A Atuação do Juiz como Ponto de Equilíbrio no Processo Penal:

estudo da aplicação da teoria dos jogos no instituto de delação premiada.

Leia nesta página:

A vida é um verdadeiro jogo. Durante muitos séculos o ser humano viveu esse jogo sem ao menos perceber o quanto se parecia com os jogos atléticos e psíquicos de inventara. A Teoria dos Jogos é aplicada no Direito Penal como em nenhum outra seara jurídica.

 

 

SUMÁRIO: Introdução. 1 Construção da teoria dos jogos; 2 Paralelo entre o acordo de delação premiada e a teoria dos jogos; 2.1 Os participantes o jogo da delação premiada: o Ministério Público, o acusado e o juiz;; 3 A importância da participação do juiz no jogo da delação premiada; Considerações Finais. Referências.

 

 

RESUMO

 

A vida é um verdadeiro jogo. Durante muitos séculos o ser humano viveu esse jogo sem ao menos perceber o quanto se parecia com os jogos atléticos e psíquicos que inventara. Em 1930 surge a primeira Teoria que pretendeu visualizar a vida como um jogo estratégico. Teoria dos Jogos, idealizada pelos matemáticos e economistas John Von Neumann e Oskar Morgenstern –– com posterior incremento de um matemático e estudioso da Teoria dos Jogos, conhecido como John Nash. Essas teorias, embora preceituada por matemáticos e economistas, passaram a ter valia para os mais diversos ramos da vida. Um desses ramos foi o do Direito Processual Penal. Diversos são os campos de aplicação dessa Teoria. Um desses campos é o do instituto de delação premiada. É possível observar-se a atuação de pelo menos três participantes desse jogo: a) o acusado; b) o Parquet; e c) o Juiz da causa. Dos dois primeiros é simples compreender que são jogadores e querem simplesmente ganhar o jogo penal de qualquer maneira. O dever do último participante, contudo, é um tanto quanto delicado. Ele é o garantidor da incolumidade do processo. Uma falha sua e adeus para o jogo inteiro; Todos perdem e ele não efetiva o seu dever de forma ideal. É por isso que se afirma, neste trabalho, o real valor do juiz no processo de delação premiada.

 

Palavras-chave: Teoria dos Jogos. Delação Premiada. Juiz competente.

 

INTRODUÇÃO

 

A vida é um verdadeiro jogo. Quando pensamos em jogo, normalmente visualizamos dois polos lutando contra si. É de comum acordo imaginar-se que, para vencer, determinado polo sempre se tem que agir totalmente contra o seu adversário. Mentir, enganar, armar ciladas: no jogo da vida, tudo se é feito para tomar completa vantagem sobre outrem. E não é qualquer vantagem; é a total vantagem.

 Nenhum time de futebol gosta de voltar para casa com um empate nas costas; Nenhum jogador do time gosta de dar entrevista a jornalistas esportivos dizendo que conquistou apenas um ponto e está satisfeito com isso, quando poderiam ter conquistado os três, se aquele gol de mão aos 45 do segundo tempo não tivesse sido anulado pelo árbitro. Esse é o verdadeiro jogo da vida, o qual está incutido em cada momento dela;

Desde 1930, com o surgimento da Teoria dos Jogos, idealizada pelos matemáticos e economistas John Von Neumann e Oskar Morgenstern –– com posterior incremento de um matemático e estudioso da Teoria dos Jogos, conhecido como John Nash –– todos os ramos da vida humana têm sido estudados como se fossem um verdadeiro jogo de futebol ou de qualquer outro esporte físico, psíquico ou fictício, a realidade fática.

Na área jurídica, é muito comum se ver a aplicação dessas teorias no Direito penalista, sobretudo no Direito processual penal. Neste presente artigo, o foco da aplicação dessas teorias será no instituto de acordo de delação premiada.

O Brasil, mais uma vez, tem sido vítima de mais um escândalo entre políticos e grandes empresários. Dessa vez, em rombo multibilionário, o alvoroço se deu com a empresa em regime de sociedade de economia mista, a Petrobras. Dezenas de políticos e empreiteiros a cada dia são desvendados como partícipes. A investigação não somente teve grande repercussão na sociedade pelos bilhões que foram desviados, mas, pela rapidez com que estão sendo desmascarados diversos coautores e partícipes.

Tudo começou com a prisão do dito doleiro Alberto Youssef e, logo após, do ex-diretor de abastecimento da referida estatal, Paulo Roberto Costa. Deu-se início, então, a um verdadeiro jogo processual: O Ministério Público, com o objetivo utilitarista de alcançar mais acusados e atrair, ao máximo, os frutos contraídos pela quadrilha, a ambos fez proposta a delação premiada. Os acusados aceitaram, com o fim de terem suas penas abrandadas, ao término do processo. O juiz federal, por sua vez, mediou os acordos para que houvesse um equilíbrio das propostas. Eis a pertinência temática: título atual e ainda tanto discutido entre os penalistas.

A questão aqui levantada é, portanto: No jogo processual qual envolve a sugestão de delação premiada, em que aspecto a possibilidade de anulação da proposta do parquet e/ou da aceitação da proposta pelo acusado, pode tornar esse acordo mais equilibrado?

 

1 Construção da teoria dos jogos

Este tópico se preocupará em discorrer acerca do contexto histórico em que se inseriu esta Teoria, bem como a importância de sua atuação, em específico, na área jurídica.

Por volta da década de 1930, houve um fomento por um estudo no qual se mostrasse que a vida em sociedade, principalmente no aspecto político-econômico, é um verdadeiro jogo, onde cada jogador quer algo para si em detrimento dos outros participantes. Houve, nessa época, uma necessidade de se explicar como esse jogo se dava. Foi o momento em que os matemáticos e economistas John Von Neumann e Oskar Morgenstern publicam um livro com título “Teoria dos Jogos e Comportamento Econômico”, em 1944. Esse mecanismo se trata, na verdade, de um verdadeiro instrumento de análise de conflitos de interesses. Ele procura estudar as tomadas de decisões que cada jogador faz, em uma situação em que ele sabe que o seu adversário também tomara uma decisão, para sair vencedor ao fim da aposta. (SAUAIA; KALLÁS, 2007, p.[?])

O Dr. José Augusto Moreira de Carvalho preceituou da seguinte forma:

A teoria dos jogos é um método utilizado para representar e compreender as decisões tomadas por agentes que interagem entre si. Também é correto afirmar que, a partir dessa compreensão, constitui um meio para a adoção da melhor escolha nos casos de interação estratégica. [...] A teoria dos jogos demonstra que, embora as decisões de determinado indivíduo se posicionem para satisfazer seus próprios interesses, em certas ocasiões, em que há interação com outros indivíduos, tal comportamento não prevalece (ou não deveria prevalecer, sob pena de, inclusive, gerar prejuízo a todos que participam dessa relação). (CARVALHO, 2007, p.215).

Em 1950 um grande matemático e estudioso da Teoria dos Jogos, conhecido como John Nash, aprimora a tese, explicando a importância de se levar em consideração que em algumas ocasiões nenhum dos jogadores irá ganhar o jogo em sua plenitude. Essas são as situações em que se deve sopesar as decisões. Deve-se haver um equilíbrio para que a decisão de determinado jogador, embora não seja suficiente para vencer completamente, não o leve a perder totalmente o jogo. Essa teoria foi conhecida como “O Equilíbrio de Nash”. (SAUAIA, KALLÁS, 2007, p. [?])

Embora todas essas conjecturas tenham surgido no âmbito matemático-econômico, quase todos os ramos acadêmicos bebem dessa fonte para explicar o comportamento da sociedade. Com o Direito não é diferente.

Veja-se a maneira com a qual tratam do assunto estudiosos da Teoria dos Jogos Antônio Sauaia e Davi Kallás

A teoria divide-se em dois ramos: jogos cooperativos e não cooperativos. Nos cooperativos, os participantes desejam maximizar o resultado da coalizão e para isso colaboram uns com os outros. Nos não cooperativos, a unidade de análise é o indivíduo que se preocupa em maximizar seus próprios resultados, dentro das regras do jogo, qualquer que seja o resultado coletivo. Na prática a cooperação ficaria bastante facilitada, se proporcionasse o melhor resultado individual e também coletivo. (SAUAIA, KALLÁS, appud GREMAUD; BRAGA, 1998, p. 246-247; appud Kreps, 1990, p.9)

A compreensão da construção histórica e definição da Teoria dos Jogos se faz importante para que se entenda o jogo da delação premiada. A citação dos referidos autores muito esclarece sobre esse tema.

 

2 paralelo entre o acordo de delação premiada e a teoria dos jogos

Nesta parte do trabalho, ver-se-á uma aplicação ainda mais específica da Teoria dos Jogos. A aplicação desta teoria restringir-se-á ao âmbito do Direito processual penal.

Primeiramente se faz jus conceituar-se o instituto de delação. Para Fernando Capez (2013, p.447), “Delação ou chamamento de corréu é a atribuição da prática do crime a terceiro, feita pelo acusado, em seu interrogatório [embora se possa fazer em outra fase processual], e pressupõe que o delator também confesse a sua participação [...]”. Ele ainda admite que delação premiada consiste simplesmente em uma afirmativa feita por um acusado (de um crime no qual outros indivíduos de alguma forma fizeram parte), no momento do interrogatório ou quando o juiz achar necessário ouvi-lo. A delação consiste em, além de confessar autoria, em qualquer grau de participação, delatar outros comparsas; Além disso, para que se o faça de maneira eficaz, o delator há de indicar a vítima, os instrumentos e/ou os frutos do crime cometido. (op. cit., p. 482).

Guilherme Nucci (2013, p. 392), a seu turno, preceitua:

Delatar significa acusar, denunciar ou revelar. Processualmente, somente tem sentido falarmos em delação quando alguém, admitindo a prática criminosa, revela que outra pessoa também o ajudou de qualquer forma. Esse é um testemunho qualificado, feito pelo indicado ou acusado. Naturalmente, tem valor probatório, especialmente porque houve admissão de culpa pelo delator.

Nunca, entretanto, deve o magistrado deixar de atentar para os aspectos negativos da personalidade humana, pois não é impossível que alguém, odiando outrem, confesse um crime somente para envolver seu desafeto, que, na realidade, é inocente. (grifou-se)

É precípuo esclarecer-se, antes de mais nada, que, conforme conclusão de Ricardo (2006, p.5), com base no que Nucci afirmou na citação acima:

Delação não é confissão strictu sensu, pois para sua configuração o fato é tão somente dirigido a quem depõe. Ela também não se configura como mero testemunho, porque quem o presta mantém-se eqüidistante das partes. Trata-se de um estímulo à verdade processual, semelhantemente à previsão da confissão espontânea, sendo, portanto, instrumento que ajuda na investigação e repressão de crimes.

Gabriel Badaró, sendo mais específico, distingue o conceito de delação para “delação premiada”. Ele diz:

A chamada delação premiada, ou colaboração premiada, com alguma distinção quanto aos seus requisitos e efeitos [em relação à simples delação ou chamamento do corréu] apresenta disciplina jurídica em variados diplomas legais. Normalmente, as normas sobre a delação premiada se limitam a prever os requisitos para sua aceitação e, no plano do direito material, seus efeitos  quanto à pena: ora se prevê a extinção da punibilidade, ora o início do cumprimento de pena em regime aberto e, ora apenas a redução da pena. Há, ainda, hipóteses específicas em que se possibilita a aplicação de pena restritiva de direito ao invés de privativa de liberdade. (2014, p.316)

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Silva (2012, p. 5-18) concebe que o instituto ora estudado pode ser efetivado, dentre outros, nos seguintes crimes: Lei dos Crimes Hediondos; Lei contra o Crime Organizado; Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional; Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária e Econômica; Lei de Lavagem de Capitais; Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas; Lei de Drogas.

Por tais motivos é que se faz necessário o cumprimento de requisitos, de modo a fazer com que o instituto se dê de maneira eficaz no mundo fático. Esse é o entendimento de Jordana Mendes Silva (2012, p.13).

No que diz respeito à redução de pena, o legislador deixou claros os requisitos que, caso sejam atendidos, poderão fazer com o que delator seja agraciado com esse instituto: a) se, além de voluntária, foi espontânea a delação; b) se todos os integrantes envolvidos foram encontrados e, consequentemente, processados; c) se a recuperação do produto foi possível; d) se a vítima foi encontrada [...] (grifou-se)

Há, contudo uma conclusão lógica a ser tirada disso: a delação premiada pode existir para qualquer tipo de crime, desde que 1) o crime seja feito por mais de um elemento, estando eles em conjunto; 2) O fruto do crime possa ser reconquistado, ainda que em partes; 3) caso haja vítimas, que sejam trazidas de volta à sua segurança.

Esses requisitos nada mais são que as regras do jogo. As regras existem para equilibrar o jogo. O jogo é promovido pelos jogadores, porém, é regrado por um juiz, o qual se esforça para garantir que os requisitos legais sejam efetivados no caso em concreto.

                                                                           

2.1 OS participantes do jogo da delação premiada: o Ministério Público, o acusado e o juiz.

Como já dito, os participantes deste acordo são o Ministério Público, o acusado que aceita a proposta e o juiz da causa. Para que se conclua essa teoria se faz necessário o estudo sobre os óbices de uma delação, levando-se em consideração que esse é um jogo utilitarista, no qual o acusado quer, em verdade, livrar-se quase que a qualquer custo das penas que o crime imposta. Por esse motivo é que todas as partes devem aderir ao jogo cooperativo. O foco deste mote será, todavia, no trabalho do juiz, o qual tenta equilibrar as forças dos outros jogadores para que essa delação seja valorada da forma correta e se maximizem os objetivos da coletividade. (LOPES JR., 2012, p. 642)

É muito fácil visualizar esse jogo nesse instituto. E isso porque o mesmo se dá através de um acordo. Ora, observe que, bem como o nome conota, a finalidade é que, embora um dos jogadores não vá se beneficiar completamente da sua tomada de decisão nesse jogo, os demais também não se beneficiarão em sua completude. Há, aqui, uma ética utilitarista; um pensamento equitativo: a) deixar de ganhar em qualidade para ganhar em quantidade (para um jogador); b) deixar de perder tudo e perder apenas determinada parte (para os demais jogadores); é evidente que, contudo, para efetivar tal equilíbrio, os jogadores têm que cumprir determinadas regras, e ai vem o jogador c) o qual aplica as regras para que o jogo seja, desta forma, equilibrado.

Como visto, o jogo processual da delação premiada se pode apontar estes como jogadores: a) Ministério Público; b) os acusados; e c) o juiz competente. As decisões de cada podem ser definidas como: a.1) propor acordo de delação aos acusados; b.1) aceitar a proposta e seguir o script; e c.1) sancionar tanto a proposta quanto a resposta. O juiz assim o faz através da possibilidade de anulação dos atos dos acima determinados. 

O Ministério Público é o órgão responsável pelos acordos de delação. O momento do acordo de delação, embora não haja um requisito legal, é lógico que deva existir durante a fase processual. Isso porque é nessa fase que se tem um acusado com fortes indícios de autoria, apresentando, também, periculum in libertatis. Não há lei que especifique o lugar de onde será feita a delação. Geralmente, o local escolhido pelo delator é acatado pelo agente-ministerial. (SILVA, 2012, p.20-25).

O acusado tem a capacidade de declarar a sua vontade, de delatar seus comparsas, bem como relatar onde se encontram os frutos do crime e a vítima, caso ainda esteja em apuros. Deve-se, no entanto, haver um cuidado especial por parte do órgão competente, isto é, o Ministério Público, tendo em vista que a delação há de ser voluntariosa. De modo algum o Ministério Público pode pressionar o acusado a delatar seus comparsas, sob pena de invalidar o acordo. (op. cit.)

Sobre o assunto, retrata Badaró (2014, p.317) de forma esplêndida:

Quanto aos sujeitos participantes da delação premiada, ainda que os dispositivos legais que regem a matéria não ofereçam detalhes sobre o procedimento da delação premiada, importante destacar que se trata, em regra, de um acordo efetuado entre investigado ou réu, de um lado, e o Ministério Público, de outro, posteriormente levado ao magistrado para apreciação e aplicação do benefício adequado à extensão da colaboração e à sua utilidade.

Uma melhor explanação sobre a importância do magistrado no desenrolar do processo será melhor tratado no próximo capítulo.

Por ora, cumpre notar a semelhança do processo com a supracitada Teoria dos Jogos. Os jogadores sempre estão a postos. O desejo do acusado é sempre o de se safar completamente, embora saiba que os fortes indícios contra ele o deixem quase sem esperanças. É o momento em que aceita perder parte de seu suposto direito à liberdade em prol da diminuição de sua pena, substitui-la ou amenizar seus efeitos. Por outro lado, o parquet tenta promover a ordem social com a maior eficiência possível. Há, então, um acordo; um equilíbrio de vantagens. Uma ética utilitarista que dispensa qualquer ataque. Para tanto, todavia, é precípuo que o magistrado esteja atento ao cumprimento dos requisitos legais –– isto é, às regras do jogo, para que se evite um desequilíbrio de forças no direito processual penal que se vale do instituto de delação premiada.

 

3 a importândia da participação do juiz no jogo da delação premiada

Há quem diga que o instituto é uma institucionalização da traição. Esses discordam da possibilidade até mesmo da aplicação da delação premiada; Já outros, tanto concordam que acabam por se apaixonar pelo instituto, acreditando que o MP pode fazer qualquer coisa para obter uma forçosa aceitação de acordo pelo delator. Sobre os adeptos deste entendimento, pode dizer-se que não compreendem a importância da voluntariedade do acusado em aceitar, ou não, a proposta. É possível adiantar, nesta justificativa, que se não há voluntariedade, os fatos alegados pelo acusado muito provavelmente sofrerão alterações cruciais no depoimento do acusado, tendo em vista que delatará por pressão e medo, não gerando, assim, um equilíbrio no jogo.

A atuação do juiz é de extrema relevância para que aja um equilíbrio no instituto de delação premiada. Por óbvio, como já discutido anteriormente, cada jogador quer sair vencedor com 100% de aproveitamento. Essa é, todavia, uma jogada extremamente arriscada para ambos jogadores. Por isso, geralmente, as estratégias que utilizam ferem direitos que deveriam ser assegurados na maioria das circunstâncias. Por esse motivo é que deve existir um árbitro, o qual dirá o que se pode fazer e o que se não pode.

Muitos são os obstáculos que o juiz tem de enfrentar para que o acordo não sofra vício capaz de torná-lo nulo.

Tal como preceitua Jordana Silva,

É de se frisar que a delação, enquanto instrumento mediante o qual o sujeito “dedura” outrem, não pode ser utilizada como meio de prova isolada, tendo em vista suas particularidades. Uma dessas peculiaridades está presente nos casos em que a pessoa, por espírito de vingança, ou até mesmo ódio, “cagueta” o alegado coautor, podendo praticar falso testemunho. Além do mais, delatando o comparsa, ainda lhe é permitido um prêmio, redução da pena e até mesmo a própria extinção da punibilidade. (SILVA, 2012, p.30)

Nucci, reconhecendo que uma das estratégias do acusado pode ser a de falsamente delatar outrem, prevê a seguinte situação:

É preciso que o juiz permita, caso seja requerido, que o defensor do delatado faça reperguntas no interrogatório do delator.

Essas perguntas terão conteúdo e amplitude limitados, devendo haver rígido controle do juiz. Assim, somente serão admitidas questões envolvendo o delatado e não a situação do delator, tudo para preservar a este último o direito de não ser obrigado a se autoacusar. (op. cit., p.392)

Outra situação dificultosa para o magistrado quando em face de um processo no qual há acordo de delação premiada se dá quando o Ministério Público interfere diretamente na questão da voluntariedade da delação.

Badaró concebe alguns desafios para o instituto ora apreciado: “De qualquer forma, não deve ser admitido que o juiz participe da tomada de declarações do delator, não sendo aconselhável, nem mesmo, que interfira no ato de colaboração [...] O juiz não deve [...] participar [...] porque eventual fracasso destas implica a desconsideração de todos os seus termos”. (2014, p.317)

Adiantando sobre o assunto, trouxe-se, para esta parte, uma essencial explanação tirada de uma decisão jurisprudencial, delimitando o âmbito desta pesquisa. Veja-se:

Ementa: CORREIÇÃO PARCIAL. ACORDO DE DELAÇÃO PREMIADA. HOMOLOGAÇÃO. PRONUNCIAMENTO DE NATUREZA PRECÁRIA, PORQUANTO SUJEITO À VERIFICAÇÃO DA EFETIVIDADE E UTILIDADE DA COLABORAÇÃO. REVOGAÇÃO POSTERIOR. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO QUE NÃO PODE REPERCUTIR NA VALIDADE DAS PROVAS PRODUZIDAS SOB A ANTERIOR CHANCELA JUDICIAL. INVERSÃO TUMULTUÁRIA DO FEITO. DEFERIMENTO PARCIAL. 1. O instituto da delação premiada demanda a participação, efetiva e útil, do beneficiário na adequada composição da lide penal, mercê do contributo por ele prestado ao cabal esclarecimento dos fatos e da verdade, colaboração essa que terá seu valor devidamente examinado pelo juiz ao entregar a prestação jurisdicional. 2. Assim, ainda que haja prévia homologação judicial de acordo entre acusação e colaborador, a natureza precária de um pronunciamento nesse sentido desautoriza a ilação de que dele decorra um direito subjetivo aos pactuantes em verem aplicados pelo julgador os parâmetros definidos na composição, como que antecipando um juízo condenatório ao arrepio do devido processo legal. 3. Disso, no entanto, não decorre que o acordo seja um indiferente jurídico, ao contrário, a relevância do instituto reclama a percepção de parte do operador do Direito, que ele deve trazer ao colaborador alguma segurança na direção de que as autoridades públicas não se olvidarão de sua contribuição, bem assim à acusação de que as provas produzidas sob o manto da chancela judicial não terão sua validade infirmada. (CURITIBA, 2014, grifou-se)

Depois de ter conhecido a teoria dos jogos; depois de ter apreciado o trâmite do processo de delação premiada; entrar-se-á objetivamente na questão da atuação do juiz no processo que se estuda.

Para a aplicação do benefício de redução de pena, é imperioso destacar que é necessário que a colaboração auxilie nas investigações, esclarecendo as infrações cometidas em organização criminosa e a autoria das tais infrações. Além disso, deve a colaboração evidenciar atos ainda não conhecidos pelas autoridades; caso contrário, de nada vale o benefício estabelecido pela legislação. Após, o juiz, quando da fundamentação da sentença e fixação da pena, deverá avaliar o grau de colaboração prestada pelo delator, correlacionando-o com a pena a ser diminuída, dentro dos parâmetros legais. (SILVA, 2012, p.7) (grifou-se)

     A importância do juiz na garantia do equilíbrio do jogo que é a delação premiada garante que ela seja efetiva no mundo prático. Processo é jogo; jogo é regra; o juiz tem o dever de garantir que as regras sejam cumpridas, de forma a efetuar todos os direitos do acusado, garantindo-lhe uma segurança jurídica, ao passo em que cobre a intenção da sociedade representada pelo parquet, que é de ter mais segurança na vida fática.

O instituto de delação premiada constitui um forte instrumento do Estado no combate ao crime e no desenvolvimento da sociedade. A aplicação da Teoria dos Jogos nesse instituto é de grande valia para o Direito Processual Penal. Carvalho (2007, p. 231) compreende que há, na aplicação dessa Teoria, uma vantagem, que é a previsão e a avaliação das estratégias adotadas pelos jogadores. Ele reconhece, todavia, que há um ônus que deve ser enfrentado pelo juiz do jogo: garantir a efetivação das regras. Conclui:

A conduta ética das partes, procuradores e juízes que atuam no processo é um elemento que não pode ser desconsiderado numa interação estratégica, seja porque a lei expressamente repele e pune o comportamento antiético, seja porque esse comportamento, uma vez constatado, poderá ensejar a invalidade de eventual ato jurídico praticado. (grifou-se)

Eis, definitivamente, a importância do juiz da causa quando em frente a um acordo de delação premiada. Conclui-se, portanto, que, mesmo que os jogadores mintam para satisfazer completamente o seu intento, o juiz da causa, de modo algum poderá desequilibrar do que a lei estatui, sob pena de um jogo inteiro ser anulado por um fato inconveniente provindo do magistrado.

 

CONCLUSÃO

A Teoria dos Jogos tem influência direta em todas as áreas da vida humana. Para o Direito Processual Penal, essa Teoria é de grande valia, tendo em vista que Processo Penal é, na realidade, um verdadeiro jogo.

O instituto de delação premiada é um exemplo de como esse jogo funciona no Processo penalista. Nos primórdios da criação da Teoria dos Jogos muito se falava em intenção não cooperativa de cada jogador. Após décadas de estudo, sabe-se que, ainda que os jogadores queiram resultados diferentes, em diversas situações, se algum jogador não colaborasse, muito provavelmente perderia 100% de seus intentos. A teoria do Equilibrio de Nash foi que melhor esclareceu o argumento supracitado.

Fato é que, para que o jogo fosse eficaz, pelo menos em parte, para ambos os jogadores, há grande necessidade de um equilibrador –– isto é, um juiz. No caso do Direito Processual Penal, vê-se a grande relevância do trabalho do magistrado para equilibrar o jogo criminal. Ele é o aplicador das regras e, embora esteja afastado da delação pelo acusado, em si, tem o dever de se esforçar para garantir a sua incolumidade, e, ao parquet, representante da sociedade, que esta não seja ludibriado por delações ineficazes.

 

REFERÊNCIAS

 

BADARÓ, Gustavo, Processo Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.

BRASIL, Tribunal Regional Federal 4ª Região. Correição Parcial 35047  no Processo n. 2009.04.00.035047, da 9ª Turma, 13 de julho de 2010. Disponível em: < http://trf-4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/17420866/correicao-parcial-cor-35047-pr-20090400035047-6-trf4 >. Acesso em: Março de 2015.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 20. ed. São Paulo, SP: SARAIVA, 2013.

CARVALHO, José Augusto Moreira de. Introdução à Teoria dos Jogos no Direito. Revista de Direito Constitucional e Internacional. Ano 15. Abrail-junho de 2007. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo, SP: SARAIVA, 2012.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

RICARDO. Delação Premiada no Direito Brasileiro. Termo de Conclusão de Curso, 2006. Disponível em: <http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2006_1/ricardo.pdf>. Acesso em: 12 de maio de 2015.

SAUAIA, Antônio C. A.; KALLÁS, David. O dilema cooperação-competição em mercados concorrenciais: o conflito do oligopólio tratado em um jogo de empresas. Publicado em: 01/07/2005 Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1415-65552007000500005&script=sci_arttext >. Acessado em: 20/03/2015.

SILVA, Jordana Mendes da. Delação Premiada: Uma análise acerca da necessidade de regulamentação específica no Direito Penal Brasileiro. Termo de Conclusão de Curso, 2012. Disponível em: <http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2012_1/jordana_silva.pdf>. Acesso em: 10 de maio de 2015.


 

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Sobre os autores
Giulian Medeiros Mota Andrade

Acadêmico de Direito na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco. Estagiário do Escritório Rocha Advogados Associados (Julho/2014-Dezembro/2015); Estagiário do Tribunal de Contas do Estado (Julho/2015-atual); Comissionado na Secretaria de Estado da Fazenda do Estado do Maranhão na área de aposentadoria e pensão de servidores públicos estaduais.

Laise Lima de Oliveira Souza

Acadêmica de Direito pela Unidade de Ensino Superior Dom Bosco

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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