Sumário: 1 Introdução. 2. O Direito Marítimo e sua relação com o comércio internacional de mercadorias. 2.1. Autonomia e natureza jurídica do Direito Marítimo. 3. Evolução da legislação brasileira acerca do conhecimento de frete marítimo em geral. 4. Conhecimento de transporte marítimo (bill of lading). 4.1. Principais normas internacionais reguladoras do bill of lading. 4.2. Conhecimento de transporte marítimo multimodal de cargas. 5. Natureza jurídica do bill of lading (B/L) e outras considerações. 5.1. Formas de transmissão do B/L. 5.2. Título de crédito impróprio. 6 Ausência de eficácia processual executiva. 7. O conhecimento de transporte marítimo e a problemática proveniente da Instrução Normativa n° 1.356, de 6 de maio de 2013, da Secretaria da Receita Federal do Brasil. Considerações finais.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo, essencialmente teórico, tem a proposta de esclarecer a natureza jurídica do conhecimento de transporte marítimo. Apesar de se alicerçar nas fontes formais do Direito brasileiro relacionadas à espécie, ou seja, sob a ótica do Direito Empresarial Marítimo nacional, no estudo há remissão aos principais tratados internacionais em tema de bill of ladings.
Nesta trilha, antes mesmo de abordar o tema central do trabalho, realiza-se uma pequena introdução ao cenário do Direito Marítimo, com enfoque na relação que este último possui com o comércio internacional de mercadorias.
Posteriormente, versa-se sobre a autonomia e natureza jurídica do Direito Marítimo e se examina a evolução da legislação brasileira reguladora do conhecimento de frete em geral, como forma de introduzir e situar o tema. Após, aborda-se a previsão normativa e definição jurídica do conhecimento de transporte marítimo, a partir do direito positivo (marítimo e aduaneiro) brasileiro.
Demais disso, faz-se referência, ainda que rapidamente, à figura do conhecimento de transporte multimodal de cargas, e, finalmente, à natureza jurídica e eficácia — no campo do direito processual brasileiro — deste importante documento marítimo.
Enfim, sem a pretensão de esgotar o tema, são expostos os principais aspectos e atributos que envolvem a conformação jurídica do denominado conhecimento de frete marítimo — também chamado de conhecimento de embarque, transporte, ou carga marítima (bill of lading — B/L), em face da amplitude e das controvérsias jurídicas que permeiam o instituto.
Em última análise, a proposta do trabalho é ampliar o debate acadêmico sobre o tema e, em especial, determinar a natureza jurídica do B/L, pois há aparente dúvida quanto ao disciplinamento jurídico que lhe é atribuído. Finalmente, importa salientar que a pesquisa teve caráter exclusivamente bibliográfico com o emprego do método dedutivo e do critério orientativo dogmático.
2. O DIREITO MARÍTIMO E SUA RELAÇÃO COM O COMÉRCIO INTERNACIONAL DE MERCADORIAS
Sabe-se que o Direito Marítimo é uma disciplina jurídica que não tem recebido a devida atenção nos cursos de graduação em Direito. Apenas em alguns cursos de bacharelado no Brasil é que esta disciplina jurídica é estudada. E, em escala de cursos de pós-graduação, isso infelizmente é perceptível. Tais fatores, portanto, acabam inexoravelmente por refletir no âmbito de estudos jurídicos relativos à disciplina jurídica marítima, que, a despeito disso, assume grande relevo, principalmente em tempos de consolidação do comércio internacional de mercadorias e do fenômeno da “globalização” financeira e comercial.
A propósito do assunto, acena Osvaldo Agripino de Castro Júnior (2004, p. 102-103):
Infelizmente, a subcultura e falta de comprometimento da maioria dos meios de comunicação e universidades brasileiras, importantes transmissores de educação, colabora para que não tenhamos consciência desse setor estratégico da economia nacional. Nesse quadro, falta também uma política jurídica voltada para a difusão do Direito Marítimo, a fim de dar segurança aos atores que atuam nesse locus, daí a relevância dessa disciplina jurídica, tão pouco difundida nos bancos universitários brasileiros. [...] Dessa maneira, o Direito Marítimo, como disciplina autônoma do Direito e em face de sua relevância para a segurança jurídica da atividade aquaviária de um país continental, com cerca de 8.000 km de litoral, não tem tido o tratamento merecido nos cursos de graduação e pós graduação em Direito e Comércio Exterior, com pouca difusão do mesmo, deixando-o restrito a um pequeno grupo de operadores do direito.
Feitas estas considerações críticas preliminares, a revelar a falta de pesquisas sobre este campo do Saber Jurídico, cumpre frisar que o Direito Marítimo não se confunde com o Direito da Navegação, pois este último é mais amplo, de forma a abranger o Direito Marítimo e o Direito Aeronáutico. Enquanto a disciplina jurídica aeronáutica tem por objeto de prescrição jurídica, em linhas gerais, o trânsito de aeronaves no espaço aéreo de determinado território, o Direito Marítimo conforma todas as relações jurídicas de que o mar é o cenário e o comércio marítimo é o objeto.
De fato, os Oceanos foram e continuam sendo fundamentais para o desenvolvimento econômico das civilizações e Estados contemporâneos. Em geral, o Direito Marítimo tem objeto de prescrição normativa o tráfico e o tráfego marítimos, em nível internacional e doméstico. Como aponta a doutrina jurídica maritimista, o tráfico marítimo abrange o comércio, domínio marítimo e atividades consequentes – tais como a atividade empresarial do transporte marítimo e o uso dos navios e demais embarcações como meio logístico. Em outro patamar, no entanto, o tráfego marítimo compreende, basicamente, a navegação marítima e o trânsito de embarcações por meio de deslocamentos de um ponto geográfico a outro. Em suma, o Direito Marítimo, como é de se notar, consiste no complexo de normas jurídicas que disciplina o comércio e a náutica marítima. Tem por atributos a estabilidade temporal, uniformidade sensível e ousadia nas construções jurídicas, sem prejuízo da internacionalidade e da unificação (MARTINS, 2008, p. 3-5).
Como leciona Francisco Fariña (1955, p. 29),
El espacio marítimo, que ocupa el 73 por 100 de la superficie total del globo, está recogido por un orden jurídico integrado por diferentes normas que, en su conjunto, constituyen el Derecho Marítimo en general. En este concepto amplio, el derecho marítimo es el derecho del mar, como dice Gidel, y 'tiene por objeto el orden jurídico que rige el medio marítimo y los empleos de que es susceptibel.
Neste mesmo prisma, apregoa Osvaldo Agripino de Castro Júnior (2010, p. 86):
O globo terrestre possui 27% da superfície do globo formada por continente e 73% de espaços marítimos, o que faz com que cerca de mais de 90% das mercadorias sejam transportadas pelo mar. A atividade comercial que envolve o transporte aquaviário (business shipping) é conceituada como o movimento físico de bens e pessoas de portos fornecedores para portos de demanda assim como as atividades exigidas para apoiar a facilitar tal movimento.
Convém ilustrar que o Direito Marítimo se subdivide, doutrinariamente, em Direito Público Marítimo e Direito Privado Marítimo, como adverte o mesmo Francisco Farinã (1995, passin). Além disso, acentua-se que há agrupações deste mesmo Direito Marítimo, sendo lícito se falar em Direito Internacional Público Marítimo, Direito Administrativo Marítimo e Direito Comercial Marítimo.
La explotación del buque, los contratos a que da lugar, la comunidad de riesgos, las previsiones para evitarlos o disminuirlos, los conflictos de legislaciones distintas, constituyen aspectos complejos, generadores de modalidades e instituciones relativas a navegación marítima que evolucionan reflejando el dinamismo próprio de las operacionas marítimas. (FARIÑA, 1955, p. 31).
É, portanto, especialmente pelo mar que se desenvolve a grande parte do comércio internacional de mercadorias. E estas condutas humanas são objeto de regulação de normas disciplinadas pelo Direito Internacional Privado Marítimo e internamente pelo Direito Privado Marítimo. Na seara interna, o direito privado marítimo se ocupa das relações jurídicas decorrentes da exploração mercantil da navegação.
O direito privado interno abrange o conjunto de normas do direito empresarial marítimo (direito comercial marítimo) que regulamenta as relações jurídicas decorrentes da exploração mercantil da navegação, que compreendem armação e expedição de navios, seguros, fretamentos, riscos e quaisquer contratos relativos ao comércio marítimo. No Brasil, destacam-se as normas contidas na Parte Segunda do Código Comercial (Lei n. 556/1850), no Código Civil (Lei n. 10.406/2002) e em inúmeras legislações esparsas anteriormente mencionadas.” (MARTINS, 2008, p. 18).
Assim, o denominado Direito Empresarial Marítimo é que passa a regulamentar, em escala doméstica, o instituto do conhecimento de frete marítimo, embora as diretrizes jurídicas deste instituto sejam fruto de normativas internacionais, uma vez que o comércio marítimo de coisas e o transporte de pessoas é uma atividade empresarial na qual prepondera o fator econômico, representado mormente pela náutica marítima.
2.1. AUTONOMIA E NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO MARÍTIMO
A doutrina majoritária1 revela que o Direito Marítimo é dotado de autonomia em relação aos demais ramos do saber jurídico. Os fatores que impulsionam esta relativa autonomia são: internacionalidade, particularidade e especialidade de seus princípios e regras jurídicas, bem como a tipicidade dos institutos. Ao Direito da Navegação é igualmente reconhecida autonomia didática, apesar de inexistir no Brasil uma codificação que une o Direito Marítimo e o Direito Aeronáutico, a exemplo do que ocorre com o modelo de positivação jurídica italiana (MARTINS, 2008, p. 6-8).
O Direito Marítimo é o conjunto de normas jurídicas que disciplinam as atividades necessárias para que as embarcações efetuem o transporte pela via aquaviária. É uma disciplina jurídica autônoma, tendo, inclusive, em face de sua relevância obtido assento constitucional (art. 22, inciso I, da CF/88), e tem como objeto principal regular as relações jurídicas que se dão em torno do navio, aqui considerado como espécie de embarcação, por meio das relações jurídicas que se dão através dos contratos de transportes e de afretamento de embarcações, hipoteca naval, registro de embarcações, dentre outras.” (CASTRO JR., 2010, p. 91).
O jurista italiano Gileno, embora não trate especialmente do Direito Marítimo, adverte que o Direito da Navegação é dotado de autonomia:
Si parla allora di autonomia del diritto della navigazione. L'autonomia è caratterizzata dal concorso di elementi pubblicistici e privatistici e deve senza dubbio riportarsi alla struttura e alla graduazione normativa che è data dal codice, dalle leggi speciali e dalle altre fonti, dirette e particolari, della materia. Qesta normativa genera una disciplina specifica dei fatti e dei rapporti che si riferiscono alla navigazione, sì che questi fatti e rapporti hanno fonti distinte e diverse da quelle che regolano fatii e rapporti di carattere generale (diritto generale o comune) o speciale (Lefebvre-Pescatore). (1996, p. 10).
Neste mesmo sentido apregoa Martins (2008, p. 7):
Atente-se, por oportuno, que a codificação do direito marítimo em um Código da Navegação não enseja, per se, a descaracterização do direito marítimo como uma ramo do direito da navegação. Defende-se, portanto, que o direito marítimo assim como o direito aéreo manterá as respectivas autonomias mesmo que tipificados em uma estrutura normativa única.
Superada a questão da autonomia do Direito Marítimo, aborda-se a questão da natureza jurídica desta ramificação da Ciência Jurídica. Portanto, ao se perguntar qual é a natureza jurídica de determinado instituto, figura, instituição ou categoria jurídica, deve-se procurar responder qual é a essência, a significação destes modelos jurídicos para o mundo do Direito. Desta feita, quanto à natureza jurídica, fala-se que o Direito Marítimo é um direito misto ou híbrido, porquanto não há predominância, mas intersecções entre regulação positiva de interesses públicos e privados. Tanto é assim, que existe o Direito Público Marítimo e o Direito Privado Marítimo (MARTINS, 2008, passin).
3. EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA REGULADORA DO CONHECIMENTO DE FRETE EM GERAL
Em termos históricos, justifica-se a revisão da legislação brasileira reguladora do conhecimentos de transporte em geral, pelo fato de o bill of lading ser um conhecimento marítimo, espécie ou modalidade que é do gênero conhecimento de transporte.
Ao longo da história recente do Brasil, diversas Leis em sentido amplo versaram sobre o conhecimento de frete em geral. A primeira delas foi a Lei n° 556, de 25 de junho de 1850, que instituiu o ainda vigente Código Comercial brasileiro. Foi este o primeiro balizamento normativo regulador do conhecimento de frete. Embora tenha sido revogado o Livro I deste Código pela Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – instituidora do Código Civil em vigor, os dispositivos que tratam do conhecimento marítimo ainda permanecem vigentes. Desta feita, o campo de incidência dos artigos 575 a 589 se revela adequado ao cenário de transporte marítimo. Isso, é claro, porque o Livro II do Código Comercial brasileiro continua regulando o comércio marítimo, ainda que no âmbito interno.
Outra norma jurídica digna de destaque foi o Decreto n° 19.473, de 10 de dezembro de 1930, que abordou o conhecimento de frete expedido por empresas de transporte aquáviario, terrestres e aéreo, de sorte que o artigo 2° já previa os requisitos do conhecimento e os artigos 1° e 2° as formas de transmissibilidade do instrumento. No entanto, por ter sido revogado pelo Anexo I do Decreto sem n°, de 25 de abril de 1991, esta legislação não tem mais qualquer efeito jurídico.
De igual sorte, cumpre sobrelevar a edição da Lei n° 9.611, de 19 de fevereiro de 1998, norma que disciplina juridicamente o transporte multimodal de cargas. Além de definir o alcance e o sentido da expressão transporte multimodal e a forma de sua operacionalização (vide artigos 1°, 2° e 3° da Lei), a referida normatividade jurídica instituiu nova figura contratual no direito positivo brasileiro: o contrato de transporte multimodal de mercadorias. E, assim como a experiência jurídica do conhecimento de frete originado do comércio marítimo, foi introduzido no sistema jurídico brasileiro o conhecimento de transporte multimodal de cargas, que é a evidência escrita daquele contrato. Neste sentido, basta conferir a literalidade dos artigos 8°2, 9°3 e 104, todos da Lei supracitada.
Por seu turno, a Lei n° 11.442, promulgada em 5 de janeiro de 2007, passou a regular o conhecimento de transporte rodoviário. Os artigos 6°5 e 7°6 versam sobre a forma do contrato, que pode ser formalizado por meio de documento próprio ou por conhecimento de transporte rodoviário.
Finalmente, quanto ao conhecimento de transporte aéreo, a Lei n° 7.565, de 19 de dezembro de 1986, instituidora do Código Brasileiro de Aeronáutica, molda normativa e juricamente a matéria do conhecimento de embarque aéreo no Capítulo III, precisamente nos artigos 235 a 245, de forma similar à legislação multimodal e rodoviária7. De fato, o supramencionado Código pode ser considerado como a norma de direito interno mais moderna e atualizada em matéria de conhecimentos, sobretudo por ter deixado claro quais são os direitos, obrigações e responsabilidades das partes que compõem o contrato de transporte de mercadorias pela via aérea.
4. CONHECIMENTO DE TRANSPORTE MARÍTIMO (bill of lading): PREVISÃO NORMATIVA E DEFINIÇÃO JURÍDICA
O verbo definir é polissêmico e pode assumir várias facetas, a saber:
“1 Explicar, mostrar o significado de uma palavra. 2 Determinar a extensão ou os limites de. 3 Dar a conhecer com exatidão. 4 Determinar em resolução; fixar; decidir; estabelecer.”
Sem entrar na discussão filosófica acerca dos aspectos distintivos entre os signos “conceito” e definição”, com apoio no ensinamento de Irineu Strenger, passa-se a atribuir o seguinte sentido e alcance ao substantivo definição — que para o mundo jurídico está muito mais para procedimento:
Definição é uma operação lógica por meio da qual concretizamos os traços essenciais do objeto definido e, ao mesmo tempo, o diferenciamos de todos os objetos que lhe são semelhantes. Nesse ato lógico do pensamento há de residir sempre o propósito de se lograr uma comunicação sem equívoco. A definição é, portanto, meio para um fim que não consiste somente em indicar a significação de um nome, mas em precisá-lo pela determinação de seu conceito. (STRENGER, 2007, p. 60).
Operadas estas distinções e delimitações elementares, passa-se a tocar o instituto do conhecimento de frete marítimo a partir dos qualificativos jurídicos impostos pelo Direito Empresarial Marítimo brasileiro. Deveras, a celebração do contrato de transporte internacional de mercadorias é que faz com que o conhecimento de embarque, também denominado conhecimento de frete, carga ou transporte marítimo — ou ainda bill of lading (B/L) — seja expedido. Como adverte Fariña:
Gran parte del ingente volumen del tráfico marítimo mundial se transporta mediante los servicios que tienen organizados las Compañias navieras com carácter permanente, rigiéndose el régimen jurídico de contratación por el documento conocido em todos los países com el nombre de ‘conocimiento de embarque’. (FARIÑA, 1956, v. II, p. 323).
Em linhas gerais, o contrato internacional de transporte marítimo de mercadorias tem por partes o embarcador (carrier) e o transportador (shipper) e por objeto o transporte de porto a porto, ponto a ponto, porto a ponto ou ponto a porto de mercadorias — a depender do Incoterm estipulado entre os partícipes das operações de comércio internacional, as quais são remetidas a um destinatário, também chamado de consignatário (consignee).
De fato, o conhecimento de transporte marítimo é o título que constitui a prova escrita do contrato de transporte internacional de coisas pelos oceanos, à despeito de não esgotá-lo. De porte obrigatório ao transportador (shipper), o B/L constitui o principal documento no transporte marítimo de coisas, ao lado do manifesto de carga e do documento de trânsito aduaneiro (MARTINS, 2005, p. 261. e 265). É, efetivamente, um título de crédito que representa a mercadoria nele descrita.
Nas palavras de Anjos e Gomes (1993, p. 217), o
Conhecimento é o documento que prova a propriedade da carga e, nos embarques de mercadorias em navios de linha regular, também evidencia a existência de um contrato de transporte. Usam-se indistintamente as seguintes expressões para o conhecimento: conhecimento de embarque, conhecimento de frete, conhecimento de carga e conhecimento de transporte.
No Direito britânico, encontra-se a seguinte definição para o conhecimento de frete maritimo, exposto por Christopher Hill (2003, p. 243):
In this author’s view, one of the clearest and simplest definitions of a bill of lading that has been put before the maritime public recently is: ‘a document which evidences a contract of carriage by sea and the taking over and loading of the goods by the carrier and by which the carrier undertakes to deliver the goods against surrender of the document.’
Por outro lado, também é oportuno esclarecer que o contrato de transporte internacional de mercadorias não se confunde com o contrato de fretamento. O primeiro obriga a emissão do bill of lading (B/L) e se refere ao transporte internacional de cargas de um porto a outro em navios regulares (liners). O segundo tem por objeto primariamente a exploração mercantil da embarcação e secundariamente o transporte de coisas ou pessoas pelos oceanos e por navios do mercado trump, isto é, de navegação não-regular. O contrato de fretamento se materializa pelas cartas-partidas, cartas de fretamento ou charters parties (CP), apesar de também ser indispensável a emissão do B/L em casos tais. (MARTINS, 2005, p. 261).
Além disso, preconiza a doutrina jurídico-maritimista que o conhecimento de frete, de carga ou de transporte marítimo, está entre os documentos mais relevantes do comércio internacional, motivo pelo qual merece especial destaque por parte da comunidade jurídica (ANJOS; GOMES, 1992, p. 124; MARTINS, 2005, p. 265, em nota).
Maria Helena Diniz (2005, v. 1, p. 928-929) destaca que o conhecimento de frete, em geral, é instituto afeto ao Direito Comercial ou Empresarial. A mesma doutrinadora define-o como o “Documento comprobatório da mercadoria a ser transportada por via terrestre, aérea, marítima ou fluvial, emitido pelo condutor ou pelo transportador […]”. E prossegue:
Devido ao seu caráter probatório de entrega de mercadoria pelo remetente ao transportador, representa as mercadorias expedidas, que só poderão ser retiradas pelo destinatário mediante sua apresentação. É um título de crédito, representativo das mercadorias nele mencionadas, normalmente negociável, suscetível até mesmo de transferência por simples endosso.
Posto isto, denota-se, com clareza, que o B/L é um título de crédito para o sistema jurídico brasileiro.
4.1. PRINCIPAIS NORMAS INTERNACIONAIS REGULADORAS DO bill of lading
Basicamente, existem três regramentos internacionais disciplinadores do bill of lading. Trata-se de temática afeta ao Direito Internacional Marítimo Privado, razão pela qual não serão abordadas as sutilezas atinentes a cada regime jurídico, porquanto a finalidade principal deste estudo é apreciar juridicamente o conhecimento de transporte marítimo a partir das normas de direito positivo brasileiras. A despeito disso, é inegável reconhecer que o domínio de tais regramentos é de capital importância, em termos de bill of lading, diante da aplicabilidade prática no comércio internacional de mercadorias destes regimes mesmos.
O grande tema objeto das regulamentações internacionais a seguir citadas é a extensão da responsabilidade do transportador marítimo, pois, em geral, visam à atenuá-la ou maximizá-la. São elas: (a) Regras de Haia; (b) Regras de Haia-Visby ou simplesmente Regras de Visby e (c) Regras de Hamburgo. As Regras de Haia (International Convention for Unification of Certain Rules Related of bill of ladings), assinadas em 1924, constituem o primeiro disciplinamento internacional sobre B/L. Tais regras instituem um regime liberal no que concerne à responsabilidade do transportador internacional. Já em 1936 foi promulgado, nos EUA, o Carriage of Goods by Sea Act (Cosga) instituiu uma visão norte-americana das Regras de Haia. No entanto, o segundo marco normativo internacional digno de nota é o criado pelo Protocolo de Visby (1968) e DES (1979). Assim, as Regras de Haia passaram a chamar-se Regras de Haia-Visby, que consagram um regime moderado de responsabilidade do transportador marítimo. Por fim, merecem destaque as Regras de Hamburgo de 1978 (United Nations Convention on the Carriage of Goods by Sea), que cristalizam o princípio de presunção de culpa do transportador e um regime de responsabilidade mais severo aos transportadores marítimos. (MARTINS, 2008, p. 287-291).
Todavia, até a presente data o Estado brasileiro não incorporou qualquer um destas normativas internacionais, apesar de serem plenamente aplicadas no território aduaneiro brasileiro e por players do comércio internacional com domicílio no Brasil. Aliás, a propósito do tema, elucida Eduardo de Avelar Lamy:
Como os contratos de transporte marítimo internacional são regulados por convenções que o Brasil não ratificou, tais normas não entram em nosso ordenamento jurídico pela cláusula do art. 5°, parágrafo 2°, segunda parte, da Constituição Federal (2007, p. 103-104).
Destarte, fica claro que o Estado brasileiro não ratificou nenhuma das convenções internacionais reguladoras dos termos e condições do contrato internacional de transporte de mercadorias pela via marítima.
4.2. CONHECIMENTO DE TRANSPORTE MULTIMODAL DE CARGAS
Como já dito anteriormente, a Lei n° 9.611, de 19 de fevereiro de 1998, disciplinou a atividade de transporte multimodal de cargas. Ao considerar que o transporte multimodal de cargas é aquele que, regido por um único contrato, utiliza duas ou mais modalidades de transporte, desde a origem até o destino, e é executado sob a responsabilidade única de um operador de transporte multimodal, consoante preconiza o art. 2° da supracitada Lei, percebe-se que a via marítima poderá ser utilizada em conjunto com os modais terrestre e/ou aéreo. Motivos pelos quais se passa a abordar o plano normativo do conhecimento de transporte multimodal.
As características do contrato de transporte multimodal vêm descritas nos artigos 8°8 e 109 da supradescrita Lei. Em linhas breves, o conhecimento do transporte multimodal segue as mesmas diretrizes do conhecimento em geral. Mas, determina quais são os operadores multimodais e acresce que a responsabilidade do transportador é limitada à etapa do ciclo logístico de que participa, se a multimodalidade for exercida por pessoas jurídicas distintas.
Outra regra digna de nota é a que estampa a responsabilidade do operador e a que estipula a obrigatoriedade da emissão do conhecimento.