A PENHORA DE BENS IMÓVEIS E O NOVO CPC
Rogério Tadeu Romano
Procurador Regional da República aposentado
I – A EXECUÇÃO NO PROCESSO EXTRAORDINÁRIO ROMANO
A extraordinaria cognitio, no fim do Século III e nos começos do Século IV substituiu o processo per formulas, significando o desenvolvimento de um processo perante um magistrado funcionário público, encerrando a distinção entre ius e iudicium, comuns aos processos anteriores.
Se o réu era condenado em primeira instância não apelava dentro do prazo legal ou se apelava e a apelação fosse julgada improcedente, a sentença adquiriu força executiva. Se a condenação versa sobre dinheiro e não era executada voluntariamente, o magistrado, por meio de seus funcionários, penhora uma ou mais coisas do réu e, não sendo resgatadas em dois meses, ordena a sua venda em hasta pública, pagando-se ao autor com o seu preço da arrematação, recebendo o réu o que excede.
Ensina Ebert Viana Chamoum[1] que tal medida de cunho coercitivo se chamava pignus ex causa iudicati captum, que nascera na época clássica generalizando no Baixo Império, diferindo da missio in possessionem, que era o apoderamento de todos os bens.
Essa a fonte da penhora.
II - NATUREZA JURÍDICA DA PENHORA E PRINCÍPIOS
Trata-se de ato processual de afetação ao subordinar bens a fins de execução, preparando a expropriação, individuando, apreendendo-os e tornando-os indisponíveis para o futuro ato expropriatório.
Ficam os bens penhorados sujeitos a depósito.
Na ensinança do mestre Paula Batista a penhora é o ato pelo qual “em virtude de mandado do juiz, são apreendidos e depositados bens do condenado para a segurança do juízo”[2].
Como tal, submete-se a penhora a princípios:
a) }humanização, na defesa de necessidades primárias do devedor, obedecido o princípio vetor da dignidade da pessoa humana;
b) especificidade, pois toda a execução é real destacando-se os bens destinados a satisfazer o débito;
c) suficiência: a penhora deve abranger tantos bens quantos bastem para o pagamento do débito (art. 659 do CPC);
d) utilidade.
São efeitos da penhora:
a) despojar o devedor da posse direta das coisas, constritadas com o depósito delas;
b) }imprimir ineficácia dos bens penhorados, em relação ao exeqüente, independente do registro da penhora[3].
Via Chiovenda, na execução, a idéia de expropriação da faculdade de disposição.
Esse registro da penhora, afinal, é constitutivo da penhora? Estaríamos diante de um direito real? O registro da penhora é necessário para prelação da penhora? Como ficamos diante do novo art. 659, redigido por força da Lei n.° 10.444, de maio de 2002, na reforma da reforma do nosso Código de Processo Civil de 1973.
III – OS REGISTROS PREVENTIVOS DA LEI N.° 6.015, DE 31 DE DEZEMBRO DE 1973 (ART. 167, I, j)
O registro preventivo do artigo 167, I, j, primeira e terceira partes, da Lei n.° 6.015 (penhora de imóveis, arresto e seqüestro) assegura a eficácia do adiantamento de execução. Trata-se de registro preventivo[4] como acentuou Pontes de Miranda.
Esses registros pressupõem e têm de assegurar a pretensão pessoal dirigida a execução forçada ou à pretensão à segurança.
O registro preventivo não gera a presunção do artigo 859 do antigo Código Civil, própria dos titulares do direito real (presume-se pertencer o direito real à pessoal, em cujo nome se inscreveu, ou transcreveu), próprio do princípio da inscrição. Segundo, na mesma lição de Pontes de Miranda, não é dotado da fé pública do registro.
O direito preventivamente registrado é pessoal e não real, que é o direito que, em princípio, confere ao titular o poder de excluir da senhoria sobre uma coisa a intervenção alheia, que já o caracterizou, por ampla oponibilidade erga omnes.
Quero dizer que estamos diante de um direito relativo dos que se opõe, de ordinário, a uma só pessoa, que tem um único sujeito passivo, o devedor.
Não falemos de uma infinidade de sujeitos passivos com um poder de exclusão dirigido erga omnes com a efetivação do registro da penhora. As conseqüências da consideração como direito real levam em conta não importar a mudança do titular do dever jurídico.
O direito do registro preventivo não é real (art. 167, I, § 5.°, da Lei n.° 6.015/73) mesmo e ainda que se opere erga omnes não se assimila a uma aquisição definitiva, o que levou Pontes de Miranda a condenar W. Othmer (Die rechtliche Wirkungder Vormerkung, 80). É direito anexo ao crédito e distinto dele com eficácia erga omnes.
Qual seu objetivo com o registro? Tornar sem a tutela da fé pública a aquisição de terceiro que haja adquirido a despeito da penhora.
Direi que a penhora, por si só, torna ineficaz originariamente qualquer alienação do bem penhorado.
Mas, afinal, adotou nosso sistema jurídico o princípio do prior tempore potior iure? Parece-me que sim.
IV – A PREFERÊNCIA DA PRIMEIRA PENHORA
Privilégio é a qualidade consistente em estabelecer que seja o crédito pago com a prioridade relativamente aos outros[5].
Na exposição de motivos o Ministro Alfredo Buzaid registra que “pela penhora adquire o credor um direito real sobre os bens penhorados, a exemplo do que dispõe o Código Civil Alemão”.
No Brasil, essa lição alcançou, no passado recente, o apoio de Amilcar de Castro, Alcides de Mendonça Lima e Humberto Theodoro Júnior[6] para quem exige-se, portanto, a penhora à posição de direito real, que está circunscrito a curto limite porquanto onera toda a coletividade, daí sua tipicidade visto em limites restritos, a que não é dado as partes alterarem.
Na Alemanha, assim entenderam Rosemberg e Goldschmidt[7].
Na Itália, há posição similar: Alfredo Rocco considera que a penhora realiza, especificando o direito geral de penhor; para Emílio Betti, constitui-se a penhora pelo direito real de disposição em favor do credor exeqüente e Alorio alude a um direito de garantia específica enquanto Carnelutti aponta o enfraquecimento do direito do devedor pela limitação da faculdade de dispor.
Ora, o efeito da penhora é meramente processual como bem dizia Liebman[8].
Sujeita-se o bem penhorado aos fins do processo de execução.
Lopes da Costa, um dos maiores processualistas brasileiros, já dizia que a penhora, no direito brasileiro, nunca deu origem ao direito de penhor, que se via, em Roma, na extraordinaria cognitio, e nas Ordenações Filipinas de 1603[9].
Na prática do Código de 1939 bastava a intercorrência de duas penhoras sobre o bem para que se instaurasse o concurso de credores um incidente de execução.
É engano entender que a penhora faz com que o credor adquira um direito pignoratício idêntico ao contratual.
É mais uma vez que socorro-me de Pontes de Miranda para quem o ato constritivo, de natureza processual, não gera direito real, mas simples direito de preferência. Disse ele, como o maior jurista brasileiro:
“Não se diga que a penhora dá ao credor um direito real. O que se passa é apenas uma eficácia erga omnes. Não há direito real, o que há é preferência”.[10]
Privilégio não é propriamente um direito, mas uma qualidade que adjetiva o direito pessoal de crédito consistindo na preferência dos pagamentos.
A preferência é efeito da penhora não sendo ela um direito real.
Não havendo hierarquia, aplica-se o “prior tempore potior iure” (Rev. Forense, 247/420), adotando como solução o regrado no art. 711 do CPC, sendo irrelevante a inscrição da penhora para criar o direito de preferência do credor mais rápido, diligente. Isso se passou à luz das Ordenações Afonsinas, Livro 3.°, tít. 97, pr. e §§ 1-6 e Ordenações Manuelinas, Livro 3.°, t. 7-74, § 2.°), até 1.761.
A esse respeito, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, como guardião da Lei Federal:
“A preferência no concurso de credores é feita em função da anterioridade da penhora e o registro subseqüente desta não tem o condão de alterar o direito de preferência, destinada a gerar a presunção da ciência do terceiro em favor dos exeqüentes” (STJ, 3.ª turma, REsp 31.475-0-RN, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 29.6.93, DJU de 30.8.93, pg. 17.290).
Tal preferência cabe ao credor que realizou a primeira constrição, valendo inclusive o arresto do artigo 653, “cautelar de ofício”, em verdade, para Ovídio Baptista uma pré-penhora, de tal forma a vigorar para fins de prelação.
Correto, data venia, José da Silva Pacheco[11] entendendo que nossos sistema é diverso do alemão nesse aspecto.
V – EXEGESE DO ART. 659, § 4.°, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
(LEI N.° 10.444/2002)
Candido Rangel Dinamarco lecionou que o registro não é essencial à penhora, pois mesmo sem ele, a penhora existe e será válida e eficaz sempre que atenda às exigências formuladas em lei, não sendo eficaz perante terceiros.
Ora, o registro preceituado no art. 659, § 4.°, do CPC, protege a boa-fé de terceiros, não adequando-se a linha histórica do art. 838, n.° 2, do Código Português, onde a penhora só produz efeitos desde a data do registro.
Para a penhora basta o termo ou o auto. Este, quando lavrado por oficial de justiça e aquele, quando é nomeado ou indicado pelo devedor.
Esse registro destina-se a dar a terceiros conhecimento da penhora, ciência considerada presunção absoluta (iuris et de iure).
VI – A QUESTÃO DA PRESUNÇÃO ABSOLUTA DO ART. 659, § 4.° , DO CPC
O registro da penhora é mero complemento do ato, pois isso já se dizia há várias décadas (Decreto n.° 4.587/39 – art. 179).
Sem registro pode-se perfeitamente fazer intimação da penhora, para correr o prazo para a ação de embargos de devedor contrariante ao que disse Sérgio Bermudes, estudando o art. 669 do CPC[12].
Interessa-nos a presunção absoluta de conhecimento de terceiros para efeitos de fraude à execução.
A presunção é a própria operação mental que conduz a um resultado. Diverso é o fato auxiliar, indício, do qual, através das máximas de experiência (juízos gerais, que podem classificar-se em regras hipotéticas, cuja validade independe de casos concretos)[13], se chega a um fato presumido.
Para Moacir Amaral Santos[14] provas indiretas são as presunções. Provas indiretas podem ser representativas ou históricas (testemunhas, depoimento pessoal, perícia) ou críticas ou lógicas, onde se vêem os indícios meio de prova.
Há as presunções legais: absolutas e relativas, condicionais (iuris tantum).
A reforma traz mais um caso de presunção absoluta (iure et de iure), peremptórias, pois a conclusão extraída pela lei do fato conhecido é havida como verdade indisputável, que não pode ser contrariado. Quero dizer que o novo art. 659, § 4.°, do CPC, soma-se aos artigos 111, 150, 226, p. único, 247, 823, 1.195 do Código Civil Revogado, sem esquecer que a presunção será a conseqüência que o juiz tira do fato conhecido, guiando-se por aquilo que conhece. Do indício (fato conhecido) chega-se a presunção.
Com isso, a questão é de prova indireta a ser usada na comprovação da fraude à execução, onde a alienação do bem penhorado é originalmente ineficaz, destruindo-se a fundamentação do comprador na ação de embargos de terceiros[15], sendo a insolvência presumida em lei (art. 750, I, CPC), despiciendo o consilium fraudis, pois há “presunção peremptória de fraude”.
Consolidam-se os ensinamentos de Pontes de Miranda e de Liebman que vêem na penhora um vínculo meramente processual, sujeitando o bem para fins do processo executivo. Será uma expropriação de eficácia do poder de dispor que no arresto inexiste, pois é medida assecurativa mandamental.
A venda a terceiro de bem penhorado fica sujeita a insensibilidade processual em face dos atos a ele estranhos, persistindo a responsabilidade do alienante, em termos de fraude à execução.
Aperfeiçoa-se a penhora na relação de depósito, que subordina o bem penhorado à guarda e responsabilidade do órgão auxiliar do juízo ou de alguém que a tanto se compromete, em adição à apreensão judicial (art. 664 do Código de Processo Civil) sem ter sido feito o registro. Aquele que adquirir o bem presume-se não ter conhecimento da pendência do processo capaz de conduzir o devedor à insolvência.
Assim, como pela redação trazida pela Lei n.° 8.953/94, em consonância aos artigos 7.° e 14 da Lei n.° 6.830/80 (Lei de Execução Fiscal) cuida-se de medida para proteger o credor exeqüente e o terceiro adquirente de boa-fé, além de inibir a fraude de execução. Se o adquirente opuser embargos de terceiros e não se caracterizar o conhecimento da penhora por outro meio, seus embargos procederão.
Ouso discordar, finalizando, ao dizer, que os atos de expropriação não devem aguardar o registro, pois ele é mero complemento do ato[16]. O que se diz é que a publicidade dos atos processuais é insuficiente como regra prescritiva de conhecimento[17].
Fica a lição de Rangel Dinamarco[18] quando aduz que a conseqüência prática da disposição contida no § 4.° do art. 659 do Código de Processo Civil será a inexistência de fraude de execução capaz de permitir a responsabilidade patrimonial do bem alienado, sempre que a penhora não esteja registrada no Cartório Imobiliário (art. 593, II, do CPC).
Tenha-se em mente a justificativa do projeto de Lei n.° 3.810-A, da Câmara dos Deputados para a exigência:
“Prevenir futuras demandas com alegações de fraude de execução, como tão freqüentemente na prática forense”.
Penhora não é direito real, pois quando se faz seu registro apenas se atribui eficácia “erga omnes” à relação jurídica pessoal.
Afastemo-nos do sistema jurídico de Portugal (art. 838, n.° 2), onde há leitura de um ato processual complexo e necessário à transcrição no registro público de imóveis, pois só produz efeito quanto a terceiros desde a data do registro.
Longa foi a marcha, desde a extraordinaria cognitio até a Lei n.° 10.444, no bojo da reforma do Código de Processo Civil, fixando-se, no Brasil, o pensamento de que a penhora não tem natureza real e o porquê da necessidade de registro no ofício imobiliário.
VI – O RECONHECIMENTO DA FRAUDE À EXECUÇÃO: A QUESTÃO DO REGISTRO
Sob o Código de Processo Civil de 1973 está configurada a fraude à execução no ato de alienação ou oneração de bens do devedor quando o bem for litigioso, ao tempo da alienação, correr contra o devedor uma demanda capaz de reduzi-lo à insolvência, do que se lia do artigo 593, I e II.
Diante do artigo 615 – A do CPC de 1973 autoriza-se o exequente a, no ato de distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, para averbação no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos à penhora ou arresto. Por sua vez, o § 3º considera em fraude à execução a alienação ou a oneração dos bens após essa averbação. Por esse mecanismo, consegue-se então antecipar o reconhecimento da fraude, desde que obtida a averbação da certidão do distribuidor.
Consoante a jurisprudência consolidada na Súmula 375 do STJ, o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado. Na falta de registro, imputa-se ao credor o ônus de provar a má-fé do terceiro adquirente, a fim de demonstrar que este tinha ciência da ação em curso.
Com o novo CPC de 2015 tem-se da leitura do artigo 792:
A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução: I - quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver; II - quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828; III - quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude; IV - quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência; V - nos demais casos expressos em lei.
Necessário, pois, de bom alvitre, que o credor promova a averbação no Cartório de Registro de Imóveis competente, do ato de constrição judicial que comprove que o bem apresenta-se sob segurança de juízo. Averbação é toda alteração que ocorre no registro de imóvel(construção, demolição, extinção da hipoteca etc). Não se confunde com o registro, onde há apresentação de direito real, envolvendo a alienação, ônus reais. Não se confunde com a matrícula que é onde se identifica o imóvel pela localização e descrição exata. O registro tem por finalidade escriturar os atos translativos ou declaratórios da propriedade imóvel e os constitutivos de direitos reais. A averbação tem por finalidade escriturar as alterações e extinções do ato de registro e da própria matrícula.
Mas o registo é essencial à penhora?
A matéria já foi objeto de análise, à luz do artigo 659, § 4º, do CPC de 1973, com a redação dada pela Lei 10.444/2002.
Candido Rangel Dinamarco(A reforma do Código de Processo Civil, 1995) lecionou que o registro não é essencial à penhora, pois mesmo sem ele a penhora existe e será válida e eficaz sempre que atenda às exigências formuladas em lei, não sendo eficaz perante terceiros.
Ora, o registro preceituado no art. 659, § 4º, do Código de Processo Civil, protege a boa-fé de terceiros, não adequando-se à linha histórica do art. 838, n° 2, do Código Português, onde a penhora só produz efeitos desde a data do registro.
Assim para a penhora(ato pelo qual, em virtude de mandado do juiz, são apreendidos e depositados bens do executado para a segurança do juízo), basta o termo ou o auto. Este, quando lavrado por oficial de justiça, e aquele, quando é nomeado ou indicado pelo devedor.
Esse registro destina-se a dar a terceiros conhecimento da penhora, ciência considerada presunção absoluta (iuris et de iure).
Esse registro da penhora seria mero complemento do ato.
Para Dinamarco, a consequência que se tinha do parágrafo quarto do artigo 659 do CPC de 1973 seria a inexistência de fraude à execução capaz de permitir a responsabilidade patrimonial do bem alienado, sempre que a penhora não estivesse registrada no Cartório Imobiliário(artigo 593, II, CPC de 1973).
Tem-se então o que segue:
a) O reconhecimento da fraude à execução depende da prévia averbação do processo ou da constrição judicial que recai sobre o bem alienado. Por sua vez, o § 4º do art. 828 do NCPC considera em fraude à execução a alienação ou a oneração dos bens após essa averbação.
b) }A 2ª parte da Súmula 375 do STJ foi reafirmada pelo § 2o do art. 792 do NCPC, verbis: “No caso de aquisição de bem não sujeito a registro, o terceiro adquirente tem o ônus de provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem”.
Tratemos da matéria com relação a fraude à execução fiscal no que concerne aos créditos da Fazenda Pública.
A matéria é regida por lei especial, a Lei 6.830/80 e pelo artigo 185 do CTN quando se diz:
Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.(Redação dada pela Lc nº 118, de 2005)
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita. (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005)
O Superior Tribunal de Justiça editou na matéria a Súmula 375, no sentido de que o reconhecimento da fraude à execução depende de registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do adquirente, face ao regramento existente do artigo 185 do Código Tributário Nacional. Em seu voto no AgRg no Recurso Especial 1065799/RS, DJe de 28 de fevereiro de 2011, o Ministro Luiz Fux lembrou, à luz da doutrina, que a fraude à execução, diversamente da fraude contra credores, opera-se in re ipsa, vale dizer, tem caráter absoluto, objetivo, dispensando o concilium fraudis.
Sendo assim, há fraude à execução fiscal sempre que há alienação de bem posterior à citação do devedor, trazendo ineficácia (nem inexistência ou invalidade) do negócio jurídico, sendo irrelevante o fato da ausência de penhora gravada no registro de imóveis e da boa-fé do terceiro.
Posteriormente, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do AgRg no Recurso Especial 1240398/AL, Relator Ministro Humberto Martins, DJe de 03 de maio de 2011, manteve tal posição, entendendo inaplicável a Súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça, fazendo a correta leitura do artigo 185 do Código Tributário Nacional, com a redação dada pela Lei Complementar nº 118/2005.
O Ministro Mauro Campbell Marques, no julgamento do Recurso Especial nº 772829//RS, DJe de 10 de fevereiro de 2011, reiterou que a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo, no Recurso Especial nº 1.141.990/PR, da relatoria do Ministro Luiz Fux, decidiu no sentido da não incidência da Súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça em sede de execução tributária, uma vez que o artigo 185 do Código Tributário Nacional, seja em sua versão original, seja na redação dada pela Lei Complementar nº 118/05, presume a ocorrência de fraude à execução quando, no primeiro caso, a alienação se dá após a citação do devedor na execução fiscal, e, no segundo caso, após a Lei Complementar nº 118/05, a presunção ocorre quando a alienação é posterior à inscrição do débito tributário em dívida ativa.
Naquele feito, além da presunção in re ipsa, absoluta da fraude, reconheceu a Corte a quo a existência de consilium fraudis na hipótese, uma vez que a alienação da fração ideal (50%) do imóvel pertencente ao sócio alvo do redirecionamento da execução se deu para sua irmã, após a citação válida do devedor, que era editalícia, onde se exigia que fosse nomeado curador especial com legitimidade para apresentar embargos, nos termos da Súmula 196 do Superior Tribunal de Justiça.
Entendeu-se configurada a fraude com a alienação do bem posterior à inscrição em dívida ativa e a citação do devedor.
Nessa linha de pensar, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao examinar o Recurso Especial nº 1.141.990/PR, julgado sob o rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil e da Resolução STJ nº 08/2008, concluiu que: a) a natureza jurídica tributária do crédito conduz a que a simples alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, pelo sujeito passivo por quantia inscrita em dívida ativa, sem a reserva de meios para a quitação do débito, gera presunção absoluta (iure et de iure) de fraude à execução (lei especial que se sobrepõe ao regime do direito processual civil); b) a alienação engrendrada até 08 de junho de 2005 exige que tenha havido prévia citação no processo judicial para caracterizar a fraude de execução; se o ato translativo for praticado a partir de 09 de junho de 2005, data de início da vigência da Lei Complementar nº 118/2005, bastando a efetivação da inscrição em dívida ativa para a configuração da fraude; c) a fraude à execução, prevista no artigo 185 do Código Tributário Nacional, encerra presunção jure et de iure, conquanto componente do elenco das garantias do crédito tributário; d) a inaplicação do artigo 185 do Código Tributário Nacional, dispositivo que não condiciona a ocorrência de fraude a qualquer registro público, importa violação da Cláusula da Reserva de Plenário, afrontando a Súmula Vinculante nº 10 do STF; e) a ocorrência de fraude à execução, quando a alienação do bem ocorreu antes da alteração da alteração do artigo 185 do Código Tributário Nacional pela Lei Complementar nº 118/2005, depende da citação do sujeito passivo.
Observe-se que, no passado, o Superior Tribunal de Justiça decidiu sobre o Recurso Especial nº 625.235/RN, Relator Ministro Carlos Menezes Direito, Terceira Turma, julgado em 21 de setembro de 2004, DJ de 25 de outubro de 2004, à luz de precedente julgado pelo Ministro Eduardo Ribeiro, de que a fraude à execução pressupõe uma de duas situações: a alienação de imóvel na pendência de uma demanda, circunstância que só se caracteriza com a citação válida, ou após o registro da penhora, caso não se demonstre a má-fé do adquirente (REsp 625.235/RN).
Destaco, nessa linha de entendimento, a orientação, no passado, do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do EREsp nº 31.321/SP, Relator Ministro Milton Luiz Pereira, DJ de 16 de novembro de 1999, onde se diz que: a) a interpretação do artigo 185, CTN, não deve ser ampliada, restringindo-se ao que contém, afastando-se a presunção juris et de juris; b) o Código Tributário Nacional e o Código de Processo Civil não estabelecem a indisponibilidade do bem alforriado de constrição judicial; c) a pré-existência de dívida inscrita ou de execução, por si só, não constitui ônus erga omnes efeito da publicidade do registro de imóveis; d) para a demonstração do consilium fraudis não basta o ajuizamento da ação, pois a demonstração de má-fé pressupõe ato de efetiva citação ou de constrição judicial ou de atos repersecutórios vinculados ao imóvel; e) validade da alienação a terceiro que adquiriu o bem sem conhecimento de constrição, já que nenhum ônus foi dado à publicidade.
É certo que os precedentes que levaram à edição da Súmula nº 375 do Superior Tribunal de Justiça não foram exarados em processos tributários nos quais se controverteu em torno da redação do artigo 185 do Código Tributário Nacional. Aliás, na fraude civil, afronta-se interesse privado; na fraude fiscal, o que se tem é lesão ao interesse público, uma vez que a matéria envolve o recolhimento de tributos.
Há o entendimento de que a presunção de fraude na alienação de bens é mais uma garantia do crédito tributário. Sendo assim, presume-se, a teor do artigo 185 do Código Tributário Nacional, a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito com a Fazenda Pública por crédito tributário regularmente inscrito com dívida ativa em fase de execução.
Se alguém é devedor de um tributo e vende, ou por qualquer outra forma aliena, algum bem depois de inscrito o seu débito tributário como dívida ativa, essa alienação se considera fraudulenta. Isso porque o ato de alienação teria por objetivo frustrar a execução do crédito tributário, e tal presunção é legal e absoluta.
Veio a Lei Complementar nº 118/2005, que deu nova redação ao artigo 185 do Código Tributário Nacional, no sentido de que a fraude à execução deve passar a possuir nova disciplina, antecipando-se a presunção de fraude para o momento da inscrição em dívida ativa.
Assim se teria conclusivamente: a) a natureza jurídica tributária do crédito conduz a que a simples alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, pelo sujeito passivo por quantia inscrita em dívida ativa, sem a reserva de meios para a quitação do débito, gera presunção absoluta de fraude à execução, tendo-se que lei especial se sobrepõe ao regime do direito processual civil; b) a alienação engendrada até 08 de junho de 2005, data da vigência da Lei Complementar nº 118/2005, exige que tenha havido prévia citação no processo judicial para caracterizar a fraude à execução; se o ato translativo foi praticado a partir de 09 de junho de 2005, data de início da vigência da Lei Complementar nº 118/2005, basta a efetivação da inscrição em dívida ativa para a configuração do instituto da fraude; c) a fraude de execução prevista no artigo 185 do Código Tributário Nacional encerra presunção jure et de iure. Aguardemos o posicionamento na matéria por parte do Superior Tribunal de Justiça diante da vigência do Código de Processo Civil de 2015.
Mas fica a ideia de que lei geral não revoga lei especial.
Aplica-se, na matéria, lei especial, a Lei Complementar 118/2005.
VII – A QUESTÃO DA PREFERÊNCIA NA PENHORA
No Código de Processo Civil de 1973 tinha-se:
Concorrendo vários credores, o dinheiro ser-lhes-á distribuído e entregue consoante a ordem das respectivas prelações; não havendo título legal à preferência, receberá em primeiro lugar o credor que promoveu a execução, cabendo aos demais concorrentes direito sobre a importância restante, observada a anterioridade de cada penhora.
O quadro mudou consoante se vê no artigo 908 do CPC de 2015:
Art. 908 Havendo pluralidade de credores ou exequentes, o dinheiro lhes será distribuído e entregue consoante a ordem das respectivas preferências.
§ 1º No caso de adjudicação ou alienação, os créditos que recaem sobre o bem, inclusive os de natureza propter rem, sub-rogam-se sobre o respectivo preço, observada a ordem de preferência.
§ 2º Não havendo título legal à preferência, o dinheiro será distribuído entre os concorrentes, observando-se a anterioridade de cada penhora.
Os exequentes formularão as suas pretensões, que versarão unicamente sobre o direito de preferência e a anterioridade da penhora, e, apresentadas as razões, o juiz decidirá.
Comentando o assunto disse Scarpinella: [19]
O Projeto da Câmara propunha para seu art. 925 um parágrafo único, que previa expressamente o cabimento de agravo de instrumento contra a decisão a ser proferida diante do incidente ora anotado. A sua não subsistência na versão final do novo CPC é indiferente perante o parágrafo único do art. 1.015: são agraváveis de instrumento todas as decisões interlocutórias proferidas na fase de cumprimento de sentença e na execução, não havendo razão nenhuma para excluir aquela aqui prevista.”. entando a matéria disse Cássio Scarpinella