complementar este artigo o Enunciado n.º 106 do CJF/STJ propôs que:

para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja em condição de viúva, sendo obrigatório, ainda, que haja autorização escrita do marido para que utilize seu material genético após a morte. (CJF/STJ n.º 106, art. 1597, inc. III).

Esta presunção de paternidade não é somente aplicável aos legalmente casados, como entidade familiar protegida pela Constituição Federal, a união estável também abrange o reconhecimento do concebido.

Com essa exposição surge o grande conflito entre o direito das famílias e o das sucessões, pois o concebido por meio de fecundação artificial homóloga, mesmo que o pai já tenha falecido tem o direito à filiação, mas o mesmo concebido não tem direito à herança, a depender da situação, ficando assim desamparado e em desigualdade em relação aos outros filhos já nascidos.

Tal disciplina não se adequa, ou ao menos, não prospera ao analisarmos as disposições da nossa Constituição.

3.2. Fertilização in vitro diante ao direito sucessório

A fertilização in vitro post mortem está em um campo problemático quanto ao estudo dos direitos sucessórios, tendo em vista que a criança ao nascer não tem direito à herança do seu pai por ter nascido de forma não natural e após a morte de seu genitor. Isso para o texto normativo.

Para que se possa abordar a problemática sobre a fertilização post mortem antes é necessário fazer uma breve análise sobre o direito das sucessões.

Maria Helena Diniz[22] conceitua o Direito das Sucessões como:

O conjunto de normas que disciplinam a transferência do patrimônio de alguém, depois de sua morte, ao herdeiro, em virtude de lei ou de testamento. Consiste, portanto, no complexo de disposições jurídicas que regem a transmissão de bens ou valores e dívidas do falecido, ou seja, a transmissão do ativo e do passivo do de cujus ao herdeiro.

Partindo desta premissa, o direito das sucessões está diretamente ligado com a morte do de cujus e a transmissão do patrimônio que ele deixou.

A comprovação da morte é obtida por meio de certidão de óbito, havendo essa comprovação a herança desde logo é transmitida para os herdeiros.

Aprecia Zeno Veloso[23]:

A morte, a abertura da sucessão e a transmissão da herança aos herdeiros ocorrem num só momento. Os herdeiros, por essa previsão legal, tornam-se donos da herança ainda que não saibam que o autor da sucessão morreu, o que a herança lhes foi transmitida. Mas precisam aceitar a herança, bem como podem repudiá-la, até porque ninguém é herdeiro contra a sua vontade.

Existem várias denominações para herdeiros, os que mais se destacam são: os herdeiros necessários, herdeiros legítimos  e herdeiros testamentários.

Os herdeiros necessários, são todas aquelas pessoas determinadas pela lei, por está necessidade irão receber parte da herança. Estes contém a legítima, ou seja, metade do patrimônio obrigatoriamente vão para os herdeiros necessários que são: os descendentes, ascendentes e cônjuge. “Os descendentes recolhem prioritariamente o acervo hereditário do falecido sem distinção em relação ao sexo, à idade ou à origem da descendência[24]”.

Já os herdeiros facultativos são aqueles escolhidos por forma de exclusão, não havendo herdeiros necessários e nem testamentários, a herança vai para: os parentes colaterais até quarto grau. Havendo testamento ocorrerá herança para os herdeiros testamentários, ou seja, o de cujus em sua última manifestação de vontade deixa um testamento determinando quem irá receber metade de seu patrimônio, respeitada a legítima.

No que concerne aos direitos sucessórios aos concebidos por meio de reprodução assistida, somente na sucessão testamentária pode haver legitimidade para o herdeiro ainda não concebido, mas para isso o magistrado irá indicar um curador para que esse receba os bens da partilha enquanto o herdeiro não nasça.

Para Giselda Maria Hironaka[25]:

A solução que melhor se amolda à hipótese é a que determina o rompimento do testamento na hipótese de virem um ou mais embriões a aderir a um útero apto a garantir-lhes desenvolvimento saudável e posterior nascimento. Com isso, estar-se-á adequando a normal legal às novas exigências sociais decorrentes da evolução científica.

Em se tratando de sucessão legítima o embrião concebido por meio de fertilização in vitro após o falecimento de seu pai, não terá direito à herança ficando de fora da sucessão.

Aduz Maria Berenice Dias[26]

Nada justifica excluir o direito sucessório do herdeiro por ter sido concebido post mortem. Deve ser dada ao dispositivo legal interpretação constitucional, pois o filho nascido de concepção póstuma ocupa a classe dos herdeiros necessários. A normatização abrange não apenas as pessoas vivas e concebidas no momento da abertura da sucessão, mas também os filhos concebidos por técnica de reprodução humana assistida post mortem.

 Portanto, deveria se ter uma interpretação adequada, garantindo a vocação hereditária legítima aos filhos oriundos de fecundação artificial.

Para Silmara Chinelato[27]:

Entre embrião implantado e não implantado pode haver diferença quanto à capacidade de direito, mas não quanto à personalidade. Sustento que o conceito de nascituro abrange o embrião pré-implantatório, isto é, o já concebido e que apenas aguarda, in vitro, a implantação no ventre materno.  Dispõe, portanto, de capacidade sucessória, pois a norma não distingue o locus da concepção nem impõe que seja implantado. Exige somente a concepção.

Com a ausência de uma lei especifica que trate dos direitos sucessórios do concebido post mortem. Ao se fazer uma análise de casos concretos, é necessário um amparo dos princípios constitucionais para que se tenha uma interpretação e possa ser assegurado os direitos da criança. 

4. Princípios Constitucionais

4.1. Aspectos constitucionais que amparam o concebido

Os princípios constitucionais são de extrema relevância para se ter um  entendimento quando não há a existência de uma lei específica capaz de regulamentar as técnicas de reprodução humana assistida.

Conceber um filho mediante o uso da técnica de fertilização in vitro é um direito fundamental em decorrência do direito ao planejamento familiar que está previsto no parágrafo 7º, do artigo 226, da Constituição Federal, e que está elucidado na Lei Federal n.º 9.263/1996[28], em seu artigo 9º, que dispõe: “para o exercício do direito ao planejamento familiar, serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantindo a liberdade de opção”.

Correlacionando-se com princípio da liberdade, o casal tem a liberdade de escolha ao planejar o início do vinculo familiar, desta forma, quando o casal tem a decisão de fundar uma família, procriar, o Estado deve garantir o acesso aos meios, métodos e informações pertinentes às técnicas de fecundação, garantindo um tratamento à reprodução humana.

Analisando o direito de ter a liberdade de planejar, há de se falar no princípio da dignidade da pessoa humana.

Nesse contexto, o casal que deseja gerar o filho por meio de métodos artificiais está protegido constitucionalmente, desde que este tenha o mínimo de qualidade de vida e que o Estado assegure qualquer de suas necessidades, pois para a consolidação do princípio da dignidade da pessoa humana é necessário a valorização e proteção da pessoa humana para que possa haver uma organização e estruturação do Estado e a formação do Direito.

Este princípio, não só visa assegurar a dignidade daqueles que tem a vontade de gerar um vida, conquanto visa proteger a vida do embrião que estar por ser gerado, uma vez que no momento que há um embrião criopreservado e posteriormente haverá uma fertilização in vitro, haverá a existência de uma vida, este ser será detentor de direitos e deveres assim como qualquer outro, terá o direito de uma vida digna, sem qualquer tipo de distinção.

Ao serem gerados esses serem que foram criopreservados não devem ser desamparados juridicamente.

O princípio da igualdade que está presente na Lei Maior, pois estabelece que todos sem qualquer distinção devem ser tratados de forma idêntica perante a lei, e também dar tratamento igual aos iguais e tratamento desigual aos desiguais na medida de suas desigualdades.

O princípio da igualdade entre os filhos, uma variante do princípio da igualdade, veda qualquer tratamento diferenciado entre os filhos, dando absoluta proteção, assim não há de se falar em diferenciação entre filhos concebidos em laboratório e os filhos concebidos de forma uterina. Ambos, serão dotados de direitos e obrigações após o nascimento, e terão o mesmo reconhecimento perante a legislação brasileira.

No que diz respeito ao concebido, o princípio do melhor interessa da criança que se completa com o princípio da paternidade responsável alcançam grande relevância nas técnicas de fecundação artificial, uma vez o ser gerado é de responsabilidade do Estado, da sociedade e principalmente da família assegurar todas as condições pertinentes ao seu desenvolvimento, promovendo-lhe todo o cuidado e assistência, inclusive de ser reconhecido como filho(a) e herdeiro(a), pois foi da vontade de seus genitores os nascimento do concebido, mesmo que após a morte de seu pai.

4.2. Estudo de casos em nosso país

A primeira decisão brasileira[29] que autorizou juridicamente a prática de inseminação post mortem aconteceu em Curitiba/PR. Katia Lenerneir era casada a mais de cinco anos com Roberto Niels, o casal vinha tentando engravidar naturalmente, quando Roberto descobriu que estava com câncer e pelo processo de quimioterapia que o iria passar, os médicos o aconselharam a fazer um congelamento do sêmen, pois havia grandes possibilidades de ele ficar infértil. Meses depois o casal deu início ao tratamento de reprodução, porém Roberto recebeu um novo diagnóstico no qual o câncer havia se alastrado para os ossos, um tempo depois Niels veio a falecer.

Katia sempre teve o sonho de ter um casal de filhos, como não pode realizar com o marido em vida, resolveu procurar o laboratório para iniciar novamente o processo de inseminação com o sêmen congelado do marido, contudo o laboratório informou que a cônjuge não poderia utilizar desta técnica pois não havia uma autorização do marido para que o esperma fosse usado mesmo após sua morte. Como a legislação brasileira é omissa referente a matéria, Katia resolveu procurar o judiciário.

A decisão foi prolatada pelo juiz da 13ª Vara Cível de Curitiba/PR, na qual por meio de uma liminar autorizou que a viúva pudesse usar da técnica de inseminação artificial para engravidar do sémen congelado do marido falecido, mesmo sem uma autorização prévia do de cujus.

Em outro caso, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal[30], entendeu que a utilização do material genético do de cujus violaria o princípio da autonomia de vontade, negando a sua companheira o direito de utilizar a técnica de inseminação artificial com o sêmen do de cujus, os desembargadores argumentaram que mesmo havendo o material genético armazenado em laboratório, o companheiro não manifestou expressamente sua vontade para que fosse utilizado o material armazenado post mortem.

Em ambos os casos, a discussão se deu em volta da permissão da utilização do material genético do de cujus, e não uma discussão sobre direitos sucessórios.

4.3. Analogia do Direito Brasileiro com o Direito Estrangeiro

Conforme a tecnologia e ciência vem avançando, tem-se a necessidade de haver uma regulamentação jurídica sobre o tema de técnicas reprodutivas assistidas. Como existe ainda uma extensa lacuna em nosso ordenamento jurídico, faz-se necessário uma breve análise sobre o Direito Estrangeiro.

O ordenamento jurídico espanhol[31] regulamenta as técnicas de reprodução assistida, porém para isso o falecido marido deverá deixar autorizado mediante testamento ou escritura pública, sendo assim o concebido terá apenas o direito à filiação, não há previsão legal sobre o direito à herança.

Na Inglaterra[32] a legislação prevê e autoriza a fertilização post mortem, porém para efeitos sucessórios se faz necessário de testamento do de cujus.

O direito francês[33] não autoriza a fecundação artificial post mortem, contudo, caso seja feito o procedimento, o concebido terá direito à herança.

Para o direito alemão[34], a prática das técnicas assistidas póstumas é considerada crime, podendo a mulher do falecido sofrer sanções.

Os Estados Unidos[35] tratam com mais liberalidade este assunto, sendo assim, as legislações dos Estados-membros regulamentam as técnicas de reprodução humana assistida e permitem o direito à filiação e herança mesmo com a morte do genitor.

Como visto, há países que ainda enfrentam a mesma barreira que a do ordenamento jurídico brasileiro, outras são mais permissivos, porém o que dever ser elucidado é que o concebido não pode ficar desamparado, deve se dar importância a vida do concebido e não somente a vontade do seu genitor.

Conclusão

A ciência ao decorrer do desenvolvimento da humanidade evoluiu para que pudesse suprir suas necessidades, a legislação vem logo atrás com uma certa burocratização, vários textos legais precisam se atualizar conforme a sociedade se modifica, o ordenamento jurídico brasileiro não proíbe e nem permite a prática de fertilização in vitro post mortem. Nesta lacuna, cabe ao Poder Judiciário reconhecer o Direito das pessoas em realizar seus sonhos, desde que não contrários a lei.

Partindo desse contexto, os doutrinadores contrários a prática das técnicas de reprodução humana assistida, estão meio ao regresso da sociedade, os argumentos sustentados de que o melhor interesse da criança não irá prevalecer uma vez que o concebido não terá a criação do pai, essa ideia é arcaica, pois a própria Constituição Federal ampliou o conceito de família, incluindo a família monoparental.

Além disso, houve um desejo prévio de conceber um ser, porém foi interrompido com a morte do marido, a mulher quer constituir uma prole como meio de dar continuidade ao que cônjuge construiu com a viúva. Se aplicando o direito da paternidade responsável, a mãe deverá comprovar que terá meios de criar o seu filho só, dando o direito de o concebido nascer com saúde, que possa ter acesso à educação, à dignidade, à liberdade entre tantos outros direitos fundamentais, previstos na Carta Maior.

Em relação ao direito das famílias, entendo que a criança, mesmo que não concebida antes do falecimento de seu pai, deve ter reconhecido o seu direito de ter um nome e claro o nome de família de seu genitor em sua certidão de nascimento, pelo fato de se aplicar o princípio da igualdade entre os filhos, pois mesmo sendo gerado por meio de técnicas não naturais, o ser nasceu da vontade do casal e será detentor de direitos e deveres igual a todo e qualquer humano e para não se ter uma possível desigualdade entre os filhos nascidos de forma natural.

Quanto ao fato da autorização prévia do marido para que posteriormente o seu cônjuge possa fazer o tratamento sobre as técnicas reprodução assistida, entendo que não precisa ser obrigatório, o que deve ser comprovado é o desejo em vida do marido, uma vez ele indo ao laboratório para congelar o seu sêmen, presume-se o intuito de gerar um filho e consequentemente com a sua esposa.

A busca da presunção de paternidade também se aplica ao casal que mantinha uma união estável, pois é previsto constitucionalmente, a equiparação entre casamento e união estável. Mesmo que não haja o contrato de união estável, a companheira deverá comprovar que realmente existia relação com o objetivo de constituir família.

No que concerne aos direitos sucessórios, parte dos doutrinadores entendem que o concebido após a morte do pai não terá direito à herança legítima, pois entendem que só podem fazer parte aqueles já concebidos a época da morte do de cujus, e que os demais herdeiros ficariam desfavorecidos, uma vez que a herança deveria ser partilhada novamente. É um pensamento, egoísta e discriminatório.

De acordo com o princípio da legalidade previsto na Constituição Federal em seu artigo 5, precisamente em seu inciso II, determina que: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Partindo deste princípio, entende-se que a lei não proíbe e nem autoriza a prática de métodos de reprodução humana assistida, devendo haver um interpretação mais abrangente para que não haja a discriminação daquele que nasceu por meio de fertilização in vitro.

E aplicando-se também o inciso XXX, do artigo 5º, da Carta Magna, que disciplina que o direito de herança é uma garantia fundamental.

Portanto, ao fazer uma interpretação do artigo 1798 do Código Civil, devemos entender que, os que ainda não foram concebidos farão parte da sucessão legítima, sendo reservado por meio do seu curador, seu quinhão de direito.

O que não pode acontecer é uma equiparação do concebido ao de uma prole eventual, nesse contexto ele faria parte de uma sucessão testamentária, gerando uma desigualdade absurda diante dos demais filhos, afrontado assim o princípio da igualdade entre os filhos.

Este presente tema ainda gera muitas discussões, a doutrina ainda não tem um entendimento pacífico. É necessário uma atualização no nosso ordenamento jurídico, e que haja uma criação de uma legislação infraconstitucional específica sobre o tema, que preencha as lacunas estabilidades pela omissão do legislador.

A criação de uma lei específica deve se amparar aos princípio constitucionais e gerais e também se adequar a realidade de uma sociedade brasileira, não deixando de regular as problemáticas sucessórias, pois são estas que geram tantas controvérsias. Devendo, ainda, solucionar adequadamente, não deixando de proteger os direitos da criança que fora concebida por qualquer dos métodos de reprodução humana assistida, ampliando de forma objetiva toda matéria relacionada aos concebidos post mortem do seu genitor. 

Está pesquisa não busca solucionar o complexo e relevante tema que é a fertilização in vitro post mortem, apenas entendo que se faz necessário o desenvolvimento de um detalhado estudo sobre o tema. Enquanto ainda não esteja disciplinado uma lei que se adeque a está evolução da ciência, o direito sucessório da criança ainda não concebida para que não fique desprotegida juridicamente, deve se interpretado à luz da nossa Constituição Federal.

Referências

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Sobre os autores
Leonardo Barreto Ferraz Gominho

Graduado em Direito pela Faculdade de Alagoas (2007); Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (2010); Especialista e Mestre em Psicanálise Aplicada à Educação e a Saúde pela UNIDERC/Anchieta (2013); Mestre em Ciências da Educação pela Universidad de Desarrollo Sustentable (2017); Foi Assessor de Juiz da Vara Cível / Sucessões da Comarca de Maceió/AL - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Foi Assessor do Juiz da Vara Agrária de Alagoas - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Conciliador do Tribunal de Justiça de Alagoas. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito das Obrigações, das Famílias, das Sucessões, além de dominar Conciliações e Mediações. Advogado. Professor da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Professor e Orientador do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Responsável pelo quadro de estagiários vinculados ao Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF - CCMA/FACESF, em Floresta/PE, nos anos de 2015 e 2016. Responsável pelo Projeto de Extensão Cine Jurídico da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF, desde 2015. Chefe da Assessoria Jurídica do Município de Floresta/PE. Coautor do livro "Direito das Sucessões e Conciliação: teoria e prática da sucessão hereditária a partir do princípio da pluralidade das famílias". Maceió: EDUFAL, 2010. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico I: discutindo o direito por meio do cinema”. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821832; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito civil e direito processual civil”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821749; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821856. Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 02. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558019. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico II: discutindo o direito por meio do cinema”. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558002.

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