Resumo: O presente artigo visa analisar a possibilidade de cancelamento de reservas de vagas em hotéis feitas pelo consumidor fora do estabelecimento comercial, especialmente pela internet. Para tanto, enfatizam-se, no presente trabalho, os direitos e os ônus inerentes a essa prática. Baseando-se em artigos do Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei nº 8.078/1990) e na jurisprudência pátria, serão abordadas questões inerentes ao tema de forma a esclarecer dúvidas comuns de consumidores e dos operadores do direito, expondo em quais situações é possível o ressarcimento de valores ao consumidor que adianta o pagamento de valores, mas opta pelo cancelamento da reserva.
Palavras-chave: Reserva de hotel; Internet; Arrependimento.
1 INTRODUÇÃO
É frequente a realização de reservas hoteleiras por telefone ou por meios eletrônicos, através de aplicativos e contato direto com os hotéis e pousadas que utilizam esses meios de comunicação com os seus clientes. Nessa nova maneira de negociar a estadia, muitas vezes, os consumidores acabam se precipitando e pagando pela reserva sem ter certeza de que realmente vão usufruir do serviço.
Diante dessa situação, quando ocorre o arrependimento da compra, surgem diversas circunstâncias relacionadas à aplicabilidade da legislação consumerista, principalmente no que diz respeito às famosas “tarifas não reembolsáveis”.
O objetivo do presente artigo é analisar a possibilidade de cancelamento das reservas à luz da legislação nacional, em especial do Código de Defesa do Consumidor. Para tanto, inicialmente, serão abordados conceitos fundamentais, seguindo-se para o estudo dos principais dispositivos legais e o entendimento jurisprudencial sobre o tema.
Por fim, serão apresentadas as conclusões de forma a apontar se há situações em que o consumidor pode requerer o ressarcimento dos valores pagos de forma antecipada, seja de forma integral ou parcial, ou se os hotéis podem reter de forma integral as quantias antecipadas.
2 DO DIREITO DE ARREPENDIMENTO NAS RESERSAS HOTELEIRAS
O direito de arrependimento possui previsão legal no art. 49 do CDC. Antes de se passar ao estudo do indigitado dispositivo, faz-se necessário apresentar alguns comentários sobre o direito consumerista de forma a aplicá-los ao ramo das atividades hoteleiras.
2.1 Da relação de consumo
O CDC pode ser conceituado como um conjunto de normas que objetivam proteger e defender os direitos dos consumidores, disciplinando as relações de consumo e estabelecendo os padrões de conduta que devem ser adotados tanto pelos usuários como pelos fornecedores dos serviços. Nesse diapasão, há grande dificuldade em diferenciar os sujeitos da relação de consumo, quais sejam, consumidores e fornecedores.
Diante disso, no art. 2º do código supracitado, é apresentado o conceito de consumidor, afirmando ser este “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”, ou seja, é qualquer pessoa que compra um produto ou solicita um serviço com o fim de satisfazer suas necessidades pessoais. Desse modo, na situação estudada, considera-se como consumidor a pessoa que realiza a reserva no estabelecimento hoteleiro, mesmo que não venha a usufruir de fato do serviço.
De outro modo, o art. 3º da mesma lei aponta para o conceito de fornecedor, sendo este “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. Logo, também se observa que os estabelecimentos hoteleiros devem ser colocados como fornecedores na situação em que se estuda no presente artigo.
Sendo assim, haja vista a existência da figura do consumidor frente a um fornecedor, é possível aplicar ao caso em análise o CDC com todas as suas implicações, afastando-se as normas da mesma natureza ou em sentido contrário do Código Civil (Lei nº 10.406/2002). É mister frisar que esse diploma objetiva imperativamente proteger o sujeito consumidor em suas relações implicitamente vulneráveis com os fornecedores, uma vez que se trata de uma relação entre desiguais.
2.2 Do direito ao arrependimento
O direito ao arrependimento é uma importante regra relativa à desistência de compras realizadas fora do estabelecimento comercial. Neste dispositivo estão abarcadas diversas situações, como aquela em que o fornecedor dirige-se ao trabalho do consumidor, por exemplo.
Tal direito não se condiciona às razões ou motivos que levaram ao consumidor desistir da compra, assim como não é necessário haver qualquer tipo de vício ou defeito no produto. De outro modo, é importante ressaltar que o prazo para manifestação da desistência se limita a sete dias “a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço”.
De outro modo, no caso da compra ter sido realizada em meio eletrônico, é crucial a existência do direito em análise, uma vez que o consumidor não teve acesso físico ao produto antes de obtê-lo. Assim, por mais que sejam exibidas imagens esclarecedoras sobre o que se deseja comprar, nada substitui o contato direto do consumidor com o bem, contato este que consiste no adequado exame do produto.
Nesse prisma de abordagem, resta claro que deve ser aplicado o CDC nas hipóteses deste artigo. Este prevê, em seu art. 49, o direito de arrependimento retromencionado para as compras ou contratação de serviços quando solicitados fora do estabelecimento comercial nos seguintes termos:
“O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 (sete) dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio”.
O intuito dessa norma é proteger o consumidor que adquire produto ou serviço por um dos meios citados no artigo acima e arrepende-se no período de 07 (sete) dias. Nesse caso, a desistência ocorre sem nenhum tipo de ônus ao contratante, devendo haver a restituição atualizada dos valores, conforme o parágrafo único do artigo 49 do diploma consumerista.
De outro modo, percebe-se que o direito de arrependimento não depende de qualquer impropriedade do objeto, podendo ser livremente exercitado desde que cumpridas as previsões legais. Ressalta-se, ainda, que na hipótese do cancelamento ocorrer depois desse período, a devolução dependerá da previsão contratual que, normalmente, está disponível no regulamento do próprio site do hotel ou empresa.
Ademais disso, apesar de não ter sido expressamente citada, as compras realizadas pela internet também se sujeitam ao direito previsto no artigo citado, uma vez que não se trata de um rol exaustivo. Tal equívoco decorre do ano de instituição da internet ao público, a qual se deu em 1993, enquanto a lei instituidora do CDC data de 1990.
Dessa forma, embora o referido diploma não faça menção à hipótese trazida à baila, não há que se falar em prejuízos, pois, uma vez presentes os requisitos constantes no artigo 49 e tratando-se de uma relação de consumo, é evidentemente aplicável o CDC.
Além disso, percebe-se que o direito de arrependimento não pode ser confundido com a resolução dos contratos em razão do vício de qualidade ou quantidade, hipótese constante no art. 18 do CDC. Tal previsão aponta que o consumidor só poderá pedir restituição do dinheiro se o produto tiver defeito não sanável no prazo de 30 (trinta) dias. Nesse ínterim, é importante observar que a legislação em análise não possui o fito de prejudicar os fornecedores, mas sim de trazer maior equidade na relação jurídica estabelecida.
Diante do exposto, ao realizar reservas hoteleiras fora do estabelecimento, o consumidor terá o prazo de 07 (sete) dias para desistir, independente das famosas “tarifas não reembolsáveis” constarem no site da compra. De outro modo, por mais que tal informação seja claramente repassada pelo fornecedor ao contratante do serviço, amparado na legislação consumerista supradescrita, este terá a possibilidade de, dentro do chamado “prazo de reflexão”, desistir da compra, sendo devidamente reembolsado da quantia gasta.
Nesse contexto, a expressão “tarifa não reembolsável” faz alusão a uma taxa geralmente cobrada pelos estabelecimentos hoteleiros quando ocorrem desistências ou cancelamentos das reservas realizadas. Normalmente, tais valores e taxas são mencionados nas condições dos quartos e são recomendadas apenas quando o consumidor tem certeza das datas que pretende reservar, assim como o tipo de quarto que deseja.
Apesar de tal prática ser recorrente, se o consumidor desistir dentro do referido prazo de sete dias, não há que se falar em valores pendentes de pagamento, devendo o desistente ficar atento quanto ao período previsto.
2.3 Do entendimento jurisprudencial
Como se observa, muito embora a legislação nacional traga as referidas benesses para o consumidor, não é raro que hotéis questionem a devolução de valores quando os consumidores se arrependem da compra ou reserva feita.
Desse modo, vários foram os casos levados ao conhecimento do Judiciário. No presente tópico serão analisadas duas situações de modo a expor como os magistrados, em especial os que atuam nos Juizados Especiais, têm se manifestado a respeito do tema.
A primeira situação apresentada foi analisada pela 3ª Turma recursal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal a respeito de uma situação em que foi cobrado indevidamente o valor investido pelo consumidor, após este, respeitando o prazo previsto no CDC, ter desistido da hospedagem. Vejamos:
“CONSUMIDOR. PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE PASSIVA. HOSPEDAGEM. SERVIÇO CONTRATADO FORA DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL. INTERNET. DIREITO DE ARREPENDIMENTO. PRAZO DE REFLEXÃO. DEVIDO O REEMBOLSO DO VALOR ADIMPLIDO. COBRANÇA INDEVIDA APÓS O CANCELAMENTO. [...] 2. APLICA-SE O DISPOSTO NO ART. 49 DO CDC ÀS COMPRAS EFETUADAS POR MEIO DA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES, POIS REALIZADAS FORA DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL. [...] 3.NOS TERMOS DO ART. 49 DO CDC, O CONSUMIDOR PODE DESISTIR DO CONTRATO NO PRAZO DE 7 (SETE) DIAS, A CONTAR DE SUA ASSINATURA OU DO ATO DE RECEBIMENTO DO PRODUTO OU SERVIÇO, SEMPRE QUE A COMPRA OCORRER FORA DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL (PRAZO DE REFLEXÃO) [...]. (TJ-DF - ACJ: 20130710102899 DF 0010289-48.2013.8.07.0007, Relator: CARLOS ALBERTO MARTINS FILHO, Data de Julgamento: 17/09/2013, 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 19/09/2013 . Pág.: 256)
Na referida decisão, o site Booking.com Brasil Serviços De Reserva De Hotéis alegou ser apenas a administradora do site que disponibiliza anúncios de hotéis, sendo inexistente, por isso, o dever de indenizar. Além disso, a parte ré ressalta que a tarifa utilizada para pagar a reserva no hotel não é reembolsável, conforme acordo firmado pelas partes.
No entanto, o consumidor comprovou que a devolução do valor indevidamente cobrado deve ser em dobro, diante da inexistente de erro justificável. Ademais, restou justificado, nos termos do art. 7º e 34 do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade do réu pelos danos advindos ao consumidor.
A segunda situação a ser apresentada foi julgada, em 2015, pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Trata-se do caso em que uma companhia aérea cobrou ao consumidor o pagamento de uma multa devido à desistência da compra de passagem que foi efetuada pela internet, ocorrendo tal abstenção dentro do prazo previsto na legislação consumerista.
Diante desse contexto, o tribunal posicionou-se no sentido de que, por ser um direito facultativo do consumidor e operado dentro do prazo legal, arrepender-se de uma compra virtual não o sujeita a aplicação de multa. Vejamos alguns trechos da decisão:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C INDENIZATÓRIA. COMPRA DE PASSAGENS AÉREAS PELA INTERNET. EXERCÍCIO DE DIREITO DE ARREPENDIMENTO. COBRANÇA DE MULTA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL. 1. No caso vertente, não houve recusa ao cancelamento da compra efetuada pela internet, mas houve indevida cobrança de multa no valor de R$322,03, pois não obstante as tentativas do autor de exercitar sem restrições o seu direito de arrependimento, a tese sustentada pela ré em sede de contestação deixa claro que a ré nega a aplicação pura e simples do direito de arrependimento, condicionando-a a determinadas circunstâncias não estabelecidas pela Lei 8.078/90 e art. 740 do CC. 2. [...]
(TJ-RJ - APL: 00010249320158190079 RJ 0001024-93.2015.8.19.0079, Relator: JDS. DES. JOÃO BATISTA DAMASCENO, Data de Julgamento: 27/11/2015, VIGÉSIMA SÉTIMA CAMARA CIVEL/ CONSUMIDOR, Data de Publicação: 30/11/2015 00:01)
Após a leitura dos julgamentos apresentados foi possível vislumbrar que o direito analisado não se sujeita ao arbítrio dos fornecedores, pois é uma garantia direcionada aos consumidores. Ademais, uma vez exercido no prazo de reflexão, não há que se falar no pagamento de nenhuma quantia extra, devendo haver a devolução da quantia paga pelo produto ou serviço.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante o exposto, é possível vislumbrar a preocupação do Código de Defesa do Consumidor com as relações de consumo efetivadas fora do estabelecimento comercial, sendo estas em sua maioria realizadas pela internet. Restou claro que o objetivo do referido diploma legal é trazer maior equidade nos vínculos estabelecidos entre consumidores e fornecedores, apontando para a possibilidade de desistência da compra a qual se refere o art. 49 do CDC, o chamado “direito de arrependimento”.
Após o estudo dos dispositivos legais e do entendimento dos tribunais pátrios apresentados é notável que o direito de arrependimento consiste em uma importante ferramenta legal para os consumidores, conferindo maior segurança entre suas relações com os fornecedores. Ademais, infere-se com a leitura do presente artigo que tal direito não está condicionado às razões da desistência, sendo este executável desde que cumpridas às exigências previstas na legislação consumerista.
Por fim, foi possível vislumbrar que no caso das reservas hoteleiras realizadas on line ou por telefone, os estabelecimentos são plenamente responsáveis pela indenização devida ao consumidor, o qual deve exercer sua garantia de reembolso prontamente, sob pena de não mais poder exigi-la. Logo, uma vez exercitado o direito de arrependimento, caberá ao fornecedor restituir imediatamente os valores pagos, retornando os contratantes ao status anterior a contratação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BESSA, Leonardo Roscoe. Proteção contratual. In: BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda, 2009. Cap. 11. p. 276-318.
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DESCONHECIDO. Matéria especial do STJ aborda direito de arrependimento: Regra é prevista no artigo 49 do CDC.. 2015. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI219859,101048 Materia+especial+do+STJ+aborda+direito+de+arrependimento>. Acesso em: 15 jul. 2016
DESCONHECIDO. Direito ao arrependimento de compra. Disponível em: <http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/direito-facil/direito-ao-arrependimento-de-compra>. Acesso em: 18 jul. 2016.
SILVA, Vandeler Ferreira da. Direito de arrependimento. 2016. Disponível em: <http://www.infoescola.com/direito/direito-de-arrependimento/>. Acesso em: 14 jul. 2016.