5 CONCLUSÃO
Para além de uma questão meramente econômica, em todo o estudo é visível que a “guerra fiscal” trata-se de um sintoma de endemia social e cultural. Não é de menos para um tributo criado em uma nação cujos precedentes históricos mostram pouco diálogo entre as unidades federativas, e muitos conflitos. Em se tratando, especificamente, do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, há uma dificuldade peculiar em lidar com o mesmo, por vista de sua complexidade demonstrada no grande número de hipóteses de incidências distintas.
Este, que na Constituição de 1988 é abordado no art. 155, §§ 2º e 3º, e na Lei Complementar nº 24/75, tem como um dos institutos de maior polêmica o de concessão de benefícios fiscais, os quais devem, obrigatoriamente, ser aprovados por unanimidade dos estados no CONFAZ. Contudo, sendo raras estas ocasiões de perfeito acordo, as unidades federativas então passam a conceder os benefícios o ignorando o preceito legal da necessidade do convênio, o que gera a chamada “guerra fiscal” entre os estados.
Os principais malefícios causados por este fenômeno podem ser listados em: glosa de créditos de produtos advindos de outros estados, a excessiva demanda judicial para combate destas lides no Supremo Tribunal Federal, o detrimento da segurança jurídica para empresas operarem no país e a conseqüente diminuição da competitividade do país, o aumento da desigualdade entre pequenas, médias e grandes empresas, a supressão de ganhos futuros na arrecadação fiscal, e a crise no federalismo do país.
Dentre as soluções estudadas, foram listadas: a unificação do ICMS e do IPI em um único imposto federal, a aprovação da proposta de súmula vinculante nº 69, a reforma tributária, o retorno das políticas públicas para desenvolvimento regionais, e o replanejamento na distribuição dos recursos federais.
Acerca da unificação do ICMS com o IPI em um tributo federal, o mesmo instituto possui como vantagens pois, ao remover primeiro tributo da competência estadual, não haveria mais como os estados entrarem em lide entre si; além disso, culminaria também no fim da polêmica acerca da violação ao Princípio da Não-Cumulatividade quanto às bases de cálculo do ICMS e do IPI. Porém, esta proposta possui a falha grave em ser um fator que concentra ainda mais o poder na União, esta que já possui poderes em demasia, o que resultaria em oportunidade para a mesma realizar, com mais presteza, chantagens políticas aos entes menores.
Sobre a proposta de súmula vinculante nº 69, teria como função agilizar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade que tratem sobre a “guerra fiscal”, trazendo uma aplicação mais eficiente de uma jurisprudência já consagrada na Suprema Corte brasileira. Trata-se de iniciativa louvável, mas que possui como defeito congênito a proposta de atacar o problema pelo sintoma – a judicialização da “guerra fiscal” – e não diretamente em sua causa, que no caso seria a desigualdade socioeconômica entre os estados.
A reforma tributária é, dentre estas, a mais abrupta mudança sugerida, e também a mais discutida. A maior comissão realizada para discutir este tema foi realizada em 22 de outubro de 2012, a qual produziu doze projetos de lei. Dentre eles, há um anteprojeto de lei que trata da concessão de benefícios do ICMS, a qual tem como grandes inovações o quórum de 2/3 para concessão de benefícios fiscais (preenchidos os pré-requisitos previstos em seu art. 8º) e uma reformulação nas sanções para os estados que participem da “guerra fiscal”. Porém, ao adotar como regra o quórum de unanimidade já existente, vislumbra-se que o problema da “guerra fiscal” tende a persistir ainda com sua aprovação, haja vista que tal quórum dificilmente é atingido em termos práticos.
A redistribuição de recursos do Fundo de Participação dos Estados e o Fundo de Participação dos Municípios seria uma solução a qual concentraria ainda mais poderes para a União, incorrendo na mesma falha da proposta de unificação do ICMS e IPI em um IVA brasileiro.
Assim, a idéia aqui defendida para o fim da “guerra fiscal” consiste no retorno das políticas de incentivo ao desenvolvimento regional. Isto pois, dentre estas, é a única opção que destrói o problema por sua raiz, e ainda garante um desenvolvimento econômico saudável dos estados, sem que haja aumento da dependência para com a União. Estas políticas, se bem aplicadas, culminariam no fim da necessidade de alíquotas diferenciadas de ICMS para a atração de empresas às regiões mais humildes.
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Nota
[1] ADI nº 3674, Relator Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 1º/06/2011, DJe-123, divulg, 28-06-2011.