3. NATUREZA DAS ATRIBUIÇÕES
O poder de policia se resume basicamente na faculdade que o poder público tem em fiscalizar, registrar ou expedir algum ato, pelo qual, tem a finalidade de proteger o interesse público, podendo este até restringir direitos individuais. O melhor conceito de poder de polícia podemos encontrar no Código Tributário Nacional, em seu artigo 78:
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de 1966)
Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder. (BRASIL, Lei 5172, 1966).
Sendo assim, podemos observar que tal conceito tem uma larga amplitude discorrendo por várias áreas da administração pública, porém, sempre com o foco na legalidade, nos princípios constitucionais e no devido processo legal, para que este ato seja licito, Carvalho Filho (2013) em sua obra afirma que o ato de poder de polícia praticado por um agente que não tenha competência legal para regular a matéria impor assim a restrição será considerado inválido.
O poder de polícia pode ser divido em dois sentidos, o poder de policia em sentido amplo e o poder de policia em sentido estrito. O primeiro se refere a qualquer ação do estado com relação aos direitos do cidadão, tendo como fato principal a própria criação da lei, que fiscaliza e limita direitos do cidadão; Já o poder de polícia em sentido estrito, são as prerrogativas dadas aos agentes públicos a desempenhar as funções de fiscalizar, restringir e condicionar atos, bens e direitos do cidadão de acordo com a lei.
Além dessa primeira divisão, podemos também dividir o poder de polícia mais uma vez em dois segmentos, que são a polícia administrativa e a polícia judiciária, no qual se diferenciam, pois, “a Polícia Administrativa incide basicamente sobre atividades dos indivíduos, enquanto a Polícia Judiciária preordena-se ao indivíduo em si, ou seja, aquele a quem se atribui o cometimento do ilícito penal” (Carvalho Filho, 2013, p. 83).
O poder de polícia administrativa é aquele que pretende evitar que haja atos de comportamento nocivo, ou seja, é um poder de policia que tem em sua essência a característica preventiva, se iniciando e se completando no âmbito da função administrativa, sendo que o objeto da policia administrativa é a propriedade e a liberdade, sendo assim, a polícia administrativa é basicamente a imposição do estado em atuação restritiva de policia para preservação do interesse da comunidade, podemos citar como órgãos de policia administrativa: ANVISA, Conselhos de classe, vigilância sanitária, PROCON, DETRAN.
A polícia judiciária é aquela que esta ligada diretamente ao fato do cometimento ou a prevenção para o não cometimento do delito. A polícia judiciária embora também exerça atividade de polícia administrativa, tem como função primordial a atuação jurisdicional penal, sendo amparada no artigo 4º do Código de processo Penal.
Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. (Redação dada pela Lei nº 9.043, de 9.5.1995)
Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função. (BRASIL, Decreto Lei 3.689, 1941).
As instituições que se enquadram como órgãos de segurança pública desempenham também o papel de polícia judiciária, que tem por finalidade a repressão dos ilícitos penais de forma preventiva, ostensiva e repressiva são aqueles elencados nos incisos I, II, III, IV e V do artigo 144 da Constituição Federal.
A maior diferença entre os órgãos que detém o poder de polícia administrativa, para as instituições com poder de polícia judiciária são que estes o agente que cometeu o delito para sofrer a sanção penal perante o judiciário. Além disso, não existem órgãos que desempenhem o policiamento judiciário na esfera municipal, pois, além de não existir justiça em grau municipal, o município não faz parte dos entes federativos que são responsáveis pela segurança pública, sendo este assunto muito debatido pelos doutrinadores.
Existe uma Proposta de emenda Constitucional de número 33/2014 que pretende incluir a segurança pública entre as obrigações de competência comum da União, estados, Distrito Federal e os municípios, Com as modificações propostas pela PEC, a segurança pública passaria a figurar no artigo 23 da Constituição, que trata das competências comuns dos entes federativos. Ela também seria incluída no artigo 24, que fala dos temas sobre os quais tanto a União quanto os estados e o DF podem legislar.
As guardas municipais devem ser tratadas como instituições que detém o poder de polícia administrativa, pois, o artigo 144, § 8º da Constituição Federal, da o direito ao município de constituir guardas para proteção dos seus patrimônios, ou seja, o poder dado às guardas municipais de proteção do patrimônio público é notadamente uma forma preventiva, no qual, alguns doutrinadores denominam como policiamento protetivo, desta forma, originariamente “a guarda municipal é um serviço orgânico de proteção de bens, serviços e instalações da prefeitura que tenha criado e a instalado” (RAMOS, 2007, P. 109), ou seja, a guarda tem como papel principal proteger preventivamente o patrimônio do município e não combater diretamente as infrações penais, salvo, em caso de flagrante delito, ou quando estiver dentro de sua competência constitucional, Neste sentido, explana GASPARINI (2011):
O artigo 144, § 8º da Constituição Federal faculta aos Municípios a instituição de guarda municipal, com finalidade nitidamente diversa da Polícia Militar, pois apenas lhe atribui competência para a proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei de criação. Não lhe toca, assim, nenhuma função de polícia ostensiva, de preservação da ordem pública, próprias e exclusivas da Polícia Militar, nos termos do §6º dessa prescrição constitucional. (GASPARINI, Diogenes, 2011, p. 314).
Da mesma forma, o ilustre constitucionalista José Afonso da Silva (2005), discorre em sua obra sobre as guardas municipais:
Os constituintes recusaram várias propostas no sentido de instituir alguma forma de polícia municipal. Com isso, os Municípios não ficaram com nenhuma específica responsabilidade pela segurança pública. Ficaram com responsabilidade por ela na medida em que sendo entidade estatal não podem eximir-se de ajudar os Estados no cumprimento dessa função. Contudo, não se lhes autorizou a instituição de órgão policial de segurança e menos ainda de polícia judiciária. (SILVA, José Afonso da, 2005, p. 781).
Pelo exposto podemos perceber que a constituição deu a faculdade dos municípios criarem órgãos de segurança para que pudessem proteger seu próprio patrimônio com o intuito de municipalizar e baratear o serviço de proteção, no entanto, ao decorrer dos anos e com o aumento da criminalidade nas grandes cidades as Guardas Municipais deixaram de tão somente prestar serviços de vigilância patrimonial, e passaram a exercer uma função de órgão policial, exercendo policiamento preventivo, ostensivo e até mesmo investigando delitos que ocorrem diretamente contra o patrimônio municipal, com esse crescimento exacerbado das guardas pelo Brasil e só depois de 26 anos nossa Constituição, foi promulgada a Lei Complementar 13.022/2014, que estabelece sobre o estatuto geral das guardas municipais. Apesar de todo esse tempo não existia nenhum diploma legal que disciplinasse o artigo 144, § 8º da Constituição Federal.
O estatuto das guardas municipais “LC 13.022/14”, veio com a intenção de padronizar estas instituições, diante de suas prerrogativas, direitos, quadros e principalmente as competências, além da área de atuação que foi abundantemente ampliada, pelo qual, existe uma grande discursão e até Ações de Inconstitucionalidades impetradas sobre o dispositivo devido a essa ampliação. No mais, verificamos através da analise de tal dispositivo o aumento tão drástico nas atribuições das Guardas Municipais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A criação do artigo não deixa dúvidas pela sua construção e pela abrangência do estatuto das guardas municipais, no que se refira o aumento de suas competências – estas foram vastamente ampliadas com o advento da Lei 13.022/14.
A questão a ser analisada não é o aumento da sua competência, propriamente, mas sim, a defesa da constitucionalidade ocasionada para ocorrer essa ampliação. O aumento dessas atribuições; deu-se devido o forte clamor social.
A consequência dessa mudança, da ampliação do ato, está em aquinhoar às guardas municipais a compreender como foco e transformar a entidade em uma instituição reconhecida frente à sociedade. Hodiernamente, a sua atuação foi modificada, a sociedade recebe um novo tratamento no campo de ação das guardas; onde agora, passaram a operar diretamente ligada ao combate do crime, importa frisar, que a atuação que agora se reveste a guarda municipal é o papel inerente à competência de órgão policial.
Podemos analisar que essa abrangência dada às guardas municipais; ampliando as competências por elas exercidas, se deu pelo anseio da sociedade que vinham sendo vítima do aumento dos níveis de criminalidade.
Este aumento descontrolado da criminalidade somado ao fato do poder público e das demais instituições responsáveis pela segurança pública, não estarem desempenhando a sua obrigação em repelir as afrontas dos atos de criminalidade, fez com que a situação se tornasse impossível de acompanhar o desempenho em combater a criminalidade. Ou seja, a política pública se mostrava insuficiente para suprir a demanda da sociedade.
Contudo, não podemos avaliar a ineficácia da atuação e a ineficiência existente à criminalidade, como motivo para aceitar que sejam atropeladas as normas constitucionais, o respeito à constituição, se perfaz na observação de que a intenção do constituinte originário não era tornar as guardas municipais em órgãos com esse vasto poder, e nem era sua intenção, de igual modo, transferir, ou cumular o poder de policiamento ostensivo a estas.
É concluído ainda, ao analisarmos e acompanharmos na prática as guardas municipais, este desempenha um papel além de suas funções jurídicas, porém, se tornou mais uma força ao combate do mal, no entanto, se faz de modo ilegal.
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Nota
1 Ação direta de Inconstitucionalidade nº 5156, impetrada pela FEDERAÇÃO NACIONAL DE ENTIDADES DE OFICIAIS MILITARES ESTADUAIS (FENEME). Suscitando a incompetência de a união legislar sobre matéria de interesse municipal. Tais aspectos serão objetos de trabalhos futuros.
Abstract: This work intends to analyze the powers of municipal guards before the law 13,022 / 2014 and to define their new assignments on the constitutional text, before that, also make an analysis of why the drastic increase in these duties only after 26 years of promulgated the Constitution, that which it endorsed the establishment of the Municipal Guards. There was also a need to analyze the institutes of police power and its divisions to effectively understand what the role of guards, in addition to historical precedents that made the guards become the institution it is today.
Key words: Municipal Guard; Public interest; Law 13,022 / 2014; police power; public security;