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Os donos cleptocratas do poder tramam tudo para dominar. Manobra para fatiar votação do impeachment da Dilma durou duas semanas

04/09/2016 às 12:04
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Os cleptocratas tramam de tudo para tornarem-se donos do poder. Aqui, demonstraremos o ponto crucial que deve ser observado para que se entenda a crise política brasileira.

Não existe democracia perfeita. Mas não há dúvida de que algumas são mais imperfeitas que outras (em razão do péssimo funcionamento das instituições). A legitimação do eleito pelo povo é o primeiro calcanhar de Aquiles da democracia. Todos os processos eleitorais (assim como todas as votações parlamentares) podem ser burlados, fraudados.

Clássica lição de Maquiavel diz que os donos do poder [eu agregaria, sobretudo quando cleptocratas] fazem de tudo para preservá-lo (os que não têm o poder político, fazem de tudo para ocupá-lo).

A tramoia do “fatiamento” da votação do impeachment de Dilma durou duas semanas (ver Leandro Colon, Folha 2/9/16). Renan aconselhou Lewandowski a aceitar o pedido do PT. Orientou-o a aceitar o destaque como presidente dos trabalhos (não como ministro do STF). Kátia Abreu esteve com Lewandowski dia 22/8 para cuidar do tema. Depois foi a vez da bancada do PT conversar com Renan e Lewandowski. A manobra foi toda articulada (com a participação de dois poderes da nação: Legislativo e Judiciário). Este já levou sua opinião pronta (sua assessoria esgrimiu o assunto). Guardaram segredo.

No dia da votação houve o “fatiamento”, a violação à Constituição, assim como o benefício para Dilma (que recebeu uma espécie de prêmio de consolação: não ficou inabilitada por oito anos para ocupar funções públicas). O julgamento foi uma aberração jurídica: destituíram a presidente do cargo por ter “cometido” crimes de responsabilidade. Em seguida disseram que ela podia continuar cuidando da coisa pública. Paradoxo. Ou é “criminosa” ou não é. Se não é, tinha que ser absolvida. Se é, não podia exercer (por oito anos) funções públicas.

Outros exemplos históricos dessas roubalheiras eleitorais ou governamentais (ofensivas ao princípio da legitimação democrática):

(1) A emenda constitucional que permitiu a reeleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1997, foi vergonhosamente “comprada”. Ele mesmo admitiu isso (para a Folha, em 2007). Os deputados que receberam dinheiro no episódio (R$ 200 mil) renunciaram. A cleptocracia não é apenas o “roubo” (a corrupção, a improbidade, o enriquecimento favorecido). Ela fica muito evidente quando as instituições acobertam ou favorecem o roubo, a vantagem. Ministros do PMDB na época (incluindo Eliseu Padilha) imperam o nascimento de uma CPI para apurar o caso. A PF “investigou” de fachada. O ex-procurador geral (Geraldo Brindeiro) arquivou tudo (ver Fernando Rodrigues, UOL). Quanto mais as instituições acobertam a fraude e o enriquecimento ilícito, mais cleptocrata é o país. A descrença da população nos donos do poder nem sempre é infundada.

(2) No governo Lula (1º mandato – 2003-2006) incontáveis deputados foram “comprados” para se assegurar a governabilidade. Nesse caso houve condenação penal pelo STF (em 2012-2013 – AP 470 – caso mensalão). Imaginava-se que tinha sido inventada uma “vacina” para a corrupção do Brasil. Nada disso. A Lava Jato provou que a roubalheira e a cleptocracia favorecedora continuaria com todo vigor.

(3) A decisão estrambólica do Senado não se aplica automaticamente para Eduardo Cunha. A diferença é a seguinte: a Lei da Ficha Limpa que torna o condenado inelegível não se aplica para a Presidente da República (porque para ela há expresso dispositivo constitucional – art. 52). Para parlamentares a lei incide. Logo, se Cunha for cassado, ficará inelegível e não poderá ocupar funções públicas temporariamente. A Lei da Ficha Limpa precisa ser reformada para nela incluir os presidentes da República.

(4) Erro comum consiste em supor que esses “jeitinhos” dos donos cleptocratas do poder sejam coisas apenas do Brasil. No mundo inteiro existe corrupção. No mundo inteiro a corrupção envolve o Mercado e o Estado. No mundo inteiro os que pretendem dominar o poder político, sempre que possível, fazem tramoias. A eleição de Bush nos EUA (ano 2000) foi uma epopeia. No final, ele conseguiu apenas cinco votos a mais que Al Gore. A disputa final foi na Flórida, onde o governador local tinha inabilitado 58 mil pobres e negros das eleições. A diferença foi de poucos votos. A Corte local, assim como a Corte Suprema dos EUA, decidiu que a recontagem feita era inconstitucional. Bush assumiu o poder (e o mundo se tornou muito mais inseguro e mais injusto com ele).

(5)  Um outro erro frequente consiste em afirmar que manobras e conluios eleitorais e anti-democráticos sejam coisas recentes, coisa desde século. Rui Barbosa, em 1910, disputou a eleição presidencial com o general Hermes da Fonseca (República da Espada versus Campanha Civilista). Rui recebeu 200.259 votos, contra 126.392 para Hermes (ver P. Schmidt, Guia politicamente incorreto dos presidentes da República, p. 108). A Comissão responsável pela eleição, no entanto, proclamou a vitória de Hermes, que foi empossado (403 mil votos contra 222 mil). O grande Renan Calheiros da época era Pinheiro Machado (manda-chuva geral da República). Disse Rui Barbosa: “Sustentada pelas armas, o tribunal verificador, prevaricando contra a eleição, entregou a presidência ao candidato derrotado” [que nem sequer tinha título de eleitor e era, portanto, inelegível] (ver autor citado).

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Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. Os donos cleptocratas do poder tramam tudo para dominar. Manobra para fatiar votação do impeachment da Dilma durou duas semanas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4813, 4 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51827. Acesso em: 21 nov. 2024.

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