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Conhecimento de transporte marítimo: natureza jurídica

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06/09/2016 às 17:30
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4 CONHECIMENTO DE TRANSPORTE MARÍTIMO (BILL OF LADING): PREVISÃO NORMATIVA E DEFINIÇÃO JURÍDICA

O verbo definir é polissêmico e pode assumir várias facetas, a saber: “1 Explicar, mostrar o significado de uma palavra. 2  Determinar a extensão ou os limites de. 3  Dar a conhecer com exatidão. 4  Determinar em resolução; fixar; decidir; estabelecer.”

Sem entrar na discussão filosófica acerca dos aspectos distintivos entre os signos “conceito” e definição”, com apoio no ensinamento de Irineu Strenger, passa-se a atribuir o seguinte sentido e alcance ao substantivo definição — que para o mundo jurídico está muito mais para procedimento:

Definição é uma operação lógica por meio da qual concretizamos os traços essenciais do objeto definido e, ao mesmo tempo, o diferenciamos de todos os objetos que lhe são semelhantes. Nesse ato lógico do pensamento há de residir sempre o propósito de se lograr uma comunicação sem equívoco. A definição é, portanto, meio para um fim que não consiste somente em indicar a significação de um nome, mas em precisá-lo pela determinação de seu conceito. (STRENGER, 2007, p. 60).

Operadas estas distinções e delimitações elementares, passa-se a tocar o instituto do conhecimento de frete marítimo a partir dos qualificativos jurídicos impostos pelo Direito Empresarial Marítimo brasileiro. Deveras, a celebração do contrato de transporte internacional de mercadorias é que faz com que o conhecimento de embarque, também denominado conhecimento de frete, carga ou transporte marítimo — ou ainda bill of lading (B/L) — seja expedido. Como adverte Fariña:

Gran parte del ingente volumen del tráfico marítimo mundial se transporta mediante los servicios que tienen organizados las Compañias navieras com carácter permanente, rigiéndose el régimen jurídico de contratación por el documento conocido em todos los países com el nombre de ‘conocimiento de embarque’. (FARIÑA, 1956, v. II, p. 323).

Em linhas gerais, o contrato internacional de transporte marítimo de mercadorias tem por partes o embarcador (carrier) e o transportador (shipper) e por objeto o transporte de porto a porto, ponto a ponto, porto a ponto ou ponto a porto de mercadorias — a depender do Incoterm estipulado entre os partícipes das operações de comércio internacional, as quais são remetidas a um destinatário, também chamado de consignatário (consignee).

De fato, o conhecimento de transporte marítimo é o título que constitui a prova escrita do contrato de transporte internacional de coisas pelos oceanos, à despeito de não esgotá-lo. De porte obrigatório ao transportador (shipper), o B/L constitui o principal documento no transporte marítimo de coisas, ao lado do manifesto de carga e do documento de trânsito aduaneiro (MARTINS, 2005, p. 261 e 265). É, efetivamente, um título de crédito que representa a mercadoria nele descrita.

Nas palavras de Anjos e Gomes (1993, p. 217), o

Conhecimento é o documento que prova a propriedade da carga e, nos embarques de mercadorias em navios de linha regular, também evidencia a existência de um contrato de transporte. Usam-se indistintamente as seguintes expressões para o conhecimento: conhecimento de embarque, conhecimento de frete, conhecimento de carga e conhecimento de transporte.

No Direito britânico, encontra-se a seguinte definição para o conhecimento de frete maritimo, exposto por Christopher Hill (2003, p. 243):

In this author’s view, one of the clearest and simplest definitions of a bill of lading that has been put before the maritime public recently is: ‘a document which evidences a contract of carriage by sea and the taking over and loading of the goods by the carrier and by which the carrier undertakes to deliver the goods against surrender of the document.’

Por outro lado, também é oportuno esclarecer que o contrato de transporte internacional de mercadorias não se confunde com o contrato de fretamento. O primeiro obriga a emissão do bill of lading (B/L) e se refere ao transporte internacional de cargas de um porto a outro em navios regulares (liners). O segundo tem por objeto primariamente a exploração mercantil da embarcação e secundariamente o transporte de coisas ou pessoas pelos oceanos e por navios do mercado trump, isto é, de navegação não-regular. O contrato de fretamento se materializa pelas cartas-partidas, cartas de fretamento ou charters parties (CP), apesar de também ser indispensável a emissão do B/L em casos tais. (MARTINS, 2005, p. 261).

Além disso, preconiza a doutrina jurídico-maritimista que o conhecimento de frete, de carga ou de transporte marítimo, está entre os documentos mais relevantes do comércio internacional, motivo pelo qual merece especial destaque por parte da comunidade jurídica (ANJOS; GOMES, 1992, p. 124; MARTINS, 2005, p. 265, em nota).

Maria Helena Diniz (2005, v. 1, p. 928-929) destaca que o conhecimento de frete, em geral, é instituto afeto ao Direito Comercial ou Empresarial. A mesma doutrinadora define-o como o “Documento comprobatório da mercadoria a ser transportada por via terrestre, aérea, marítima ou fluvial, emitido pelo condutor ou pelo transportador […]”. E prossegue:

Devido ao seu caráter probatório de entrega de mercadoria pelo remetente ao transportador, representa as mercadorias expedidas, que só poderão ser retiradas pelo destinatário mediante sua apresentação. É um título de crédito, representativo das mercadorias nele mencionadas, normalmente negociável, suscetível até mesmo de transferência por simples endosso.

Posto isto, denota-se, com clareza, que o B/L é um título de crédito para o sistema jurídico brasileiro.

4.1 PRINCIPAIS NORMAS INTERNACIONAIS REGULADORAS DO BILL OF LADING                                                                                                                         

Basicamente, existem três regramentos internacionais disciplinadores do bill of lading. Trata-se de temática afeta ao Direito Internacional Marítimo Privado, razão pela qual não serão abordadas as sutilezas atinentes a cada regime jurídico, porquanto a finalidade principal deste estudo é apreciar juridicamente o conhecimento de transporte marítimo a partir das normas de direito positivo brasileiras. A despeito disso, é inegável reconhecer que o domínio de tais regramentos é de capital importância, em termos de bill of lading, diante da aplicabilidade prática no comércio internacional de mercadorias destes regimes mesmos.

O grande tema objeto das regulamentações internacionais a seguir citadas é a extensão da responsabilidade do transportador marítimo, pois, em geral, visam à atenuá-la ou maximizá-la. São elas: (a) Regras de Haia; (b) Regras de Haia-Visby ou simplesmente Regras de Visby e (c) Regras de Hamburgo. As Regras de Haia (International Convention for Unification of Certain Rules Related of Bill of Ladings), assinadas em 1924, constituem o primeiro disciplinamento internacional sobre B/L. Tais regras instituem um regime liberal no que concerne à responsabilidade do transportador internacional. Já em 1936 foi promulgado, nos EUA, o Carriage of Goods by Sea Act (Cosga) instituiu uma visão norte-americana das Regras de Haia. No entanto, o segundo marco normativo internacional digno de nota é o criado pelo Protocolo de Visby (1968) e DES (1979). Assim, as Regras de Haia passaram a chamar-se Regras de Haia-Visby, que consagram um regime moderado de responsabilidade do transportador marítimo. Por fim, merecem destaque as Regras de Hamburgo de 1978 (United Nations Convention on the Carriage of Goods by Sea), que cristalizam o princípio de presunção de culpa do transportador e um regime de responsabilidade mais severo aos transportadores marítimos. (MARTINS, 2008, p. 287-291).

Todavia, até a presente data o Estado brasileiro não incorporou qualquer um destas normativas internacionais, apesar de serem plenamente aplicadas no território aduaneiro brasileiro e por players do comércio internacional com domicílio no Brasil. Aliás, a propósito do tema, elucida Eduardo de Avelar Lamy:

Como os contratos de transporte marítimo internacional são regulados por convenções que o Brasil não ratificou, tais normas não entram em nosso ordenamento jurídico pela cláusula do art. 5°, parágrafo 2°, segunda parte, da Constituição Federal (2007, p. 103-104).

Destarte, fica claro que o Estado brasileiro não ratificou nenhuma das convenções internacionais reguladoras dos termos e condições do contrato internacional de transporte de mercadorias pela via marítima.

4.2 CONHECIMENTO DE TRANSPORTE MULTIMODAL DE CARGAS

Como já dito anteriormente, a Lei n° 9.611, de 19 de fevereiro de 1998, disciplinou a atividade de transporte multimodal de cargas. Ao considerar que o transporte multimodal de cargas é aquele que, regido por um único contrato, utiliza duas ou mais modalidades de transporte, desde a origem até o destino, e é executado sob a responsabilidade única de um operador de transporte multimodal, consoante preconiza o art. 2° da supracitada Lei, percebe-se que a via marítima poderá ser utilizada em conjunto com os modais terrestre e/ou aéreo. Motivos pelos quais se passa a abordar o plano normativo do conhecimento de transporte multimodal.

As características do contrato de transporte multimodal vêm descritas nos artigos 8°[8] e 10[9] da supradescrita Lei. Em linhas breves, o conhecimento do transporte multimodal segue as mesmas diretrizes do conhecimento em geral. Mas, determina quais são os operadores multimodais e acresce que a responsabilidade do transportador é limitada à etapa do ciclo logístico de que participa, se a multimodalidade for exercida por pessoas jurídicas distintas.

Outra regra digna de nota é a que estampa a responsabilidade do operador e a que estipula a obrigatoriedade da emissão do conhecimento.


5 NATUREZA JURÍDICA DO B/L E OUTRAS CONSIDERAÇÕES

Posto isto, passa-se, neste momento, a enfrentar a questão principal deste texto, vale dizer: a delimitação da natureza jurídica do B/L. Com efeito, quando se indaga qual é a natureza jurídica de determinada instituição, instituto, categoria ou figura jurídica — enfim dos modelos jurídicos (REALE, 2002, p. 74) — deve-se perguntar qual é o seu significado, sentido e alcance para o mundo jurídico.

Sobre a temática, afirma Maria Helena Diniz (2005, v. 3, p. 381) que o verbete natureza jurídica significa o fim último dos institutos do Direito, bem como a comunhão que determinadas figuras jurídicas ostentam, em diversos pontos, com as categorias jurídicas mais amplas, cujo relevo é evidente em termos classificatórios, didáticos e cognoscitivos. Desta maneira, ao se objetar qual é a natureza jurídica do B/L, a resposta a ser encontrada na literatura específica há de ser esclarecedora quanto à conformação jurídica e classificatória desta figura jurídica. Deve esclarecer qual é o regime jurídico a que este modelo normativo se submete.

Com aporte na literatura de Direito Marítimo, tem-se que o B/L apresenta tripla natureza jurídica. Assim, fala-se que o B/L é, concomitantemente, a prova escrita do contrato de transporte internacional de cargas pela via marítima; recibo de entrega dos bens pelo embarcador ao transportador e, finalmente, título de crédito. No entanto, há que se advertir que tal entendimento se aplica apenas ao contrato de transporte marítimo — próprio do segmento liner, haja vista que o contrato de fretamento marítimo — inerente à navegação tramp — formaliza-se com a emissão da charter party ou carta-partida (CP).

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Nesta última hipótese — contrato de afretamento —, é crucial esclarecer que, além da expedição da CP, a emissão do B/L também é obrigatória, ao qual é atribuído a denominação charter party bill of lading. Contudo, este B/L sui generis tem fim unicamente representativo, de modo a representar o recebimento da mercadoria. Logo, não é um título de crédito e, tampouco, evidência escrita do contrato de fretamento, que se representa apenas pela CP (MARTINS, 2005, p. 276-278).

Ainda no que concerce às finalidades do conhecimento de frete marítimo, lecionam Anjos e Gomes (1992, p. 218):

Um conhecimento tem as seguintes funções: 1) é um recibo de mercadorias, isto é, prova que as mesmas foram embarcadas ou foram recebidas para serem embarcadas em determinado navio; 2) prova a propriedade das mercadorias nele descritas; e 3) serve como evidência dos termos e condições do transporte acordados entre o armador e o embarcador.

Ao referir-se às funções do conhecimento de frete marítimo, o mencionado Christopher Hill arremata:

The negotiable Bill of Lading serves three different purposes. It is (a) a receipt for the goods on board; (b) best available evidence of the contract of carriage; and (c) a document of title. […] The Bill of Lading is evidence (only) of the contract of carriage. It is never the contract. A simple practical reason why it is not, as is a charterparty, is that it is only signed by one party – the Master, as agent for the owner, or somebody representing the carrier. (2003, p. 143)

Para reforçar o raciocínio acima expendido, que diferencia a charter party bill of lading e o bill of lading inerente ao transporte internacional, é relevante frisar que:

Nos fretamentos por viagem também é emitido o conhecimento. Pode ocorrer que uma cláusula seja conflitante com outra da carta partida. Neste caso observam-se as seguintes regras: 1. As cláusulas escritas ou datilografadas têm predominância sobre as impressas; 2. Em caso de conflito de duas cláusulas da mesma natureza, isto é, escrituradas, datilografadas ou ambas impressas, valerá a estipulação do conhecimento, visto ser este documento sempre preparado após a carta partida. (ANJOS; GOMES, 1992, p. 223).

Vê-se, com nitidez, que apenas o B/L emitido a partir do contrato de transporte marítimo internacional é que apresenta esta “tríplice” natureza jurídica. Confira-se, com relação ao contrato de fretamento de embarcações e à emissão da CP, a redação do artigo 566[10] Código Comercial, que reclama prova escrita para a formalização do contrato de fretamento de embarcações. Quanto aos requisitos da carta-partida, estes estão descritos no artigo 567[11] da citada Lei Comercial.

No entanto, do ponto de vista técnico, deve-se fazer o registro de que esta noção de triplicidade diz respeito muito mais às finalidades do conhecimento marítimo do que à sua natureza jurídica. Constata-se, maxima data venia, que o B/L tem apenas uma natureza jurídica: a de título de crédito. Está sujeito, evidentemente, ao regime jurídico-cambial. Salvo melhor juízo, a afirmação de que o B/L é um recibo ou prova de propriedade de mercadorias não revela, com precisão, qual é o regime jurídico a que este documento se submete, embora revele as funções deste. Só para ilustrar, os doutrinadores estrangeiros citados (Fariña e Hill) apresentam as mesmas posições quanto às finalidades do conhecimento marítimo, o que é repetido, sem muita reflexão, pela doutrina brasileira e rotulado como “natureza jurídica”.

Nos termos do disposto no artigo 577[12] do Código Comercial, o B/L é documento de emissão obrigatória pelo transportador e assinado pelo comandante do navio. Além disso, reveste-se de natureza de escritura pública, pela dicção do artigo 587[13] deste mesmo Regramento, sendo que os requisitos do conhecimento de transporte marítimo se encontram descritos no artigo 575[14] do citado Código Comercial.

Com efeito, no B/L é que serão consignadas os elementos atinentes ao contrato de transporte internacional de mercadorias, os termos das condições acordadas entre as partes contratantes e delineadas nos campos a serem preenchidos nos formulários (MARTINS, 2008, p. 266). Eis mais um caractere revelador da importância deste documento para o comércio marítimo de cargas.

No que respeita às demais considerações importantes sobre o B/L, destaca-se: “No verso do BL estão delineadas as cláusulas que retratam as condições do transporte. Destacam-se, em essencial e pela relevância, a cláusula “paramount” de legislação aplicável, a cláusula de competência jurisdicional, cláusulas limitativas e/ou exonerativas de responsabilidade do transportador marítimo durante o transporte, cláusulas de avarias grossas, entre outras.” (MARTINS, 2008, p. 267).

A propósito, é válida a menção aos artigos 554[15], 555[16] e 556[17], todos do Decreto n° 6.759 de 2009, que institui o Regulamento Aduaneiro em vigor, os quais regulamentam o artigo 46[18], caput, do Decreto-Lei n° 37 de 1966, o qual estrutura o imposto incidente sobre a importação, organiza os serviços aduaneiros e impõe direitos e deveres aos operadores e demais intervenientes nas operações de Comércio Exterior. A título ilustrativo, cita-se que o Decreto n° 6.729 de 2009 denomina esta figura jurídica de “conhecimento de carga”.

Convém, ainda, gizar que o conhecimento de frete não se confunde com o manifesto de carga. Trata-se de figuras jurídicas distintas, embora cruciais para as operações de comércio internacional. O manifesto de carga é o documento de emissão obrigatória ao responsável pelo veículo transportador, seja qual for a modalidade de transporte: marítimo, aéreo ou terrestre, nos termos do artigo 39 do Decreto-Lei n° 37 de 1966. Deverá conter a relação dos produtos que se encontram carregados na embarcação, quando da chegada ou partida desta dos territórios aduaneiros.

5.1 FORMAS DE TRANSMISSÃO DO B/L

Em geral, no que tange à transmissbilidade dos títulos de crédito, fala-se que eles podem assumir três modalidades: (i) nominativos à ordem; (ii) nominativos não à ordem; e (iii) ao portador.

Nas palavras de Rubens Requião (2012, p. 469 e segs.), título ao portador é aquele em que não é feito o registro do beneficiário e no qual há a inclusão da cláusula “ao portador” ou consta em branco o nome do seu beneficiário. Título nominativo é a cártula emitida em benefício de pessoa determinada. Vale dizer: nele fica expresso quem será o beneficiário e titular do documento (art. 921 do Código Civil de 2002). Segundo este doutrinador, o título nominativo só admite o endosso em preto, ou seja, mediante a anotação nos livros comerciais do emitente. Por sua vez, o título à ordem é o expedido em prol de pessoa certa, porém, admite o simples endosso.

Como lembra Rubens Requião (2012, p. 471)

Se a um título de crédito nominativo for inserida pelo emitente a cláusula à ordem, o título perde a sua natureza de puro título nominativo, para adotar a segunda forma, passando então a circular pelo endosso. Se o endosso for em branco, sua circulação pode prosseguir como se fora simples título ao portador.

Por sua vez, Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 449) assevera, no que atine à circulação cambial, que os títulos poderão ser ao portador ou nominativos, de forma que os nominativos poderão ser “à ordem” e “não à ordem”. Porém adota entendimento diverso de Rubens Requião quanto as cambiais nominativas não à ordem que, na sua forma de pensar, somente se transmitem pela cessão civil, e dissocia o título não à ordem. Nas palavras do supracitado autor,

A diferença entre elas reside no ato que opera a circulação do crédito. Os títulos ao portador não ostentam o nome do credor e, por isso, circulam por mera tradição; isto é, basta a entrega do documento para que a titularidade do crédito se transfira do antigo detentor da cártula para o novo. Os nominativos à ordem identificam o titular do crédito e se transferem por endosso, que é o ato típico da circulação cambiária. Os nominativos não à ordem, que identificam o credor, circulam por cessão civil de crédito. Registro que a classificação aqui apresentada, relativa à circulação, não coincide com a que se encontra na doutrina em geral. De fato, usualmente se distinguem os títulos à ordem dos nominativos, embora com a ressalva de que os dois ostentam o nome do credor. Para a doutrina tradicional, repetindo as lições de Vivante, os nominativos circulariam por meio de documento de transferência ou registro em livro do emitente. Seria o caso das ações de sociedades anônimas. (COELHO, 2012, p. 449).

Por seu turno, a doutrina catalã contém clara e expressa referência teórica a respeito das modalidades de transmissão do conhecimento de frete marítimo. Não é à toa que Francisco Fariña, em obra clássica, pontifica:

El conocimiento puede emitirse al portador, a la orden o a nombre de persona determinada. Los extendidos al portador se transmiten por la entrega material del documento;  los extendidos a la orden, em virtud de endoso. El ambos casos aquel a quien se transfiere el conocimiento adquiere todos los derechos del cedente o endossante sobre las mercadorias. Si se trata de um conocimiento nominativo, las mercancías solamente pueden ser entregradas la persona que resulte ser la designada. Su transmisión requiere las formalidades de cesión que determinan las leys civiles, notificándolo al capitán; por estas complicaciones apenas se usa esta forma. El más frecuente, por compaginar las seguridades com la facilidad de negociación, es el extendido a la orden. Gracias a la cláusula a la orden o al portador, el conocimiento es um poderoso instrumento de crédito. (1954, v. II, p. 329).

Em conclusão, o B/L aceita as três modalidades de transmissão creditícias. A lembrar, são elas: nominativa à ordem, não à ordem e ao portador. Fica o registro de que a forma de transmissão “não à ordem” é a mais restritiva, haja vista que depende de cessão civil. Em face do que foi dito, ao admitir-se que o B/L é, também, um título de crédito, pergunta-se se é ele um título de crédito próprio ou impróprio.                                                                                              

5.2 TÍTULO DE CRÉDITO IMPRÓPRIO

A doutrina jurídica apresenta a tipologia segundo o qual os títulos de crédito podem ser próprios ou impróprios. Impróprio é o título de crédito que não tem por lastro uma operação de crédito. Apesar disso, é um documento apto à circulação, por apresentar algumas das características do título de crédito próprio. De outra banda, reputa-se próprio o título de crédito perfeito que materializa uma operação real de crédito e está desvinculado de sua causa. (DINIZ, 2005, v. 4, p. 692 e 696).

“A função primitiva do conhecimento de carga ou conhecimento de transporte, como bem observa o Prof. Waldemar Ferreira, era a de simples documento comprobatório do recebimento, por empresa de transporte, da carga, a fim de entregá-la no lugar de destino. Posteriormente, por necessidade do comércio, esse documento comprobatório evoluiu para se tornar título de crédito, representativo da mercadoria transportada, podendo circular por endosso.” (REQUIÃO, 2012, p. 681).

Neste ponto, calha a lição de Fábio Ulhoa Coelho (2007, p. 472, aspas no orginal):

Por isso, pode-se afirmar que o título de crédito é o documento representativo de obrigação pecuniária sujeito a regime informado por tais princípios [cambiais]. Por outro lado, há alguns instrumentos jurídicos sujeitos a disciplina legal que aproveitam, em parte, os elementos do regime jurídico-cambial. Tais instrumentos não podem ser considerados títulos de crédito exatamente porque a eles não se aplicam, na totalidade, os princípios e normas de direito cambiário. Esses instrumentos são normalmente referidos como “títulos de créditos impróprios.

Mais adiante, o mesmo jurista (COELHO, 2007, p. 472-474) classifica os títulos de crédito impróprios nas quatro categorias a seguir descritas: (i) títulos de legitimação; (ii) títulos de investimento; (iii) títulos de financiamento e (iv) títulos representativos. Verifica-se, portanto, que o BL emitido com fulcro em um contrato de transporte internacional de mercadorias é um título representativo da titularidade incidente sobre os bens que constituem o objeto da operação de mercancia internacional.

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Sobre o autor
Alan Gregory Retkva

Advogado (OAB/SC nº 34.245 e OAB/PR nº 82.996). Assessor Jurídico na Câmara Municipal de Irati/PR. Pós graduado, "lato sensu", em Direito Logística e Negócios Internacionais (PUCPR).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RETKVA, Alan Gregory. Conhecimento de transporte marítimo: natureza jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4815, 6 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51883. Acesso em: 26 abr. 2024.

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