Mulheres nas exatas

21/08/2016 às 17:21
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Um texto que aponta algumas das possíveis razões de terem poucas mulheres que optam por fazer cursos na área de exatas.

INTRODUÇÃO

As áreas de TI (tecnologia de informação) e exatas, de modo geral, sempre foram dominadas pelos homens, não devido apenas à questão comportamental, mas relaciona-se mais ao aspecto cultural. Isso não impediu que algumas mulheres enfrentassem os impasses surgidos decorrentes do pouco incentivo feminino na área, muitas dessas “algumas” até conseguiram um grande reconhecimento para seus feitos.

Hoje em dia, por conta do grande desenvolvimento tecnológico, a demanda de emprego para estas áreas só faz crescer, sendo que isso pode ser considerado até um estímulo para aqueles que buscam um ensino superior voltado para o setor de informática, matemática, física etc. Mas por que as mulheres não buscam oportunidades nestes cursos?

O primeiro programador de computador da história, na verdade é uma mulher. Ada Lovalace, filha de Lord Byron, teve uma vida normal para as mulheres de sua época (1815), pois foi casada e teve filhos. Mas entre 1842 e 1843, conseguiu desenvolver um algoritmo para ser usado na máquina analítica de Babbage. Esta criação de Charles Babbage é considerada o marco inicial para os computadores eletrônicos como vemos hoje, e consequentemente, este estudo de Ada é o primeiro software.

Em 1857, quando as 129 trabalhadoras tecelãs da Fábrica Têxtil Cotton de Nova Iorque se recusam a trabalhar, patrões e policiais não querem saber de reinvidicações: trancam as portas da fábrica e ateiam fogo, onde morrem asfixiadas e carbonizadas todas as 129 tecelãs. À mesma época, em 1834, desponta na Inglaterra as descrições da primeira máquina de computar, a engenhoca analítica, cuja capacidade de analisar dados foi escrito por Ada Lovelace. Seu plano de calcular pode ser considerado o primeiro programa de computar. Autointitulada metafísica e analista, Ada era também filha do poeta Byron. Três séculos depois, em 2004, no curso de Ciências Computacionais da USP (Universidade de São Paulo), há 3 meninas para uma turma de 50 meninos. (WELLS, 2005)

As manifestações que as operárias fizeram em prol de melhorias trabalhistas e principalmente visando à igualdade não apenas social, mas entre os gêneros, surtiram em uma reação cruel, o assassinato de todas as manifestantes. Mas esse dia não caiu no esquecimento, ficou marcado como o Dia Internacional das Mulheres - oito de março. Mas será que esse marco produz efeitos até os dias de hoje? Por mais conquistas e direitos que as mulheres já tenham adquirido, ao colocá-los em prática a igualdade nem sempre é promovida. Principalmente no ramo tecnológico, que sempre teve uma superioridade masculina, essa desigualdade ainda precisa ser combatida. Não será o modo de criação das garotas, outro importante fator para que elas não se aproximem das ciências?

A DIFERENÇA ENTRE OS GÊNEROS

“Uma fila de meninos e outra de meninas. A forma de organização que realça a diferença de gêneros está na memória escolar da maior parte dos brasileiros e ainda é uma prática comum nas escolas.” (LIMA, 2011)

A luta contra a desigualdade entre mulher e homem é uma atitude que deve começar com o processo de criação das crianças, pois os ensinamentos recebidos ainda na infância são aqueles levados para a fase adulta, o que influencia também no futuro profissional das pessoas. Por exemplo, os meninos que são estimulados a brincarem de montar e desmontar carrinhos, quando ficam mais velhos tendem para uma faculdade que seja relacionada a essa área. Com as meninas acontece o mesmo processo, são estimuladas a brincarem com bonecas, o que acarreta um maior desenvolvimento da capacidade de cuidar e se preocupar com os outros, direcionando-as na fase adulta para cursos que valorizem as relações inter-humanas.

Esse diferencial no comportamento que os pais e a própria escola aplicam para os meninos e as meninas, produz efeitos no ramo das ciências, pois se percebe que há uma quantidade muito baixa de mulheres nos cursos voltados para exatas em relação à quantidade de homens. Mas não são apenas em quantidade dentro da sala de aula que o número de meninas é baixo, nas doutrinas também não há muitas citações de feitos femininos.

Hipácia, por exemplo, foi uma matemática que viveu em Alexandria, no Egito, no século IV. Era apaixonada por matemática, astronomia, física, filosofia, poesia, artes e criou alguns instrumentos utilizados pelos cientistas, como o astrolábio (já obsoleto) e o planisfério. Mesmo sendo importante para alguns descobrimentos científicos, ela é pouco mencionada nos livros didáticos. A própria Ada Lovelace não é reconhecida de modo unânime como a precursora na programação computacional e nem citada em muitos livros de história da computação. 

A cultura machista que perdura há tempos no mundo científico se faz visível no pouco reconhecimento da contribuição feminina para o desenvolvimento tecnológico. As seis programadoras do ENIAC, primeiro computador eletrônico capaz de realizar cálculos diferentes para situações diferentes, também não receberam o devido reconhecido para o seu trabalho, sendo na época chamadas por termos pejorativos pelos homens da equipe.

Como os pais não estimulam suas filhas a brincarem com brinquedos que desenvolvam sua capacidade de raciocínio, quando elas forem ingressar na universidade não terão preferência por cursos que se envolva com ciências exatas. Um exemplo dessa situação é o que ocorre no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), onde o número de inscritos no vestibular para o ano de 2011 foi de 7627 estudantes, desses 1771 (23,2%) eram mulheres. A lista de aprovados na 1ª chamada convocou 120 estudantes, e apenas seis eram mulheres.

Essa disparidade exorbitante preocupa o governo brasileiro, que pensando numa mudança cultural para as próximas gerações, investe em Olimpíadas educativas nas escolas públicas, onde os estudantes participam da disputa na área que mais lhe agrada. Suely Druck, quem idealizou e coordena as Olimpíadas Brasileiras de Matemática, diz que o número de meninas que participam é quase o mesmo do que o de meninos, mas nas séries iniciais. Já nas séries mais avançadas, esse número já apresenta uma grande diferença, tendo a quantidade de meninas diminuída consideravelmente.

Mas esse maior incentivo não produzirá efeitos se o modo como as empresas contratam as mulheres não mudar. Pois outro fator que as afastam das ciências exatas, além do modo de criação que os pais impõem, é o medo de não conseguirem conciliar a vida pessoal com o trabalho. Cláudia Medeiros, professora no Instituto de Computação da Unicamp e já homenageada com o prêmio do Instituto Anita Borg em 2006 pela iniciativa de estimular mulheres a entrarem para o ramo da computação, diz: “[...] um dos motivos que afastam as mulheres dos cursos de tecnologia é a imagem da profissão. “Existe uma visão enganosa de que quem lida com computador não tem interação social.”“ (SANTOS, 2006).

Os meios de comunicação, em especial a mídia cinematográfica, sempre fizeram uma imagem cômica - e até ofensiva - daqueles que possuem uma predileção para a área de matemática e afins. Os chamados nerds são pessoas que não têm vida social, não se relacionam, não constituem família, são sempre muito ingênuos, não participam de festas, só sabem assistir Star Wars e Star Trek, são viciados em jogos eletrônicos e se vestem de modo a levar as outras pessoas ao riso. Essas são as características atribuídas aos homens, quanto às mulheres podem ser acrescidas mais algumas caracterizações, como por exemplo, não possuem aparência feminina, não terem tempo para engravidar.

Esse estereótipo negativo combinado com a pouca preparação das empresas para receberem as cientistas, faz com que as garotas que conseguem entrar nos cursos de exatas tenham mais dificuldades de se manterem na parte de pesquisa e passam então a atuar mais nos setores da presidência, gerências, recursos humanos. Carol Bartz, executiva-chefe do grupo Yahoo! de 2008 à 2011, e Marissa Mayer, primeira engenheira a entrar no Google e atualmente vice-presidente do setor de serviços geográficos e locais, são dois exemplos de mulheres que comandam importantes empresas na área de TI.

[...] não adianta, simplesmente, "atrair" mais mulheres para carreiras de ciências, matemáticas e engenharias; é preciso criar alternativas práticas de carreira para as mulheres, incluindo degraus de progressão, no trabalho, que levem em conta a maternidade e a possibilidade, durante a primeira fase de crescimento dos filhos, de trabalho em casa. Coisas a se pensar quando se fala em "oportunidades iguais" no mercado de trabalho e se leva em conta que [pelo menos por enquanto] as mulheres precisam mesmo ter filhos… senão a humanidade não tem futuro. (MEIRA, 2009)

As empresas Google e IBM, nas suas filiais aqui no Brasil já pensam na inclusão das mulheres ao grupo. Pois na filial de São Paulo, por exemplo, o Google disponibiliza para suas funcionárias manicures e uma sala para amamentar seus filhos pequenos. A IBM já conta com a opção de trabalho remoto, facilitando assim que as suas empregadas que estão em período de gestação ou nos primeiros meses de vida do bebê possam de casa acompanhar o que acontece no trabalho. Essas são atitudes modelos, mas que precisam ser implementadas em outras empresas, de grande, médio ou pequeno porte, pois dará maior segurança para uma mulher que resolva ingressar nas ciências.

CONCLUSÃO

A carência de profissionais mulheres no ramo das exatas se mostra na área de pesquisa, trabalhando diretamente com ciência e não na parte voltada ao gerenciamento da empresa. Existem bons exemplos de mulheres que se destacaram por terem sido boas pesquisadoras, como a brasileira Sulamita Garcia, que trabalha na Intel no setor de Open Source aqui na América Latina; Grace Murray Hopper (1906 – 1992), americana formada em matemática e física, criou as terminologias bug, que se refere ao erro que um software tem, e debug, a resolução desse erro, pois enquanto fazia um software para o computador Mark I da marinha, ele apresentou um erro e quando ela foi averiguar, descobriu que uma mosca estava dentro da máquina atrapalhando seu desempenho.

Atitudes para promover uma maior igualdade entre os gêneros no mundo da ciência estão sempre surgindo, algumas premiações e organizações visam o reconhecimento de mulheres que se dedicam à área de exatas. Marie Curie foi a primeira mulher a ganhar um Prêmio Nobel, de Física, em 1903, juntamente com seu marido e o orientador na pesquisa sobre o fenômeno da radioatividade espontânea.

Essa iniciação das mulheres na premiação mostra o quão sub-representadas elas estiveram - e ainda estão. A manifestação promovida pelas operárias americanas que foram mortas asfixiadas tentou mudar essa situação, pois a igualdade era algo que elas exigiam. Hoje com a declaração dos direitos humanos, muitas Constituições já trazem no seu texto a proclamação da não diferenciação entre as pessoas, seja por sexo, raça, cor. Mas efetivamente, aquele fatídico dia ficou marcado apenas como um dia para se comemorar o início dos protestos unicamente femininos, não produzindo muitas reações na luta contra as diferenças no mundo tecnológico. Pois o fator sociológico ainda influencia muito, e a perda de certos hábitos não se dá em períodos curtos de tempo.

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Uma mudança cultural é um fator importante para que se haja uma maior participação das mulheres nos cursos de engenharia, computação, matemática. O modo de criação das suas filhas é um importante fator que deve ser mudado para que se tenha um notório aumento feminino nos cursos normalmente dominados pelos homens. “Um caso emblemático dessa cultura foi o lançamento, em 1968, da primeira Barbie que falava. Uma das frases [...] era: eu odeio matemática.” (LIMA, 2011). Culturas que ao invés de desenvolver o interesse das meninas pela matemática, pois essa é uma disciplina que influência muitas outras áreas, como engenharia, computação, arquitetura e até administração, só faz desestimulá-las ainda mais, precisam ser modificadas, pois no momento de decidir o futuro profissional, essas garotas terão mais opções para escolherem, não ficando presas em cursos de apenas uma área.

Além de atrair mais mulheres para a área, é preciso valorizar as que já estão em atuação. Prêmios oferecidos pelo Instituto Anita Borg, pelo Programa L’ORÉAL/UNESCO for Women in Science, pela Fundação Elsevier e o Mulher Ciência da CNPq são exemplos de iniciativas que estimulam as cientistas já graduadas a continuarem as suas pesquisas e serve de exemplo para que outras futuras pesquisadoras não desistam da área.

Com o auxílio da internet, movimentos feministas começam a surgir, ainda que de maneira sutil e discreta, percebem-se muitos sites que são feitos e direcionados para meninas que gostam de tecnologia. DotDiva, Garotas Geeks, Meninas Nerds são exemplos de sites que valorizam a feminilidade, abordam assuntos tecnológicos e falam de assuntos de meninas.

Apesar de não ser o bastante, já é um indício de que uma lenta mudança pode estar para começar, pois a capacidade para enfrentar os cursos de engenharia, por exemplo, tanto as mulheres quanto os homens possuem, sendo necessária muita dedicação para aquelas pessoa que busca uma carreira promissora. Mas se as políticas das empresas não forem alteradas para receber as mulheres modernas, que conciliam trabalho, dedicação, filhos, marido e lazer, e a criação das meninas não forem modificadas de modo a propiciar a elas um maior campo de atuação, a presença feminina nas áreas de TI e exatas ainda estará em muita desvantagem.

6 BIBLIOGRAFIA

LIMA, Luciana. Discriminação de gênero tira mulheres de áreas exatas e preocupa governo. Agência Brasil, Brasília, 8 mar. 2011. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2011-03-08/discriminacao-de-genero-tira-mulheres-de-areas-exatas-e-preocupa-governo>. Acesso em: 13 set. 2011.

MAZZON, Tiago. Hipácia de Alexandria, vítima do fanatismo cristão. Labirinto da Mente, 24 ago. 2011. Disponível em: <http://www.labirintodamente.com.br/blog/2011/08/24/hipacia-de-alexandria-vitima-do-fanatismo-cristao/>. Acesso em: 13 ago. 2011.

MEIRA, Silvio. Mulheres & informática: por que elas não estão lá? Dia a Dia, Bit a Bit, 15 mar. 2009. Disponível em: <http://smeira.blog.terra.com.br/2009/03/15/mulheres-informatica-por-que-elas-nao-estao-la/>. Acesso em: 15 set. 2011.

SANTOS, Raquel do Carmo. A mulher laureada na área de computação. Jornal da UNICAMP, dezembro de 2006. Disponível em: <http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/dezembro2006/ju348pag4c.html>. Acesso em: 14 de set. 2011.

WELLS, Tatiana. O ciberfeminismo nunca chegou à América Latina. Labrys, 2005. Disponível em: <http://vsites.unb.br/ih/his/gefem/labrys7/cyber/tatiana.htm>. Acesso em: 12 set. 2011.

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O texto foi elaborado com o intuito de participar do Prêmio Igualdade de Gêneros.

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