INTRODUÇÃO
A violência contra a mulher, infelizmente, é muito presente na vida das famílias brasileira. Apesar de existir uma lei específica para inibir esta covardia – a Lei Maria da Penha – ainda percebemos notícias de brutalidade e agressividade realizadas por ex-maridos, namorados e companheiros no cotidiano das nossas vidas. Com isso, a necessidade de se avançar nos mecanismos de proteção à mulher.
No início de um novo século (XXI), as mulheres continuam sendo oprimidas devido à desigualdade, esta tendo como pano de fundo, motivos econômicos, modelos preconceituosos de comportamento ou aparência das pessoas. A discriminação de gênero, que tem se manifestado ao longo da História nas mais variadas formas, a exemplo da violência doméstica, nas suas várias modalidades.
Para tanto, deve-se ter como ponto de partida o conceito de gênero, que é o “conjunto modificável de características culturais, sociais e educacionais atribuídas pela sociedade ao comportamento humano, qualificando-o de masculino ou feminino”. (SCOTT, 1990).
Gênero é relativo à identidade social de mulheres e homens, as quais são adotadas em uma determinada época.
Sexo é o conjunto de “características físicas, biológicas e psicológicas, naturais e imodificáveis, que qualificam um ser humano como homem ou como mulher.” (LOPES, 2011, p. 24).
Ana Maria D’Ávila Lopes a respeito deste tema, assevera que:
Tradicionalmente, os dois conceitos foram identificados como sinônimos. Assim, o gênero masculino era entendido como correspondente ao homem e o gênero feminino à mulher. É exemplo de gênero, de construção social, afirmar que as meninas devem brincar com bonecas e panelas, enquanto os meninos devem brincar com espadas, carrinhos e bolas, porque são esses comportamentos femininos e masculinos que respectivamente devem ser esperados das meninas e dos meninos. A origem dessa distinção é do tempo das cavernas. As meninas têm que se preparar para, quando adultas, se tornarem boas mães, boas donas de casa. Os meninos, por sua vez, têm que desenvolver a força física, as habilidades técnicas e intelectuais, para terem êxito no espaço público. (LOPES, 2011, p. 24-25).
O presente trabalho tratar-se-á a violência doméstica contra a mulher a partir de um caso paradigmático, levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos pela requerente Maria da Penha Maia Fernandes, a égide da Lei n. 11.340/2006 – conhecida como Lei Maria da Penha, o marco legal no âmbito do direito internacional, os fatos que levaram o Brasil a sancionar uma lei para enfrentar a violência contra a mulher.
HISTÓRICO DA LEI MARIA DA PENHA
A Lei 11.340/06, conhecida com Lei Maria da Penha, ganhou este nome em homenagem à Maria da Penha Maia Fernandes, que por vinte anos lutou para ver seu agressor preso.
Maria da Penha é biofarmacêutica cearense, e foi casada com o professor universitário Marco Antonio Herredia Viveros. Em 1983 ela sofreu a primeira tentativa de assassinato, quando levou um tiro nas costas enquanto dormia. Viveros foi encontrado na cozinha, gritando por socorro, alegando que tinham sido atacados por assaltantes. Desta primeira tentativa, Maria da Penha saiu paraplégica A segunda tentativa de homicídio aconteceu meses depois, quando Viveros empurrou Maria da Penha da cadeira de rodas e tentou eletrocuta-la no chuveiro.
Apesar da investigação ter começado em junho do mesmo ano, a denúncia só foi apresentada ao Ministério Público Estadual em setembro do ano seguinte e o primeiro julgamento só aconteceu 8 anos após os crimes. Em 1991, os advogados de Viveros conseguiram anular o julgamento. Já em 1996, Viveros foi julgado culpado e condenado há dez anos de reclusão mas conseguiu recorrer.
Mesmo após 15 anos de luta e pressões internacionais, a justiça brasileira ainda não havia dado decisão ao caso, nem justificativa para a demora. Com a ajuda de ONGs, Maria da Penha conseguiu enviar o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), que, pela primeira vez, acatou uma denúncia de violência doméstica. Viveiro só foi preso em 2002, para cumprir apenas dois anos de prisão.
O processo da OEA também condenou o Brasil por negligência e omissão em relação à violência doméstica. Uma das punições foi a recomendações para que fosse criada uma legislação adequada a esse tipo de violência. E esta foi a sementinha para a criação da lei. Um conjunto de entidades então se reuniu para definir um anti-projeto de lei definindo formas de violência doméstica e familiar contra as mulheres e estabelecendo mecanismos para prevenir e reduzir este tipo de violência, como também prestar assistência às vítimas.
Em setembro de 2006 a lei 11.340/06 finalmente entra em vigor, fazendo com que a violência contra a mulher deixe de ser tratada como um crime de menos potencial ofensivo. A lei também acaba com as penas pagas em cestas básicas ou multas, além de englobar, além da violência física e sexual, também a violência psicológica, a violência patrimonial e o assédio moral.
DADOS ESTATÍSTICOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER
Dia 25 de novembro é o Dia Internacional de Combate à Violência Contra as Mulheres, data instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1999. Além das milhares de ações espalhadas pelo país para refletir sobre a violência contra a mulher, este também é um dia para lutar pelo direito à vida. Segundo um estudo divulgado pelo Mapa da Violência em 2012, abordando os homicídios de mulheres no Brasil, 92 mil mulheres foram assassinadas no país de 1980 a 2010.
Com isso, o Brasil ocupa atualmente o 7º lugar no ranking dos países que mais registram violência contra a mulher que resulta em morte. Em 1980, mais de 1.300 mulheres foram vítimas de assassinato no Brasil. Já em 2010, 4.465 vítimas foram registradas. Isso indica um aumento de 230% dos homicídios femininos em 30 anos.
O estudo mostra que as armas de fogo continuam sendo o instrumento mais utilizado nos homicídios. Além disso, o uso de objetos cortantes, penetrantes, contundentes ou até a sufocação também faz parte das estatísticas de instrumentos que tiram a vida dessas mulheres no Brasil. Vítimas estas que, em 41% dos casos, foram feridas dentro de suas casas.
Os dados do estudo mostram que todas as faixas etárias estão dentro dos registros de assassinatos no Brasil, sejam meninas de menos de um ano ou mulheres idosas com 80 anos ou mais. No entanto, as mulheres que estão entre 20 e 29 anos foram as mais vitimizadas, atingindo 1.382 mulheres assassinadas em 2010.
E mesmo esses números já serem suficientes para indicar tamanha gravidade, a violência contra as mulheres também são realizadas por agressões psicológicas, sexuais, econômicas, tráfico de seres humanos e outras. As violências físicas somam 44% do total de violência contra as mulheres no Brasil em 2011. Já as psicológicas ficam em segundo lugar, somam 20,8% das vítimas. E, em seguida, está a violência sexual com 12,2% do total de mulheres agredidas.
A militante da Marcha Mundial das Mulheres, Liliane Coelho, destaca o importante trabalho do registro de homicídios femininos no Brasil. No entanto, o registro de estupros tem se mostrado muito significativo no país. Liliane destaca que "a violência moral e psicológica não tem registros precisos. E isso acontece porque muitas mulheres procuram ajuda para fazer denúncia, mas, muitas vezes, esse registro não é feito como uma denúncia de gênero. Isso indica um registro distorcido dentro das delegacias".
QUADRO COMPARATIVO DAS PRINCIPAIS ALTERAÇÕES DA LEI MARIA DA PENHA
A Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) transforma o ordenamento jurídico brasileiro e expressa o necessário respeito aos direitos humanos das mulheres e tipifica as condutas delitivas. Além disso, essa lei modifica, significativamente, a processualística civil e penal em termos de investigação, procedimentos, apuração e solução para os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Veja, a seguir, um quadro comparativo das principais alterações.
ANTES DA LEI MARIA DA PENHA |
DEPOIS DA LEI MARIA DA PENHA |
Não existia lei específica sobre a violência doméstica |
Tipifica e define a violência doméstica e familiar contra a mulher e estabelece as suas formas: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. |
Não tratava das relações entre pessoas do mesmo sexo. |
Determina que a violência doméstica contra a mulher independe de orientação sexual. |
Nos casos de violência, aplica-se a lei 9.099/95, que criou os Juizados Especiais Criminais, onde só se julgam crimes de "menor potencial ofensivo" (pena máxima de 2 anos). |
Retira desses Juizados a competência para julgar os crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher. |
Esses juizados só tratavam do crime. Para a mulher resolver o resto do caso, as questões cíveis (separação, pensão, gaurda de filhos) tinha que abrir outro processo na vara de família. |
Serão criados Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e criminal, abrangendo todas as questões. |
Permite a aplicação de penas pecuniárias, como cestas básicas e multas. |
Proíbe a aplicação dessas penas. |
A autoridade policial fazia um resumo dos fatos e registrava num termo padrão (igual para todos os casos de atendidos). |
Tem um capítulo específico prevendo procedimentos da autoridade policial, no que se refere às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. |
A mulher podia desistir da denúncia na delegacia. |
A mulher só pode renunciar perante o Juiz. |
Era a mulher quem, muitas vezes, entregava a intimação para o agressor comparecer às audiências. |
Proíbe que a mulher entregue a intimação ao agressor. |
Não era prevista decretação, pelo Juiz, de prisão preventiva, nem flagrante, do agressor (Legislação Penal). |
Possibilita a prisão em flagrante e a prisão preventiva do agressor, a depender dos riscos que a mulher corre. |
A mulher vítima de violência doméstica e familiar nem sempre era informada quanto ao andamento do seu processo e, muitas vezes, ia às audiências sem advogado ou defensor público. |
A mulher será notificada dos atos processuais, especialmente quanto ao ingresso e saída da prisão do agressor, e terá que ser acompanhada por advogado, ou defensor, em todos os atos processuais. |
A violência doméstica e familiar contra a mulher não era considerada agravante de pena. (art. 61 do Código Penal). |
Esse tipo de violência passa a ser prevista, no Código Penal, como agravante de pena. |
A pena para esse tipo de violência doméstica e familiar era de 6 meses a 1 ano. |
A pena mínima é reduzida para 3 meses e a máxima aumentada para 3 anos, acrescentando-se mais 1/3 no caso de portadoras de deficiência. |
Não era previsto o comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação (Lei de Execuções Penais). |
Permite ao Juiz determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação. |
O agressor podia continuar frequentando os mesmos lugares que a vítima frequentava. Tampouco era proibido de manter qualquer forma de contato com a agredida. |
O Juiz pode fixar o limite mínimo de distância entre o agressor e a vítima, seus familiares e testemunhas. Pode também proibir qualquer tipo de contato com a agredida, seus familiares e testemunhas. |
O SILENCIO DA VITIMA E A INTRIGANTE DUVIDA: POR QUE A MULHER RETOMA O RELACIONAMENTO COM O AGRESSOR?
Não raras vezes, contudo, nega-se a gravidade da violência, como se a retratação da vítima ou a reconciliação do casal resolvesse a questão. Fala-se em “restabelecer a paz” familiar ou desnecessidade de intervenção estatal.
Se a reconciliação resolve o problema, por que motivo as mulheres continuam a morrer no Brasil?
Para se aplicar a Lei Maria da Penha de modo efetivo e evitar mortes é necessário transcender o Direito e incorporar conceitos de outros áreas, capazes de explicar os motivos do silêncio da vítima. O risco de morte é sempre presente e, embora a literatura indique sinais de “alerta”, não há como se antever o feminicídio.
Há duas realidades incontestáveis: de um lado a possibilidade de feminicídio e de outro a postura reticente da vítima, que ocorre na maioria dos casos.
Um primeiro aspecto a ser salientado é o de que a retratação é um fenômeno mundial. Não só as mulheres brasileiras se retratam, mas também as africanas, asiáticas, inglesas e americanas. A retratação não decorre de cultura ou origem, mas de outros fatores que escapam ao âmbito jurídico.
Vários fatores conduzem ao silêncio da mulher: vergonha da exposição da vida privada, crença na mudança do parceiro (na fase de lua de mel), inversão da culpa, revitimização e medo de reviver o trauma.
A crença da mudança do parceiro normalmente ocorre na fase da “lua de mel” do ciclo da violência. Esse ciclo foi desenvolvido por Lenore Walker, americana que entrevistou 1500 mulheres vítimas e descobriu que a violência ocorre de uma forma cíclica, em fases que se repetem continuamente. Inicialmente, foram apontadas quatro fases, mas a doutrina atual menciona três fases: tensão, explosão e lua de mel.
Na primeira fase, o homem demonstra irritabilidade e comportamento instável, mas a vítima acredita que conseguirá controlá-lo com sua postura obediente e compreensiva.
Na segunda fase, o homem perde o controle e pratica violência. É o momento dos socos, puxões de cabelo, chutes, estupro e outros atos de agressão. A vítima se sente impotente em controlar o parceiro.
Na terceira fase, conhecida como “lua de mel”, há a reconciliação do casal. O agressor muda seu comportamento. Estudiosos dizem que não se trata de um “fingimento”, mas de uma mudança real e temporária. Torna-se atencioso, respeitoso, abandona álcool e drogas. Mas a transformação é passageira, pois sem a modificação de padrões internos o agressor voltará a praticar violência com intensidade crescente.
Normalmente, a vítima retorna ao silêncio e muda seu depoimento na fase de “lua de mel”, pois acredita na mudança do parceiro. A frase “dessa vez, ele aprendeu a lição” reflete a esperança da vítima.
Além disso, a repetição do ciclo conduz à impossibilidade de reação, o que se denomina de Síndrome do Desamparo Aprendido. Experiências com animais revelaram que a repetição de atos de violência pode acionar no cérebro um mecanismo inibidor da reação. Descobriu-se que com as mulheres vítimas de violência acontece o mesmo fenômeno: a repetição da violência inibe a reação. Por isso as vítimas de feminicídio morrem sem esboçar reação, inertes e indefesas (Os experimentos realizados por H. Laborit com ratas e Seligman com cachorros, bem como a teoria learned helplessness – impotência aprendida – são referidos por Marie-France Hirigoyen, Op. cit, p. 80).
Além da inversão da culpa, mencionada no artigo anterior, um dos fatores que leva ao silêncio é a revitimização. Fala-se em vitimização primária (causada pelo agente) e secundária (pelas autoridades).
Em regra, o autor de violência tem uma conduta social ilibada. Ao longo da vida incorporou um padrão de relacionamento em que o homem exerce poder sobre a mulher e tem o direito de repreendê-la. Por esse motivo, em audiências, muitas vezes o agressor justifica sua conduta com base em um “deslize” da vítima.
Socialmente, o agressor aparece como um bom cidadão. A vítima, em razão do sofrimento, pode adotar postura emotiva, reacional ou demonstrar ênfase em suas observações. Quando procura ajuda, pode ser mal compreendida pelas autoridades e a forma como é atendida é fundamental para que mantenha sua versão. Nunca se deve questionar a causa da violência “na vítima” (sua conduta, roupas, postura), mas sim no agente. Perguntar “o que a senhora fez?” é uma inadmissível inversão de culpa.
Não só o descaso e a falta de compreensão de autoridades conduzem ao silêncio. Também a vitimização por parte dos filhos, amigos e parentes, que usam fatores externos para negar a violência ou justificá-la.
É certo que a vítima retoma o relacionamento com o parceiro em razão do sentimento dúbio de amor e ódio, mas também pela falta de compreensão ou fragilidade. Contudo, essa reconciliação não significa em absoluto ausência de risco de morte. À pergunta “por que a vítima retoma o relacionamento com o parceiro” podemos responder: porque desconhece o risco de morte e não consegue reagir. Por isso, deve ser ouvida, acolhida e encaminhada. Ainda que esteja presa às amarras da violência, a informação pode surgir para a vítima como um sonho de liberdade.
CONCLUSÃO
Pelo que foi exposto, demonstra que a Lei em destaque até então não fez surgir o efeito desejado, mas seria utópico acreditar que a criação de uma lei e sua consequente publicação no diário oficial, irá pôr fim a um problema que se arrasta a gerações.
A violência é antes de tudo um fenômeno social e do cotidiano inerente ao ser humano. A criação de leis não irá por si mudar esse fator, mas contribuirá para punição daqueles que desrespeitam o ordenamento jurídico, as vítimas poderão por meio delas buscar o amparo e resposta judicial.
A resposta legislativa é como a poda de uma árvore, tenta-se controlar os galhos, ou seja resolver por cima o problema, mais a raiz está intacta, e os ramos sempre irão crescer novamente. O ser humano para ser transformado precisa ser trabalhado na essência desde o seu crescimento e desenvolvimento, principalmente pela educação, lares onde a violência predomina gera reflexos nos que deles descendem, pois grande parte cresce achando que aquilo que vivenciou numa fase crucial de sua vida, era normal, e termina levando isso para a vida adulta e sua consequente família, gerando um círculo vicioso e de difícil ruptura.
A mulher desde os primórdios da humanidade foi tratada com desigualdade diante dos homens ser inferior, desigual, frágil, dentre outros termos, fato esse ainda vigente em algumas partes do mundo considerando-a como cidadão de segunda classe.
No Brasil a violência contra as mulheres tem raízes patriarcais, o homem por muitos séculos foi o senhor absoluto do lar, das decisões do casal, da família, e este fator ainda hoje é muito forte dentro da nossa sociedade. Ademais a violência contra as mulheres não é somente um fenômeno das classes menos abastadas, está em todos os meios sociais. As que padecem os flagelos maiores são as que estão nas classes menos favorecidas, devido as circunstâncias que se encontram, fatores como: prole numerosa, falta de estudo, desemprego, o homem é provedor do sustendo integral da família, pressão dos familiares, além de outros fatores, influenciam no rompimento desta relação e denúncia da violência vivida.
Mulheres merecem respeito e dignidade são trabalhadoras, mães, esposas, companheiras, donas de casa, e tantas outras funções que na vida moderna acumulam, não merecem ser tratadas com brutalidade, ignorância, violência ou opressão.